Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1375/11.1TBST.E1
Relator: MARIA JOSÉ CORTES
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
NEGLIGÊNCIA
DECISÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – À luz do vigente Código de Processo Civil, bastam 6 meses de negligência da parte no andamento do processo para que a deserção ocorra.
II – No caso dos autos, não há dúvida que o processo esteve sem movimento processual durante mais de seis meses a aguardar o impulso processual dos interessados, em especial do cabeça de casal ora apelante, entre 31 de janeiro de 2022 e 31 de agosto de 2022.
III – Em face do disposto no artigo 281.º do Código de Processo Civil e, em especial, do disposto nos n.ºs 4 e 5, é claro e incontrovertido que, no regime atualmente vigente, a deserção da instância depende de despacho judicial que, analisando os respetivos pressupostos, a julgue verificada.
IV – Tendo em conta esse regime e a necessidade de decisão judicial que verifique e declare a deserção da instância, é evidente que ao serem proferidos os despachos datados de 14 de outubro e de 23 de novembro de 2022, e vindo o apelante, em 2 de maio de 2023, a cumprir tais despachos juntando as competentes certidões de nascimento dos sucessores da falecida, não ocorreu a deserção da instância, pois que entre a data de notificação do despacho datado de 23 de novembro – notificado ao apelante em 24 de novembro de 2022 – e 2 de maio de 2023, em que o mesmo juntou os documentos, não decorreram seis meses.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: RECURSO n.º 1375/11.1TBST.E1
Tribunal recorrido: Juízo Local Cível ... – J...
Apelante: AA
Apelados: BB, CC, DD

Sumário (elaborado pela relatora - artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
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Acordam os Juízes que integram a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – RELATÓRIO
1.1. Nos presentes autos de inventário em que é cabeça de casal AA, o tribunal proferiu o seguinte despacho, datado de 2 de junho de 2023:
Compulsados os autos, verifica-se que, por despacho de 31.01.2022, foi a presente instância declarada suspensa por óbito da Interessada EE, falecida em .../.../2015, mas não habilitada.
Assim, ficaram os autos a aguardar a habilitação dos sucessores da falecida até decurso do prazo para a deserção da instância, nos termos do art.º 281.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, para o que os Interessados foram expressamente advertidos.
Ora, a instância declarativa considera-se deserta quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses (cfr. artigo 281.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
A deserção constitui causa de extinção da instância e opera automaticamente, ope legis, pelo mero decurso do referido prazo de seis meses, contado do despacho em que a parte é alertada para a necessidade de impulso processual, sendo declarada por simples despacho do juiz (cfr. artigos 277.º, alínea c) e 821.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil; LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pág. 557).
Com efeito, a deserção da instância estriba-se no princípio da auto-responsabilidade das partes. Na verdade, seria incompreensível e intolerável permitir que os processos se eternizassem em Tribunal quando a parte se desinteressasse pela lide, adotando uma conduta negligente por não promover o andamento do processo quando devesse fazê-lo. Tal colidiria frontalmente, cremos, com os princípios processuais da celeridade e da cooperação.
Sucede que a circunstância de estes autos se encontrarem estagnados há mais de seis meses por falta de impulso por parte dos Interessados traduz-se por si só numa situação objetiva – espelhada no processo - de negligência imputável àqueles. E, como salienta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.09.2016 (cfr. processo n.º 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1, relator José Rainho, in www.dgsi.pt), «tal negligência só deixa de estar constituída quando a parte onerada tenha mostrado atempadamente estar impossibilitada de dar impulso ao processo», o que in casu não ocorreu.
Nessa medida – acrescenta tal aresto – «inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual».
Em idêntico sentido, veja-se ainda, com interesse, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08.03.2018, processo n.º 225/15.4T8VNG.P1-A.S, relator Rosa Tching; processo n.º 3422/15.9T8LSB.L1.S2, relator Pedro Lima Gonçalves; e processo n.º 3820/17.3T8SNT.L1.S1, relator Acácio das Neves, todos in www.dgsi.pt.
