Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
841/08.0TALLE.E1
Relator: ANA BACELAR CRUZ
Descritores: DEMANDANTE CIVIL
CUSTAS
Data do Acordão: 06/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
O demandante cível que, à data da dedução do pedido cível em processo penal, não possua título executivo contra todos os arguidos/demandados, não pode ser condenado em custas nos termos art. 449.º, n.º1 e n.º2-c) do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

No processo comum nº 841/08.0TALLE, do 2º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial de Loulé, o Ministério Público deduziu acusação contra

- AC, solteira, arquitecta, nascida a 19 de Maio de 1969, ...natural de Loulé e aí residente,

- “AC – ..., Lda.”, contribuinte fiscal número ..., com sede ...em Loulé;

imputando-lhes a prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido nos termos do artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, e do artigo 107.º, por referência ao artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 4, e artigo 7.º, todos do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.

O Instituto da Segurança Social, I.P., pediu a condenação solidária das Arguidas no pagamento da quantia de € 10 793,73 (dez mil setecentos e noventa e três euros e setenta e três cêntimos, acrescida de juros no montante de € 3 793,72 (três mil setecentos e noventa e três euros e setenta e dois cêntimos).

Pedido que veio a ser reduzido para a quantia de € 3 363,86 (três mil trezentos e sessenta e três euros e oitenta e seis cêntimos), na sequência de pagamento entretanto realizado pelas Arguidas.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular,

- a Arguida AC foi condenada, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido nos termos conjugados dos artigos 107.º e 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 2,00 (dois euros), perfazendo o montante global de € 160,00 (cento e sessenta euros);

- a Arguida AC – ..., Lda.” foi condenada, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, previsto e punido nos termos conjugados dos artigos 107.º e 105.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (dois euros), perfazendo o montante global de € 800,00 (oitocentos euros);

- as Arguidas foram condenadas a pagar ao Instituto da Segurança Social, I.P., a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de € 3 363,86 (três mil trezentos e sessenta e três euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde a data em que ocorreu a notificação para contestar;

- o Instituto de Segurança Social foi condenado no pagamento das custas do pedido civil.

Inconformado com tal decisão, o Instituto de Segurança Social, I.P. dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida na parte em que condena o ora recorrente no pagamento das custas cíveis, pelo facto de este dispor de título executivo.

2. O Tribunal a quo considerou procedente o pedido de indemnização civil e condenou as arguidas no pagamento da quantia de € 3.363,86 (três mil trezentos e sessenta e três euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora até integral pagamento.

3. A condenação ocorrida nada tem a ver com eventuais processos executivos a decorrer contra as arguidas, sendo os mesmos inteiramente distintos.

4. O pedido de indemnização civil é um mecanismo legal que qualquer lesado pode utilizar, no âmbito de um processo-crime, com vista a poder ressarcir-se dos danos sofridos pela prática do crime.

5. A lei processual penal consagra, como regra, o princípio de adesão obrigatória da acção civil de indemnização à acção penal, pelo que, nos termos do artigo 71° do CPP, o pedido de indemnização fundado na prática de um crime deve ser deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos taxativamente enumerados no artigo 72° do mesmo diploma.

6. A acção cível a que o preceito se refere não é aquela que apresente com o processo penal, ao nível da causa de pedir, uma qualquer conexão, mas apenas a que se funde na prática do crime que constitui o objecto do processo penal.

7. A pretensão civil deduzida no âmbito do processo-crime inscreve-se no domínio da responsabilidade civil extracontratual regulada pelos artigos 483° e s. do Código Civil, cujos pressupostos são a verificação de um facto ilícito, a existência de um nexo de imputação subjectiva do facto ao agente (culpa do agente), a produção de um dano e a existência de um nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano.

8. O Tribunal a quo considerou estarem verificados todos os requisitos legais que constituem os arguidos na obrigação de indemnizar o ISS, IP, de acordo com o disposto nos artigos 483°, 562°, 563°, 564, n.º 1 e 566°, n.º 1 e 2 todos do CC, condenando assim as arguidas no pagamento da quantia peticionada nos autos.

