Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2736/16.5T8FAR.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
ARRESTO
Data do Acordão: 02/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. No contrato de mediação imobiliária o direito à remuneração está, em regra, sujeito a um acontecimento futuro - o da conclusão e perfeição do negócio visado pelo contrato de mediação -, o que leva a concluir que o direito à remuneração da empresa mediadora está sujeito a uma condição suspensiva.
2. Atento o disposto no art.º 272º do Cód. Civ. o credor condicional, perante uma actuação por parte do devedor condicional que viole os ditames da boa fé - nomeadamente por fazer perigar a possibilidade do credor condicional, verificada a condição suspensiva, obter o seu crédito, ao fazer esvair o seu património por forma a comprometer a integridade do direito do credor -, pode usar de todos os meios processuais para obrigar o devedor condicional a sustar a actuação que se mostre perniciosa ao cumprimento da obrigação sujeita a condição suspensiva, nomeadamente intentando o competente arresto, desde que preenchidos os atinentes pressupostos, e propor a respectiva acção declarativa para que o devedor condicional adeqúe o seu comportamento às normas da boa fé contratual, abstendo-se de actos que possam fazer perigar a boa cobrança do crédito sob condição suspensiva, logo que verificada a mesma.
Decisão Texto Integral:
Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 2736/16.5T8FAR
Apelação
Comarca de Faro (Loulé-IC–1ªSec.Ex.-J1)
Recorrente: AA..., Lda
Recorridos: BB..., Limited e CC..., Lda
R10.2017

I. AA..., Lda., instaurou o presente Procedimento Cautelar de Arresto contra BB..., Limited e CC..., Lda, peticionando o arresto dos prédios descritos no Requerimento Inicial.
Para o efeito, alegou, em síntese, que celebrou com as Requeridas um contrato denominado “Contrato de mediação”, nos termos do qual deveria mediar a compra e venda dos prédios propriedade das Requeridas, mediante o pagamento de uma comissão de 4 % sobre o valor da venda dos prédios, a ser paga na proporção de 50 % com a celebração do contrato promessa e o remanescente de 50% no acto da celebração da escritura ou conclusão do negócio.
Assim, e nos termos acordados, a Requerente angariou um cliente para a compra dos imóveis, tendo sido acordada a venda pelo preço total de 1.450.000,00 euros, determinando uma comissão no valor de 58.000,00 euros, a que acrescia o IVA, tudo perfazendo 71.348,00 euros, tendo sido celebrado o respectivo contrato promessa de compra e venda no dia 15/9/2016 e tendo sido agendada a escritura definitiva entre os dias 10 e 20 de Novembro de 2016.
Deste modo, as Requeridas estão obrigadas a pagar a comissão devida, sendo que com a assinatura do contrato promessa é devido o pagamento de 50 % dessa comissão, o que ainda não fizeram, apesar de interpeladas para o efeito.
Por outro lado, o património das Requerida e constituído apenas pelos imóveis a serem vendidos, a 1ª Requerida não tem actividade em Portugal e a 2ª Requerida não mantém escritório, para além de que o representante de ambas abandonou Portugal, pelo que se verifica o justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito da Requerente.

Proferido convite ao aperfeiçoamento do articulado, pelos Requerentes foi respondido que com o pretendido arresto pretende ver garantido o seu crédito que entende é no valor de 58.000,00 euros, acrescido de IVA, perfazendo 71.348,00 euros.

Efectuado julgamento foi proferida Sentença, em que se decidiu o seguinte:
“.Pelo exposto, decide-se:
a) julgar extinta a instância neste procedimento cautelar, por inutilidade superveniente da lide e ao abrigo do disposto no art.º 227º, al. e), do Código de Processo Civil.
b) condenar a Requerente AA..., Lda. nas custas do procedimento;
c) fixar o valor do procedimento cautelar em 71.348,00 euros.
…”

