Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | GOMES DE SOUSA | ||
| Descritores: | COMUNICAÇÕES POR CORREIO ELETRÓNICO ASSINATURA DIGITAL COMUNICAÇÕES POR TELECÓPIA APRESENTAÇÃO DOS ORIGINAIS DO ACTO TELECOPIADO PROPORCIONALIDADE | ||
| Data do Acordão: | 11/22/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I. Nas comunicações com os tribunais, nomeadamente para envio de peças processuais, os intervenientes processuais, representados por advogado ou solicitador, podem utilizar o correio eletrónico, equivalendo essa comunicação à remessa por via postal registada, desde que a respetiva mensagem seja cronologicamente validada, mediante a aposição de selo temporal por entidade idónea. II. A apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica pode também ser efetuada; mas nesse caso é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, devendo apresentar-se os originais do remetido na secretaria judicial no prazo de 10 dias contado do envio por telecópia. III. A falta de entrega dos originais do referido prazo não implica a perda do direito de praticar o ato. IV. A mais de tal preclusão não estar prescrita na lei, o princípio da proporcionalidade veda a atribuição de um efeito preclusivo do direito de praticar o ato. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nestes autos de processo comum perante tribunal singular supra numerados que correm termos no Tribunal Judicial de Comarca de Évora - Juízo Local Criminal de Évora, J 2 - por despacho lavrado em 19 de Maio de 2022, a Mmª. Juíza indeferiu o pedido de indemnização cível deduzido pelo mandatário do arguido. * Inconformado com aquela decisão dela interpôs recurso o arguido, pedindo a sua procedência pela revogação do despacho recorrido, com as seguintes conclusões: 1- O despacho recorrido viola o artº 144º do C.P.C., bem como a Portaria nº 642/2004, de 16/06, porquanto rejeitou o PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL formulado nestes autos pela ofendida contra o arguido, pelo facto do mesmo ter sido remetido pela advogada nomeada à ofendida, no âmbito do apoio judiciário, por mail profissional ao Tribunal, sem que tenha apresentado o original. 7- Posteriormente e perante as dúvidas existentes, voltou o Supremo Tribunal de Justiça novamente a pronunciar-se, através do seu Acordão nº 3/2014 (publicado no DR, 1ª Serie de 15 de abril de 2014), fixando nova Jurisprudência, que assim fixou: “em processo penal é admissível a remessa a Juízo de peças processuais através de correio eletrónico, nos termos do disposto no artº 150º, nº1 al.d) e nº 2 do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do DL nº 324/2003, de 27/12 e na Portaria nº 642/2004, de 16-06, aplicáveis conforme o disposto no artº 4º do Código de Processo Penal.”(negrito nosso). b) Das ações executivas cíveis.” 9 - Pelo que, a referida Portaria 642/2004, continua em vigor na parte que não foi revogada pela Portaria 114/2008, isto é, quanto aos pedidos de natureza civil e os processos de natureza penal, que expressamente foram salvaguardados ou excecionados. O nº 2 do artº 1 consignou que “no que respeita à tramitação eletrónica dos processos penais nos tribunais de 1ª instância, o regime previsto na portaria é aplicável apenas a partir da recepção dos autos em tribunal a que se referem o nº 1 do artº 311º e os artigos 386º, 391º-C e 396º do CPPenal”. (negrito nosso). 12– Do que decorre, que em sede penal, o regime da apresentação por transmissão eletrónica de dados, apenas é aplicável após recebidos os autos no tribunal, para efeitos do previsto nos artigos 311º (julgamento em processo comum), 386º (julgamento em processo sumário), 391º-C (julgamento em processo abreviado), 396º (aplicação da sanção em processo sumaríssimo). 13 - Ora, “in casu”, o pedido de indemnização civil enviado por mail foi formulado antes de ser proferido o despacho a que se reporta o artº 311º do C.P.P., pelo que, salvo melhor opinião, não tem que se observar o estipulado na referida Portaria 280/13 de 26 de agosto. 14- O Decreto-Lei nº 290-D/99 de 2 de agosto, regula a validade, a eficácia e valor probatório dos documentos eletrónicos e a assinatura digital, determinando a força probatória do documento quando lhe seja aposta uma assinatura digital certificada por uma entidade credenciada. 15- A Portaria nº 642/2004 de 16.06, regula a forma de apresentação a Juízo dos atos enviados através de correio eletrónico, nos termos do artigo 150º, nº1, al) d do Código de Processo Civil. 16– De acordo com o nº 3º do artigo 3º da mencionada Portaria 642/2004 “a expedição da mensagem de correio eletrónico deve ser cronologicamente validada, nos termos do artº 2º do Decreto-Lei nº 290-D/99 de 2 de agosto, com a redação última do Decreto-Lei nº 62/2003 de 3 de abril, através de aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea.” 17– E o seu o artigo 10º estabelece que “à apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou por validação cronológica é aplicável, 18– O referido regime da telecópia consta do Decreto-Lei nº 28/92 de 27/02, estipulando quanto à força probatória das telecópias, no seu artº 4º o seguinte: “1 – As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respetivos duplicados e os demais documentos que os acompanhem, quando provenientes de aparelho com o número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exatos, salvo prova em contrário. 