Sublinhe-se ainda que o prazo de deserção da instância, porque de seis meses, não se suspende nas férias judiciais (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 28.10.2015, processo n.º 2248/05.2TBSJM.P2, relator José Eusébio Almeida, in www.dgsi.pt).
In casu, apesar de notificados do despacho que determinou a suspensão de instância através de ofícios de 01.02.2022, nenhum dos Interessados promoveu a habilitação dos sucessores da falecida Interessada EE no referido prazo de seis meses.
É certo que, em 31.08.2022, o cabeça-de-casal veio informar quem serão os herdeiros daquela Interessada. Todavia, não só não deduziu o competente incidente de habilitação de herdeiros (note-se que, atenta a data de entrada em juízo da presente ação, se aplica in casu o regime previsto no artigo 1332.º do Código de Processo Civil de 1961, ex vi do artigo 7.º, a contrario, da Lei n.º 23/2013, de 5 de março e artigo 11.º, n.º 1, a contrario, da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro), como – mais do que isso – fê-lo após o termo do prazo da deserção, não tendo por isso tal impulso processual a virtualidade de fazer renascer uma instância já deserta. Ademais, nenhuma razão plausível foi avançada pelo cabeça-de-casal para justificar a razão de não ter prestado tal informação durante os seis meses posteriores à notificação de 01.02.2022.
A inação dos Interessados reputa-se, pois, negligente.
Face ao exposto, declara-se a presente instância extinta por efeito da deserção.
Custas pelos Interessados (cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.”
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1.2. Não se conformando com esta decisão, dela apela o cabeça de casal, AA, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões (transcrição):
1- Em 31/01/2022 a instância foi declarada suspensa por óbito da interessada EE falecida em .../.../2015, tendo os autos ficado a aguardar a habilitação dos sucessores da falecida, tendo os interessados sido advertidos da eventualidade da deserção da instância.
2- Em 31/08/2022 o cabeça de casal veio informar quem eram os herdeiros daquela interessada.
3- Em 14/10/2022, com a refª Cittius ...56 o tribunal recorrido veio dizer “compulsado o requerimento supra, constata-se que pese embora o cabeça de casal AA tenha indicado os sucessores da falecida interessada não logrou proceder á junção dos documentos necessários á prova de tal qualidade nos termos previstos no artigo 1332.º do Código de Processo Civil de 1961.
Face ao exposto, notifique o cabeça de casal para no prazo de 10 dias, juntar aos autos as certidões de nascimento respectivas.“ Sic.
4- Em 20/12/2022, foi ainda pelo tribunal recorrido proferido o despacho com a refª Cittius ...85 na qual se dispôs “ Notifique-se, uma vez mais, o cabeça de casal para no prazo de 10 dias, proceder á junção das certidões de nascimento dos sucessores da falecida interessada, conforme determinado nos despachos proferidos em 14/10/2022 e 23/11/2022.
“ Decorrido o prazo supra sem que os documentos em apreço se mostrem juntos, determina-se que os autos fiquem a aguardar o necessário impulso processual, sem prejuízo do decurso do prazo da deserção.
5- Despacho este, notificado ao recorrente com a refª. Citius ..36. 6 – tendo o cabeça de casal em 02/05/2023 vindo juntar as referidas certidões.
7- Ora, se é um facto, que o cabeça de casal apenas em 31/08/2022, já depois de decorridos os seis meses em que o processo esteve suspenso, é que veio indicar os herdeiros da falecida, o que é certo é que, não tendo então o tribunal recorrido, declarada extinta a instância, convalidou esse facto.
8- Mais, tanto assim é que, fez ao cabeça de casal as notificações referidas em 14/10/2022, 23/11/2022 e 20/12/2022.
9- Ao presente inventário , atenta a data da sua entrada em juízo no ano de 2011, aplica-se o Código de Processo Civil de 1961.
10- Rege o artigo 285.º do C.P.Civil de 1961, aplicável ao caso, que a instância se interrompe quando estiver parada mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos, ou de algum incidente do qual dependa o seu andamento.
11- E que cessa quando o autor requerer algum acto.
12- E prescreve o art.º 291.º que considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos.
