Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1182/11.1GBABF.E1
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
ALCOOLÍMETRO
VALIDADE DA VERIFICAÇÃO PERIÓDICA
INVALIDADE DA PROVA
ERRO MÁXIMO ADMISSÍVEL
PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
RESTRIÇÃO DA PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
Data do Acordão: 11/22/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÂO PROVIDO
Sumário: 1. A aprovação (homologação) pelo IPQ dos aparelhos a utilizar nos exames de pesquisa de álcool no ar expirado, quer a aprovação destes pela extinta DGV ou pela ANSR, que lhe sucedeu, respeita apenas ao modelo e não a cada um dos aparelhos ou série do mesmo modelo, sendo tal aprovação publicitada nos termos da lei.

2. O que se dispõe no ponto V da Portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro, sob o n.º13, reporta-se ao período de realização da verificação periódica e não validade da mesma.

3. A verificação periódica dos aparelhos de medição é anual e a sua validade estende-se até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização.

4. Os erros máximos admissíveis apenas são considerados no momento técnico da aferição do alcoolímetro, não devendo esses mesmos valores ser dedutíveis nas taxas de alcoolemia no sangue reveladas pelos talões desses mesmos aparelhos de medição, por meio de teste no ar expirado, em sede de fiscalização do trânsito.
Decisão Texto Integral: Acordam, precedendo conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.

Nos autos de processo sumário do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira, o arguido JM melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento, pela prática, em autoria material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez agravado, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos art. 292.º n.º1, 294.º e 69.º n.º1, al. a), todos do Código Penal, vindo a ser condenado, por sentença proferida em 16 de Junho de 2011 pela prática desse crime, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00, o que perfaz €420,00, bem como na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses.

Inconformado, o arguido veio interpor recurso daquela decisão, nos termos constantes de fls.64 a 84, extraindo da motivação apresentada as seguintes conclusões (transcrição “ipsis verbis”):

“[ A)- Para proferir a sentença de que se recorre, o Tribunal a quo estribou a sua convicção no talão de fls. 15 dos autos, que valorou positivamente, entendendo que se trata de uma prova obtida por recurso a métodos científicos, sendo o regime legal aplicável ao caso concreto o constante dos Art. 153° e 158° do Código da Estrada, complementado pela Lei n.°18/2007, de 17/5 e pelas Portarias n.º 902-B/2007, de 13/8, e n.°1556/2007, de 10/12.

B)- Entende o Tribunal a quo que a prova obtida através do aparelho em causa - alcoolímetro da marca "Drager", modelo "7100 MKIII P" - é válida, porquanto estamos perante um aparelho aprovado por despacho do IPQ n.º 11037/2007, de 24.04, publicado no D.R 2A.série, n.º109, de 06.06.2007, correspondendo-lhe o n°.211.06.07.3.06, ai se estabelecendo, também, o perídio de validade de 10 anos, em sintonia com o que se determinava, à data, no n.º 8 do anexo à Portaria n°.748/94, de 03.10, que veio a ser revogada pelo Art.2º da mencionada Portaria n.º 1556/2007.

C)- Entende o Tribunal a quo que, tendo tal modelo vindo a ser aprovado para utilização pela DGV, há não só que ter em consideração a ressalva feita no n.º 2 do artigo 7° da Portaria n.º 1556/2007, de 10.12, como o disposto no artigo 10° da mesma Portaria.

D)- O art. 10° do supra referido diploma legal não consubstancia qualquer excepção ao sistemea de "Verificações Metrológicas", referindo-se apenas à possibilidade de continuação de utilização de alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso ao abrigo de legislação anterior.

E)- As regras de verificação metrológica definidas no Art. 7° do diploma em causa aplicam-se, sem excepção, quer aos alcoolímetros cuja autorização de uso foi ou não determinada ao abrigo de legislação anterior à sua entrada em vigor, sendo que uma coisa é a autorização de uso, outra bem diferente é a verificação metrológica dos aparelhos cujo uso está autorizado, independemente da legislação ao abrigo da qual o está.

F)- A ressalva feita pelo n.º 2 do art. 7° da Portaria 1556/2007 não se articula com o disposto no Art. 10° da diploma em causa, na medida em que tratam situações distintas.

G)- Foi efectuada uma incorrecta interpretação das normas em causa, e consequentemente uma incorrecta aplicação das mesmas ao caso concreto, sendo que deveria o Tribunal a quo ter considerado que, no caso concreto, tem aplicação o n.º 2° do Art.7° do referido diploma legal.

H)- Donde, a prova que levou à condenação é nula porque obtida atarvés de meio ilegal, pelo que não podai o Tribunal a quo tê-la valorado como o fez e, não podia, através da mesma, sustentar a sua condenação.

l)- A medição efetuada pelo aparelho utilizado não pode fazer prova contra si, porque consta do talão emitido, que a data de verificação do aparelho foi a 24.02.2010, sendo que nos termos do artigo 7.° da Portaria n.º 1556/2007, de 10.12, a verificação periódica é anual, e nos termos do disposto no n.° 13° da condição geral V do DL 962/90, de 0/10,a verificação deve ser realizada entre 1 de Janeiro e 30/11 do ano a que respeita, ou seja: o aparelho utlizado para a medição não tem verificação válida, pelo que aquela não pode fazer fé em juízo.

J)- O valor da taxa de alcoolémia apurada no aparelho Dragger não está correcta, nem o valor indicado no talão pode ser considerado válido para efeitos probatórios.

L)- O alcoolímetro utilizado no caso concreto não apresentava de forma visível os elementos de identificação a que se refere o artigo 9° da Portaria 1556/2007, de 10/12, o que invalida a prova assim obtida.

M)- Entendeu o Tribunal a quo que tal assim não é, e ainda que fosse, tal omissão não constituía fundamento para invalidar a prova assim obtida, mal em nosso entender, violando o disposto no Art. 9° do diploma legal em causa.

N)- Não foi exibida ao arguido a aprovação do aparelho pelo Presidente da Autoridade de Segurança Rodoviária, nos termos do artigo 14° da Lei n.º 18/2007, de 17.05, e o Tribunal a quo entendeu que nem tinha que o ser, pelo que o Tribunal a quo interpretou incorrectamente a norma, e aplicou erradamente ao caso concreto, uma vez que a mesma não se refere a essa matéria, mas sim à possibilidade de utilização de alcoolímetros aprovados por legislação anterior.

O)- A aprovação em causa, é condição essencial para a utilização do aparelho, pelo que a não existir gera a nulidade da prova assim obtida, e não foi feita prova em contrário, pelo que ao decidir como decidiu, andou mal o Tribunal a quo, tendo violado a norma legal supra referida.

P)- O Tribunal a quo não teve em consideração o erro máximo admissível, de acordo com o artigo 8.° da Portaria 1556/2007, pelo que foi violada tal norma.

Q)- A lei prevê a existência de erros máximos admissíveis no meio de prova em causa, e se o prevê, devem os mesmos ser tidos em conta quando se trata de aplicar o direito em concreto, sob pena de esvaziamento da norma, e de colocar em crise um princípio basilar do direito penal, que é o princíoio do indúbio pró reo, que no caso concreto foi violado.

R)- A taxa medida, independemente da questão da validade da prova, está no limite do legalmente admissível, pelo que, mais motivos existiam para, fazer uso de tal mecanismo, mesmos sem recurso a contraprova, e independentemente dos motivos pela qual a mesma não se realizou neste caso, sendo que a norma em causa não exige como condição para a sua aplicação que seja efectuada a contraprova.

S)- Tendo em conta o anexo á referida portaria, e tendo em conta o valor indicado no talão caso, fosse tido em conta o valor do erro máximo admissível o valor encontrado ficaria abaixo do valor de 1.2, que se situaria em 1,1132,g/1, ficando a faltar um dos pressuposto da verificação do crime, e tornando o comportamento do arguido em eventual contra ordenação.

T)- Donde, também por este motivo, a prova assim obtida não é valida, e não devida o Tribunal a quo tê-la valorado positivamente; ao fazê-lo violou o Art.8° da Portaria 1556/2007.

U)- Falta ainda outro dos pressuposto de que depende a punibilidade do facto, a que se refere o Art.292 ° do C. Penal, que é estar o arguido a conduzir: o arguido não estava a conduzir; encontrava-se parado na praça e táxis à espera de clientes; tinha puxado o carro á frente e estava sentado dentro do carro, sendo nessa altura que o Sr. Agente lhe pediu par ver o extintor, pediu identificação e lhe pediu para sair do carro.

V)- A tentativa não é aqui punível.

X)- O arguido não representou nem minimamente podia admitir que tinha a taxa de alcoolemia indicada, pelo que também não se enocntra preenchido o elemento subjectivo do tipo de ilícito em causa, nem tão pouco a título de negilgência, nem de negilgência inconsciente, não tendo sido feita prova em contrário.

Y)- Ao decidir em sentido contrário, o Tribunsal a quo fez uma incorrecta valoração dos factso e da sua subsunção ao direito, fazendo uma incorrecta aplicação da Art. 292° n.º 1 294 n.º 1, ambos do Código Penal.

Z)- O Recorrente ter sido absolvido do tipo de crime de cuja prática vinha acusado, em virtude da nulidade da prova que estribou a decisão de que se recorre, devendo a mesma ser revogada e, caso assim doutamente não se entenda, deve a sanção acessória aplicada ser excepcionada à categiria de veícuo ligeiro de passageiros – Táxi - durante as horas de trabalho do Recorrente, por forma agarantir o seu posto de trabalho, que é em part-time, e que tal como ficou provado é actualmente a sua única fonte de rendimento, ou em mediante outra medida que o douto Tribunal entenda adequada a responder às exigências de prevenção geral e especial que ao caso cabem, sob pena de violação do Art. 18° da CRP, violação essa operada pelo Tribunal a quo.