9. O que está em causa nos presentes autos é tão somente uma indemnização decorrente de responsabilidade civil por factos ilícitos, não se confundido com a recuperação de créditos no âmbito de um processo executivo, sendo assim pouco relevante que o ora demandante tenha outros meios para obter o pagamento da quantia em dívida.

10. De acordo com a jurisprudência, o demandante cível tem interesse em agir quando pretende obter título executivo contra os sócios gerentes da sociedade (devedora fiscal) arguida, uma vez que o título executivo que lhe permite cobrar a sua dívida em execução fiscal apenas existe relativamente à sociedade arguida que figura como devedora principal no título de cobrança.

11. No que concerne à arguida sociedade é diferente o título executivo sentença, do documento (título de cobrança), uma vez que os meios de oposição a um e a outro são distintos, pois enquanto que a oposição à execução baseada em sentença só pode ter por base algum dos fundamentos do artigo 814° do Código de Processo Civil, na execução baseada no título de cobrança, os fundamentos de oposição são muito mais alargados, como resulta do artigo 286° do Código de Procedimento e do Processo Tributário.

12. Tem sido pacificamente reconhecido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência que, o facto da legislação tributária permitir ao demandante obter o pagamento das quantias em dívida por outros meios, concretamente, em processo de execução fiscal, não significa que não possa deduzir pedido de indemnização civil, quer porque a lei processual penal não limita ou restringe o exercício daquele direito, quer porque a existência de título executivo não obsta a que o ora recorrente possa obter a condenação do devedor por meio de pedido cível.

13. Nos termos do artigo 446°, no 2 do Código de Processo Civil entende-se que dá causa às custas a parte vencida, pelo que o demandante apenas terá que suportar as custas do pedido de indemnização cível, no caso de improcedência do mesmo.

14. De jurisprudência pacífica a regra especial constante do artigo 449°, n.º 2, al. c) do CPC, segundo a qual as custas são suportadas pelo autor quando este, munido de um título com manifesta força executiva, usa sem necessidade o processo declarativo, não é aplicável ao pedido de indemnização em processo penal, visto não se harmonizar com os princípios que a este presidem, designadamente com o princípio da adesão obrigatória, devendo as custas cíveis em processo penal ser antes suportadas pelo arguido e pelo demandante na proporção do respectivo vencimento, por aplicação da regra geral prevista no artigo 446° do CPC, que não fere os princípios do processo penal.

15. Tendo o pedido de indemnização civil sido julgado procedente, a douta sentença recorrida, viola, por erro de interpretação, o artigo 446°, nº 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 523° do CPP.

16. Pelo que, se conclui pela revogação da douta sentença, ora recorrida, na parte em que condena o demandante no pagamento das custas cíveis, devendo ser substituída por uma por uma que o absolva da liquidação das mesmas.

Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida na parte em que condena o demandante no pagamento das custas cíveis, devendo ser substituída por uma que o absolva da liquidação das mesmas.»

O Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, respondeu, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«1- O demandante cível interpôs recurso da douta sentença na parte em que o condenou no pagamento das custas cíveis nos termos do art. 449.° nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, considerando que foi violado, por erro de interpretação o disposto no art. 446.° nºs 1 e 2 do C.P.C. ex vi art. 523.° do C.P.P..

2- Discordamos da motivação apresentada pelo recorrente.

3- A condenação nos presentes autos do recorrente e custas nos termos do art. 449.° nºs 1 e 2 do CPC não põe em causa a admissibilidade do pedido indemnização cível em relação à qual o tribunal pôs em causa.