13- Ora sendo este o regime jurídico aplicável ao inventário em questão, resulta cristalino que a decisão proferida nos autos, de julgar extinta a instância, pela deserção, violou os dispositivos legais aplicáveis, por um lado,
14- E por outro, o tribunal, ao proferir, e bem, os despachos referidos em 14/10/2022, 23/11/2022 e 20/12/2022, se a instância estivesse eventualmente extinta, no que não se concede, veio renová-la, convalidá-la.
15- Donde que, Meritíssimos Juízes Desembargadores, mostrando-se com o devido respeito, a douta decisão proferida, errada, com a devida vénia, deverão Vossas Exªs revogá-la, e em seu lugar proferir nova decisão mantenha válida a instância para continuar os seus termos até final, uma vez que se mostram violados os artigos 285.º, 286.º e 291.º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1961, aplicável ao caso.”
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1.3. Não houve contra–alegações.
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1.4. Efetuada a apreciação liminar, colhidos os vistos legais e realizado o julgamento, nos termos do artigo 659.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 3 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes em 1.ª instância e ali apreciadas, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no sistema de recursos vigente na nossa lei adjetiva, não se destina à prolação de novas decisões judiciais, mas ao reexame ou à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias [Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de processo Civil, págs. 92-93].
No seguimento desta orientação, no caso em apreço, a única questão que importa decidir é a de saber se deverá ser mantida a decisão recorrida no sentido de se considerar deserta a instância ou, tal como pugna o apelante, ser proferida decisão que mantenha a instância válida para continuar os seus termos até final.
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2.2. Factos processuais com relevo
a) Por despacho proferido em 31 de janeiro de 2022, foi declarada suspensa a instância, por virtude do óbito da interessada EE, que ficaria a aguardar a habilitação dos sucessores da falecida até decurso do prazo para a deserção da instância (cfr. artigos 276.º, n.º 1, alínea a) e 281.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e, ainda, artigo 1332.º do Código de Processo Civil de 1961, aplicável ex vi do artigo 7.º, a contrario, da Lei n.º 23/2013, de 5 de março e artigo 11.º, n.º 1, a contrario, da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro), tudo sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
b) Em 31 de agosto de 2022, o cabeça de casal impetrou nos autos o requerimento com o seguinte teor:
AA, interessado nos autos supra, face ao óbito de sua mãe, EE, já comunicada, por requerimento de fls. 676 do interessado BB, em que veio requerer a habilitação da cessionária.
Face a esse conhecimento o Tribunal, por despacho de fls. 680, mandou proceder á habilitação da cessionária, que correu termos no apenso B, cuja decisão já transitou em julgado.
Sendo que, nos termos do n.º 1 do artigo 1332.º do Código de Processo Civil de 1961, “o cabeça de casal indica os sucessores do falecido” , face ao despacho que ordenou a habilitação da cessionária, ficando a aguardar o despacho desse incidente.
Neste momento, e porque já decidida a questão da habilitação da cessionária, tendo transitado em julgado a decisão proferida, vem este dizer que são herdeiros da falecida EE o cabeça de casal, filho desta, e BB, solteiro, maior, já identificado nos autos, e a irmã deste, CC, também já identificada nos autos, em representação da mãe, pré-falecida a autora da sucessão, conforme igualmente consta dos autos.
Razão pela qual requer que o inventário prossiga, habilitados que seguem os indicados herdeiros da falecida, tal qual foram indicados á autoridade tributária pelo cabeça de casal, em 30/04/2015, conforme cópia que se junta.
c) Nessa sequência foi proferido o despacho datado de 14 de outubro de 2022, com o seguinte teor:
Requerimento de 31/08/2022 (referência CITIUS n.º ...42)
Compulsado o requerimento supra, constata-se que pese embora o cabeça-de-casal AA tenha indicado os sucessores da falecida interessada, não logrou proceder à junção dos documentos necessários à prova de tal qualidade, nos termos previstos no artigo 1332.º do Código de Processo Civil de 1961.
Face ao exposto, notifique o cabeça-de-casal para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos as certidões de nascimento respetivas.”
d) Em 20 de dezembro de 2022, o tribunal de 1.ª instância proferiu o seguinte despacho:
Notifique-se, uma vez mais, o cabeça-de-casal para, no prazo de 10 dias, proceder à junção das certidões de nascimento dos sucessores da falecida interessada, conforme determinado nos despachos proferidos em 14/10/2022 e 23/11/2022.
