Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3376/08.8TBLLE.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: CASO JULGADO MATERIAL
TERCEIRO REGISTRAL
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas da questão apreciada, pois o que releva é a identidade de causa de pedir, isto é, os factos constitutivos do direito, e não a identidade das qualificações jurídicas que esse fundamento comporte.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:

1. Se em anterior acção foi expressamente afirmado que a penhora era válida e que os arrematantes adquiriram o direito de propriedade sobre as fracções, com destruição dos efeitos de anterior aquisição de propriedade registada em momento posterior ao da penhora, a autoridade de caso julgado imposta por essa decisão determina a inadmissibilidade de ulterior indagação sobre a relação material controvertida ali definida.
2. O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas da questão apreciada, pois o que releva é a identidade de causa de pedir, isto é, os factos constitutivos do direito, e não a identidade das qualificações jurídicas que esse fundamento comporte.
3. O meio processual adequado à modificação de decisão transitada em julgado é o recurso extraordinário de revisão, desde que fundamentado em alguma das circunstâncias legalmente previstas, não podendo a parte vencida em anterior processo com decisão transitada em julgado obter, através de nova acção, um efeito útil que se traduza em decisão diversa da anterior.


Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Central Cível de Faro, em 22.12.2008 (…), viúva, e seus filhos (…) e (…), demandaram:
1.º Banco (…), S.A.;
2.º (…);
3.º (…) e marido (…);
4.º (…) e marido (…).
O pedido formulado pelos AA. foi o seguinte:
a) sejam os Réus condenados a reconhecer que as fracções autónomas identificadas pelas letras B, Q e Z do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), freguesia de (…), concelho de Loulé, sempre e só foram propriedade dela A. e do marido (agora dos seus herdeiros) e nunca da Empresa Construções do (…), Lda., contra a qual foi intentada a execução e praceados com arrematação pela União de Bancos Portugueses, antecessor do 1.º R.;
b) sejam revogadas as vendas daquelas fracções que o 1.º R. fez aos 2.º, 3.º e 4.º RR., as quais devem ser declaradas ineficazes e cancelados os respectivos registos a favor dos RR.;
c) A título subsidiário, com fundamento em enriquecimento sem causa, pedem que o Banco e as aludidas adquirentes paguem, solidariamente, aos AA. todas as quantias recebidas daqueles adquirentes, acrescidas de juros à taxa legal, conforme nota discriminativa que apresentarão.
Foi determinada a intervenção principal provocada de (…) e (…), a quem os 4.ºs RR. doaram a fracção por eles adquirida.

Em saneador-sentença, foi julgada verificada a invocada excepção dilatória de caso julgado quanto aos pedidos deduzidos a título principal, e improcedente o pedido subsidiário.

Inconformados, os AA. recorrem e concluem:
1- Os AA. adquiriram as fracções B, Q e Z por escritura pública de permuta celebrada com a ex-Empresa de Construções (…), Lda., em 5/12/1983.
2- O registo de aquisição a favor do casal … (AA) foi feita pela apresentação nº (…), de 28/09/1990, e a arrematação feita pelo R. (…) foi 19 de Dezembro de 1990, o que lhe retirou a boa fé.
3- Os AA. intentaram em 8/10/1990 uma acção que correu sob nº 92/1990, com vista a suspender a praça (foi pedida a apensação) e a ser reconhecido que nada deviam aos Bancos pelo que não poderiam responder pelas dívidas da executada na acção nº 32/1986 do T.J.Loulé.
4- Porém, a praça veio a realizar-se em 19 de Dezembro de 1990, e as fracções B, Q e Z foram arrematados pela União de Bancos (hoje …), ora Réu.
5- Não há pois caso julgado, pois o que discute na presente acção é saber se alienação do direito de propriedade sobre móvel mediante contrato de permuta, ainda que levada ao registo em data posterior à penhora desse mesmo móvel, prevalece sobre a venda executiva subsequente.
6- A acção nº 92/1990, não tinha como objecto discutir a venda executiva (19/12/1990), uma vez que ela ocorreu posteriormente à entrada daquela acção (8/10/1990).