Inconformada com tal decisão, veio a Autora interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
1- A douta sentença proferida pelo tribunal aquo julga incorrectamente a matéria de facto, uma vez que a sentença devia ter dado como provado a celebração do contrato promessa ao contrário de considerar não celebrado tal contrato.
2- O documento junto aos autos em 15/11/2016 ( doc. 1) a folhas 80 e 81, consubstancia um email enviado pela requerente a H… no dia 19-6-2016 pelas 15,28 h, no qual se lê: “Não obstante Vª. Exª. ter sido formalmente notificada por esta sociedade mediadora para nos informar se já tinha sido celebrado o contrato promessa de compra e venda, relativo á Quinta dos A... , Vª. exª. nada nos informou. No entanto tivemos agora conhecimento através deas partes contratantes que o contrato promessa foi celebrado na passada quinta-feira , dia 15 de Setembro. O vosso silêncio e a falta de resposta á notificação que lhe tinha sido dirijida configura um comportamento grave, incidiador de violação das regras contratuais, nomeadamente do dever de comunicação e de boa fé, o que pode ter consequências para Vª. Exª. , o que aqui desde já se evidencia. Pretendemos no entanto, com este email notificar-vos formalmente para que nos faça chegar uma cópia do contrato promessa, relativo á propriedade denominda “Quinta dos A... “, uma vez que, como agência mediadora do negócio devemos manter em ficheiro uma cópia desse documento. . Aguardamos a sua resposta e o envioo do documento ora solicitado. “.
3- Esse email teve como resposta um email recebido pela requerente do referido H… no mesmo dia 19 de Setembro de 2016 pelas 17.59 h, a fls 79 e 82, no qual este responde o seguinte : “ Boa noite, estou na Suiça e tenho que esperar o contrato de venda pelo correio. Ainda não recebi o contrato de venda que está com o meu advogado. Eu fiz uma proposta de pagamento, mas não recebi resposta .”( o sublinhado é nosso).
4- Resulta provado que: “Em 30 de Outubro de 2016, e após comunicação da Requerente solicitando o envio de cópia do contrato promessa, H... entregou à Requerente a quantia de 40.000,00 euros”. .E, nem se diga, como o faz a douta sentença do tribunal aquo que, não se sabe a que titulo tal pagamento foi feito, se sinal, se pagamento da actividade de mediação, pois no documento junto aos autos na audiência de julgamento, a folhas 64 a 67, que consubstancia a ordem de transferência do valor de € 40.000,00 é referido : Finalidade do pagamento :Mediação “. E, como se sabe, é o ordenante da transferência – neste caso H... - que, quando ordena a dita tem que referir e qualificar junto do seu banco o motivo da transferência.
5- O artigo 236º do Código Civil determina que : “ A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoalvelmente contar com ele.
6- Assim, da conjugação dos documentos em causa ( fls 80 e 81, 79 e 82, 64 a 67) deve ser considerado provado, ainda que de forma indiciária, mas suficiente, a celebração do contrato promessa,
7- Pelo que ao não considerar tal contrato celebrado a sentença recorrida julgou mal a matéria de facto.
8- A sentença recorrida considera que os restantes 50% do valor da comissão são uma mera expectativa e não um crédito. Refere que não se trata sequer de um crédito não vencido mas sim da inexistência desse crédito. Ora, no caso dos autos, o valor da primeira parte da comissão devida seria de € 29.000,00 que acrescido de IVA perfaz o valor de 35.670,00. No entanto, o representante das requeridas pagou €40.000,00, que corresponde a 56% do valor da mediação. Conforme refere a sentença na sua douta motivação a testemunha E… referiu que no dia 30 de outubro recebeu a quantia de 40.000,00 enviada pelo Sr.H… e que corresponde ao valor que o mesmo já anteriormente manifestará intenção de pagar e que não fora aceite pela requerente , por está entender que tal montante era inferior à comissão acordada.