AA) - Foram violados Art. 7° n.º 2, 8°, 9° n.º 1, 10° da Portraia 1556/2007, de 10/12, o n.º 13° da condição geral V do DL 962/90, de 9/10, Art. 14° da Lei n.º 18/2007, de 17.05, o Art. 18° da CRP, o Art.292.° n.º 1, 294° n.º 1, ambos do Código Penal.]

O Ministério Público, em 1.ª instância, respondeu ao recurso nos termos constantes de fls.109 a 115, sustentando o não provimento do recurso, tendo apresentado as conclusões que seguem:

“1. Vem o arguido recorrer da douta sentença proferida nos presentes autos, que o condenou como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292. °, n.º l do Código Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €6, num total de €420 e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses, nos termos do artigo 69.°, n.° l, al. a), do mesmo diploma legal.

2. O Ministério Público discorda das razões aduzidas pelo recorrente e defende a manutenção da decisão recorrida.

3. No que respeita às concretas questões levantadas pelo arguido, a douta sentença recorrida, a cuja fundamentação aderimos na íntegra, é bastante esclarecedora, rebatendo ponto por ponto toda a argumentação utilizada pelo arguido na sua defesa em sede de audiência de julgamento, e agora reiterada em sede de recurso.

4. Alega ainda o arguido que deverá ser aplicada a legislação em vigor no que respeita às margens de erro nos aparelhos quantitativos de medição do álcool, nomeadamente o disposto na Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro.

5. Seguindo de perto a argumentação expendida no Ac. da Relação do Porto de 2.07.2008 (Proc. n.º 0813031) o erro máximo admissível (EMA) referido no artigo 8.° da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro é uma variável que integra o controlo metrológico no momento da aprovação ou verificação dos modelos de alcoolímetros, não sendo variáveis de ponderação a efectuar após cada uma das utilizações desse modelo.

6. Por outro lado, os alcoolímetros são ensaiados de forma a garantir que os valores indicados estão o mais próximo possível do erro zero dentro da sua gama de medição, pelo que um aparelho desta natureza, aprovado e com verificação válida, utilizado em condições normais, fornece indicações fiáveis para os fins legais.

7. Para além do mais, conforme doutamente refere a sentença recorrida, os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares fazem fé em juízo, até prova em contrário (cfr. artigo 170. °, n. °s 3 e 4 do Código da Estrada).

8. Sempre assistiria ao arguido, no caso de dúvida sobre o resultado obtido através do referido aparelho, a possibilidade de requerer a realização de contraprova, tendo inclusivamente sido advertido dessa possibilidade, muito embora se tenha recusado a assinar a respectiva notificação, o que não significa que não tenha tido conhecimento do seu teor.

9. Não obstante, não manifestou esse propósito, não questionando o valor da TAS obtido através do alcoolímetro, que consubstancia um exame de natureza técnico-científica

10. Não existe qualquer fundamento para por em causa a validade da prova assim obtida e constante do talão de fls. 15 dos autos.”

O recurso foi admitido por despacho de 11 de Outubro do ano em curso (v.fls.116).

Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, teve vista dos autos.

Efectuado o exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:

II – Fundamentação.

Na 1.ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. No dia 24 de Maio de 2011, pouco antes das 23 horas e 11 minutos, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ----, na Avenida 25 de Abril, em Albufeira.

2. Submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue no ar expirado através do aparelho Dragger Alcotest 7110 MK III P, acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,21 gramas por litro.

3. O arguido é taxista e o supra referido veiculo é um táxi, tratando-se de um veículo para transporte público de aluguer.

4. Na ocasião o arguido conduzia o referido táxi no exercício da sua profissão de taxista.

5. O arguido conduzia o referido veículo automóvel de forma livre, consciente e voluntária, após ingerir bebidas alcoólicas, ultrapassando a taxa de álcool no sangue legalmente permitida.

6. O arguido que sabia ter ingerido bebidas alcoólicas, iniciou a condução sem ter o cuidado, a que estava obrigado e de que era capaz, de assegurar que estava em condições de exercer a condução, não tendo sequer chegado a representar a possibilidade de realização do facto.

7. O arguido exerce a profissão de encarregado de construção civil para a empresa... – Empreendimentos..., SA há cerca de 27 anos e aufere mensalmente € 1.400,00, sendo que há 3 meses que tem o ordenado em atraso.

8. Em part-time o arguido exerce a profissão de taxista por conta de outrem e aufere entre € 150,00 a € 200,00 por mês.

9. A mulher do arguido trabalha na área das limpezas e aufere mensalmente € 600,00.

10. O arguido tem um filho com 19 anos que vive consigo, mas que já não estuda e faz alguns biscates.

11. Vive em casa própria, sendo que mãe integra o agregado familiar por não ter rendimentos para poder viver sozinha.

12. O arguido não tem antecedentes criminais.

A respeito de factos não provados consta da sentença que “Resultaram provados todos os factos com relevância para a causa”.

O tribunal fundamentou o julgado quanto à matéria de facto nos seguintes termos:

O Tribunal estribou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, e bem assim, da prova documental junta aos autos, toda ela livre e criticamente apreciada de acordo com o seu valor legal probatório e as regras da experiência comum, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal.

O arguido prestou declarações no sentido de que não estava a exercer a condução, mas sim parado na praça de táxis à espera de clientes quando foi abordado pelo militar da GNR, sendo que apenas tinha puxado o carro para a frente. Esclareceu ainda que em momento algum representou como possível que tivesse aquela taxa de álcool pois tinha bebido apenas dois copos de vinho ao jantar num petisco com uns amigos. Mais esclareceu que não leu o expediente referente à notificação no sentido de não querer a contraprova, sendo que o militar o desmotivou a fazer tal contraprova dizendo-lhe que a contraprova não podia ser feita no mesmo aparelho e por conseguinte teriam de se deslocar a outro local para a fazer, sendo que também podia ser efectuada mediante exame ao sangue, mas que tais análises eram muito caras. Mais referiu que tal conversa decorreu no percurso entre o local da fiscalização e o posto da GNR onde foi feito o teste quantitativo. Esclareceu ainda que já depois de ter assinado os papéis, que não leu, pediu para fazer novo teste e não lhe foi permitido.

O militar da GNR H esclareceu quanto aos motivos pelos quais fiscalizou o arguido, designadamente por ter recebido uma queixa de uma pessoa que havia sido transportada no aludido táxi, pelo que se dirigiu à praça de táxis onde o mesmo ainda não se encontrava e aguardou, tendo percepcionado a chegada do referido táxi à praça e a colocar-se na fila à espera de clientes, sendo que abordou o arguido quando este parou o veículo. Mais esclareceu que informou o arguido de que podia fazer a contraprova e porque meios, bem como o local e custos da mesma, sendo que o mesmo não quis efectuar a contraprova e apenas pediu para efectuar novo teste já decorridos cerca de três quartos de hora depois, motivo pelo qual lhe foi negado.

Ora, em face da prova produzida temos duas versões dos factos. Mas a verdade é que o arguido não só admitiu a condução, visto que afirmou que conduziu o veículo até à praça de táxis, como admitiu a anterior ingestão de bebidas alcoólicas, ainda que não tivesse representado poder apresentar uma taxa superior à legalmente admitida. Mas ainda que assim não fosse, o militar da GNR confirmou ter presenciado a chegada do táxi à praça e tê-lo fiscalizado de imediato. Não se vislumbra nem foi alegado que motivos teria o militar da GNR para fiscalizar o arguido se não tivesse presenciado a sua condução, sendo certo que, nesta altura do ano, na comarca de Albufeira, destino turístico sobejamente conhecido, os senhores militares não precisam de “procurar” trabalho, visto que infelizmente há muito e tomara que houvessem mais operacionais na rua.

Por outro lado, não pode também deixar de se fazer um reparo à natural resistência aos procedimentos policiais pois que se informam detalhadamente é porque desincentivam, se não informam deveriam ter informado e a prova é nula.

O militar autuante depois de efectuar o teste no aparelho qualitativo, quando se encontravam no percurso para o posto onde seria feito o teste quantitativo informou o arguido de que podia fazer a contraprova e por que meios, explicando e bem que a contraprova efectuada através do método do ar expirado tem de ser feita em aparelho diferente e quais os custos dos testes de análise ao sangue, a fim de permitir ao arguido fazer a sua decisão de forma conscienciosa. Se tal conduta é desincentivar, então teremos de concluir que os arguidos por certo preferirão não ser informados. Para além disso, sempre se dirá que não faz sentido que alguém que é encarregado de construção civil e taxista, que fora informado da possibilidade de contraprova e dos meios de fazer, que reconhece que prescindiu de tal diligência, ainda que por afirmar ter sido desincentivado, venha dizer que assinou a notificação de fls. 13 sem a ler, sem saber o que lá estava escrito.

E, por fim, efectivamente a contraprova deve ser efectuada de imediato ou o mais rapidamente possível no caso da análise ao sangue, como referem os n.º 4 e 5 do art.º 153.º do Código da Estrada, pelo que decorridos três quartos de hora sobre a fiscalização bem andou o militar em negar ao arguido fazê-la naquele momento.

Como tal, não restaram dúvidas ao tribunal que o arguido exerceu a condução e, devidamente informado de que podia fazer a contraprova e porque meios, decidiu em consciência não a fazer.

No que concerne à concreta taxa de álcool apresentada foi valorado o talão de fls. 15.

Sobre a validade da prova consistente no referido talão, cumpre, então, tecer algumas considerações, atendendo à defesa exercida pelo arguido, na sua contestação.

A questão de saber se o exame de pesquisa de álcool no sangue é uma prova sujeita à livre apreciação do tribunal, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal, ou se é, como a prova pericial, uma prova subtraída à livre apreciação do julgador, de acordo com o disposto no artigo 168.º do mesmo diploma, não é uma questão líquida, havendo decisões díspares nos nossos tribunais sobre a questão.