2- … 3- Os originais dos articulados, bem como quaisquer documentos autênticos ou autenticados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias, contado do envio por telecópia, incorporando-se nos próprios autos. 22- Pelo que, tendo a recorrente apresentado o seu pedido de Indemnização Civil em papel timbrado, por correio eletrónico atribuído pela Ordem dos Advogados, mail profissional da signatária, que já se encontrava nomeada patrona no processo desde 16 de fevereiro de 2022-, ainda que, sem os requisitos supramencionados, não podia e não deveria, o Tribunal, pura e simplesmente, sem mais e de rajada, rejeitá-lo, mas ao invés, convidar a recorrente a apresentá-lo. 23 -Tal entendimento foi sufragado também e ainda no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no Proc: 975/17.0T9EVR-A.E1 que assim sumariou: “I. Nas comunicações com os tribunais, nomeadamente para envio de peças processuais, os intervenientes processuais, representados por advogado ou solicitador, podem utilizar o correio eletrónico, equivalendo essa comunicação à remessa por via postal registada, desde que a respetiva mensagem seja cronologicamente validada, mediante a aposição de selo temporal por entidade idónea. II. A apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica pode também ser efetuada; mas nesse caso é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, devendo apresentar-se os originais do remetido na secretaria judicial no prazo de 10 dias contado do envio por telecópia. III. A falta de entrega dos originais do referido prazo não implica a perda do direito de praticar o ato. IV. A mais de tal preclusão não estar prescrita na lei, o princípio da proporcionalidade implica que deva convidar-se o requerente a entregar na secretaria as peças remetidas por correio eletrónico.” (negrito nosso) 24 - Esta solução defendida, seria a que iria de encontro às exigências da nossa Constituição, respeitantes à garantia do direito de acesso aos tribunais (de onde se espera uma Justiça equilibrada e sobretudo justa), prevista no artº 20º da nossa Constituição, pois a decisão em crise apresenta-se com evidente desproporção entre a gravidade da falta cometida e as graves e irremediáveis consequências processuais, designadamente, quando não se faculte à parte qualquer suprimento ou possibilidade de correção da deficiente atuação processual. 25 - Tal direito, mereceu o acolhimento, em sede do Tribunal Constitucional, no seu Acordão nº 34/20111(www.tribunalconstitucional.pt) que expressamente consignou o seguinte: “uma falha processual - maxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflita considerável grau de negligência- não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitectura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada a efetividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais - que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade e relevância. E as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes.” 26- Mostra-se o despacho em crise de uma enorme violência quanto às suas consequências, por sobrepor, o formalismo dos atos em detrimento da verdade material e da possibilidade da concretização do exercício de um direito. 27- E desta forma, outra deveria ter sido a decisão do Tribunal, designadamente, em caso de dúvida sobre a autenticidade do documento, convidar a recorrente a apresentar o original, e apenas se esta não o fizesse, aí então determinar a medida mais gravosa, à semelhança do que logo e sem mais determinou, de rejeição do pedido de indemnização civil. Termos em que, Deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenandose a revogação do despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que admita o pedido de indemnização civil formulado por AA. * O Digno Procurador-adjunto da República junto do Tribunal da Comarca não apresentou resposta. Nesta Relação o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. Observou-se o disposto no nº 2 do art. 417° do Código de Processo Penal, tendo apresentado resposta o recorrido BB, secundando o parecer emitido. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência. ***** B.1 - São elementos de facto relevantes e resultantes do processo, para além dos que constam do relatório, os seguintes, decorrentes da análise dos autos: É este o teor do despacho recorrido: «O Tribunal é competente. O Ministério Público detém legitimidade para o exercício da acção penal. Não existem nulidades, ilegitimidades, outras excepções ou quaisquer questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer. Recebo a acusação deduzida pelo Ministério Público contra BB, identificado(a) no TIR prestado, pelos factos e com o enquadramento jurídico-penal aí referido – um crime de violência doméstica -, os quais se dão por integralmente reproduzidos. Do correio electrónico não consta assinatura electrónica avançada nem a aposição de selo temporal por entidade terceira idónea. Vejamos. A remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico é admissível nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis por remissão do artigo 4.