Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
903/16.0T8STC.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ASSÉDIO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 04/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – Constitui assédio moral o comportamento assumido pela empregadora (através da superior hierárquica), após a trabalhadora ter recusado uma proposta de acordo para a cessação do contrato de trabalho sem indemnização, em que foram dadas ordens à trabalhadora em tom elevado e gesticulando, na frente de colegas de trabalho, tendo sido ordenado que a trabalhadora realizasse a listagem de todo o material que se encontrava num contentor, ficando, durante 4 dias, devido a tal tarefa, sem contactar colegas ou associados da empregadora, tendo, depois, sido considerado que a tarefa não foi corretamente executada, para além da superior hierárquica ter discutido com a trabalhadora, sendo verbalmente agressiva e levantando a mão à trabalhadora e ter divulgado junto de terceiros, as mensagens do facebook da trabalhadora que imprimiu, visando humilhar, depreciar, marginalizar, causar desconforto e mal-estar na trabalhadora, para ferir a sua dignidade pessoal e profissional e destabilizá-la, o que acabou por ter reflexos na saúde e na vida da trabalhadora.
II – Mostra-se justo e adequado o valor de € 10.000,00 para ressarcir os danos morais sofridos pela trabalhadora em consequência do ocorrido no trabalho.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P.903/16.0T8STC.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
BB intentou a presente ação declarativa, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra CC e DD, pedindo a condenação:
i) Das rés a pagar à autora, a título de indemnização por danos morais, o valor de € 15.000,00 (quinze mil euros);
ii) Das rés a pagar à A. a título de danos patrimoniais, o valor de € 2.801,15 (dois mil oitocentos e um euros e quinze cêntimos);
iii) Da 1.ª R. a pagar à A., a título de créditos laborais, o montante de € 3.421,30 (três mil quatrocentos e vinte e um euros e trinta cêntimos);
iv) Acrescidos dos danos patrimoniais futuros que se venham a apurar
Em síntese, alegou: (i) A 1.ª R. dedica-se à organização de leilões de gado e outras atividades de promoção e divulgação dos produtos da atividade agropecuária dos seus associados, bem como a atividades de organizações económicas e patronais; (ii) a 2.ª R. exerce as funções de técnica superior para a 1.ª R., desde há 2 anos; (iii) em 03.08.2009 a A. celebrou com a 1.ª R. contrato de trabalho, mediante o salário mensal de € 500,00, que passou para € 530,00 mensais; (iv) após 30.05.2016, o ambiente entre a 2.ª R. e a A. agravou-se, tornando-se insustentável; (v) a 2.º R. acedeu á sua conta privada de Facebook, visionou, imprimiu e divulgou mensagens privadas trocadas com a sua ex-colega de trabalho (vi) por isso, em 08.06.2016 a Presidente da Direção da 1.ª R. e a 2.ª R., na presença de uma associada, confrontaram a A. com tais mensagens impressas, tendo-lhe proposto a revogação do contrato de trabalho sem indemnização, ou a instauração de processo disciplinar com proposta de despedimento com justa causa; (vii) a A. nessa altura reclamou o pagamento de créditos laborais; (viii) como consequência desse episódio a A. apresentou atestado médico entre 9 e 21 de Junho de 2016; (ix) após o regresso da A. ao trabalho, a 2.ª R., com o total conhecimento da 1.ª R., passou a exercer sobre a A. opressão, atos de tirania, através de reiterados ataques verbais vexatórios e humilhantes, atitudes e verbalizações altamente intimidatórias; (x) a 2.ª R. fez colagem de folhas A4 com frases ofensivas no mobiliário de escritório onde a A. trabalhava; (xi) a 2.ª R. dirigia-se então á A. os gritos, com agressividade, prepotência, sempre que pretendia exigir a execução de quaisquer tarefas, o que por vezes fazia apenas na presença da A., outras vezes na presença da 1.ª R., de funcionários desta, associados e até de terceiros; (xii) a 2.