Decorrido o prazo supra sem que os documentos em apreço se mostrem juntos, determina-se que os aos autos fiquem a aguardar o necessário impulso processual (em concreto, mediante a junção os documentos referidos supra), sem prejuízo do decurso do prazo de deserção (cfr. artigos 276.º, n.º 1, alínea a) e 281.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e, ainda, artigo 1332.º do Código de Processo Civil de 1961, aplicável ex vi do artigo 7.º, a contrario, da Lei n.º 23/2013, de 5 de março e artigo 11.º, n.º 1, a contrario, da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro).
e) Em 2 de maio de 2023, o cabeça de cabeça de casal juntou aos autos as certidões de óbito da EE e as certidões de nascimento dos interessados BB e de CC e a sua própria certidão de nascimento.
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2.3. Apreciação do recurso
Como vimos, a única questão que importa decidir é a de saber se estão (ou não) verificados os pressupostos de que depende a deserção da instância.
Vejamos.
A deserção da instância constitui uma das causas de extinção da instância, seja declarativa, seja executiva (artigo 277.º, alínea c), do Código de Processo Civil).
Uma vez proposta a ação, o juiz tem o dever de dirigir ativamente o processo e de providenciar pelo seu célere andamento.
Contudo, este dever de gestão processual expresso no artigo 6.º do Código de Processo Civil, coexiste com os ónus de impulso dos termos do processo especialmente impostos às partes, podendo determinados preceitos especiais imporem às partes o ónus de impulso subsequente, mediante a prática de determinados atos que viabilizem o prosseguimento da causa.
A deserção da instância configura uma paragem qualificada do processo.
Como salienta Paulo Ramos de Faria [O julgamento da deserção da instância declarativa – breve roteiro jurisprudencial, in Julgar, online, Abril 2015, pág. 4], “a deserção da instância é um efeito direto do tempo sobre a instância, pressupondo uma situação jurídica preexistente: a paragem do processo – situação indesejada, como vimos, que fundamenta objetivamente este instituto. Como resposta legal para o impasse processual, a extinção da instância só se justifica, no entanto, quando tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal. Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um ato que só ao demandante cabe praticar; a negligência deste”.
Assim, à luz do vigente Código de Processo Civil, bastam 6 meses de negligência da parte no andamento do processo – claro está, quando ele dependa do impulso processual daquela – para que a deserção diretamente ocorra.
Todavia, de forma uniforme, a jurisprudência tem entendido indispensável a apreciação da situação de negligência da parte com referência ao que, em concreto, decorre do processo, não bastando o mero decurso do prazo previsto na lei ou a singela verificação de uma não atuação para a extinção da instância.
Diz o artigo 281.º do Código de Processo Civil, na parte que importa, que: “(…) considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”
Verifica-se e tem-se por assente que não se prescinde da negligência das partes.
E, como decorre do n.º 5 daquele mesmo artigo 281.º, a deserção ocorre independentemente de qualquer decisão judicial.
Descendo ao caso dos autos, não há dúvida que o processo esteve sem movimento processual durante mais de seis meses a aguardar o impulso processual dos interessados, em especial do cabeça de casal ora apelante, entre 31 de janeiro de 2022 e 31 de agosto de 2022.
Com efeito, tendo sido declarada a suspensão da instância em 31 de janeiro de 2022, por força do óbito da interessada EE – suspensão que se mantinha, nos termos da lei e como expressamente referido no despacho, até à decisão que julgasse habilitados os sucessores da falecida –, o prosseguimento dos autos estava dependente da dedução do incidente de habilitação de herdeiros (incidente que, naturalmente, tinha que ser deduzido pelas partes) e durante os seis meses subsequentes à notificação daquele despacho o incidente não foi deduzido. Era evidente e indiscutível – pelo teor do despacho que havia declarado a suspensão da instância – que o prosseguimento dos autos estava dependente da habilitação dos sucessores da interessada falecida e é indiscutível que, em face da lei, quer o cabeça de casal, quer os restantes interessados no inventário podiam deduzir o incidente de habilitação.