Sobre esta matéria, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Julho de 2009, disponível em texto integral no site www.dgsi.pt..

Na doutrina, vejam-se no sentido de que não se trata de prova pericial, Paula Melo, Condução sob influência do álcool – Apreciação dos meios de prova, Maia Jurídica, Revista de Direito, Ano II, n.º2, Julho-Dezembro de 2004 e, diversamente, no sentido de que os métodos alcoolímetros consistem em actos de prova preconstituída, de carácter pericial, Benjamim Rodrigues, Da prova penal, Tomo I, Coimbra 2008, p. 117.

Independentemente da questão doutrinal e jurisprudencial, trata-se de uma prova que apenas pode ser obtida por via de recurso a métodos científicos.

O regime legal de fiscalização da condução sob influência do álcool é o constante dos artigos 153º e 158º do Código da Estrada, anteriormente complementado pelo Dec. Reg. Nº24/98, de 30/9 e pelas Portarias nºs 784/94, de 13/8 e nº1006/98, de 30/11 e hoje, pela Lei nº 18/2007, de 17/5 e pelas Portarias nº902-B/2007, de 13/8, e nº1556/2007, de 10/12, que fixam os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos e o modo como se deve proceder à recolha, acondicionamento e expedição das amostras biológicas destinadas às análises toxicológicas para determinação da taxa de álcool no sangue e para confirmação da presença de substâncias estupefacientes ou psicotrópicas.

O regime legal em vigor à data dos factos aqui em causa é o que decorre dos arts. Artºs 153º e 158º do Código da Estrada, complementado pela Lei nº18/2007, de 17/5 e pelas Portarias nº902-B/2007, de 13/8, e nº1556/2007, de 10/12.

Vejamos então cada uma das questões suscitadas de per si.

Da data da verificação do aparelho: alega o arguido que consta do talão de fls. 15 que a data da verificação foi a 24.02.2010, sendo que nos termos do artigo 7.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10.12, a verificação periódica é anual

Efectivamente, dispõe o artigo 7.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10.12 que, para além da verificação metrológica efectuada antes da colocação do aparelho no mercado, os mesmos devem ser verificados anualmente, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo.

O alcoolímetro da marca “Drager”, modelo “7110 MKIII P”, foi aprovado por despacho do IPQ nº.11037/2007, de 24.04, publicado no D.R 2ª.série nº.109, de 06.06.2007, correspondendo-lhe o nº.211.06.07.3.06, aí se estabelecendo, também, o prazo de validade de 10 anos, aliás em sintonia com o que se determinava, à data, no nº.8 do anexo à Portaria nº.748/94, de 03.10, que veio a ser revogada pelo art.2º da mencionada Portaria nº.1556/2007. Havia sido anteriormente aprovado por despacho do IPQ de 27.06.1996, publicado no D.R. III Série nº.223, de 25.09.1996, tendo-lhe sido então atribuído o nº.211.06.96.3.30.

Tal modelo veio a ser aprovado para utilização pela DGV, inicialmente, por despacho nº.001/DGV/alc.98, de 06.08.1998, tendo sido publicitada posteriormente a aprovação deste e doutros modelos, como decorre dos despachos do Director Geral de Viação n.º 8036/2003, de 07.02, publicado no D.R. 2ª.série, nº.98, de 28.04.2003; nº.12594/2007, de 16.03, publicado no D.R. 2ª.série, nº.118, de 21.06.2007, neste identificando-o como sendo o modelo “Alcotest 7110 MKIII” e com o nº.211.06.96.3.30. E veio a ser aprovado pela Autoridade de Segurança Rodoviária pelo Despacho nº 19.684/2009, de 25 Junho de 2009, publicado em 27 de Agosto de 2009 (DR nº 166, 2ª Série, de 27-08-2009).

Donde, há não só que ter em consideração a ressalva feita no n.º 2 do artigo 7.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10.12, como o disposto no artigo 10.º da mesma Portaria, segundo a qual os alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo da legislação anterior, poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos da verificação periódica.

Pelo que, salvo melhor entendimento, não há qualquer invalidade da prova.

Dos elementos de identificação a que se refere o artigo 9.º da referida portaria: alega o arguido que tais elementos não eram visíveis no alcoolímetro

Dispõe o artigo 9.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10.12 que os alcoolímetros devem apresentar, de forma visível e legível, as indicações seguintes, inscritas em lugar a definir em cada modelo no respectivo despacho de aprovação do modelo:

- símbolo de aprovação do modelo;
- marca,
- modelo,
- número de série,
- nome do fabricante ou importador,
- gama de medição,
- condições estipuladas de funcionamento, em graus centígrados,
- factor de conversão, se aplicável.

Para além disso, os registos de medição devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo, e o número de série do alcoolímetro assim como a data da última verificação metrológica.

Ora, no caso, o talão de fls. 15 contém todos os elementos previstos no n.º 2 do artigo 9.º da supra mencionada portaria. Quanto aos elementos do alcoolímetro, alega o arguido que não eram visíveis. Mas a impõe-se a pergunta: sabia o arguido quais os elementos que têm de constar no alcoolímetro para conseguir detectar se eram ou não visíveis? Fez constar tal facto perante as autoridades que o fiscalizaram? A resposta é negativa. O arguido não tem conhecimento sobre esses elementos, nem sequer o referiu quando prestou declarações, nem colocou tal questão ao militar autuante, segundo o qual o arguido fez o teste de pesquisa de álcool no sangue sem levantar qualquer objecção. Efectivamente não faz sentido dizer que foi influenciado pelo militar a não fazer a contraprova simplesmente porque este foi pormenorizado e correcto ao explicar as formas e custos da realização da mesma e, em simultâneo vir dizer que tinha um conhecimento tão aprofundado sobre o assunto que se apercebeu que os elementos definidos no artigo 9.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10.12 não eram visíveis no alcoolímetro. Tanto não faz sentido que nem o arguido o disse, a não ser na sua contestação escrita.

Mas ainda que assim não fosse, essa omissão não constitui fundamento para invalidar a prova obtida pelo mencionado analisador quantitativo, pois a mesma não tem qualquer virtualidade para por em causa a fiabilidade deste aparelho, fiabilidade essa que o arguido nem questionou visto não ter pretendido fazer a contraprova.

Da aprovação do aparelho pelo Presidente da Autoridade de Segurança Rodoviária, nos termos do artigo 14.º da Lei n.º 18/2007, de 17.05:

Alega o arguido que não lhe foi exibida tal aprovação. Pois bem, nem tinha de o ser.

Efectivamente, como supra referido o alcoolímetro da marca “Drager”, modelo “7110 MKIII P”, foi aprovado por despacho do IPQ nº.11037/2007, de 24.04, publicado no D.R 2ª.série nº.109, de 06.06.2007, correspondendo-lhe o nº.211.06.07.3.06, aí se estabelecendo, também, o prazo de validade de 10 anos, aliás em sintonia com o que se determinava, à data, no nº.8 do anexo à Portaria nº.748/94, de 03.10, que veio a ser revogada pelo art.2º da mencionada Portaria nº.1556/2007. Havia sido anteriormente aprovado por despacho do IPQ de 27.06.1996, publicado no D.R. III Série nº.223, de 25.09.1996, tendo-lhe sido então atribuído o nº.211.06.96.3.30.

Tal modelo veio a ser aprovado para utilização pela DGV, inicialmente, por despacho nº.001/DGV/alc.98, de 06.08.1998, tendo sido publicitada posteriormente a aprovação deste e doutros modelos, como decorre dos despachos do Director Geral de Viação n.º 8036/2003, de 07.02, publicado no D.R. 2ª.série, nº.98, de 28.04.2003; nº.12594/2007, de 16.03, publicado no D.R. 2ª.série, nº.118, de 21.06.2007, neste identificando-o como sendo o modelo “Alcotest 7110 MKIII” e com o nº.211.06.96.3.30. E veio a ser aprovado pela Autoridade de Segurança Rodoviária pelo Despacho nº 19.684/2009, de 25 Junho de 2009, publicado em 27 de Agosto de 2009 (DR nº 166, 2ª Série, de 27-08-2009).

O referido modelo pode manter-se em utilização, nos termos do artigo 10.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10.12 e nada lei exige que o mesmo seja apresentado aos arguidos aquando da realização do exame de pesquisa de álcool no sangue.

Do desconto do erro máximo admissível: alega o arguido que não foi tido em consideração o erro máximo admissível, de acordo com o artigo 8.º da portaria supra referida.

Tem sido largamente debatida na jurisprudência dos tribunais superiores a questão que consiste em saber da admissibilidade do desconto na concreta TAS (taxa de álcool no sangue) aferida pelo alcoolímetro que procedeu à medição do álcool no sangue do recorrido (por conversão do valor no ar expirado), do valor do erro máximo admissível (EMA) previsto no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

Tem sido questionado se, para o preenchimento do elemento do tipo objectivo do crime previsto no artigo 292.º do Código Penal que consiste na condução de veículos, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, deve ser considerada a taxa de alcoolemia que foi registada pelo alcoolímetro utilizado ou se o tribunal deve antes ter em conta a taxa resultante da subtracção da margem de erro máximo admissível ao valor indicado no aparelho.

No sentido de que não deve ser efectuado o desconto do valor do “erro máximo admissível” na TAS registada no alcoolímetro que procedeu à medição, pronunciaram-se, entre outros: os Acs. da R. de Coimbra de 30/01/08, Proc. n.º 91/07.3PANZN.C1, de 11/11/08, Proc. n.º 62/08.2GBPNH.C1 e de 10/12/08, Proc. n.º 17/07.4PANZR; Acs. da R. de Lisboa, de 03/10/07, Proc. n.º 4223/07-3, de 20/02/08, Proc. n.º 183/2008-3 e de 27/10/2009, Proc. n.º 54/07.9PTALM.L1-5; Acs. da R. do Porto de 2/07/2008, Proc. n.º 0813031 e de 14/01/09, Proc. n.º 0815205, e o Ac. da R. de Évora de 11 de Março de 2010, todos em www.dgsi.pt.).