ª R. terá tentado aceder á conta de Gmail da A. e às suas passwords; (xiii) os gritos eram audíveis pelas funcionárias de outra Associação que trabalhavam em espaço contíguo, bem como no restaurante em frente ao local de trabalho, local onde a 2.ª R. se dirigiu à A. como “aquela puta!”; (xiv) entre 11 e 15 de Julho de 2016 a A. foi obrigada pela 2.ª R. a permanecer num contentor, sozinha, para que fizesse limpezas e arrumações, sem contacto com associados, de molde a ser garantido o seu total isolamento e maior humilhação; (xv) em 13.07.2016, depois de ter arrumado tudo, e entregue as chaves do contentor, a 2.ª R. manuscreveu um papel para que verificasse novamente os equipamentos e identificasse as entidades a que pertenciam; (xvi) a A. não voltou a trabalhar desde 18.07.2016, encontrando-se em baixa médica e tem vindo a ser seguida em consultas de psiquiatria e psicologia, encontrando-se medicada; (xvii) em duas ocasiões, em Outubro de 2016, a 2.ª R. perseguiu a A. em carro e numa dessas ocasiões chamou-a “filha da puta”; (xviii) a 1.ª R. instaurou processo disciplinar à A. visando o seu despedimento; (xix) devido aos comportamentos descritos, a A. passou a evidenciar sinais de ansiedade, forte desconforto, nervosismo, receio, tristeza, zanga, fragilidade, vergonha pela exposição a que foi sujeita perante terceiros, passou a ter dificuldade em dormir e deixou de gerir os seus dias com tranquilidade; (xx) tudo importou em perdas salariais e despesas médicas e medicamentosas; (xxi) encontra-se por pagar o salário e subsídio de alimentação de Novembro de 2015, o subsídio de férias de 2015; os subsídios de férias e de Natal de 2016, as férias não gozadas de 2016, 35 horas de formação em dívida referentes a seis anos de trabalho.
Frustrada a tentativa de conciliação realizada na audiência de partes, vieram as RR. contestar
alegando, em síntese que: (i) por exceção, a incompetência do Tribunal do Trabalho/ineptidão da petição inicial; (ii) como questão prévia/prejudicial, a inadmissibilidade de meio de prova apresentado pela A. (gravações de voz), determinante da suspensão dos autos até á prolação de decisão no âmbito do processo de inquérito crime em curso, pela nulidade das gravações de voz efetuadas pela A. sem consentimento da R., o que deve implicar o seu desentranhamento e que se dê por não escritas as respetivas transcrições constantes da petição inicial; (iii) por impugnação, não corresponderem à realidade os factos alegados pela A., figurando os mesmos em moldes conclusivos, contendo matéria de direito e juízos de valor; (iv) a 2.ª R. acedeu à página de Facebook da A. por esta a ter deixado aberta no computador que lhe estava adstrito sem carácter de exclusividade, para utilização profissional; (v) nesses termos foi constatado que a A., durante o seu horário de trabalho comentou e enviou mensagens ofensivas relativas às RR. e posteriormente deixou as mesmas abertas; (vi) negaram relativamente á A. terem sido proferidas quaisquer expressões humilhantes, vexatórias e/ou intimidatórias, ou à colagem das folhas destinadas à pessoa da A.; (vii) a permanência da A. no contentor ocorreu no âmbito de tarefa concretamente atribuída e que teria de ser desempenhada e que a ser feita de forma diligente resumir-se-ia a uma manhã ou a uma tarde; (viii) os certificados de incapacidade para o trabalho refente “doença natural”, pelo que não aceitam o alegado pela A. quanto ao seu estado de saúde e necessidade de acompanhamento por psiquiatra e psicólogo; (ix) têm assim por inverificados os danos não patrimoniais e patrimoniais invocados pela A.; (x) em 23.01.2017 a 1.ª R. liquidou a quantia de € 1.243,69, respeitante ao vencimento e subsídio de alimentação de Novembro de 2015, ao subsídio de Natal de 2016 e ao subsídio de férias de 2015; (xi) os demais créditos reclamados pela A. não são devidos, as férias não gozadas em 2016, devido ao facto da A. ainda não ter regressado ao trabalho e os créditos pro formação, pelo facto de os mesmos apenas serem devidos na cessação do contrato de trabalho.