4- Nas situações como a dos presentes autos em que o arguido é acusado pelo crime de abuso de confiança à segurança social, o Instituto da Segurança Social dispõe de título executivo nos termos do art. 162.° e 153.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

5- Assim embora o instituto da segurança social possa deduzir pedido de indemnização cível sempre ser-lhe-à de aplicar o disposto no art. 449.° nºs 1 e 2 al. c) do CPC ex vi art. 523.° do CPP, sendo que este último normativo não impõe qualquer restrição quando remete para as normas do processo cível no domínio da condenação por custas do pedido de indemnização cível – nesse sentido, designadamente Ac do Tribunal de Relação de Évora de 30.06.2004 in www.dgsi.pt.

6- Face a todo o exposto tendo a recorrente título executivo por deduzir pedido de indemnização cível, embora o mesmo seja admissível e tenha sido julgado procedente, é a mesma condenada em custas nos termos e para os efeitos do art. 449.° nºs 1 e 2 al. c) do Código de Processo Civil ex vi art. 523.° do Código de Processo Penal.

Motivo pelo qual a douta sentença sob recurso não violou, por erro de interpretação o art. 446.° nºs 1 e 2 do CPC ex vi art. 523.° do CPP.

8- Por todo o exposto, improcedem todas as alegações do aqui recorrente.

Termos em que negando provimento ao recurso interposto pelo demandante cível – Instituto da Segurança Social, V. Exas., Venerandos Desembargadores, farão, Justiça !»
v

O recurso foi admitido.

Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta, subscrevendo a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª Instância, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

v
Observou-se o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Não foi apresentada resposta.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995[1], o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[2].

O objecto do recurso, face ao teor das suas conclusões, reconduz-se a determinar quem deve suportar as custas do pedido de indemnização.

Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:

* DA ACUSAÇÃO *

1) A “AC... Lda” tem sede ---, em Loulé, contribuinte fiscal n.º ---, com a matrícula n.º --- da Conservatória do Registo Comercial de Loulé.

2) A arguida AC é a sócia gerente da sociedade desde a data da sua criação até aos presentes dias.

3) Durante o período da sua laboração, a empresa sempre teve vários trabalhadores ao seu serviço, nomeadamente durante os anos 2004 a 2008.

4) Das remunerações mensalmente pagas aos trabalhadores da sociedade arguida eram deduzidas pela arguida Ac as contribuições devidas à Segurança Social.

5) Essas contribuições deveriam ser entregues nos cofres da Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte daquele a que respeitavam.

6) No período compreendido entre Outubro de 2004 e Janeiro de 2008 a sociedade arguida, através da arguida AC, que agia em nome e no interesse daquela empresa, embora deduzisse às remunerações dos referidos trabalhadores as quantias correspondentes às contribuições para a Segurança Social devidas por estes, retendo-as, contudo não as entregou na Segurança Social até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitavam.

7) Não o fez, igualmente, nos 90 dias subsequentes.

8) Não o fez sequer no novo prazo de 30 dias, tendo sido notificadas para o efeito.

9) A quantia global em dívida ascendeu a € 10.624,35, num total de 65 meses respeitante às contribuições legalmente imputadas aos trabalhadores da sociedade arguida.

10) Tal quantia respeita a cotizações descontadas nas remunerações dos trabalhadores, calculadas da forma seguinte:

a) Por aplicação da taxa de 11% às remunerações base de incidência contributiva – relativamente a trabalhadores inscritos no regime geral de Segurança Social dos trabalhadores por conta de outrem;

b) Por aplicação da taxa de 10% às remunerações base de incidência contributiva – respeitante a trabalhadores inscritos no subregime de Segurança Social de órgãos estatutários e equiparados.
11) Concretizando, foram deduzidas e retidas, mas não entregues, contribuições devidas à Segurança Social pelos trabalhadores, nos montantes a seguir indicados:


CONTRIBUIÇÕES
DECLARADAS
TOTAL
PAGO
VALOR EM
DÍVIDA
TAXA
COTIZAÇÕES 11%
TAXA
CONTRIBUIÇÕES 23,75%
625,500,00625,50198,00427,50
1.251,000,001.251,00396,00855,00
938,250,00938,25297,00641,25
625,500,00625,50198,00427,50
625,500,00625,50198,00427,50
625,500,00625,50198,00427,50
625,500,00625,50198,00427,50
740,180,00740,18234,30505,88
708,900,00708,90224,40484,50
625,500,00625,50198,00427,50
1.052,930,001.052,93333,30719,63
625,500,00625,50198,00427,50
625,500,00625,50198,00427,50
1.251,000,001.251,00396,00855,00
625,500,00625,50198,00427,50
625,500,00625,50198,00427,50
625,500,00625,50198,00427,50
625,500,00625,50198,00427,50
625,500,00625,50198,00427,50
625,500,00625,50198,00427,50
PERÍODOVALOR EM DÍVIDATAXA
COTIZAÇÕES
10%
TAXA
CONTRIBUIÇÕES
21,25%
DÍVIDA
COTIZAÇÕES
DÍVIDA
CONTRIBUIÇÕES
OUT-04343,75110,00233,75110,00233,75
NOV-04687,50220,00467,50220,00467,50
DEZ-04343,75110,00233,75110,00233,75
JAN-05343,75110,00233,75110,00233,75
FEV-05343,75110,00233,75110,00233,75
MAR-05343,75110,00233,75110,00233,75
ABR-05343,75110,00233,75110,00233,75
MAI-05343,75110,00233,75110,00233,75
JUN-05343,75110,00233,75110,00233,75
JUL-05343,75110,00233,75110,00233,75
AGO-05343,75110,00233,75110,00233,75
SET-05343,75110,00233,75110,00233,75
OUT-05343,75110,00233,75110,00233,75
NOV-05343,75110,00233,75110,00233,75
DEZ-05687,50220,00467,50220,00467,50
JAN-06343,75110,00233,75110,00233,75
FEV-06343,75110,00233,75110,00233,75
MAR-06343,75110,00233,75110,00233,75
ABR-06343,75110,00233,75110,00233,75
MAI-06343,75110,00233,75110,00233,75
JUN-06343,75110,00233,75110,00233,75
JUL-06343,75110,00233,75110,00233,75
AGO-06343,75110,00233,75110,00233,75
SET-06343,75110,00233,75110,00233,75
OUT-06343,75110,00233,75110,00233,75
NOV-06687,50220,00467,50220,00467,50
DEZ-06343,75110,00233,75110,00233,75
JAN-07343,75110,00233,75110,00233,75
FEV-07343,75110,00233,75110,00233,75
MAR-07343,75110,00233,75110,00233,75
ABR-07343,75110,00233,75110,00233,75
MAI-07343,75110,00233,75110,00233,75
JUN-07343,75110,00233,75110,00233,75
JUL-07687,50220,00467,50220,00467,50
AGO-07343,75110,00233,75110,00233,75
SET-07343,75110,00233,75110,00233,75
OUT-07343,75110,00233,75110,00233,75
NOV-07687,50220,00467,50220,00467,50
DEZ-07343,75110,00233,75110,00233,75
JAN-08343,75110,00233,75110,00233,75
TOTAL15.468,75€4.950,00 €10.518,75 €4.950,00 €10.518,75 €

12) A arguida AC, na qualidade de gerente da sociedade arguida e no interesse desta, previu e quis agir do modo descrito, deduzindo do valor das remunerações dos trabalhadores da empresa as contribuições para a Segurança Social e não as entregando, bem sabendo que as mesmas não lhe pertenciam, que estava obrigada a entregá-las à Segurança Social e que agia sem autorização e contra a vontade desta.

13) A arguida sabia que tal conduta lhes estava vedada por lei e tendo capacidade de determinação segundo as legais prescrições ainda assim não se inibiu de a realizar.

14) Actuou, no período compreendido entre Outubro de 2004 e Janeiro de 2008, ao abrigo de uma mesma solicitação exterior, consubstanciada no facto de nenhuma acção inspectiva por parte dos serviços da Segurança Social ter ocorrido nessa altura à empresa de que era gerente.

* DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL *

15) As arguidas efectuaram pagamentos, liquidando parte da quantia em dívida, mostrando-se por pagar, à data de 26 de Março de 2010, os seguintes montantes: € 1.037,47 e respectivos juros de mora referente ao regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, com o código “000” no mês de Novembro de 2005 bem como no período compreendido entre Julho e Outubro de 2006; e € 2.326,39 e respectivos juros de mora referente ao regime dos membros dos órgãos estatutários, com o código “669”, no mês de Novembro de 2005 e entre os meses de Julho de 2006 e Janeiro de 2008.

16) A arguida, demandada, agiu voluntária, livre e conscientemente com a intenção de se apropriar das referidas cotizações, como efectivamente fez, gastando-as na satisfação de despesas correntes da sociedade, designadamente com salários de trabalhadores e com os credores comuns, lesando assim os direitos de crédito da Segurança Social.

* DA CONTESTAÇÃO *

17) As arguidas efectuaram pagamentos ao Instituto da Segurança Social, IP, no montante total de € 31.293,01 para pagamento de contribuições, entrega de prestações e respectivos juros de mora.

18) Nas quantias pagas inclui-se o pagamento de parte dos montantes geradores de responsabilidade criminal das arguidas e peticionadas nestes autos.

19) A não entrega das quantias em causa à Segurança Social deveu-se a dificuldades empresariais e problemas de tesouraria da sociedade arguida.

* MAIS SE PROVOU QUE *

20) A arguida AC confessou os factos integralmente e sem reservas.

21) Ao efectuar os pagamentos mencionados a arguida acreditou que toda a dívida em causa nestes autos estivesse paga.

22) Os rendimentos da arguida derivam do recebimento do pagamento de honorários pelo exercício da actividade de arquitectura, os quais ascendem a cerca de € 1.000,00.

23) Encontra-se actualmente a saldar várias dívidas da sociedade, tencionando encerrar a actividade da sociedade até ao final do ano.

24) Reside com o filho de 12 anos.

25) Paga prestação da casa de cerca de € 320,00.

26) Paga prestação referente a crédito pessoal no montante de € 208,00.

27) A arguida não tem antecedentes criminais.»

Relativamente a factos não provados, consta da sentença que [transcrição]:

«Não deixaram de se provar quaisquer factos com relevância para a decisão da causa.»

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:

«O decidido fundamenta-se, desde logo, nas declarações confessórias da arguida.

Mais relevaram as declarações que a mesma prestou relativamente às suas condições pessoais e económicas e circunstancialismo envolvente da prática dos factos.

A arguida prestou declarações, explicando ter aberto actividade em 2001, sendo que até 2004 os negócios correram bem, mas a partir de 2004 começou a ter dificuldades em receber honorários pelos serviços prestados, conjugando com problemas de saúde que na época sofreu, nomeadamente depressões. Mais referiu que desde o ano passado tem vindo a recuperar a sua situação financeira, tendo procedido já a parte do pagamento das quantias devidas à Segurança Social. Actualmente já não tem actividade, mas chegou a ter cinco trabalhadores ao seu serviço, sendo que entre 2004 e 2008 teria menos, embora não saiba precisar o seu número. Afirmou ter feito um plano de pagamento prestacional, tendo pago à Segurança Social cerca de € 30.000,00. Explicou que tratou da situação junto dos Serviços da Segurança Social de Faro, tendo pago as guias que foram emitidas por aqueles serviços e por isso pensar que na altura teria regularizado toda a situação.

MJ, casada, técnica de gestão, funcionária da Segurança Social em Faro, compulsou os mapas de apuramento da dívida, confirmando os valores descritos na acusação, confirmando que estão a ser efectuados pagamentos prestacionais e que não se encontram pagos na íntegra. Mais referiu que os valores actualmente em dívida são de € 978,67 quanto ao regime geral e € 2.260,54 quanto ao regime dos membros dos órgãos estatutários. Explicou ainda que a sociedade arguida tem outras dívidas perante a Segurança Social para além dos montantes peticionados nestes autos. Questionada a testemunha quanto à eventual pendência de processo executivo, respondeu desconhecer, limitando-se a afirmar o funcionamento genérico dos serviços da Segurança Social.