º do Código de Processo Penal, em conformidade com o Acórdão do STJ n.º 3/2014, de 6-3-2014, publicado no DR, 1ª Série, de 15-4-2014, e, por interpretação a contrario, do artigo 2.º da Portaria n.º 280/2013, na sua redacção vigente. * B.2 – Cumpre conhecer. B.2.1 – O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal. No caso concreto e dada a correcta posição assumida pelo tribunal recorrido quanto à interpretação dos dispositivos legais aplicáveis – no caso de envio de peça processual (pedido cível) pedido por mail e por aplicação do regime de telecópia - tendo sempre presente o nº 2 do artigo 2º da Portaria nº 280/13, 26 de Agosto, que determina que «No que respeita à tramitação eletrónica dos processos penais nos tribunais judiciais de 1.ª instância, o regime previsto na presente portaria é aplicável apenas a partir da receção dos autos em tribunal a que se referem o n.º 1 do artigo 311.º e os artigos 386.º, 391.º-C e 396.º do Código de Processo Penal», resta para decidir a questão de saber se a opção pela imediata rejeição do pedido cível formulado é a mais adequada. Contrariando a posição minoritária desta Relação, seguida pelo despacho recorrido acompanhando o Acórdão de 23/04/2021, do Tribunal da Relação de Évora, já esta Relação assumiu posição contrária nos acórdãos de: - 05-04-2022 (proc. 757/20.2GDLLE.E1, sendo relator o Desemb. Moreira das Neves) I. I. Nas comunicações com os tribunais, nomeadamente para envio de peças processuais, os intervenientes processuais, representados por advogado ou solicitador, podem utilizar o correio eletrónico, equivalendo essa comunicação à remessa por via postal registada, desde que a respetiva mensagem seja cronologicamente validada, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea. II. A apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica pode também ser efetuada, mas nesse caso é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, devendo apresentar-se os originais do remetido na secretaria judicial no prazo de 10 dias contado do envio por telecópia. III. A falta de entrega dos originais do referido prazo constituiu omissão de uma formalidade, a qual, não poderá, só por si, impossibilitar o aproveitamento do ato praticado, pois tal preclusão, a mais de desproporcionada, contrariaria o princípio do processo equitativo. * I. Nas comunicações com os tribunais, nomeadamente para envio de peças processuais, os intervenientes processuais, representados por advogado ou solicitador, podem utilizar o correio eletrónico, equivalendo essa comunicação à remessa por via postal registada, desde que a respetiva mensagem seja cronologicamente validada, mediante a aposição de selo temporal por entidade idónea. II. A apresentação de peças processuais por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica pode também ser efetuada; mas nesse caso é aplicável o regime estabelecido para o envio através de telecópia, devendo apresentar-se os originais do remetido na secretaria judicial no prazo de 10 dias contado do envio por telecópia. III. A falta de entrega dos originais do referido prazo não implica a perda do direito de praticar o ato. IV. A mais de tal preclusão não estar prescrita na lei, o princípio da proporcionalidade implica que deva convidar-se o requerente a entregar na secretaria as peças remetidas por correio eletrónico. * Para caso conexo já declarou o Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 174/2022 «Julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação do artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, do artigo 144.º, n.ºs 1, 7 e 8, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, com o disposto nos artigos 286.º, 294.º e 295.º do Código Civil, e artigo 195.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho segundo a qual é nulo o recurso apresentado pelo arguido a juízo, por correio eletrónico, dentro do prazo, no âmbito do processo penal, sem prévio convite à apresentação daquela peça processual pela via considerada exigível». O caso dos autos não sendo idêntico, envolve a aplicação dos mesmos princípios de direito constitucional, por não haver razões na legislação ordinária que os excluam. De acordo com os princípios e dizeres desta Relação de Évora (que, por exaustivos, dispensam outros considerandos), e acompanhando a jurisprudência constitucional, que no uso do princípio da proporcionalidade veda a atribuição de um efeito preclusivo do direito, determina-se que o tribunal recorrido convide o recorrente a apresentar o pedido cível no prazo legal de dez dias. C - Dispositivo: Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto, devendo o tribunal recorrido notificar o recorrente para apresentar os originais do pedido cível, seguindo-se os demais termos. Sem tributação. Évora, 22-11-2022 (processado e revisto pelo relator). João Gomes de Sousa (Relator) Carlos Campos Lobo (1.º Adjunto) Ana Bacelar (.2ª Adjunta)
|