Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA DO PAÇO | ||
Descritores: | ACÇÃO LABORAL JUNÇÃO DE DOCUMENTOS | ||
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Data do Acordão: | 06/15/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I- De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 63.º do Código de Processo do Trabalho, com os articulados as partes devem juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova. II- Todavia, por força da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, as partes não estão impedidas de apresentar documentos em momento processual posterior, desde que o façam, obviamente, com respeito pelos requisitos legais que facultam tal possibilidade. III- De acordo com o artigo 423.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, as partes processuais podem apresentar prova documental depois do prazo mencionado no n.º 2 do artigo, desde que: (i) a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva); (ii) quando a sua apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] I. Relatório Na presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, que AA instaurou contra “LGCE – Logística e Construção Portugal, Lda.”, no decorrer da sessão de julgamento que teve lugar no dia 24/01/2023, após a tomada de declarações e depoimento de parte da Autora, o seu ilustre mandatário formulou requerimento, no âmbito do qual requereu a junção aos autos de um email apresentado pela sua constituinte. Após instar os mandatários, a Meritíssima Juíza a quo proferiu o seguinte despacho: «No seguimento do requerido pela autora, se esta assim o entender, com o requerimento que ora apresentou deverá apresentar o documento integral cuja junção aos autos pretende. Notifique.». No dia seguinte (25/01/2023), a Autora apresentou requerimento, por via do qual solicitou a junção aos autos de cópia do email que recebeu da Ré e da minuta que o acompanhava, ambos datados de 21/02/2022. Para justificar a junção dos documentos foi referido: «As razões de só neste momento ser apresentando este documento já constam do requerimento de fls., sendo o presente documento importante para a descoberta da verdade material e da prolação da decisão justa em termos da verdade material que vier a ser provada.» No âmbito do exercício do contraditório, em 30/01/2023, a Ré veio opor-se à junção dos aludidos documentos. Na sessão de julgamento de 31/1/2023, foi proferido despacho com o seguinte teor: «Referência 44512470/7004990 (autora) e referência 44551471/7013533 (ré): Na sequência do enquadramento da prestação de declarações de parte da autora na primeira sessão de audiência final, admite-se a junção do documento nos termos do disposto pelo 423.º, n.º 3, parte final do C.P.C., ex-vi artigo 1.º, n.º 2 alínea a), do C.P.T..--- Tendo-se a ré já pronunciado quanto ao teor do documento e nos termos do artigo 424.º, C.P.C., os trabalhos prosseguirão os respetivos termos.». Não se conformando com o decidido, veio a Ré interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem: «a) Sem prejuízo da junção, por via de Requerimento de 25 de janeiro de 2023 (com ref.ª citius 7004990), dos documentos pretendidos pela Recorrida, admitidos por via de Despacho proferido (com ref.ª citius 96548985), a tramitação jurídico-processual, melhor contida em sede de CPC e demais bases legais aplicáveis, deve, necessária e obrigatoriamente, atender, observar e respeitar demais princípios e valores aplicáveis, assim determinando com que, neste caso concreto, não era aplicável o disposto no artigo 423.º, n.º 3, do CPC, por manifesto incumprimento dos pressupostos e requisitos a que alude. b) O regime da prova por declarações de parte (artigo 466.º do CPC) em momento algum determina ou prevê alguma exceção ou especificidade a respeito da prova documental, em particular do momento de apresentação da mesma, estando tal regulado no artigo 423.º do CPC. c) Por parte da Recorrida, quanto à pretensão de junção de documentos aqui em causa, não foram observados os momentos a que aludem os n.ºs 1 e 2, do artigo 423.º do CPC, sendo que os mencionados documentos já se encontravam na possa da mesma desde 21 de fevereiro de 2022 (mesmo antes de ter sido intentada ação judicial e submetida petição inicial); d) O n.º 3 do artigo 423.