As demais testemunhas arroladas na acusação e pedido de indemnização civil foram prescindidas em face da confissão parcial efectuada pela arguida.

Mais relevaram os documentos juntos aos autos, nomeadamente os documentos juntos em sede de audiência de julgamento pela arguida comprovativos do pagamento de oito prestações do plano de pagamento em prestações da quantia de € 18.938,97 em sessenta prestações relevantes para efeitos do disposto no artigo 22.º do RGIT.

De importância não despicienda se revelaram ainda os demais documentos constantes dos autos (e sua conjugação e análise crítica), nomeadamente o expediente elaborado pelos Serviços de Segurança Social e o certificado de registo criminal.»

Quanto à fundamentação de direito, e na parte que nos interessa, após se decidir a procedência do pedido de indemnização civil formulado pelo Instituto de Segurança Social, I.P., consignou-se na sentença recorrida que [transcrição]:

«Relativamente às custas do pedido de indemnização civil, e na medida em que o demandante dispõe de título executivo, deverá o mesmo ser condenado ao seu pagamento, ao abrigo do preceituado no artigo 449.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Civil.»

v
Restringida a cognição deste Tribunal da Relação à matéria de direito, importa desde já referir que do exame da sentença recorrida – do respectivo texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum e sem recurso a quaisquer elementos externos ou exteriores ao mesmo – não se detecta a existência de qualquer um dos vícios referidos no artigo 410.º, nº 2, do Código de Processo Penal.

Efectivamente, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal “a quo”, sendo o texto da decisão em crise revelador de coerência e de respeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida.

E do texto da decisão recorrida decorre, ainda, que os factos nele considerados como provados constituem suporte bastante para a decisão a que se chegou e que nele não se detecta incompatibilidade entre os factos provados e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.

Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – artigo 410.º, nº 3, do Código de Processo Penal.

Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.

RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS CUSTAS DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL

O pedido de indemnização civil deduzido nos presentes autos baseia-se na prática de crime tributário – de abuso de confiança contra a Segurança Social – imputado às Arguidas, assentando, por isso, na responsabilidade criminal decorrente do incumprimento de obrigação legal tributária que recaía sobre a sociedade “AC – ..., Lda.” e sua gerente, AC.

O pedido é de condenação solidária das Arguidas no pagamento da quantia de € 10 793,73 (dez mil setecentos e noventa e três euros e setenta e três cêntimos, acrescida de juros no montante de € 3 793,72 (três mil setecentos e noventa e três euros e setenta e dois cêntimos). Pedido que veio a ser reduzido para a quantia de € 3 363,86 (três mil trezentos e sessenta e três euros e oitenta e seis cêntimos), na sequência de pagamento, entretanto, realizado pelas Arguidas.

«A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.» – artigo 129.º do Código Penal.

A afirmação da responsabilidade civil do agente do crime, depende da verificação dos pressupostos consagrados no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil[3].

A responsabilidade civil emergente da prática de um crime é regulada pela lei processual penal.

«O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.» – artigo 71.º do Código de Processo Penal.

Estes casos são, nomeadamente, os previstos no artigo 72.º do Código de Processo Penal.

E de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 74.º do Código de Processo Penal, «O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se, como tal, a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente.»

Dúvidas não restam, nem são colocadas, de que o pedido de indemnização civil foi deduzido nos autos por quem tinha legitimidade para o fazer, baseia-se na obrigação de indemnizar pelos danos causados pela prática de facto ilícito e culposo e que é admissível por força do princípio da adesão.

E tendo sido julgado procedente, é-nos apenas colocada a questão da responsabilidade pelo pagamento das custas respectivas.