O entendimento oposto sustenta que há lugar à dedução do valor do “erro máximo admissível” à taxa registada no alcoolímetro, tendo-se pronunciado nesse sentido, entre outros: os Acs. da R. do Porto, de 02/04/08, Proc. n.º 0810479, de 07/05/08, Proc. n.º 0810922, de 26/11/08, Proc. n.º 0812537; Acs. da R. de Coimbra de 09/01/08, Proc. n.º 15/07.1PAPBL-C1 e Proc. n.º 426/04.6TSTR.C1; Ac. da R. Guimarães de 26/02/07, Proc. n.º 2602/06.2; Ac. da R. de Lisboa, de 07/05/08, Proc. n.º 2199/08-3 e bem assim o voto de vencido do Desembargador João Latas no Ac. da R. Évora de 01/07/08, Proc. nº 2699/07-1, todos em www.dgsi.pt.

Para quem perfilha o entendimento de que é inadmissível a subtracção da margem de EMA ao valor indicado no aparelho utilizado numa medição concreta, a previsão da referida margem reporta-se tão-somente à Aprovação e às Verificações periódicas subsequentes realizadas pelo IPQ como condição da homologação e aprovação dos aparelhos de medição.

Sobre esta matéria temos vindo a seguir o entendimento de que não deve efectuar-se qualquer desconto na taxa de álcool registada no aparelho Dragger, pelo que, em coerência, entendemos não ser de o fazer simplesmente porque estamos perante um resultado muito próximo do limite mínimo – vide os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 27 de Abril de 2010 e de 12 de Fevereiro de 2011, ambos disponíveis em texto integral no site www.dgsi.pt e cuja fundamentação se subscreve.

Com efeito, ao contrário do defendido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Junho de 2010, disponível em texto integral no site www.dgsi.pt, entende-se que não é por ser um caso de fronteira que deve efectuar-se o desconto da margem de erro. Ou se desconta em todos ou não se desconta, porque o que está em causa não é o princípio in dúbio pro réu mas sim o valor da prova produzida pelos testes de pesquisa de álcool através do ar expirado.

Com efeito, como se defende no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01 de Outubro de 2008, disponível em texto integral no site www.dgsi.pt, não se pode, sem contraprova ou exame ao alcoolímetro, e ao abrigo do princípio in dúbio pro réu, deduzir à TAS registada pelo alcoolímetro, uma margem de EMA (erro máximo admissível).

Para além disso, os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares fazem fé em juízo, até prova em contrário – nºs 3 e 4 do artº 170º do Cod. Estrada.

Nos termos do disposto no artº 153º, nº 1 do Cod. Estrada, “o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito”.

O aparelho utilizado no teste de pesquisa de álcool no sangue foi, no caso dos autos, o Drager, modelo Alcotest 7110 MKIIIP, nº de série ARRA 004, modelo aprovado.

Sendo o resultado positivo, pode o condutor requerer a realização de contra-prova, a qual “deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando:

Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado;
Análise de sangue”.

No caso em apreço, o arguido nada requereu, não pondo em causa pelos meios legalmente admissíveis o valor da TAS obtido pelo alcoolímetro.

Com efeito, pese embora a discussão jurisprudencial em torno desta matéria, é inequívoco que a medição efectuada pelos alcoolímetros possui carácter técnico-científico, pelo que, querendo o arguido contestar o resultado do teste de pesquisa de álcool através do ar expirado, deve fazê-lo pedindo a contraprova.

A verdade é que o arguido não a fez, tendo sido esclarecido como a podia efectuar.

Pelo exposto a prova obtida pelo talão de fls. 15 é válida e deve ser valorada no que concerne à concreta taxa de álcool apresentada pelo arguido.

Por fim, sempre se dirá que a indicação da temperatura de utilização é uma mera característica física dos aparelhos em causa e tem a ver com as condições estipuladas pelo fabricante para o funcionamento, cuja indicação, no domínio da Portaria n.º 1006/98, de 30 de Novembro, devia constar, de forma legível e indelével, do aparelho, além de outras indicações, como sejam a marca, o modelo, a identificação do fabricante, a unidade de leitura e o factor de conversão (TAE/TAS).

Esse elemento deixou de constar da Portaria n.º 902-B/2007. A lei não impõe sequer que a temperatura de realização do teste ou a temperatura ambiente conste do talão emitido pelo aparelho. Deste deve constar a taxa de álcool no sangue do examinando e ainda o número sequencial de registo, identificação do aparelho, data e hora da realização do teste. A temperatura ambiente apenas pode influir no tempo de aquecimento do aparelho que pode ser maior ou menor consoante a temperatura exterior – neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29.04.2008, publicado em texto integral no site www.dgsi.pt.

O arguido foi submetido ao referido exame de pesquisa de álcool no ar expirado, efectuado pelo agente de autoridade mediante utilização do material aprovado para o efeito, não levantou qualquer objecção ao resultado desse exame, pois se duvidava da qualidade do aparelho ou que o resultado não era fiável, poderia ter solicitado a realização da contraprova, mas não foi isso que aconteceu, tendo assinado uma declaração em que se diz não pretender contraprova, o que significa que aceitou por correcto o resultado do exame realizado.

Relativamente ao conhecimento e vontade do arguido, infere-se dos factos objectivos dados como provados, sendo certo que o arguido que confirmou ter ingerido vinho ao jantar e que depois ia exercer a actividade de transporte de aluguer, competia-lhe assegurar-se de que o fazia em condições de poder conduzir, e não o tendo feito violou um dever de cuidado que lhe era exigível e de que era capaz.

Quanto às condições pessoais do arguido foram valoradas as declarações do próprio e ainda os depoimentos das testemunhas O e J, ambos colegas de trabalho do arguido no....

Por fim, quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido foi valorado o certificado de fls. 19.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação – art. 403.º n.º1 e 412.º n.º1 do CPP, podendo sempre o tribunal de recurso conhecer «ex officio»[1]) dos vícios da matéria de facto a que se reporta, designadamente, o n.º 2 do art.410.º do CPP.

Das conclusões do recurso extrai-se que o recorrente ainda que afirme que não foi efectuada uma correcta valoração da prova produzida, não impugna a matéria de facto de harmonia com o preceituado no art. 412.º, n.º3 e 4 do CPP, mas põe em causa a prova obtida através do alcoolímetro, que considera nula, por ter sido obtida, segundo alega, através de meio ilegal [conclusões H) a O)].

Além disso, sustenta que o tribunal fez uma incorrecta valoração dos factos e a subsunção ao direito, que, em violação do princípio “in dubio pro reo” não foi tido em consideração o erro máximo admissível, de acordo com o previsto no art. 8.º da Portaria n.º 1556/2007, que deve ser absolvido, pois não estava a conduzir e a tentativa não é aqui punível, além de que não se encontra preenchido o elemento subjectivo do crime, nem tão pouco a título de negligência; caso assim se não entenda, sustenta que da sanção acessória aplicada deve ser excepcionada a condução do veículo ligeiro de passageiros – Táxi – durante as horas de trabalho, por forma a garantir o seu posto de trabalho ou mediante outra medida que o tribunal tenha por adequada a responder às exigências de prevenção geral e especial que ao caso cabem, sob pena de violação do art. 18.º da CRP [conclusões P) a Z)].

São estas, em resumo, as questões que se impõe dar solução.
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Conhecendo:

Em conformidade com o disposto no art. 153.º, nº.1 do Código da Estrada, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.

Por sua vez o Regulamento de Fiscalização da Condução sob a influência do Álcool, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, dispõe no seu art. 14.º que só podem ser usados analisadores cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da ANSR, precedida de homologação de modelo a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade (IPQ), nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria n.º1556/2007, de 10.12.

Também a Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de Agosto, em vigor desde o dia 15 do mesmo mês e ano, fixa os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos, o modo como se deve proceder à recolha, acondicionamento e expedição das amostras biológicas destinadas às análises laboratoriais, os procedimentos a aplicar na realização das referidas análises e os tipos de exames médicos a efectuar para detecção dos estados de influenciado por álcool ou por substâncias psicotrópicas.

Ainda, nos termos do art.5.º, n.º5, do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23.02, cabia à Direcção-Geral de Viação (DGV) aprovar, para uso na fiscalização do trânsito, os aparelhos ou instrumentos que registem os elementos de prova previstos no n.º 4 do art. 170.º do Código da Estrada, aprovação que deve ser precedida, quando tal for legalmente exigível, pela aprovação de modelo, no âmbito do regime geral do controlo metrológico, funções que com a extinção da DGV transitaram para o Presidente da ANSR.

No caso em apreço o aparelho utilizado para detecção de álcool no sangue do aqui recorrente, por referência ao auto de notícia e ao talão de fls.15, tem a marca “Dräger” e o modelo “7110 MKIII P, n.º de série ARAM - 0025.

Como já se disse no acórdão desta Relação de 8 de Junho de 2010, do mesmo relator, proferido no processo n.º 688/09.7GBLLE.E1, acessível in www.dgsi.pt, a aprovação (homologação) pelo IPQ dos aparelhos a utilizar nos exames de pesquisa de álcool no ar expirado, quer a aprovação pela DGV ou pela ANSR respeita apenas ao modelo e não a cada um dos aparelhos ou série do mesmo modelo.