º do CPC, regula o derradeiro momento e condições em que tais podem vir a ser apresentados, i.e., após os limites temporais suprarreferidos: “… só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior” e) Pela Recorrida, aquando o uso deste expediente processual, nada foi alegado ou demonstrado, no sentido de que os documentos em questão não poderiam ter sido juntos até este momento, como também não se constatou nenhuma ocorrência posterior que haja tornado, nesta fase, necessária a apresentação destes documentos, assim, apenas e tão-só, revelando falta de diligência da parte (aqui Recorrida) na apresentação de prova – conforme foi o caso –, culminando com o chamado “efeito-surpresa”, situações (e comportamentos estes) incompatíveis com os parâmetros atuais do CPC, atento que existe (e sempre terá de existir) uma autorresponsabilidade da parte na apresentação da necessária prova, no desenvolvimento do processo e nos momentos próprios e adequados quanto a tal. f) Nesse sentido se orienta, de forma unânime e sem qualquer reserva, a doutrina disponível, como também a jurisprudência nacional – sendo até bastante perentória quanto ao ónus, objetivo e concretizado, que compete à parte que apresenta documentos por referência a este normativo, numa lógica de não apenas alegar, como também demonstrar inequivocamente. g) Mesmo por referência à jurisprudência disponível, até situações em que se constatou a procura de junção de documentos na pendência de uma audiência de julgamento foram analisadas, tendo ficado claro (como sucede nos presentes autos) que a Parte já poderia ter diligenciado na obtenção e apresentação dos documentos aqui em questão, nada tendo, aliás, alegado no sentido de que a sua obtenção prévia não havia sido possível – o que, nos presentes autos, nem seria possível, dado que os documentos em questão se traduzem num email e anexo, já na posse da Recorrida desde 21 de fevereiro de 2023, antes mesmo da propositura da ação judicial. h) A Recorrida, em momento algum, cumpriu com os pressupostos a que a lei alude no respeitante à admissibilidade da apresentação de documentos, tendo apenas se apresentado a juízo munido dos mesmos e, conforme seu “bel-prazer”, procedido à sua apresentação aquando da prestação de declarações, submetendo-os, seguidamente, via citius, através de Requerimento de 25 de janeiro de 2023, assim violando, patentemente (com base no que já anteriormente ficou referido), o disposto no artigo 423.º, n.º 3, do CPC, sendo assim que este preceito deveria ter sido interpretado e aplicado. i) Atento o tipo de documentos em causa, já na posse da Recorrida, desde 21 de fevereiro de 2022, tinha a mesma obrigação de já ter provido à sua apresentação e junção no decurso dos presentes autos (seja em sede de contestação, ou dos múltiplos e sucessivos requerimentos apresentados), o que nunca fez, não obstante ter tido essa oportunidade porquanto nenhum impedimento teve. j) O presente comportamento adotado pela Recorrida (e admitido por via de Despacho de 31 de janeiro de 2023) viola, de forma atentatória, os princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva da Recorrente, ambos com a devida consagração constitucional. k) Nada foi alegado nem demonstrado pela Recorrida, no momento (quer sessão de audiência de discussão e julgamento, do dia 24 de janeiro de 2023, quer Requerimento de 25 de janeiro de 2023) em que fez uso deste expediente – sendo, aliás, com base nessa mesma ausência de argumentos / motivações da Recorrida em que se pôde basear o Tribunal a quo, em conjunto com os argumentos vertidos, pela Recorrente, em sede de Requerimento de 30 de janeiro de 2023, aquando da prolação do seu Despacho de admissão de meio de prova) –, nem o podendo fazer nesta fase (assumindo a interposição de contra-alegações de recurso), na medida em que a janela temporal em que tal poderia ter sido levado a cabo já se demonstra ultrapassado, sendo assim que deveria ter sido interpretado e aplicado o n.º 3 do artigo 423.º do CPC. l) Dúvidas não restam do erro de julgamento de que padece o Despacho de admissão de meios de prova proferido, em sede de audiência de discussão e julgamento, quanto aos documentos apresentados pela Recorrida e juntos aos presentes autos, atento que se constata incumprimento clamoroso do legalmente previsto (por referência ao disposto no artigo 423.