Na decisão recorrida, a condenação do Recorrente no pagamento das custas do pedido de indemnização civil encontra-se fundamentada na circunstância de o mesmo dispor de título executivo e no que dispõe o artigo 449.º, n.os 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Civil[4].

Está pressuposto que o Recorrente dispõe de título executivo contra ambas as Arguidas.

Ora, sendo certo que face ao disposto no artigo 162.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário[5], o Recorrente dispõe de título executivo que lhe permite cobrar a quantia em dívida, no âmbito de execução fiscal, certo não deixa de ser também que tal execução só pode ser intentada contra a Arguida “AC– ..., Lda.”, que figura como devedora principal no título de cobrança – artigo 153.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

Existe a possibilidade de o Recorrente obter, ou ter até já obtido, título executivo contra a Arguida AC, responsável subsidiária pelo cumprimento da dívida tributária, através da reversão do processo de execução fiscal – artigos 24.º, n.º 1, e 23.º, n.os 1 e 2 da Lei Geral Tributária[6].

Mas este facto não consta do rol dos provados, na sentença recorrida, por forma a sustentar a afirmação de que o Recorrente deu causa à acção, por dispor de título executivo contra ambas as Arguidas, que demandou através do pedido de indemnização civil formulado. Pelo que não ocorre a situação prevista no artigo 449.º, n.os 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Civil.

O que conduz à procedência do recurso[7].

III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, decide-se conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o Instituto de Segurança Social, I. P., nas custas do pedido de indemnização civil que deduziu no presente processo.

Sem tributação.

v
Évora,2011 Junho 7

(processado em computador e revisto pela primeira signatária)
____________________________________
(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)

____________________________________
(Edgar Gouveia Valente)

__________________________________________________
[1] Publicado no Diário da República de 28 de Dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].

[3] Tais pressupostos são, como é sabido, a existência de um facto voluntário do lesante, a ilicitude desse facto, o nexo de imputação do facto ao lesante, a verificação de danos e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

[4] «1. Quando o réu não tenha dado causa à acção e a não conteste, são as custas pagas pelo autor.

2. Entende-se que o réu não deu causa à acção:
(…)

c) Quando o autor, munido de um título com manifesta força executiva, recorra ao processo de declaração.»

[5] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, n.º 15/2001, de 5 de Junho, n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, pelos Decretos-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, n.º 160/2003, de 19 de Julho, pelas Leis n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelos Decretos-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março, n.º 238/2006, de 20 de Dezembro, pelas Leis n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, n.º 67-A/2007, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e pelas Leis n.º 40/2008, de 11 de Agosto, n.º64-A/2008, de 31 de Dezembro, n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, e n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.

[6] Aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, rectificada pela Declaração n.º 7-B/99, de 27 de Fevereiro, e alterada pelas Leis n.º 100/99, de 26 de Julho, n.º 3-B/2000, de 4 de Abril, n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, n.º 15/2001, de 5 de Junho, n.º 16-A/2002, de 31 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 229/2002, de 31 de Outubro, pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, pelos Decretos-Lei n.º 320-A/2002, de 30 de Dezembro, n.º 160/2003, de 19 de Julho, pelas Leis n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, n.º 50/2005, de 30 de Agosto, n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 238/2006, de 20 de Dezembro, pelas Leis n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, n.º 67-A/2007, 31 de Dezembro, n.º 19/2008, de 21 de Abril, n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, n.º 94/2009, de 1 de Setembro, n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, n.º 37/2010, de 2 de Setembro e n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.

O artigo 24.º, nos segmentos citados, tem o seguinte teor:

«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.»

O artigo 23.º, nos segmentos citados, tem o seguinte teor:

«1. A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.

2. A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão.»

[7] Neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28 de Abril de 2003 [in www.colectamneadejurisprudencia.com – referência 7991/2003] e desta Relação, de 30 de Junho de 2004 [in www.dgsi.pt - processo n.º 912/04-1] e de 30 de Setembro de 2010, proferido no processo n.º 687/08.6TALGS.E1 [não publicado].