9- No caso presente, tendo ficado provado a celebração do contrato de mediação entre as partes, a venda projectada e acordada entre comprador e vendedor pelo valor final de 1.450.000,00 e o recebimento de € 40.000,00 que corresponde a mais do que 50% da comissão, e as declarações da testemunha E… que são transcritas na decisão, tudo indicia que existe um litígio entre as partes e que o representante das requeridas pretende pagar somente este valor e não o total que se obrigou.
10- O crédito da requerente é uno, trata-se de uma só obrigação, pelo que a mesma não pode ser dividida em reconhecimento de crédito no que se refere à primeira prestação, e mera expectativa no que se refere á segunda prestação.
11-Não existem duas obrigações distintas, dois créditos distintos. Existe só um crédito com eventuais “timings” de vencimento diferentes.
12-Quanto muito o que a sentença recorrida poderia ter considerado é que parte crédito não estaria ainda vencido mas, ainda que se considere que parte do crédito não esta vencido, tal não constitui fundamento para não ser decretada a providência cautelar.
13- Ao considerar que existe uma mera expecatativa jurídica no que se refere ao restante valor - que não é de 50% mas somente de 44%, - a sentença recorrida violou o artigo 397º do Código Civil.
14- Segundo a sentença recorrida, se o contrato definitivo nunca chegar a ser celebrado ( imagine-se que por culpa imputável à requeridas) , a requerente não tem direito a receber a segunda parte da prestação. Ora, tal raciocínio é contrário ao entendimento da nossa jurisprudência e viola o artigo 2º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro, aqui violado.
15- A sentença recorrida esvazia de conteúdo a providência cautelar de arresto ao decidir que a requerente só tem um verdadeiro crédito e não uma mera expectativa jurídica se provar a celebração do contrato definitivo ou a conclusão do negócio. Mas, tendo ficado provado que as requeridas só possuem os bens imóveis que pretendem alienar, que não têm actividade em Portugal nem trabalhadores, a requerente ficará impedida de arrestar algum património em valor suficiente que lhe permitam garantir o seu crédito.
16- E, nem se diga que as requeridas podem possuir bens móveis ou contas bancárias pois, as regras da experiência mostram-nos e os factos indiciam que estamos perante sociedades que só existem no “papel”, havendo pouca ou nenhuma probabilidade de terem contas bancárias ou bens móveis em valor suficiente para satisfazer o crédito.
17-Pelo que, a sentença recorrida violou também o art.º 601º e 619~todos do CC e os artigos 391º do CPC.
18-Resultou ainda provado que as duas sociedades requeridas não possuem outros bens em Portugal, não têm actividade, não têm trabalhadores, que o seu representante tinha muita pressa em vender os imóveis, facto que referiu à requerente, que já se ausentou para a Suica e que o preço final do negócio desceu de € 1.750.000,00 para € 1.450.000,0. Assim, da análise dos factos conjugados com a experiência resulta, que os mesmos só podem incutir num homem normal, colocado na posição da requerente/credora, o receio de perder o seu crédito .
19- Pelo que, está provado o requisito do receio de perda da garantia patrimonial , e não o considerando a sentença recorrida violou o artigo 392º do CPC.
Termos em que a sentença recorrida, deve ser substituída por outra que condene as requeridas no pedido e, ordene o arresto requerido, …”