º, n.º 3, do CPC). m) Mesmo por raciocínio analógico ao regime previsto para inquirição de testemunhas (artigo 516.º do CPC), os documentos que venham a ser apresentados por estas somente são recebidos e juntos ao processo se a parte respetiva não os pudesse ter oferecido – seguindo, assim, a mesma lógica de prova da impossibilidade de apresentação prévia. n) Sem prejuízo do teor do Despacho, o qual determinou, apenas com referência ao artigo 423.º, n.º 3, do CPC, a junção dos documentos apresentados pela Recorrida, também se refira que os mesmos jamais poderiam ter sido juntos (por determinação do Tribunal a quo), ao abrigo dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material (artigos 411.º e 436.º, ambos do CPC, aplicável ex vi, artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT) Até porque não o foram, pois que o Tribunal não promoveu, nem determinou a sua junção, limitando-se a deferir requerimento formulado por uma das partes ao abrigo do artigo 423.º do CPC o) A consagração constitucional do direito a um processo equitativo envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova uma das dimensões em que aquele se concretiza. p) Por sua vez, o direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e de defesa, têm o direito (assim como ónus) de utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos seus interesses e pretensões que apresentaram em juízo, mas não sendo o mesmo, de todo, ilimitado ou tomado como direito absoluto na sua essência (daí as restrições emergentes dos demais princípios, regras e valores aplicáveis, tais, aliás, corporizadas, por exemplo, no artigo 423.º do CPC). q) O princípio da cooperação deve ser conjugado com o (já mencionado) princípio da autorresponsabilização das partes, que não comporta (sem mais) o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de alegação ou junção de prova documental, devendo, assim (e conforme é assente orientação jurisprudencial), as partes sofrer as consequências jurídicas prejudiciais resultantes da sua negligência ou inércia quanto à condução do processo (fazendo-o a seu próprio risco). r) O princípio do inquisitório – aqui sem aplicação, até por não invocado – sempre deveria ser interpretado como um poder-dever limitado (coadjuvado pelos demais princípios e valores aplicáveis), restringindo-se, em matéria probatória, na procura, dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio, mas com necessários limites e respeito por princípios essenciais que enformam o processo civil, não podendo – nem sendo admissível – que o Tribunal, ao abrigo do mesmo, venha suprir o incumprimento de formalidades e deveres essenciais que recaem sobre as partes. s) Quanto aos limites do princípio do inquisitório e sua compatibilização com demais princípios e valores, veja-se que a doutrina e, em especial, jurisprudência são muito abundantes, sendo constante uma máxima (também em termos pedagógicos) no sentido de que não pode este servir para remedir a inércia das partes, em situações em que, não apenas não foi alegada ou demonstrada impossibilidade prévia de obtenção dos referidos elementos probatórios, como também, em termos concretos e objetivos, tal dificuldade ou obstáculos nunca se registaram (como sucedeu com o presente caso). t) Constata-se que, por parte da Recorrida, houve manifesta incúria (ou atuação tática ofensiva das regras processuais aplicáveis) no seu ónus probatório de reunir e apresentar em momento próprio os documentos em questão, pelo que, na senda da grave inobservância do princípio da autorresponsabilidade das partes (conexo com o ónus já referido) e tratando-se de documentos que a Recorrida já possuía (desde 21 de fevereiro de 2022!), não colhe cabimento legal para que, ainda que fosse ponderado em termos meramente hipotéticos, ao abrigo do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material, houvesse admissibilidade quanto à sua junção aos presentes autos. u) Neste sentido, os documentos apresentados em sede de Requerimento de 25 de janeiro de 2023 e admitidos ao abrigo de Despacho de 31 de janeiro de 2023, contrariam, flagrantemente, o legalmente previsto, assim padecendo o supramencionado Despacho de ilegalidade e desconformidade jurídico-processual. v) O Despacho impugnado violou o disposto no artigo 423.º do CPC (em especial, n.