Conforme resulta de despacho do IPQ de 27 de Junho de 1996, publicado no DR n.º 223 (III Série) de 25.9.1996 [que foi objecto de despacho de aprovação complementar de modelo n.º 211.06.97.3.50, por despacho do IPQ de 23 de Dezembro de 1997, publicado no DR, III Série, n.º54, de 5-3-98, rectificado através da declaração de rectificação de 17.03.1998, publicada no D.R. III Série de 21.05.1998, que, embora reportando-se ao número 211.06.97.3.50, adoptou a designação de modelo “Alcotest MKIII P”, consistindo a alteração no facto do modelo poder funcionar na unidade alternativa (taxa de álcool no sangue – TAS, já que os instrumentos com escala em TAS diferem dos instrumentos com escala em TAE)], foi aprovado, ao abrigo dos diplomas então em vigor (Decreto-Lei n.º291/90, de 20 de Setembro, e Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto), o alcoolímetro, marca Drager, modelo 7110 MK III P, fabricado por DragerWerk AG, requerido por Tecniquitel – Sociedade de Equipamentos Técnicos, Ldª, a que foi atribuído o símbolo de aprovação P que tem na sua parte superior o número 96, correspondente ao ano, e na parte inferior o número 211.06/30, fixando-se o prazo de validade desta aprovação de modelo em 10 anos, a contar da data da publicação no Diário da República.

A Direcção Geral de Viação aprovou esse modelo por despacho n.º 001/DGV/alc.98, de 6.8.98, tendo sido publicitada posteriormente a aprovação deste e doutros modelos, como decorre, entre outros, dos seguintes despachos do Director Geral de Viação:

- Despacho n.º 8036/2003, de 7 de Fevereiro, publicado no DR, 2.ª série, n.º98, de 28.04.2003;

- Despacho n.º 12.594/2007, de 16 de Março, proferido ao abrigo do disposto no n.º5 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 118, de 21 de Junho de 2007.

Acontece que, a utilização do alcoolímetro do modelo em causa, da marca DRAGER, ou seja, o modelo Alcotest 7110 MK III P, fabricado por Drager Safety AG & CO, já depois do decurso do prazo de validade da aprovação anterior, foi, ao abrigo da legislação então vigente, objecto de nova aprovação pelo IPQ, pelo prazo de 10 anos, a requerimento de TECNIQUITEL – Sociedade de Equipamentos Técnicos, Ld.ª, como consta do Despacho n.º 11037/2007, de 24 de Abril de 2007, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 109, de 6 de Junho de 2007, correspondendo-lhe agora o Símbolo de aprovação de modelo P 07 211.06.06. Saliente-se que a letra P é um dos símbolos de aprovação do modelo (cf. Ponto III – n.º7 do Regulamento Geral do Controlo Metrológico então em vigor, aprovado pela portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro), que integra os dois últimos dígitos do ano de aprovação e um número característico a estabelecer pelo IPQ para as aprovações nacionais.

O modelo de aparelho aprovado/homologado pelo IPQ, por Despacho n.º 11037/2007, de 24 de Abril de 2007 veio a ser reaprovado para utilização na fiscalização do trânsito por despacho n.º 19684/2009, proferido pelo Presidente da ANSR em 25 de Junho de 2009, publicado no DR, 2.ª Série, n.º 166, de 27 de Agosto de 2009.

Por conseguinte, o modelo de aparelho, que foi utilizado no exame de pesquisa de álcool no sangue efectuado ao ora recorrente no dia 24 de Maio de 2011, encontrava-se homologado e aprovado pelas autoridades competentes e não havia que exibir ao arguido a aprovação do aparelho pelo Presidente do ANSR, pois o que é aprovado é o modelo do aparelho e essa aprovação é publicitada nos termos da lei, pelo que a senhora juíza, ao decidir como decidiu, não incorreu em qualquer violação ao disposto no art. 14.º da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, como alegado pelo recorrente.

Diz o recorrente que a medição efectuada pelo aparelho utilizado não pode fazer prova contra si, porque consta do talão emitido, que a data de verificação do aparelho foi a 24.02.2010, sendo que nos termos do artigo 7.º da Portaria n.º 1556/2007, de 10.12, a verificação periódica é anual, e nos termos do disposto no n.º 13° da condição geral V do DL 962/90, de 9/10, a verificação deve ser realizada entre 1 de Janeiro e 30/11 do ano a que respeita, ou seja: o aparelho utilizado para a medição não tem verificação válida, pelo que aquela não pode fazer fé em juízo.

Em primeiro lugar impõe-se dizer que não existe nenhum DL com o n.º 962/90, de 9 de Outubro. E o que se dispõe no ponto V daquela Portaria, sob o n.º13, reporta-se ao período de realização da verificação periódica e não validade da mesma.

A Portaria n.º1556/2007, de 10 de Dezembro, como resulta do seu artigo 1.º, regulamenta o controlo metrológico dos alcoolímetros, aplicável aos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos.

Estes aparelhos estão sujeitos a quatro verificações, como resulta do art. 5.º, que são a verificação para aprovação de modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária.

A aprovação de modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição com as especificações aplicáveis à sua categoria; a primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis; a verificação periódica é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo; finalmente, a verificação extraordinária ocorre apenas em casos de dúvidas ou de reclamações específicas.

O art. 7.º dispõe sobre as verificações metrológicas dos aparelhos e determina, no seu nº 2, que «a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo», no caso o despacho n.º19684/2009, proferido pelo Presidente da ANSR em 25 de Junho de 2009, o qual não contem qualquer indicação em contrário.

Este Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, como consta expressamente do mesmo, foi aprovado pelo Governo, “Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 1.º e no artigo 15.º do Decreto -Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, conjugado com o disposto no n.º 1.2 do Regulamento Geral do Controlo Metrológico anexo à Portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro”.

Na Portaria 1556/2007 o momento temporal das verificações metrológicas ordinárias, que comporta a primeira e as verificações periódicas encontra-se regulado no seu artigo 7.º, distinguindo-se esses dois momentos, pois enquanto no seu n.º 1 se reporta à inicial, no n.º 2 alude-se às subsequentes [n.º 2] – o n.º 3 refere-se às operações de verificação extraordinária.

No que respeita às verificações ordinárias subsequentes à primeira verificação estipula-se naquele artigo 7.º, n.º 2 que “A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo”. Este segmento normativo não tem nada de inovador, pois limita-se a transcrever o que já constava, nos mesmíssimos e precisos termos, nas portarias antecedentes, ou seja a Portaria n.º 110/91, de 06 de Fevereiro (n.º 11) e na Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto (n.º 11).

A expressão “anual” tinha e continua a ter o significado comum daquilo que se faz, celebra, acontece ou realiza em cada ano ou num período de cada ano, ou, ainda, todos os anos.

Assim e como se pode verificar do citado artigo 7.º, n.º 2 o mesmo não regula a validade do uso dos alcoolímetros mas apenas e tão só o momento temporal em que se devem realizar as verificações metrológicas periódicas. A única referência que é feita à validade da verificação dos alcoolímetros diz apenas e tão só respeito à verificação extraordinária, no referido artigo 7.º, n.º 3 e nos seguintes termos: “A verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica e tem a mesma validade”.

Isto significa que o disposto no artigo 7.º, n.º 2 é de todo estranho ao período de validade da verificação dos exames metrológicos dos alcoolímetros, pelo que enxertar neste segmento normativo qualquer interpretação neste sentido é sair do seu comando regulamentador.

Por seu turno o Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, procedeu à harmonização do regime nacional com o direito comunitário sobre o controlo metrológico dos aparelhos de medição.

Nos termos do seu art. 1.º, n.º 1, «o controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição envolvidos em operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como das quantidades dos produtos pré-embalados e, ainda, dos bancos de ensaio e demais meios de medição abrangidos pelo artigo 6º é exercido nos termos do presente diploma e dos respectivos diplomas regulamentares».

Tal como para a portaria, também para este diploma as operações a realizar no âmbito do controlo metrológico são a aprovação de modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária (art. 1.º, n.º 3).

A verificação periódica está tratada no art. 4.º, nos seguintes termos:

«1 - Verificação periódica é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição.

2 - Os instrumentos de medição são dispensados de verificação periódica até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua primeira verificação, salvo regulamentação específica em contrário.

3 - Nos instrumentos de medição cuja qualidade metrológica esteja dentro das tolerâncias admissíveis, relativamente ao respectivo modelo, será aposta, no acto da operação, a marca de verificação periódica.

4 - A marca referida no número anterior será aposta por forma a garantir a inviolabilidade do instrumento de medição.

5 - A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário».

Fora deste regime jurídico base de controlo metrológico, surgiu um regime específico, com o Decreto-Lei n.º 192/2006, de 26 de Setembro, que transpondo para o direito interno a Directiva n.º 2004/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, veio regular o controlo metrológico dos 11 instrumentos de medição elencados no seu artigo 2.º, inaplicável aos alcoolímetros. No que a estes diz respeito e na sequência da Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, enunciou-se, no seu artigo 14.º, que a aprovação dos analisadores cabe, por despacho, ao presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária [n.º 1 e 3], muito embora sujeitos a prévia homologação do Instituto de Português de Qualidade (IPQ), nos termos do Regulamento do Controlo Metrológicos dos Alcoolímetros [n.º2].

Face aos diplomas que regulamentam a matéria discutida no presente recurso é seguro, no que respeita à verificação periódica dos aparelhos de medição, que ela é anual e que a sua validade se estende até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização. Em sentido semelhante vejam-se os Acórdãos da Relação do Porto de 6 de Abril de 2011, 25 de Maio de 2011 e 8 de Junho de 2011, relatados, respectivamente, pelas Des. Olga Maurício, Airisa Caldino e pelo Des. Artur Oliveira, acessíveis em www.dgsi.pt.

Parece-nos que a clareza da lei não permite dúvidas sobre esta concreta questão. Mas concedendo que podia não ser clara a determinação da validade da verificação, nunca a dúvida podia ser superada nem com o recurso ao chamado «princípio geral da interpretação mais favorável ao arguido», nem dando a primazia à norma inserida em diploma de valor hierarquicamente inferior.