Cumpre decidir.
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual:
1º-A requerente é uma sociedade comercial que se dedica, entre outros, à atividade de mediação imobiliária.
2º-Para exercer a sua atividade de mediação imobiliária a requerente possui um site na Internet com o domínio, http://www.mnascimento.pt/empreendimentos/pesquisa/ onde anuncia os imoveis que pretende mediar.
3º-A requerente é titular da licença AMI nº ….
4º-No âmbito da sua actividade comercial a Requerente, celebrou um acordo que ficou a constar no escrito junto como documento número 1, denominado “Contrato de mediação imobiliária”, que aqui se dá por reproduzido, e datado de 3/6/2016.
5º-Nesse escrito consta que é celerado uma cordo entre a Requerente e H... , que contrata na qualidade de “proprietário e gestor”.
6º-Nesse escrito, sob a cláusula 1ª consta que H... é “proprietário e legitimo possuidor e gestor” dos prédios rústicos e prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o n.º …/19860115, inscrito nas matrizes prediais rústicas … e … e matriz predial urbana ….
7º-Nesse escrito, sob a cláusula 5ª, n.º 2, consta que a Segunda Contratante obriga-se a pagar à mediadora a titulo de remuneração a quantia de 4 % calculada sobre o preço pelo qual o negócios é efectivamente concretizado acrescido de IVA à taxa legal em vigor.
8º-Nesse escrito, sob a cláusula 5ª, n.º 2, consta que o pagamento da remuneração será efectuado 50 % com a celebração do contrato promessa e o remanescente de 50 % no acto da celebração da escritura pública ou conclusão do negócio.
9º-Os prédios referidos no facto provado 6º correspondem aos prédios:
-descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o n.º …/19860115 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 3.634, encontrando-se o direito de propriedade inscrito a favor da Requerida BB..., Limited;
-descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o n.º …/19860605 e inscrito na matriz rústica sob o artigo 93, secção E, encontrando-se o direito de propriedade inscrito a favor da Requerida CC..., Lda.;
-inscrito na matriz rústica sob o artigo 53, secção F, freguesia de Lagoa e Carvoeiro, de que é titular a Requerida CC..., Lda.
10º-H... apresentou-se perante a Requerente, intitulando-se “dono das sociedades donas dos prédios”.
11º-A Requerida CC..., Lda. tem como sócios o referido H... , com uma quota de 3.500 euros, e G... com uma quota de 1.500 euros, sendo único gerente da sociedade o referido H... .
12º- H... agiu no contrato referido no facto provado 4º, apresentando-se como representante das Requeridas.
13º-Os prédios referidos no facto provado 9º são também conhecidos pela Quinta dos A... .
14º-A Requerente publicitou a venda dos prédios a que se refere o contrato indicado no facto provado 4º, e pelo valor de venda de 1.750.000,00 euros, através da sua página na internet.
15º-Uma pessoa que aparentava ter a nacionalidade francesa, com o nome de F... , manifestou à Requerente o seu interesse na aquisição dos prédios indicados no contrato referido no facto provado 4º, pelo que a Requerente, em 28 de Julho de 2006, o conduziu a visitar esses prédios e apresentou-o a H... .
16º-Após decorreram negociações directamente entre o mencionado F... e H... , tendo sido acordado entre ambos a compra dos prédios pelo preço de 1.450.000,00 euros, em data situada entre o final de Julho e o inicio de Agosto de 2016, e nos termos de contrato a celebrar em meados de Setembro de 20165 com vista a estabelecer um ”compromisso” entre ambos, e a que se seguiria um outro contrato a que atribuíram a natureza e finalidade de “venda final” a realizar previsivelmente entre 10 e 20 de Novembro de 2016.
17º-Na sequência desse acordo, H... comunicou às empresas mediadoras onde estava publicitada a venda dos prédios para cessarem essa publicidade e comunicando-lhes que os prédios tinham sido “vendidos”.
18º- H... comunicou a empregados e representantes da Requerente que tinha pressa em concretizar o negócio porque pretendia ausentar-se para a Suíça.
19º-As Requerida não entregaram à Requerente uma cópia de contrato promessa que eventualmente tenha sido celebrado e não comunicaram à Requerente a data e local da eventual celebração da escritura pública do contrato definitivo.
20º-Nos serviços fiscais, presentemente continuam como titulares dos prédios as Requeridas, sendo a Requerida BB..., Limited no caso da matriz urbana 3.634, e a Requerida CC..., Lda., no caso das matrizes rústicas 93-E e 53-F, para além do que resulta do facto provado 9º.
21º-Em 30 de Outubro de 2016, e após comunicação da Requerente solicitando o envio de cópia do contrato promessa, H... entregou à Requerente a quantia de 40.000,00 euros.
22º-As Requeridas não exercem actividade em Portugal, nem tem trabalhadores ao seu serviço.
23º-As Requeridas não são donas de outros imóveis para além dos indicados no facto provado 9º.
24º-Na descrição predial n.º …/19860115 da Conservatória do Registo Predial de Lagoa, encontra-se ainda inscrita uma penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia do credito de 690,30 euros, no âmbito de uma execução fiscal.
25º-Presentemente H... encontra-se na Suíça.