º 3 do mesmo), pelos motivos já anteriormente explanados. NESTES TERMOS E NOS QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O DESPACHO DE ADMISSÃO DE MEIOS DE PROVA, PROFERIDO A 31 DE JANEIRO DE 2023 (COM REF.ª CITIUS 96548985), SER ANULADO OU REVOGADO, NO SENTIDO DAS ALEGAÇÕES E CONCLUSÕES QUE ANTECEDEM, PARA OS DEVIDOS E NECESSÁRIOS EFEITOS LEGAIS QUE DESDE JÁ SE REQUEREM, SOMENTE ASSIM SE FAZENDO, COMO SEMPRE, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!» Contra-alegou a Autora, concluindo o seguinte: «A) Por ocasião da prestação das declarações de parte pela A. na primeira sessão da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 24/01/2023, ao abrigo do disposto no artigo 466.º do CPC, foi pela mesma narrada uma conversa que havia tido com o representante legal da R., BB, B) Concretamente, que lhe havia sido proposto o exercício de funções de operadora de máquinas em armazém para a R., ora Recorrente, ao invés das funções inerentes à sua categoria profissional, de administrativa, C) Tendo a A., ora Recorrida, recusado a proposta e afirmado que apenas desempenharia funções análogas às que exercia para a sua anterior entidade empregadora, D) Acrescentando, nessa sequência, que lhe havia sido enviada posteriormente uma mensagem de correio eletrónico com uma minuta de comunicação para sua assinatura, de modo que a mesma recusasse iniciar uma relação laboral com a Recorrente e manifestasse a sua vontade em manter o seu vínculo com a sua anterior entidade empregadora Plasticarga - Movimentação de Cargas, Lda., o que a Recorrida também recusou. E) A A., ora Recorrida, trazia consigo a referida mensagem de correio eletrónico, que atestava o que a mesma acabara de dizer e apresentou-a ao Tribunal, F) Tendo, nessa sequência, o Mandatário da A. requerido a sua junção aos autos e a Mma. Juiz a quo proferido Despacho para que a A. juntasse aos autos o documento acima mencionado na íntegra, G) O que a A. veio a fazer por requerimento no dia seguinte (cfr. Requerimento com a Ref. Citius 7004990). H) Na segunda sessão de audiência de julgamento, agendada para 31/01/2023, a Mma. Juiz a quo proferiu despacho a admitir a junção do aludido documento (cfr. Ata com a Ref. Citius 96548985). I) Inconformada, a Recorrente interpôs recurso de apelação “com subida imediata e em separado” do despacho supramencionado (cfr. Alegações com a Ref. Citius 7057583). J) Em primeiro lugar, não pode deixar de se salientar que a Recorrente nem sequer questionou a autenticidade, nem a importância dos documentos juntos pela Recorrida para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, ainda que tenha sido este o elemento decisivo para a respetiva junção aos autos pela A. e sua admissão pelo Tribunal a quo. K) Limitando-se, pois, a Recorrente a sustentar a (alegada) violação de normas e princípios legais e dos mecanismos processuais pela Recorrida e invocar que a mesma havia de ter procedido à junção de tais documentos em momento anterior, L) Socorrendo-se, para o efeito, do regime plasmado no artigo 423.º do CPC - que determina a recusa da junção tardia de documentos. M) Compulsados os autos, constata-se que a junção dos documentos em questão pela Recorrida e o despacho que os admitiu não violam o disposto no artigo 423.º do CPC, conforme abaixo se demonstrará. N) No caso vertente, considera-se elementar levar a cabo uma interpretação de ordem teleológica e sistemática da norma em questão: O) Como é sabido, a interpretação teleológica prende-se com a ratio legis da norma, i.e., a razão de ser, o fim ou objetivo do legislador com a redação do artigo 423.º do CPC. P) Na linha da jurisprudência, com o referido normativo, o legislador teve o intuito de obstar a que as partes passassem a dispor de mais um mecanismo para dissipar os recursos jurisdicionais, protelar/adiar audiências e evitar “decisões surpresa”. Q) Ora, resulta à evidência que nenhuma das referidas situações se verificou no caso em apreço, isto é, a junção da documentação em questão não dissipou os recursos jurisdicionais, não protelou / adiou a audiência de discussão e julgamento, nem desencadeou qualquer “efeito surpresa”, R) Aliás, tal “efeito surpresa”, nem sequer se vislumbra ou resulta devidamente invocado, fundamentado ou demonstrado pela Recorrente. S) Por outro lado, operando a uma interpretação sistemática da norma, não podemos esquecer-nos que o artigo 423.