Na resposta oferecida apenas pelo 1.º R. sustenta-se a manutenção do julgado.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Os factos apurados pela primeira instância para decidir a excepção de caso julgado são os seguintes:
1- Correu termos sob o n.º 92/1990 da 1.ª secção do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé (extinto), a acção ordinária em que foram AA. (…) e mulher (…) e RR., entre outros, a União de Bancos Portugueses, S.A..
2- Nessa acção, os AA. (…) e mulher (…), pediam a condenação dos RR. a:
«-reconhecer que as fracções autónomas B, I, J, Q e Z do prédio urbano “Edifício (…)”, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), inscrito na matriz urbana da freguesia de Quarteira sob o art.º (…), são pertença ou propriedade dos Autores, que nada devendo aos Réus, não respondem por dívida de outrem, designadamente os executados;
-declaradas nulas, sem efeito e inteiramente ineficazes as penhoras registadas e registandas, decorrentes de tais dívidas;
-e daí que se cancelem os registos de tais ónus e encargos das mesmas decorrentes, com ressalva dos das hipotecas voluntárias a favor do Réu Banco Totta & Açores;
-condenar-se o Réu exequente, União de Bancos Portugueses nas custas, como litigante de má fé e respectiva indemnização a liquidar em execução de sentença;
-dar-se sem efeito eventual apreensão das rendas que retribuem cedência daquelas fracções, a reverter na totalidade para os Autores, com juros legais a partir da citação e até pagamento
3- Nessa acção alegavam os AA. que, por escritura pública celebrada em 05.12.1983 entre eles e a Empresa de Construções do (…), Lda., cederam a esta o lote identificado no art. 1.º da petição inicial, recebendo em troca as fracções autónomas designadas pelas letras B, I, J, Q e Z indicadas no art.º 6º da petição inicial, e que, foram sempre os AA. que detiveram as referidas fracções autónomas, com exclusão e outrem, à vista de toda a agente, ininterruptamente e sem que alguma vez os questionassem, tirando dessas fracções as utilidades, sem dar conta a quem que fosse. Por outro lado, alegam que o banco exequente, sabendo dos direitos dos AA., fez penhorar as fracções autónomas, que foram levadas a venda judicial no respectivo processo executivo.
4- Nessa acção, foi proferida sentença em primeira instância, datada de 31 de Dezembro de 1993, julgando a acção improcedente; nessa sentença, entre outos, conclui-se que “atento o disposto no art.º 291º do Código Civil não podem os AA. vir a pôr em causa os direitos dos RR., decorrentes das penhoras efectuadas.”
5- Inconformados os AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora, onde foi proferido o Acórdão de 6 de Julho de 1995, confirmando a sentença proferida em primeira instância.
6- Mais uma vez inconformados, os AA. interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que negou a revista por Acórdão de 25 de Fevereiro de 1997.
7- Novamente inconformados, os AA. recorreram para o Tribunal Constitucional, onde, por Acórdão de 17 de Novembro de 1998, foi decidido negar provimento ao recurso e confirmar o Acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão da constitucionalidade nele contido.
8- Por óbito de (…), sucederam-lhe o cônjuge (a aqui A. …) e os filhos (os aqui AA. … e …).
9- O aqui R. Banco (…), S.A. sucedeu nos direitos da União de Bancos Portugueses, S.A..
10- As fracções designadas pelas letras B, Q e Z do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), foram penhoradas para garantia do crédito da União de Bancos Portugueses, S.A., que as adquiriu em arrematação judicial no processo n.º 32/86 da 2.ª Secção do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé. Tendo posteriormente o R. Banco (…), S.A., vendido cada uma dessas fracções aos RR. (…), (…) e (…).
11- As fracções autónomas designadas pelas letras B, Q e Z indicadas nesta acção são exactamente as mesmas que são indicadas com essas letras na acção n.º 92/1990.

Factos provados por documento autêntico junto aos autos, e que este Tribunal pondera nos termos dos arts. 607.º, n.º 4, segunda parte, 662.º, n.º 1 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil:
12- Em relação ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), da freguesia de Quarteira, foram efectuados os seguintes registos:
- em 22.12.1983 a aquisição a favor de Empresa de Construções do (…), Lda., por permuta com a A. (…) e seu falecido marido;
- na mesma data, a constituição do edifício em propriedade horizontal;
13- Em 18.03.1987 foi registada a penhora das fracções B, I, J, Q e Z do citado prédio, em execução que a União de Bancos Portugueses, S.A., moveu à Empresa de Construções do (…), Lda..
14- Em 28.09.1990 a A. (…) e seu falecido marido registaram a sua aquisição das mencionadas fracções, por permuta com a Empresa de Construções do (…), Lda..
15- Em 08.10.1990 a A. (…) e seu falecido marido propuseram a supra mencionada acção ordinária n.º 92/1990.
16- Na mencionada execução que a União de Bancos Portugueses, S.A., moveu à Empresa de Construções do (…), Lda., realizou-se em 19.12.1990 hasta pública, na qual as fracções B, Q e Z foram arrematadas pela exequente, enquanto as fracções I e J foram arrematadas por (…).
17- Nessa hasta pública, foi lavrado protesto pelo mandatário da A. (…) e seu falecido marido, por as fracções a pracear não pertencerem à executada Empresa de Construções do (…), Lda..
18- O (…) instaurou acção (Proc. 260/1997, do extinto 3.º Juízo Cível de Loulé) contra a A. (…) e o seu falecido marido, pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre as fracções I e J, cuja entrega era recusada.
19- Esta acção veio a ser julgada improcedente por Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 04.10.2007, confirmado por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.03.2008.
20- Em 19.04.2006 foi registada a aquisição da fracção B a favor da 2.ª Ré, por compra ao 1.º R..
21- Em 29.10.2002 foi registada a aquisição da fracção Q a favor dos 3.ºs RR., por compra ao 1.º R..
22- Em 11.12.2002 foi registada a aquisição da fracção Z a favor dos 4.ºs RR., por compra ao 1.º R..
23- Em 27.01.2009 foi registada a aquisição da fracção Z a favor dos intervenientes, por doação que lhes foi feita pelos 4.ºs RR..