E como não provados os seguintes factos:
1º-Que H... é dono e/ou representante da Requerida BB..., Limited.
2º-Que, sem prejuízo do que consta nos factos provados, tivesse sido efectivamente celebrado um contrato promessa tendo por objecto os prédios indicados no facto provado 4º.
3º-Que a Requerente tivesse interpelado H... ou as Requerida em data anterior ao da propositura deste procedimento cautelar, para que procedessem ao pagamento da remuneração a que se refere o contrato mencionado no facto provado 4º.
4º-Que, sem prejuízo do que consta nos factos provados, as Requeridas tenham reconhecido a divida alegada pela Requerente.
5º-Que, sem prejuízo do que consta no facto provado 23º, as Requeridas não sejam donas de quaisquer outros bens em Portugal.
6º-Que os prédios referidos no facto provado 9º se destinassem exclusivamente a habitação de H... .
***
III. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

A questão a decidir resume-se, pois, a saber:
a)Se deve ser alterada a matéria de facto indiciariamente dada como provada, em conformidade com a pretensão da Apelante;
b)Qual a solução a dar ao pleito.

Cumpre, em primeiro lugar, apreciar a pretensão da Apelante de ver alterada a matéria de facto.
Pretende a Apelante, por via da impugnação da Decisão sobre a matéria de facto, que se dê como provada a realização do contrato de promessa de compra e venda dos prédios acima descritos, atentos os mails trocados entre a Apelante e o Sr. H... .

Nos termos do art.º 875º do Cód. Civ. “Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado.”.
Excepciona a lei a esta regra, “a compra e venda com mútuo, com ou sem hipoteca, referente a prédio urbano destinado a habitação, ou fracção autónoma para o mesmo fim, desde que o mutuante seja uma instituição de crédito autorizada a conceder crédito à habitação”, regulada pelo DL n.º 255/93, de 15 de Julho, em que, por força do disposto no art.º 2º, tais contratos são reduzidos a documento particular, com reconhecimento de assinaturas, e ainda a compra e venda de imóveis, em que as partes optem pelo procedimento especial de transmissão constante do Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de Julho, que corre os seus termos perante a competente Conservatória de Registo Especial, em que o contrato é assinado pelas partes contratantes.
O que nos permite concluir que, qualquer que seja o regime de formalização contratual do contrato de compra e venda de imóveis, as partes têm que formalizar a sua vontade em documento escrito, assinado por vendedor e comprador.
Devendo o contrato de compra e venda estar formalizado em documento assinado pelas partes contratantes, também o atinente contrato-promessa deve ser reduzido a escrito, em face do disposto no n.º2 do art.º 410º do Cód. Civ., com o reconhecimento presencial das assinaturas, nos casos referidos no n.º 3 do mesmo dispositivo.
Tratando-se de declaração negocial que deve ser reduzida a escrito para ser válida, ou seja, tratando-se de documento ad substanciam, a sua não junção aos autos, implica o não reconhecimento da sua existência para efeitos da prova da sua celebração.
Consequentemente, não pode ser dado como provado que o foi celebrado o contrato-promessa em apreço.

Isto não significa que não se possa dar como provados os mails de fls. 80 a 85, e a tradução dos que estão na língua francesa, pois não versam sobre a substância do contrato-promessa.
Daí que se dê como provada a seguinte matéria:
Ponto 26º)
A Autora e o Sr. H... trocaram os mails de fls. 80 e 81, e 83, cujo teor aqui se dá por reproduzido, assim bem como a tradução dos mails em língua francesa que está junta a fls. 82 e 84.

Procede assim, parcialmente, a pretensão da Apelante, quanto à impugnação da matéria de facto.

Definida a matéria de facto indiciariamente provada, cumpre apurar a decisão a dar ao pleito.