º do CPC tem de ser encarado “como parte de um todo, parte do sistema” (a ordem jurídica) e que o objetivo primordial do processo civil e laboral, em consonância com o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, tem como objetivo último, o de atingir a verdade material. T) Termos em que, ao proferir o despacho que determinou a junção aos autos dos aludidos documentos, a Mma. Juiz a quo assegurou, na sua plenitude, o dever processual da descoberta da verdade material que lhe incumbe, em consonância com o princípio da prevalência do mérito, tendo atuado, igualmente, em consonância com o princípio do inquisitório. U) Contrariamente às conclusões de recurso da apelante, que sustenta a inaplicabilidade do princípio do inquisitório ao caso aqui sob escrutínio, invocando, para o efeito, os limites do princípio, a sua compatibilização com demais princípios e valores e a prevalência do princípio do dispositivo. V) De acordo com o princípio do inquisitório, o juiz tem o dever de diligenciar, mesmo oficiosamente, todas as diligências indispensáveis para o apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, quer tenham sido requeridas pelas partes, quer por iniciativa do próprio juiz. W) Nos termos do artigo 410.º do CPC, “[a] instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a essa anunciação, os factos necessitados de prova”, sendo dever do juiz “realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer” (cfr. artigo 411.º do CPC). X) Esta incumbência do juiz é um comportamento que depende da sua análise casuística das circunstâncias do caso concreto, que o levam a optar por admitir / ordenar ou rejeitar determinada diligência probatória (como a admissão de um meio de prova, como aquele que nos debruçamos) para obter a justa composição do litígio. Y) No caso sub judice, a prova admitida pelo Despacho em crise revela-se essencial e necessária para alcançar a verdade dos factos. Z) Assim, tendo a Mma Juiz a quo ao seu alcance meios que lhe permitiam sanar as dúvidas quanto à matéria de facto, não seria admissível que o Tribunal ficasse/fique com dúvidas quando lhe era possível saná-las com a admissão do referido meio de prova. AA) Por outro lado, não pode igualmente deixar de se salientar que uma das especificidades do direito processual laboral em relação ao direito processual comum, é justamente, o da prevalência do inquisitório sobre o dispositivo, conforme esclarece Alcides Martins, na esteira de Raúl Ventura e José António Mesquita. BB) Por outro lado, tratando-se, no caso em apreço, da prova de um facto instrumental [isto é, de um facto que visa auxiliar a demonstração de outros factos, esses sim elementares, para concluir pela existência de factos essenciais do direito invocado pela A.] o mesmo podia ser sempre “trazido” ao processo até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, a requerimento das partes e/ou por iniciativa oficiosa do juiz. CC) Por conseguinte, se, na “recolha” de tais factos, o juiz dispõe de largo poder de iniciativa, por maioria de razão, o mesmo sucederá quanto aos meios de prova e de informação. DD) Por outro lado, caso se considerasse tais factos como essenciais, tendo os mesmos surgido no decurso da produção da prova e objeto de discussão em sede de audiência de julgamento, e considerados relevantes para a boa decisão da causa e para o apuramento da verdade material, o juiz tem o dever de tomar em consideração tais temas da prova na decisão, conforme decorre do n.º 1 do artigo 72.º do CPT, privilegiando o apuramento da verdade material e a boa decisão da causa, norteado por uma ideia de justiça efetiva. EE) Em virtude de todo o exposto, o despacho recorrido não labora em erros de natureza processual, não viola o disposto no artigo 423.º do CPC ou qualquer outra norma, não contraria os princípios legais e constitucionais, nem tão pouco os direitos da Recorrente, pelo que não merece qualquer censura ou reparo, não devendo, em consequência, ser admitido o recurso interposto pela Recorrente. Nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso de apelação ser julgado totalmente improcedente por não fundamentado, mantendo-se integralmente o despacho recorrido proferido pelo Tribunal da 1.