O recurso ao princípio mais favorável não é unanimemente aceite em sede de interpretação da lei. Mas já o é o repúdio de tal princípio quando interpretado em termos de tal modo amplos que leve ao afastamento do sentido da lei resultante da aplicação das regras gerais de interpretação.

Para além disso na interpretação não pode eleger-se como fundamental o sentido que resulte de diploma de valor hierarquicamente inferior.

O art. 112.º da Constituição da República Portuguesa, que versa sobre os «actos normativos», concretiza os princípios da hierarquia das fontes de direito, da tipicidade das leis e da legalidade da administração.

Os actos normativos contemplados são os actos legislativos e os actos regulamentares, sendo actos legislativos as leis, os decretos-lei e os decretos legislativos regionais – nº 1.

O principal acto normativo infra constitucional é, portanto, o acto legislativo.

Quanto à portaria, que não integra o conceito de acto normativo, é um acto administrativo, com hierarquia inferior, cujo conteúdo tem que respeitar as fontes legais de hierarquia superior.

Considerando, portanto, a hierarquia das leis, nunca uma lei de hierarquia inferior pode contrariar lei de hierarquia superior, antes tem de se conformar com ela. Mas se o fizer é a primeira que vale, em sede de aplicação do direito. [2]

Assim, a Portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro, que o recorrente invoca sob a designação de DL, não pode prevalecer sobre o sentido que emerge do DL 291/90 que aquela visa regulamentar.

Assim, impõe-se concluir que o aparelho em causa não estava em falta quanto à verificação periódica, quando no dia 24 de Maio de 2011 foi utilizado no exame de pesquisa de álcool no sangue, pois que a validade da verificação periódica, comprovada pelo talão do teste, estende-se até ao dia 31 de Dezembro do ano em curso.

Mais: Admitindo, por mera hipótese de raciocínio, que já tivesse sido ultrapassado o prazo de verificação periódica do aparelho aqui em causa, essa violação nunca poderia conduzir à nulidade da prova obtida, simplesmente porque a lei não sanciona como tal esse vício.

A nossa lei acolheu, no art. 118.º do C.P.P., o princípio da tipicidade das nulidades ao estabelecer, no n.º 1, que «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei»; acrescenta o n.º 2 que «nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular».

Dito de outra forma, as nulidades figuram expressamente na lei como tal. Não podendo ser criadas por via interpretativa.

Em lado algum a Lei afirma que a falta de verificação periódica do aparelho é cominada com o vício de nulidade ou que se traduz na produção de prova proibida. O que a Lei diz é que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” [artigo 125.º, do CPP].

E se irregularidade houvesse, que não há, estaria sanada, por não ter sido invocada no próprio acto, e este produziria consequentemente os seus efeitos jurídicos (cf. art. 123.º do CPP).

Assim, improcede também este fundamento do recurso.
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Diz o recorrente que o alcoolímetro utilizado no caso concreto não apresentava de forma visível os elementos de identificação a que se refere o art. 9.º da Portaria 1556/2007, de 10 de Dezembro, o que invalida a prova assim obtida.

Mais alega que competia ao Ministério Público fazer a prova de que o alcoolímetro tinha visíveis esses elementos de identificação e como não o logrou fazer, a prova é inválida.

Liminarmente impõe-se dizer que ao Ministério Público apenas incumbe fazer a prova dos factos constitutivos dos crimes por que acusa.

O art.9.º da Portaria que o recorrente convoca, sob o título inscrições e marcações, dispõe:

1— Os alcoolímetros devem apresentar, de forma visível e legível, as indicações seguintes, inscritas em local a definir em cada modelo no respectivo despacho de aprovação de modelo:

a) Símbolo de aprovação de modelo;
b) Marca;
c) Modelo;
d) Número de série;
e) Nome do fabricante ou do importador;
f) Gama de medição;
g) Condições estipuladas de funcionamento, em graus centígrados;
h) Factor de conversão, se aplicável.

2 — Os registos da medição devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo e o número de série do alcoolímetro assim como a data da última verificação metrológica.

Em primeiro lugar, seria de todo conveniente e numa postura de lealdade para com o tribunal e os demais sujeitos processuais que o recorrente tivesse indicado concretamente, de entre as especificações prevenidas no n.º1, quais as inscrições ou marcações que não se encontravam visíveis no aparelho utilizado, pois, quanto às exigências referidas no n.º2, basta ver o talão emitido pelo aparelho para comprovar a sua verificação.

As exigências contidas no n.º1 destinam-se ao fabricante do alcoolímetro, sem as quais o modelo do aparelho não será, certamente, aprovado e homologado.

O recorrente não fez qualquer prova do que alegou e poderia tê-la feito requerendo exame ao aparelho em causa, pelo que a alegação é manifestamente improcedente.
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Da dedução da taxa do erro máximo admissível:

Diz o recorrente que o tribunal “a quo” não teve em consideração o erro máximo admissível, de acordo com o art. 8.º da Portaria n.º 1556/2007, pelo que foi violada tal norma; que a taxa medida está no limite do legalmente admissível, pelo que, mais motivos existiam para, fazer uso de tal mecanismo, mesmo sem recurso a contraprova, e independentemente dos motivos pela qual a mesma não se realizou neste caso, sendo que a norma em causa não exige como condição para a sua aplicação que seja efectuada a contraprova e que, tendo em conta o anexo á referida portaria e o valor indicado no talão caso, fosse tido em conta o valor do erro máximo admissível o valor encontrado ficaria abaixo do valor de 1.2, que se situaria em 1,1132,g/1, ficando a faltar um dos pressuposto da verificação do crime, e tornando o comportamento do arguido em eventual contra ordenação.

Esta questão tem sido por demais controvertida na jurisprudência dos tribunais da Relação, como se dá conta na douta sentença recorrida, embora nesta Relação de Évora a posição dominante vai no sentido de que não há lugar à dedução numa qualquer medição concreta.

É neste sentido que temos vindo a decidir, nomeadamente no âmbito dos processos 1213/08-1, 1158/08.6GTABF.E1, 54/08.1GTSTR.E1, acessíveis in www.dgsi.pt/jtre, e, neste mesmo sentido, foi decidido nos acórdãos desta mesma Relação de Évora de 22-05-2007, 22-04-2008, 01-07-2008, 16-12-2008, 09-07-2009, 10-12-2009, 01-07-2010, 12-02-2011 e 27-09-2011, acessíveis no mesmo site da internet.

Com efeito, cremos que a Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, não estabelece qualquer margem de erro, mínimo ou máximo, para aferir dos resultados obtidos pelos analisadores quantitativos da detecção do teor de álcool no sangue, numa qualquer medição concreta.

Na verdade, é nosso entendimento, que as margens de erro a que acima se faz alusão respeitam, tão só, à aprovação e verificação periódica dos aparelhos de medição. Com efeito, o controlo metrológico tem por finalidade a certificação do controlo e conformidade metrológica encontrada, e, bem assim, garantir a inviolabilidade do instrumento de medição.

Tal controlo metrológico dos alcoolímetros ou analisadores quantitativos, é da competência do Instituto Português da Qualidade, que procede às operações legais de aprovação do modelo – primeira verificação – segunda verificação – verificação extraordinária. (cf. art. 5.º da Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro)

Assim, uma vez verificado, pelo sobredito instituto, que o aparelho de medição não ultrapassa os erros (máximo e mínimo), a que faz alusão o art. 8.º da Portaria, é aposta marca de qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis.

Com efeito, os EMA “são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra. É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respectivo regulamento” (cf. CÉU FERREIRA e ANTÓNIO CRUZ, “Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português de Qualidade”).

Nessa conformidade, não podem, em momento ulterior, designadamente quando o agente de autoridade está a proceder à acção de fiscalização, ser considerados quaisquer valores de erro (EMA) a deduzir ao valor apurado ou obtido pelo alcoolímetro ou analisador quantitativo.

É que, como já se disse, os erros máximos admissíveis são, apenas, objecto de valoração e ponderação no momento do controlo metrológico e em momento anterior à certificação pelo IPQ.

O STJ no acórdão para fixação de jurisprudência de 10-09-2009 veio considerar que “Se as divergências se passam apenas ao nível da interpretação de elementos de prova – v. g., na informação fornecida pelo aparelho medidor do teor de álcool no sangue –, não se verifica oposição relevante de julgados”.

E em plenário das suas Secções Criminais, o STJ, por acórdão de 27-10-2010, publicado na CJ do STJ, tomo 3, pág. 243 e ss, considerou que “Os erros máximos admissíveis apenas são considerados no momento técnico da aferição do alcoolímetro, não devendo esses mesmos valores ser dedutíveis nas taxas de alcoolemia no sangue reveladas pelos talões desses mesmos aparelhos de medição, por meio de teste no ar expirado”.

É esta orientação que temos perfilhado e não vemos razões para alterar o nosso entendimento sobre a matéria.

Após ter sido efectuado o controlo metrológico do alcoolímetro quantitativo e atestada a certificação do I.P.Q., o valor a ter em conta para efeitos de determinação e quantificação da taxa de álcool no sangue é aquele que o aparelho detectar e a que corresponde o valor inscrito no talão emitido pelo mesmo, pelo que quaisquer deduções que à TAS sejam feitas carecem de fundamento legal e até de suporte técnico ou científico.

Por isso que, a prova obtida através do aparelho em causa faz fé em juízo até prova do contrário. E essa prova em contrário não foi produzida, desde logo, porque o arguido não requereu contra-prova através de novo exame por analisador quantitativo ou análise de sangue.

E não se suscitando qualquer dúvida sobre a fiabilidade do analisador quantitativo utilizado, afigura-se-nos não existir campo de aplicação para o princípio in dubio pro reo actuar, a que o recorrente apela.

Não procede, pois, também aqui a pretensão do recorrente.
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Examinada a sentença, não se detecta nela a existência de um qualquer dos vícios prevenidos no n.º2 do art. 410.º do CPP, pelo que se considera definitivamente assente a factualidade que o tribunal recorrido assim considerou.