Antes do mais, importa enquadrar a temática do Contrato de Imediação Imobiliária e do Procedimento Cautelar de Arresto, no que interessa ao processo em apreço.

O contrato de mediação imobiliária
Nos termos da legislação aplicável ao caso em apreço (Lei n.º 15/2013, de 08/02), a actividade de mediação imobiliária, no que interessa aos autos, “consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, …”(n.º1) e “consubstancia--se também no desenvolvimento das seguintes ações:
a) Prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes;
b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões.” (n.º2)
Só sendo devida remuneração à mediadora imobiliária, nos termos do art.º 19º do referido diploma “com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”(n.º1).
Características que levam a considerar o contrato de mediação imobiliária como um contrato de resultado.
Excepciona a Lei, na segunda parte do n.º 1 do seu art.º 19º, a possibilidade da remuneração ser paga em momento anterior ao da conclusão e perfeição do negócio, quando “tenha sido celebrado contrato-promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação, nos quais as partes podem prever o pagamento da remuneração após a sua celebração”.
No entanto, em nosso entender, pelo facto da remuneração poder ser paga em momento anterior ao da conclusão do contrato, mas depois da celebração do respectivo contrato-promessa, não retira ao contrato de mediação imobiliária, a sua qualificação como contrato de resultado, ou seja, uma contrato que só se mostra concluído com a concretização do negócio mediado, a maior parte das vezes a compra e venda de um bem imóvel.
Uma vez que a antecipação da remuneração, não contende com a condição essencial do direito à mesma, que é a da concretização do negócio pelo interessado angariado pela Mediadora.
Ficando assim o direito à remuneração da Mediadora, em termos definitivos, embora pago por antecipação, sujeito à verificação da condição essencial, a da concretização do negócio.
Concluindo-se assim, do exposto, que, sendo a concretização do negócio a condição essencial do direito à remuneração, antecipado o seu pagamento nos termos supra definidos, a mediadora está obrigada à devolução da remuneração paga antecipadamente, se o negócio se não concretizar.
Excepciona ainda no n.º 2 do mesmo preceito, imbuído do princípio da boa fé contratual na pendência de um negócio sujeito a condição suspensiva, plasmado como regra geral no art.º 272º do Cód. Civ., e vertido na 1ª parte do n.º2 do art.º 275º do Cód. Civ. para a especificidade da verificação da condição ter sido impedida, por aquele a quem prejudica, que “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário.”.
Trata-se aqui, mais uma vez, da reafirmação do contrato de mediação imobiliária, como contrato de resultado, cuja não concretização por causa imputável ao cliente, implica, no caso de mediação em exclusividade, uma sanção, a do pagamento da remuneração devida se o contrato tivesse sido concretizado.
Do que importa concluir que o contrato de mediação imobiliária é, na sua essência, um contrato de resultado.

Estando, em regra, o direito à remuneração da Empresa Mediadora, sujeito a um acontecimento futuro, o da conclusão e perfeição do negócio visado pelo contrato de mediação, somos levados a considerar que o direito à remuneração da Empresa Mediadora está sujeito a uma condição suspensiva, a que se aplicam as regras acima enunciadas.
Isto, independentemente de as partes acordarem que uma percentagem da remuneração será paga aquando da celebração do contrato-promessa, dado que a condição para o recebimento por parte da Empresa Mediadora da sua remuneração, é a da conclusão e da perfeição do negócio visado pelo contrato de mediação, pois neste caso apenas se trata de um adiantamento por conta da remuneração devida a final, sujeita às vicissitudes que acima enunciámos.

O arresto
O procedimento cautelar de arresto, tal como está definido nos art.ºs 391º e 392º do NCPC, assenta em dois pressupostos basilares, por um lado a existência de um crédito e, por outro, o fundado receio de que a garantia patrimonial desse crédito possa ser dissipada com a necessária demora processual da acção principal.
Matéria que deve ser alegada por via de concretos factos, dos quais se deduza o periculum in mora que leve a determinar a realização da providência.