Aplicando o Direito.
Da excepção de caso julgado
Tendo a primeira instância concluído que ocorria a tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir em relação à causa que correu termos sob o n.º 92/1990 da 1.ª secção do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Loulé (extinto), e julgada definitivamente pelos Acórdãos desta Relação de 06.07.1995, do Supremo Tribunal de Justiça de 25.02.1997 e do Tribunal Constitucional de 17.11.1998, argumentam os AA. que não ocorre tal identidade, pois naquela acção não se discutiu o acto de venda de bens alheios ocorrido na arrematação pública de 19.12.1990, tanto mais que aquela acção foi proposta em data anterior (08.10.1990).
Se bem se compreende a perspectiva dos AA., não ocorre caso julgado porquanto na acção anterior apenas se apreciou a validade jurídica da penhora efectuada antes do registo de aquisição.
No entanto, na anterior acção os AA. pretenderam o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre as fracções identificadas nos autos, com base na escritura de permuta realizada em 05.12.1983, e consequente cancelamento dos registos de penhora realizados em 18.03.1987.
E nesta acção, sempre com base na mesma escritura de permuta de 05.12.1983, os AA. continuam a pretender o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre três das fracções penhoradas e vendidas ao antecessor do 1.º R. e depois por este revendidas aos restantes RR..
Ora, a questão do conceito de terceiros para efeitos de registo – nomeadamente, porque os AA. apenas registaram a sua aquisição em momento posterior ao registo da penhora – integrou a causa de pedir da anterior acção que correu termos sob o n.º 92/1990, e foi ali definitivamente decidida. Concorde-se ou não, a decisão que ali tomada foi no sentido dos AA. não poderem opor o seu direito de propriedade em relação à penhora registada em momento anterior ao registo da aquisição.
Por outro lado, ao contrário do que afirmam os AA., na anterior acção foi expressamente discutida a validade da venda judicial ocorrida em 19.12.1990. Este facto vem elencado entre a matéria provada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.02.1997, e ali se afirma a dado passo o seguinte: «No caso dos autos, o credor penhorante e os AA. são terceiros. Por assim ser, e porque o registo da aquisição do direito de propriedade dos AA. é posterior ao registo das penhoras, aquele é ineficaz em relação a este (art. 5.º n.º 1 do Cód. Reg. Predial). É o direito inscrito em primeiro lugar, o registo da penhora, que prevalece sobre o registo ulterior, o do direito de propriedade dos AA.. Tendo em conta que o registo das penhoras prevalece sobre o registo dos AA. e considerando que as fracções penhoradas já foram arrematadas na execução, os respectivos arrematantes adquiriram o direito de propriedade sobre os mencionados bens, sendo destruídos os efeitos da anterior permuta celebrada entre os AA. e a executada. (…). Nada importa apurar sobre se o credor exequente agiu de boa ou má fé ao nomear à penhora, e posteriormente arrematar, as fracções do prédio em causa. É que a eficácia do registo é independente da boa ou má fé de quem regista» – o realce de parte do texto é da nossa responsabilidade.
Ora, o instituto do caso julgado material deve ser encarado quer na perspectiva da excepção de caso julgado, quer na perspectiva da autoridade do caso julgado. O prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que os Tribunais proferem, o princípio da economia processual e o objectivo de estabilidade e certeza das relações jurídicas, exigem que se reconheça a eficácia do caso julgado à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável do julgado[1].
De resto, o Supremo Tribunal de Justiça vem adoptando um critério moderador do rígido princípio restritivo dos limites objectivos do caso julgado, entendendo que a eficácia do caso julgado da sentença não se estende a todos os motivos da mesma, mas abrange as questões preliminares que constituíram as premissas necessárias e indispensáveis à prolação da parte injuntiva, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado material, abrangendo, pois, todas as excepções aí suscitadas por imperativo legal e conexas com o direito a que se refere a pretensão do autor, solução que permite evitar a incoerência dos julgamentos, respeita os princípios da justiça e da estabilidade das relações jurídicas, propicia a economia processual e corresponde ao alcance do caso julgado contido no art. 621.º do Código de Processo Civil[2].
Pois bem, na acção n.º 92/1990 foi expressamente afirmado que a penhora era válida e que os arrematantes adquiriram o direito de propriedade sobre as fracções, com destruição dos efeitos da permuta de 05.12.1983, e tal questão constituiu a premissa essencial da decisão tomada naquela acção. A autoridade de caso julgado imposta por essa decisão determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida ali definida.