Da factualidade apurada resulta inequivocamente o cometimento pelo arguido, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, agravado nos termos do n.º 1 do artigo 294.º, do mesmo diploma legal.

A pretensão do recorrente, de que estamos perante um crime tentado, logo não punível, nos termos do art. 23.º, n.º1 do CP, esbarra com os factos provados e assenta em afirmações suas que não lograram convencer o tribunal recorrido e por isso não fazem parte do elenco dos factos provados.

Do art. 6.º dos factos provados, decorre, inequivocamente, que o arguido agiu com negligência inconsciente, pelo que não existe qualquer erro na subsunção dos factos ao direito, já que o tipo subjectivo admite qualquer modalidade de dolo e negligência, punindo com a mesma moldura penal o crime cometido na forma dolosa ou negligente.

Não procede, por conseguinte, a pretendida absolvição.
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A última questão prende-se com o pedido formulado pelo recorrente, a título subsidiário e respeita à não aplicação da proibição de conduzir ao veículo automóvel ligeiro de passageiros – táxi – durante as horas de trabalho do recorrente, ainda que com sujeição a outra medida que o tribunal entenda adequada a responder às exigências de prevenção geral e especial [cf. conclusão z)].

Haverá fundamento legal para excluir da proibição de conduzir uma certa classe de veículos com motor, no caso o táxi que o arguido conduz em regime de part-time?

Dispõe o artigo 69.º, n.º 2, do Código Penal, que “a proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria”.

Esta norma não contém qualquer referência expressa à possibilidade de a proibição de conduzir veículos com motor abranger apenas uma categoria determinada deles, ou uma espécie deles com exclusão das demais espécies (por exemplo, com exclusão do veículo usado no trabalho da pessoa proibida de conduzir).

Se é certo que o elemento literal retirado do n.º 2 do art. 69.º do C. Penal parece estar a favor da tese dos que defendem “poder abranger veículos de qualquer categoria”- tal expressão “não tem o mesmo significado que “pode excluir” da sua aplicação qualquer categoria de veículo” e face à evolução legislativa sempre temos entendido, à semelhança do que tem sido o entendimento maioritário, que a proibição de conduzir prevista no art. 69.º, n.º1 do C. Penal abrange hoje necessariamente todas as espécies de veículos não podendo ser limitada a veículos de uma determinada espécie, antes significa que a medida de proibição de conduzir como pena acessória, pode abranger todo e qualquer veículo com motor motorizado, conforme estabelece o n.º1, do citado normativo, e de qualquer categoria, ou seja que a proibição pode abarcar outras categorias de veículos com motor, diferentes daquela a que pertence o veículo ligado à infracção. Melhor dizendo, significa que nenhuma categoria ou classe de veículos com motor está excluída da possibilidade de proibição. [3]

A possibilidade de a proibição abranger apenas uma determinada categoria de veículos esteve expressamente prevista no artigo 69.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1.º do D.L. n.º 48/95, de 15/03, mas foi eliminada na redacção dada ao referido preceito pelo artigo 1.º da Lei nº 77/2001, de 13/07 (entrada em vigor em 18 de Julho de 2001).

Diz-se, a este propósito, no acórdão desta Relação de 27-04-2010, proferido no processo n.º 27/09.7PFEVR.E1, de que foi relator o Exmo. Desembargador João Amaro, acessível in www.dgsi.pt/jtre, que “apesar de a proibição de conduzir veículos automóveis estar prevista, como sanção para os condutores que conduzissem em estado de embriaguez ou sob a influência do álcool, em diversos diplomas (cfr. artigo 61º, nº 2, al. c), do Código da Estrada de 1954, artigo 7º da Lei nº 3/82, de 29/03, artigo 4º da Lei nº 124/90, de 14/04, e artigo 87º do Código da Estrada aprovado pelo D.L. nº 114/94, de 03/05), a entrada desta sanção no Código Penal, no capítulo das penas acessórias e efeitos das penas, só se verificou com a alteração deste diploma operada pelo D.L. nº 48/95, de 15/03, aprovado ao abrigo da lei de autorização legislativa nº 35/94, de 15/09. No artigo 2º desta lei, ao definir-se o sentido da autorização legislativa ao Governo para rever o Código Penal aprovado pelo D.L. nº 400/82, de 23/09, afirmou-se que um dos objectivos da revisão era o de “introduzir a pena acessória da proibição de conduzir e as medidas de segurança de cassação de licença de condução de veículo automóvel e da interdição de concessão de licença, particularmente adequados à prevenção e repressão da criminalidade rodoviária” (al. d) do artigo 2º da Lei nº 35/94, de 15/09). No artigo 3º do mesmo diploma, enunciaram-se as soluções que davam corpo às alterações ao Código Penal. Assim, no nº 34 deste artigo 3º da Lei nº 35/94, de 15/09, determinou-se que o artigo 69º do Código Penal fosse substituído por “um novo artigo com a mesma numeração, que introduzirá a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, por um período fixado entre um mês e um ano, para quem for condenado: a) por um crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras do trânsito rodoviário; b) ou por crime praticado com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante”. Além disso, determinava-se na mesma lei de autorização legislativa (ainda no nº 34 do artigo 3º) que “a proibição produzirá efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e poderá abranger a condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada”.

Com a entrada em vigor das alterações ao Código Penal operadas pelo D.L. nº 48/95, de 15/03, passou, em conformidade com a lei de autorização legislativa referida, a estar consagrada no texto do Código Penal a proibição de conduzir veículos motorizados (artigo 69º, nº 1, deste diploma legal). O nº 2 desse mesmo artigo 69º, reproduzindo a solução constante da lei de autorização legislativa, estabelecia que a proibição produzia efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e podia abranger a “condução de veículos motorizados de qualquer categoria ou de uma categoria determinada”.

O texto da 2ª parte deste nº 2 do artigo 69º do Código Penal era, pois, suficientemente claro para se poder afirmar com base nele o seguinte:

- O âmbito da proibição de conduzir não estava limitado pela categoria do veículo com o qual fora cometida a infracção.

- A decisão que punisse por algum dos crimes previstos nas als. a) e b) do nº 1 do referido preceito tanto podia impor a proibição de conduzir todas as categorias de veículos motorizados, como podia impor a proibição de conduzir apenas uma determinada categoria desses mesmos veículos.

Ora, conforme acima dito, tal redacção do artigo 69º do Código Penal (dada pelo D.L. nº 48/95, de 15/03) foi, entretanto, alterada pelo artigo 1º da Lei nº 77/2001, de 13/07 (redacção actual do Código Penal neste ponto).

De entre as alterações efectuadas destacam-se as seguintes:

- Passou a estar prevista, expressamente, a proibição de conduzir veículos com motor para quem fosse punido pela prática do crime previsto pelo artigo 292º do Código Penal (condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes os substâncias psicotrópicas).

- Foram agravados os limites, mínimo e máximo, da pena acessória de proibição de conduzir, que passaram, respectivamente, para 3 meses e 3 anos.

- No nº 2 do artigo 69º, embora se mantivesse a afirmação de que a proibição de conduzir produzia efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e que podia abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria, eliminou-se a expressão “ou de uma categoria determinada”.

Para entendermos o significado, o alcance e o objectivo de tais modificações no texto da lei, importa averiguar quais os motivos que levaram o legislador de 2001 a alterar o artigo 69º, bem como os artigos 101º, 291º, 292º e 294º, todos do Código Penal.

Encontramos a resposta a esta questão na exposição de motivos da proposta de Lei nº 69/VIII, que o XIV Governo Constitucional apresentou à Assembleia da República, e que deu origem à Lei nº 77/2001, de 13/07 (cfr. Diário da Assembleia da República, II Série - A, nº 51, de 21 de Abril de 2001).

Depois de afirmar, no primeiro parágrafo da exposição de motivos, que a redução dos índices de sinistralidade constituía uma das suas prioridades em matéria de segurança rodoviária, o Governo justificava as medidas propostas nos seguintes termos: “A condução perigosa constitui uma das principais causas da sinistralidade rodoviária e está normalmente associada ao excesso de velocidade, à prática de manobras perigosas, à condução sob influência do álcool ou em estado de embriaguez e, em menor grau, à condução sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.

Deste modo, e atendendo à importância dos bens jurídicos postos em causa por estas condutas, como a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado, torna-se imprescindível reforçar a prevenção, o que requer o pronto e eficaz sancionamento dos prevaricadores.

As sanções aplicáveis aos condutores que infrinjam as regras de trânsito estão previstas em dois diplomas legais: o Código da Estrada, que regula os ilícitos de mera ordenação social, e o Código Penal, onde estão os ilícitos criminais.

Uma vez que a sanção acessória de inibição de conduzir está prevista nos dois Códigos (artigo 139º do Código da Estrada e artigo 69º do Código Penal), e porque se regista um desfasamento entre ambos relativamente à sanção aplicável, procedeu-se à agravação dos limites mínimo e máximo da pena acessória prevista no nº 1 do artigo 69º do Código Penal. Desta forma, a pena estatuída no Código Penal passa a ser mais gravosa do que a sanção acessória cominada no Código da Estrada para condutas comparativamente menos graves”.

Podemos concluir, em jeito de síntese, que os objectivos que levaram o Governo a propor as alterações foram:

- Reduzir os índices de sinistralidade rodoviária.

- Reforçar a prevenção, através do pronto e eficaz sancionamento dos prevaricadores.

- Corrigir o desfasamento, antes existente, entre a sanção acessória de proibição de conduzir prevista no Código Penal e a prevista no Código da Estrada.

Ao agravar a sanção acessória de proibição de conduzir prevista no Código Penal, o legislador introduziu coerência e unidade neste sector da ordem jurídica.

Com efeito, constituindo os crimes factos ilícitos mais graves do que as contra-ordenações, impunha-se, atendendo à necessidade de existir coerência e unidade na ordem jurídica, que as sanções que correspondessem aos crimes também fossem mais graves do que as previstas para as contra-ordenações.