ª Instância, fazendo, desta feita, a costumada Justiça.». A 1.ª instância admitiu o recurso com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo, por ter sido prestada caução. Tendo o apenso do recurso subido à Relação, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela procedência do recurso. Não foi oferecida resposta. O recurso foi mantido e foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir. * II. Objeto do RecursoÉ consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho). Em função destas premissas, importa analisar e decidir se o tribunal de 1.ª instância violou o preceituado no artigo 423.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. * III. Matéria de FactoA matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para o qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, bem como os demais elementos que constam dos autos que sejam relevantes para a apreciação da questão sub judice. * IV. Do direitoNa sessão de julgamento de 31/1/2023, o tribunal a quo admitiu a junção da prova documental que havia sido apresentada juntamente com o requerimento de 25/01/2023, que surge na sequência do requerimento formulado pelo mandatário da Apelada, na sessão de julgamento de 24/01/2023, e do despacho então proferido. A decisão recorrida tem o seguinte teor: «Referência 44512470/7004990 (autora) e referência 44551471/7013533 (ré): Na sequência do enquadramento da prestação de declarações de parte da autora na primeira sessão de audiência final, admite-se a junção do documento nos termos do disposto pelo 423.º, n.º 3, parte final do C.P.C., ex-vi artigo 1.º, n.º 2 alínea a), do C.P.T..--- Tendo-se a ré já pronunciado quanto ao teor do documento e nos termos do artigo 424.º, C.P.C., os trabalhos prosseguirão os respetivos termos.». Resulta da mesma que a aludida prova documental foi admitida ao abrigo do artigo 423.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, aplicável por força da remissão prevista no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho. A Apelante veio alegar que o tribunal a quo violou o mencionado artigo 423.º, n.º 3, porquanto não se verificaram os pressupostos previstos nesta norma. Apreciemos, pois, a questão em debate. Os presentes autos constituem um processo declarativo comum que segue a tramitação estabelecida nos artigos 54.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho. De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 63.º deste compêndio legal, com os articulados as partes devem juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova. Todavia, por força da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil[2], as partes não estão impedidas de apresentar documentos em momento processual posterior, desde que o façam, obviamente, com respeito pelos requisitos legais que facultam tal possibilidade. Dispõe o artigo 423.º do Código de Processo Civil: 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. No vertente caso, como já referimos, importa apreciar se o despacho recorrido violou o n.º 3 do citado artigo. De acordo com a aludida norma, as partes processuais podem apresentar prova documental depois do prazo mencionado no n.º 2 do artigo, desde que: (i) a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva ou subjetiva); (ii) quando a sua apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior. A superveniência objetiva ou subjetiva tem necessariamente de se relacionar com um facto atendível, relevante, que a parte não domina, que demonstre cabalmente que só no momento em que requereu a junção da prova documental, por razões que são alheias ao interveniente processual, foi possível a junção do documento. Ora, no que concerne aos específicos documentos cuja junção foi requerida, os mesmos encontram-se na posse da Apelada desde 21/02/2022. A petição inicial foi apresentada em 09/06/2022. Não consta da ata da sessão de julgamento de 24/01/2023 que tenha sido feita qualquer referência à verificação de uma situação de superveniência objetiva ou subjetiva para justificar a apresentação da prova documental somente naquele momento. No requerimento apresentado em 25/01/2023, mantém-se o total silêncio sobre tal possibilidade. Consequentemente, a Apelada não logrou alegar, nem demonstrar, que não lhe foi possível apresentar a aludida prova documental antes de 25/01/2023 (superveniência objetiva ou subjetiva), o que inviabiliza a verificação da primeira situação prevista no n.