Uma das questões que se coloca respeita à exigibilidade da obrigação na data em que é requerida a providência.
Atenta a natureza e objectivos da providência de arresto, tanto se justifica o seu decretamento quando já existe incumprimento ou mora do devedor, como naquelas situações em que o devedor adopta comportamentos que colocam em perigo a garantia patrimonial, de tal modo que, com antecedência, se revele uma situação de impossibilidade ou de grave dificuldade na sua futura cobrança.
A perda de benefício do prazo, nos termos do art.º 780º do CC, exige a verificação de uma situação de insolvência efectiva (ainda que não judicialmente verificada), a diminuição das garantias prestadas ou a falta de prestação dessas garantias. Tanta protecção merece o credor cujo crédito pecuniário se encontra vencido, como aquele que aguarda pela data do vencimento para exigir ao devedor o seu cumprimento.
Desde que as circunstâncias verificadas autorizem a interposição de acção declarativa a fim de poder cumprir-se a exigência imposta pelo art.º 389º, n.º1, al. a), ou desde que se esteja perante perante uma situação que possa resolver-se mediante mecanismos destinados a tornar exigível a obrigação no âmbito da acção executiva (art.ºs 802º e 804º), pode o credor avançar imediatamente com o arresto, verificado que seja a situação de periculum in mora.” (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do processo Civil, IV Volume, 2001, a págs. 172 e 173, em comentário ao anterior CPC).

À primeira vista, poder-se-ia dizer que não é admissível o decretamento do arresto, quando a obrigação estiver sujeita a condição suspensiva, ainda não verificada, uma vez que não é admissível a propositura da correspondente acção declarativa para peticionar o cumprimento de uma obrigação que não se sabe se se vai concretizar, dado que “na pendência da condição, o crédito sujeito a condição suspensiva ainda não existe como direito, mas como simples expectativa” (Antunes Varela, Cód. Civ. Anotado, Vol. I, em comentário ao art.º 272º do Cód. Civ.), ou seja “a eficácia do negócio condicional é posta na dependência do evento condicionante …, por maneira que ele só produzirá os seus efeitos se vier a realizar-se o acontecimento visado.” (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4ª impressão, págs. 366).

No entanto, “dum modo geral, o devedor condicional é obrigado a não proceder de modo a não deixar íntegro para o credor o direito que o respectivo negócio lhe atribuirá, uma vez produzido o evento condicionante, abstendo-se de actos de disposição jurídica ou de transformação económica susceptíveis de comprometer a integridade desse mesmo direito. Nesse sentido vale aqui o princípio da boa fé … “ (Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 4ª impressão, págs. 380).
O que está plasmado no art.º 272º do actual Cód. Civ., na medida em que dispõe que “aquele que contrair uma obrigação ou alienar um direito sob condição suspensiva, … deve agir, na pendência da condição, segundo os ditames da boa fé, por forma que não comprometa a integridade do direito da outra parte.”
O que, em nosso entender, permite ao credor condicional, perante uma actuação por parte do devedor condicional que viole os ditames da boa fé _ nomeadamente por fazer perigar a possibilidade do credor condicional, verificada a condição suspensiva, obter o seu crédito, ao fazer esvair o seu património por forma a comprometer a integridade do direito do credor_, usar de todos os meios processuais para obrigar o devedor condicional a sustar a actuação que se mostre perniciosa ao cumprimento da obrigação sujeita a condição suspensiva, verificada esta, nomeadamente intentando o competente arresto, desde que preenchidos os atinentes pressupostos, e propor a respectiva acção declarativa para que o devedor condicional adeqúe o seu comportamento às normas da boa fé contratual, abstendo-se de actos que possam fazer perigar a boa cobrança do crédito sob condição suspensiva, logo que verificada a mesma.

Aqui chegados, cumpre-nos decidir se deve ser decretado o requerido arresto.