Entendemos, por outro lado, que, na situação descrita, teremos que ter como demonstrado que a falta de impulso é imputável a negligência das partes, designadamente do cabeça de casal, porquanto estes não podiam deixar de saber que também eles tinham o ónus de impulsionar o processo (requerendo a habilitação de herdeiros) e, não obstante esse facto, não deduziram o incidente nos seis meses subsequentes (leia-se, a 31 de janeiro de 2022), nada fizeram e tão pouco vieram justificar essa omissão.
Com efeito, a evidência – resultante dos autos – da omissão de um ato que era imprescindível para o prosseguimento do processo e que à parte cabia praticar, sem a oportuna apresentação de qualquer justificação, é suficiente para caracterizar uma situação de negligência para efeitos de deserção da instância a não ser que também resulte dos autos que, por força de qualquer de qualquer facto ou circunstância, a parte estava impedida de praticar o ato em questão.
Sucede que por despacho datado de 14 de outubro de 2022, o tribunal de 1.ª instância, e com referência ao requerimento do apelante de 31.08.2022 (referência CITIUS ...42), ordenou que este juntasse aos autos, no prazo de 10 dias, as certidões de nascimento dos sucessores da falecida interessada, que indicou.
Como se nada fosse dito, o tribunal de 1.ª instância, em 20 de dezembro de 2022, ordenou novamente a notificação do cabeça-de-casal para, no prazo de 10 dias, proceder à junção das certidões de nascimento dos sucessores da falecida interessada, conforme determinado nos despachos proferidos em 14.10.2022 e 23.11.2022, com a advertência de que os autos ficavam a aguardar o necessário impulso processual (em concreto, mediante a junção os documentos referidos supra), sem prejuízo do decurso do prazo de deserção (cfr. artigos 276.º, n.º 1, alínea a) e 281.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Tendo-se verificado – conforme vimos – a situação objetiva que, nos termos da lei, determina a deserção da instância (entre 31 de janeiro de 2022 e 31 de agosto de 2022), resta agora saber se a circunstância de terem vindo, entretanto (após o período de seis meses), a serem proferidos os despachos supra aludidos a ordenar a junção dos assentos de nascimento dos interessados e necessárias a habilitar os sucessores da falecida EE obsta (ou não) à efetiva declaração dessa deserção.
E, diga-se desde já, que a resposta tem que ser que obsta.
Em face do disposto no artigo 281.º do Código de Processo Civil e, em especial, do disposto nos n.ºs 4 e 5, pensamos ser claro – e incontrovertido – que, no regime atualmente vigente, a deserção da instância depende de despacho judicial que, analisando os respetivos pressupostos, a julgue verificada. Só assim não sucede no âmbito do processo executivo em relação ao qual se dispõe – cfr. n.º 5 – que a instância se considera deserta na situação ali descrita, independentemente de qualquer decisão judicial.
Tendo em conta esse regime e a necessidade de decisão judicial que verifique e declare a deserção da instância (sempre que não esteja em causa um processo de execução), é evidente que ao proferir os despachos datados de 14 de outubro e de 23 de novembro de 2022, e vindo o apelante, em 2 de maio de 2023, a cumprir tais despachos juntando as competentes certidões de nascimento dos sucessores da falecida, não ocorreu a deserção da instância (pois que entre a data de notificação do despacho datado de 23 de novembro – notificado ao apelante em 24 de novembro de 2022 – e 2 de maio de 2023, em que o mesmo juntou os documentos, não decorreram seis meses), merecendo a decisão recorrida censura, a qual será revogada e substituída por outra que mantenha a instância válida e determine o prosseguimento dos autos, o que será determinado por este tribunal da relação.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar o despacho recorrido, e decidir manter a presente instância válida, ordenando o prosseguimento dos autos nos seus normais trâmites, dado que não ocorreu a deserção da instância.
Sem custas.
Notifique.
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Évora, 25 de janeiro de 2024
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários)
Maria José Cortes (Relatora)
Maria Adelaide Domingos (1.ª Adjunta)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)