Concluíram pela procedência das exceções invocadas, a segunda subsidiária da primeira, ainda subsidiariamente pela verificação de questão prejudicial determinante da suspensão dos autos até á prolação de decisão no âmbito do processo de inquérito crime em curso, pela nulidade das gravações de voz efetuadas pela A. sem consentimento da R., determinando-se o seu desentranhamento e que se dê por não escritas as respetivas transcrições constantes da petição inicial, pela absolvição das RR. dos pedidos deduzidos.
A A. apresentou resposta pugnando pela improcedência das exceções e da questão prévia/prejudicial.
Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as exceções, bem como a verificação da causa prejudicial tal como invocada pelas RR.. Mais se determinou a admissibilidade como meio de prova, das gravações de voz, não tendo sido deferido o desentranhamento do seu suporte nem foi dada por não escrita a sua transcrição na petição inicial, já que outra prova caberia produzir quanto a tais factos.
Foi dispensada a seleção da matéria de facto assente e controvertida.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o dispositivo que se transcreve:
«Por tudo quanto se deixou o exposto, o tribunal julga a ação parcialmente procedente por provada e consequentemente:
1. Condena as rés a pagar à autora, a título de indemnização por danos morais, o valor de € 10.000,00 (dez mil euros);
2. Condena as rés a pagar à A. a título de danos patrimoniais:
a. € 623,86 (seiscentos e vinte e três euros e oitenta e seis cêntimos), correspondente às despesas que suportou até à data da sentença;
b. € 265,00 (duzentos e sessenta e cinco euros), correspondente a perda salarial.
c. Do valor correspondente ao vencimento mensal que deixou de auferir desde que se encontra em situação de baixa médica (18.07.2016) até à data da presente sentença (03.10.2017), descontado o valor total que recebeu da Segurança Social, sendo o valor conhecido de pelo menos € 1.122,32, a liquidar em execução de sentença.
3. Condena a 1.ª R. a pagar à A. € 300,32 (trezentos euros e trinta e dois cêntimos), a título de créditos laborais.
4. No mais, absolve as RR. dos respetivos pedidos»

Não se conformando com tal decisão, vieram as RR, arguir a nulidade da sentença, expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, apresentando depois as alegações de recurso, seguidas das conclusões que seguidamente se transcrevem:
(…)
LXXX. Pelo que, ainda que se pudesse considerar ter havido reiteração e prolongação, nos moldes plasmados na sentença a quo, durante cerca de quatro dias, os factos dados como provados, ainda que se pudessem subsumir a outras previsões do Código do Trabalho e a matéria de natureza penal, jamais poderiam ser integrados no teor do artigo 29.º do Código do Trabalho;
LXXXI. A matéria de facto provada é insuficiente para o enquadramento jurídico operado na sentença a quo, não podendo as RR. ser condenadas no pagamento das quantias indemnizatórias, a título patrimonial e não patrimonial;
LXXXII. No que respeita os danos patrimoniais, não se tendo provado que as frequências de consultas, a medicamentação tomada e o acompanhamento médico decorreram, diretamente do mencionado episódio, soçobram as suas pretensões indemnizatórias relativamente aos reembolsos de despesas efetuadas e, bem assim, à perda salarial correspondente ao período em que esteve de baixa por doença natural, sendo que, caso a situação da Autora decorresse da situação laboral estaríamos perante uma doença direta, sendo assinalado o respetivo campo no impresso próprio;
LXXXIII. No que respeita os danos não patrimoniais, sendo o critério para a fixação de indemnização a equidade (art. 496º nº 3 do Código Civil), o montante fixado de € 10.000,00 revela-se manifestamente excessivo atenta, desde logo, a circunscrição temporal da discussão, nunca devendo exceder, atendendo à fundamentação da sentença a quo, a quantia de € 3.000,00;
LXXXIV. O tribunal a quo violou o disposto nos artigos 29.º do Código do Trabalho e 496.º, nº 3 do Código Civil.
LXXXV. Deve assim ser julgadas procedentes as invocadas nulidades, anulando-se a sentença ora em crise ou, assim se não entendendo, ser a mesma revogada, produzindo-se Acórdão que absolva as RR. dos pedidos contra elas formulados, ou a assim se não entender, reduzir o montante indemnizatório à quantia de € 3.000,00.»