Ora, tal não sucedia, no capítulo da proibição de conduzir, até às alterações introduzidas pela Lei nº 77/2001, de 13/07: a proibição de conduzir que sancionava a prática de uma contra-ordenação grave tinha limites mínimos e máximos superiores aos da proibição de conduzir que sancionava a prática dos crimes elencados no artigo 69º do Código Penal.

A correcção do desfasamento entre a sanção acessória de proibição de conduzir prevista no Código Penal e a prevista no Código da Estrada não se ficou, no entanto, pelo agravamento dos limites mínimo e máximo da primeira delas.

Enquanto, desde 1998, a proibição de conduzir com que o Código da Estrada sancionava as contra-ordenações se referia a “todos os veículos a motor” (cfr. artigo 139º, nº 3, do Código da Estrada, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1º do Decreto-lei nº 2/98, de 03/01), a proibição de conduzir prevista no Código Penal podia abranger apenas veículos de “uma categoria determinada”.

Esta possibilidade, constante do Código Penal, tornava a proibição de conduzir correspondente ao crime abstractamente menos gravosa do que a proibição de conduzir correspondente à contra-ordenação.

Também por isso, para dar coerência e unidade ao sistema jurídico no aspecto agora em análise, o legislador de 2001 eliminou do nº 2 do artigo 69º do Código Penal a expressão “ou de uma categoria determinada”.

Não foi, pois, sem sentido que o legislador eliminou essa mesma expressão. Ao fazê-lo, quis o legislador, claramente, afastar a possibilidade de a proibição de conduzir, imposta a quem praticasse alguns dos crimes enumerados no nº 1 do artigo 69º do Código Penal, ser restringida a determinada categoria de veículos com motor.

Por conseguinte, a interpretação da 2ª parte do nº 2 do artigo 69º do Código Penal que melhor se ajusta ao pensamento legislativo e à unidade do sistema jurídico é a que afirma que a proibição de conduzir veículos com motor, imposta a quem pratique algum dos crimes enunciados no nº 1 do mesmo artigo 69º, se refere a todos os veículos com motor e não apenas a uma categoria deles.

Esta interpretação é também a que melhor se ajusta às condições específicas do tempo em que é aplicada a norma do artigo 69º, nº 2, do Código Penal.

É que o tempo da aplicação desta norma continua a ser, apesar das melhorias recentes, um tempo de elevados índices de sinistralidade rodoviária, e um tempo que demanda sanções eficazes contra os que, através de condução perigosa, põem em causa a vida, a integridade física e o património de terceiros.

Por último, a interpretação agora acabada de expor é a única que confere garantias de eficácia à execução da sanção acessória em questão, tal como tal execução está regulada nos artigos 69º, nº 3 e 4, do Código Penal, e 500º, nºs 2, 3 e 4, do C. P. Penal.

Conclui-se, assim, que o artigo 69º, nº 2, do Código Penal, na redacção actualmente vigente (e vigente à data da prática dos factos) não permite a restrição da proibição de conduzir a uma categoria determinada de veículos motorizados.”

Refere, também a este propósito, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 226, nota nº 9 ao artigo 69.º, que «a proibição tem um efeito universal, valendo a proibição para todos os veículos motorizados, mesmo os que não necessitam de licença para conduzir» e que «a proibição não pode ser limitada a certos períodos do dia, nem a certos veículos (…), nem pode ser diferido o início da respectiva execução».

A condenação por crime de condução em estado de embriaguez não pode limitar-se a uma categoria de veículos com motor, devendo antes abarcar quaisquer categorias desses veículos, desde que destinados a circular nas vias públicas ou equiparadas. Efectivamente, se a perigosidade da condução, que é a razão de ser da proibição, é alheia ao tipo de veículo que se conduz, por respeitar à pessoa do condenado, ela poderá verificar-se na condução de qualquer veículo com motor, nomeadamente na condução de um veículo automóvel ligeiro de passageiros – táxi, no âmbito da actividade desenvolvida pelo arguido em regime de part-time.

Aliás, não fazia sentido que um condutor de veículo ligeiro condenado pelo crime p. e p., pelo art. 292.º do CP, por condução sob a influência do álcool, não ficasse proibido de conduzir o veículo com que exerce a sua actividade de taxista e no âmbito da qual cometeu a infracção sancionada, mas tão só de outros veículos.

E isto, porque, por um lado, o
bem jurídico protegido pela norma do art. 292.º, do CP, é a segurança da circulação rodoviária, se bem que indirectamente se protejam outros bens jurídicos que se prendem com a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física.

A solução reclamada impedia na prática, sem previsão legal que a valide, a aplicação da pena acessória sempre e quando o agente fosse condutor profissional por conta de outrem ou por conta própria. O que levaria, na prática, ao absurdo de que não cumpririam pena acessória precisamente aqueles condutores a quem é exigível maior cuidado e atenção no exercício da condução, não só pela frequência do exercício da condução como por fazerem dela modo de vida, exercendo-a profissionalmente. Sendo certo, ainda, que a condução por conta de outrem é tido, pelo próprio legislador, como potenciadora do risco, tanto que responsabiliza o titular do veículo pelo risco da circulação – cf. art. 500.º do C. Civil.

A tutela dos bens jurídicos (segurança da circulação rodoviária e, indirectamente, segurança e integridade das pessoas) que é assegurada pela aplicação da proibição de condução de veículos com motor, sem quaisquer restrições, não pode assim ceder, perante a circunstância de o arguido ser exercer a profissão de taxista, por conta de outrem, a tempo parcial, e necessitar da carta de condução para exercer essa sua actividade extra, sendo certo que, é precisamente daqueles que exercem a sua profissão como motorista que se exige especial cuidado e dever no cumprimento das normas que visam a salvaguarda da segurança rodoviária. É em relação a estes condutores que mais se fazem sentir as exigências de prevenção e a necessidade de reforçar a confiança da comunidade na validade e eficácia das normas que tutelam a circulação nas estradas, pois, nem o facto de o arguido carecer especialmente da carta para o exercício da sua profissão o inibiu de conduzir sob o efeito do álcool
Se o legislador quisesse permitir a restrição, nos termos em que parece ser sustentada no recurso, não deixaria de o dizer expressamente, sendo certo que o cumprimento da medida implica a entrega da carta de condução e a limitação da proibição a certo tipo de veículos obrigaria à emissão de nova carta, circunstância não prevista nem regulamentada

Não faria sentido - era, aliás, um total absurdo - que pela prática de uma contra-ordenação a proibição abrangesse todos os veículos a motor e na área penal, pela prática de um crime, o regime fosse mais tolerante e permitisse excepções que aqui, mais que ali, violavam as razões da política criminal.

Face ao predito, a pretensão do recorrente, de que da pena acessória de proibição de conduzir aplicada na sentença recorrida seja excluída a condução de táxi nas suas horas de trabalho, não tem fundamento legal, não existindo no nosso ordenamento jurídico qualquer pena de substituição para a proibição de conduzir, ao invés do que ocorre no Código da Estrada para a sanção acessória de inibição de conduzir.

Os custos, de ordem profissional e/ou familiar, que poderão advir para o recorrente do facto de a proibição de conduzir em causa afectar a sua actividade profissional, são próprios das penas, que só o são se representarem para o condenado um verdadeiro e justo sacrifício, com vista a encontrarem integral realização as finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução em estado de embriaguez e que a aplicação da pena pretende prevenir.

E o cumprimento da sanção acessória não contende com o direito ao trabalho - vide o Ac. TC n.º440/2002, acessível no respectivo site.

Ali foi referido que “O direito ao trabalho, com o conteúdo positivo de verdadeiro direito social e que consiste no direito de exercer uma determinada actividade profissional, se confere ao trabalhador, por um lado, determinadas dimensões de garantia e, por outro, se impõe ao e constitui o Estado no cumprimento de determinadas obrigações, não é um direito que, à partida, se possa configurar como não podendo sofrer, pontualmente, quer numa, quer noutra perspectiva, determinadas limitações no seu âmbito, quando for restringido ou sacrificado por mor de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.(…)

Efectivamente, uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos, nomeadamente, quer, por um lado, na perspectiva do arguido recorrente a quem é imposta e destinada a pena aplicada, quer, por outro lado, na perspectiva da sociedade – a quem, reflexamente, se dirige também aquela medida, - na medida em que se visa proteger essa sociedade e, simultaneamente, compensá-la do risco a que os seus membros foram sujeitos com a prática de uma condução sob o efeito do álcool.”

A aplicação ao recorrente da proibição de conduzir veículos com motor e da forma como foi decidida na sentença – sem restrição alguma – não merece, pois, reparo, afigurando-se que não ultrapassa qualquer limite para além do que é razoável ser de exigir-lhe, tendo o tribunal recorrido interpretado correctamente os respectivos pressupostos, sem que ocorra qualquer afronta aos preceitos convocados pelo recorrente.

A improcedência do recurso acarreta a condenação do recorrente em custas, nos termos previstos nos art. 513.º n.º1 e 514 n.º1 do CPP, sendo a taxa de justiça fixada nos termos e com os critérios prevenidos no art. 8.º, n.º5 e tabela III do RCP.

III – Decisão

Face ao exposto, julga-se o recurso interposto pelo arguido JM totalmente improcedente e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.

(Este acórdão foi revisto pelo relator que assina e rubrica as demais folhas).

Évora, 2011-11-22

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[1] Cf. Acórdão, do S.T.J., de 19-10-95, no D.R., 1.ª Série A, de 28-12-95.

[2] - Neste sentido, entre outros, o já citado Acórdão da Relação do Porto de 6 de Abril de 2011.

[3] - Neste sentido decidimos no ainda recente acórdão de 3-5-2011, proferido no processo n.º29/10.0GDVRS.E1.