De todo o modo, também se concorda com a decisão recorrida quando afirma a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
É evidente a coincidência de sujeitos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica – os AA. são os mesmos (os 2.º e 3.º como herdeiros do falecido …) e os RR. também o são, na medida em que o 1.º R. é o sucessor da União de Bancos Portugueses, S.A., e os restantes RR. são os adquirentes das fracções e como tal beneficiam da decisão proferida na anterior acção, para os fins do art. 263.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. De resto, é pacífico que as partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, sendo indiferente a posição que as mesmas assumam em ambos os processos[3].
Quanto à identidade de pedidos, é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado[4]. No caso, a coincidência do efeito jurídico – reconhecimento do direito de propriedade dos AA. e cancelamento dos registos conflituantes com esse direito – também ocorre.
Finalmente, a causa de pedir consiste na alegação da relação material de onde se faz derivar o correspondente direito e, dentro dessa relação material, na alegação dos factos constitutivos do direito. A acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstracta da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal[5].
Daí vem que a simples alteração da argumentação jurídica não signifique a alteração da causa de pedir. O caso julgado abrange todas as possíveis qualificações jurídicas da questão apreciada, pois o que releva é a identidade de causa de pedir, isto é, os factos constitutivos do direito, e não a identidade das qualificações jurídicas que esse fundamento comporte[6].
No caso, o facto constitutivo do direito de propriedade invocado pelos AA. em ambas as acções, centrou-se na aquisição do direito de propriedade através da escritura de permuta de 05.12.1983, e que apenas levaram a registo em 28.09.1990. Para este efeito, torna-se irrelevante a alteração da qualificação jurídica entretanto ocorrida – nomeadamente, com a modificação jurisprudencial do conceito de terceiros para efeitos de registo ocorrida entre o AUJ 15/97 – «Terceiros, para efeitos de registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente»[7] – e o AUJ 3/99 – «Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial, são os adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa.»[8]
Como resulta do art. 695.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, a que correspondia o art. 770.º, n.º 3, do anterior diploma processual civil, provido o recurso de uniformização de jurisprudência, não é afectada qualquer sentença anterior à que tenha sido impugnada nem as situações jurídicas constituídas ao seu abrigo.
Se os AA. se mostram inconformados com o resultado da anterior acção, o meio processual adequado à modificação de decisão transitada em julgado é o recurso extraordinário de revisão, desde que fundamentado em alguma das circunstâncias taxativamente elencadas no art. 696.º do Código de Processo Civil, não podendo a parte vencida em anterior processo com decisão transitada em julgado obter, através de nova acção, um efeito útil que se traduza em decisão diversa da anterior[9].
Resta, pois, confirma a, de resto, bem fundamentada decisão recorrida, tanto mais que o recurso não aborda a questão da improcedência do pedido subsidiário, que nesta parte assim transitou em julgado.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos AA..
Évora, 23 de Novembro de 2017
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Alves Simões

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[1] Neste sentido, cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, 3.ª ed., pág. 202, afirmando o seguinte: “A nós afigura-se-nos, ponderadas as vantagens e os inconvenientes das duas teses em presença, que a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério ecléctico, que sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado.”
[2] Mais recentemente, vide os Acórdãos do Supremo de 26.03.2015, de 07.05.2015 e de 16.02.2016, proferidos nos Procs. 1847/08.5TVLSB.L1.S1, 15698/04.2YYLSB-C.L1.S1 e 53/14.4TBPTB-A.G1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[3] Neste sentido, cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 17.09.2013 (Proc. 507/12.7TBSEI.C1), no mesmo endereço.
[4] Ainda na linha do mesmo aresto.
[5] Continua-se a acompanhar o mesmo aresto.
[6] Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 18.02.2014 (Proc. 889/13.3TBPBL.C1), igualmente em www.dgsi.pt.
[7] Publicado no DR, I-Série A, de 04.07.1997.
[8] Publicado no DR, I-Série A, de 10.07.1999.
[9] Cfr. o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.09.2011 (Proc. 816/09.2TBAGD.C1), sempre na mesma base de dados.