Contra-alegou a recorrida, propugnando pela improcedência do recurso.

O tribunal de 1.ª instância considerou não se verificar a arguida nulidade da sentença e admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
O processo subiu ao Tribunal da Relação, tendo-se dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo Civil.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no parecer emitido, invocou o que designou por “Questões prévias”, alegando nesse âmbito:
1. Verificou-se a arguição, em separado, de nulidades da sentença que não foram reafirmadas nas conclusões do recurso, tendo as recorrentes invocado, nas conclusões das alegações, causa de nulidade da sentença não invocada no requerimento de interposição do recurso;
2. Foram apresentadas conclusões longas, misturadas com a arguição da nulidade da sentença e com a impugnação da matéria de facto.
Pugnou pela confirmação da sentença recorrida.
As apelantes responderam, manifestando a sua discordância com o parecer emitido e esclarecendo que a alusão à alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, nas conclusões do recurso, a propósito da arguição da nulidade da sentença, constitui um manifesto lapso material, dado que pretendiam referir-se à alínea b) do normativo.
Reiteraram a posição assumida no recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II- Das designadas “Questões prévias” suscitadas no parecer do Ministério Público
1. Sobre a arguição da nulidade da sentença
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta considera que as apelantes não arguiram nas conclusões das alegações, as causas de nulidade da sentença que haviam invocado no requerimento de interposição do recurso dirigido ao tribunal de 1.ª instância, e, por outro lado, nas conclusões do recurso, arguiram causa de nulidade da sentença não invocada naquele requerimento, concluindo que a arguição das nulidades não pode ser conhecida.
Na resposta ao parecer, as apelantes declaram que tendo arguido em separado a nulidade da sentença, com fundamento nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, tal vício foi igualmente invocado nas alegações e conclusões do recurso e que a referência à alínea d) da indicada norma, nas conclusões das alegações, ocorreu por mero lapso de escrita, pelo qual se penitenciam.
Vejamos.
No requerimento de interposição do recurso dirigido ao tribunal de 1.ª instância, as apelantes arguiram a nulidade da sentença, com fundamento: (i) na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por alegada falta de fundamentação da decisão que julgou provado o ponto 38 do acervo factual assente; (ii) na alínea c) da mesma norma, por alegadamente existir falta de clareza e obscuridade no que concerne à valoração que foi feita do depoimento de parte, isto é, no entender das apelantes não se compreende se o referido depoimento foi valorado como declaração confessória ou se foi livremente apreciado pelo tribunal.
Nas conclusões das alegações sob números XVII, XVIII, XLIV e XLV, as apelantes reiteram os mencionados fundamentos que, no seu entender, justificam a nulidade da sentença.
O que nos leva a depreender que o alegado lapso na indicação da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil é, com elevadíssimo grau de probabilidade, a única explicação para o teor da conclusão I («A sentença enferma de vício de nulidade previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.»), pois as recorrentes não apresentam qualquer argumentação para justificar esta causa de nulidade da sentença.
Nesta conformidade, conclui-se que nas conclusões das alegações, as apelantes repetem as causas da arguida nulidade da sentença que haviam invocado no requerimento de interposição do recurso dirigido ao tribunal de 1.ª instância, e que a referência à alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, se trata de um lapso material, que se releva.
Em suma, não se verifica o invocado impedimento para o não conhecimento da arguida nulidade da sentença.
A arguição da nulidade será apreciada infra, aquando do conhecimento do objeto do recurso.

2. Conclusões longas
Entende a Exma. Procuradora-Geral Adjunta que as conclusões do recurso apresentadas são longas, misturando arguição de nulidades com impugnação da matéria de facto.