º 3 do artigo 423.º. Também não se nos afigura que a junção dos documentos ao processo se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior ao prazo fixado no n.º 2 do mencionado artigo 423.º. Na petição inicial, a Apelada veio alegar que a Apelante entrou em contacto consigo para a informar que o seu posto de trabalho passaria a ser exercido nas instalações da “Repsol Polímeros, Lda”. Porém, foi-lhe proposto que passasse a exercer funções de operadora logística e não de assistente administrativa, que eram as funções que exercia – artigos 21.º a 26.º da p.i.. Na sequência, alegou o envio de uma carta datada de 24/02/2022 (documento n.º 8 junto com p.i.) a insurgir-se contra tal proposta e a manifestar total disponibilidade para retomar o seu posto de trabalho - artigo 27.º da p.i.. Ora, os documentos cuja junção foi admitida pelo despacho recorrido, seriam documentos que teriam antecedido a carta de 24/02/2022. A autora, patrocinada por advogado, não podia deixar de saber que sobre ela recaia o ónus de provar a alegada proposta de alteração das suas funções profissionais, apresentada pela Apelante. Não está em causa factualidade nova, nem a necessidade de fazer contraprova de qualquer meio probatório tardiamente junto pela Apelante ou, ainda, a substituição de um meio de prova inicialmente indicado, mas que se tornou impossível, por exemplo. Com interesse, Elizabeth Fernandez escreveu:[3] «Faltando menos de 20 dias para a data designada para a audiência, ou, mesmo na pendência da mesma, e até ao encerramento da discussão, os documentos só poderão ser admitidos se houver causas objetivas que o justifiquem. A primeira causa objetiva é a impossibilidade da junção oportuna. A segunda é a necessidade da junção (provar um determinado facto por documento), por causa de uma ocorrência posterior, que pode ser a alegação de factos novos de cariz objetivo ou subjetivamente superveniente ou, ainda, a impossibilidade de produção de um outro meio de prova inicialmente arrolado pela parte.» O que se percebe a partir dos elementos dos autos, é que a Apelada teria na sua posse o email e minuta anexa desde momento anterior à propositura da ação, e não os juntou ao processo para prova de factualidade alegada na petição inicial. E, com algum efeito surpresa para a parte contrária, terá feito referência ao aludido email nas declarações e depoimento que prestou na audiência final. Ademais, aproveitando-se dessa referência, pretendeu juntar a aludida prova documental ao processo. Ora, as declarações e depoimento prestados pela Apelada não são suscetíveis de constituir uma “ocorrência posterior” que tenha tornado necessária a apresentação dos documentos.[4] A Apelada teve todas as possibilidades que a lei do processo lhe confere para juntar os aludidos documentos com o seu articulado inicial ou até 20 dias antes da data da realização da audiência final. Se não o fez, deve assumir essa responsabilidade. Pelo exposto, não se nos afigura verificada a situação prevista na parte final do n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil. Destarte, o despacho recorrido, que admitiu a prova documental em causa, exclusivamente, com fundamento no mencionado artigo, violou a referida norma legal, por não se se mostrarem verificados os seus pressupostos. Em consequência, o recurso terá de proceder. * V. DecisãoNestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que indefira o requerimento apresentado pela Apelada em 25/01/2023, por não se verificarem os pressupostos previstos no n.º 3 do artigo 423.º do Código de Processo Civil. Custas pela Apelada. Notifique. Évora, 15 de junho de 2023 Paula do Paço (Relatora) Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta) Mário Branco Coelho (2.º Adjunto) __________________________________________________ [1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho [2] A legislação processual civil mostra-se aplicável por força da remissão prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho [3] In “Um novo Código de Processo Civil ?”, Editora Vida Económica, 2014, pág. 63. [4] Neste sentido, o Acórdão desta Secção Social de 09/06/2022, prolatado no Proc. n.º 2284/18.9T8FAR-A.E1, consultável em www.dgsi.pt. |