Como já foi referido na Sentença sob recurso, o Contrato de Mediação Imobiliária, junto a fls. 17, diverge, em grande parte, do alegado pela Apelante no seu Requerimento Inicial.
Na verdade, da leitura do referido Contrato, não resulta que a ora Apelante tenha celebrado com as ora Requeridas BB..., Limited e CC..., Lda, um contrato de mediação imobiliária, resultando sim que esse contrato foi celebrado com H... , que aí é identificado como “proprietário e legítimo possuidor e gestor dos Prédios” que a seguir são identificados.
Não constando em qualquer cláusula desse contrato que o referido H... , ao subscrever o referido contrato, agiu em representação das ora Requeridas.
Sendo o contrato de mediação imobiliária obrigatoriamente reduzido a escrito, nos termos do n.º1 do art.º 16º da Lei n.º 15/2013, não é admitida prova testemunhal sobre quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento, quer tais convenções sejam anteriores, contemporâneas, ou posteriores à formação do documento (art.º 394º do Cód. Civ.).
O Tribunal “a quo” deu como provado, por prova testemunhal, que “H... apresentou-se perante a Requerente, intitulando-se “dono das sociedades donas dos prédios” (Ponto 10º dos factos provados) e que “H... agiu no contrato referido no facto provado 4º, apresentando-se como representante das Requeridas.” (Ponto 12º dos factos provados).
Em face do disposto no citado art.º 394º do Cód. Civ. tal matéria não pode ser atendida para interpretar, ampliando, o conteúdo do Contrato de Medição Imobiliária em apreço, uma vez que tal matéria vai contra o teor da Cláusula 1ª do referido Contrato, em que expressamente está plasmado que H... é “proprietário e legítimo possuidor e gestor dos Prédios” objectos da mediação.
Aliás, pode-se perguntar, se assim foi, porque razão não consta do Contrato que H... agiu como representante das ora Requeridas, se assim se apresentou perante a ora Apelante?
Concluindo, face ao teor do Contrato de Medição Imobiliária, o presente Procedimento Cautelar de Arresto tinha necessariamente de naufragar, uma vez que o outorgante do mesmo, enquanto cliente, é H... e não as Requeridas BB..., Limited e CC..., Lda.

Mas mesmo que se entendesse, em face da matéria constante dos Pontos 10 e 12 dos Factos Provados, que H... agiu, ao subscrever o aludido Contrato, em nome próprio, ao abrigo de um mandato sem representação estabelecido com as ora Requeridas BB..., Limited e CC..., Lda, o que era do conhecimento da ora Apelante, as obrigações decorrentes do Contrato, para o Segundo Outorgante, vinculam apenas o subscritor do mesmo, enquanto não transferir os correspondentes direitos para o mandante e este não assumir as atinentes obrigações por qualquer das formas indicadas no n.º 1 do art.º 595º do Cód. Civ. (art.º 1180º a 1182º, todos do Cód. Civ.).
Não estando alegado e provado que assim agiu, e que as obrigações que H... assumiu ao subscrever o citado Contrato, foram transferidas para as Requeridas neste processo, a acção tem que improceder.

Aqui chegados, não estando demonstrado que a Requerente do presente Procedimento Cautelar de Arresto tem um crédito, sujeito a condição suspensiva, sobre as Requeridas, cujo cumprimento importe assegurar através da decretação de um arresto sobre os bens necessários e suficientes para solver esse crédito, uma vez verificada a respectiva condição, temos que concluir pela improcedência do presente recurso.

Atento o decidido na 1ª Instância, que determinou a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao restante do peticionado pela Requerente do presente Procedimento Cautelar de Arresto, e dado que a decisão deste Tribunal da Relação não pode prejudicar a Apelante, por ter sido ela a interpor o presente recurso, somos levados a confirmar a Decisão recorrida, embora a nossa fundamentação apontasse para a improcedência da acção.
***
IV. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela improcedência do Recurso e, atentos os fundamentos acima explanados, confirmar a Decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Registe e notifique.

Évora, 23 de Fevereiro de 2017
(Silva Rato - Relator)
(Mata Ribeiro– 1º Adjunto)
(Sílvio Sousa – 2º Adjunto)