Apreciemos.
De harmonia com o disposto no artigo 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força da remissão contida no artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Por sua vez, o n.º 3 do normativo estipula que “[Q]uando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetiza-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.
A nossa jurisprudência tem vindo a entender, de forma pacífica, que as conclusões da alegação do recurso devem ser um resumo, explícito e claro, da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente, visando, à luz do princípio da cooperação, facilitar o exercício do contraditório pela parte contrária e dar a conhecer ao tribunal de 2ª instância as concretas questões que se visam reapreciadas – v.g. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26/4/2012, P. 1314/07.4TBOER.L1.S1 e de 6/12/2012, P. 373/06.1TBARC-A.P1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
Como já ensinava Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil anotado”, vol. V, págs. 358 e segs., sobre o recorrente recaem dois ónus: (a) o ónus de alegar; (b) o ónus de concluir.
O porquê desta exigência, justificava o reconhecido Professor, pelas seguintes palavras:
«Entendeu-se que, exercendo os recursos, a função de impugnação das decisões judiciais (…), não fazia sentido que o recorrente não expusesse ao tribunal superior as razões da sua impugnação, a fim de que o tribunal aprecie se tais razões procedem ou não. E como pode dar-se o caso da alegação ser extensa, prolixa ou confusa, importa que no fim, a título de conclusões, se indiquem resumidamente os fundamentos da impugnação».
Sobre o ónus de concluir, o mesmo satisfaz-se pela enunciação abreviada dos fundamentos do recurso no final da minuta. As conclusões, como a própria palavra indica, são um resumo dos fundamentos por que se pede a alteração ou a anulação da decisão de que se recorre.
Daí que, para serem legítimas e razoáveis, as conclusões devem emergir logicamente do arrazoado feito na alegação. As conclusões são as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.
O ónus da conclusão sintética deve ser apreciado de uma forma ponderada e equilibrada, de modo a que, por um lado, não se seja demasiado formalista em preterição da questão de fundo; mas, por outro lado, deve-se analisar se o princípio da colaboração subjacente a este ónus foi concretizado, de forma a permitir, o exercício do contraditório e a exposição clara das questões submetidas a um 2.º julgamento.
Ora, no caso concreto, reconhecemos que as conclusões de recurso apresentadas são extensas, tendo as apelantes optado por organizar a exposição da impugnação da matéria de facto conjuntamente com a arguição da nulidade da sentença, o que dificulta a “separação das águas” no ato de leitura do recurso.
Contudo, com um esforço acrescido conseguem-se identificar as questões suscitadas.
Quanto à extensão das conclusões, é sempre possível reduzir ou sintetizar um pouco mais as mesmas. Todavia, no caso concreto, apesar de extensas, não se deixam de resumir nas conclusões, de forma clara e compreensível, os fundamentos da impugnação.
E, conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/04/2012, identificado supra, não se pode sustentar que as conclusões de recurso são complexas por serem extensas. O que importa é saber se as mesmas objetivamente permitem a apreensão do objeto do recurso.
Daí que, a nosso ver, não sendo as conclusões apresentadas deficientes, obscuras ou complexas, não há razão para atrasar mais o processo e proceder ao convite a que alude o n.º 3 do mencionado artigo 685ºA do Código de Processo Civil, com a cominação aí prevista.
Quanto ao alegado incumprimento do ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, é questão que deve ser apreciada mais adiante, aquando do conhecimento do objeto do recurso.

Destarte, improcedem as designadas “questões prévias” suscitadas no parecer do Ministério Público.
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III. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1.ª Nulidade da sentença;
2.ª Contradição da matéria de facto assente;
3.ª Impugnação da matéria de facto;
4.ª Inexistência de assédio moral;
5.ª Impugnação dos danos patrimoniais;
6.ª Discordância com o valor indemnizatório fixado para os danos não patrimoniais.
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IV. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1.A 1.ª R. dedica-se à organização de leilões de gado e outras atividades de promoção e divulgação dos produtos resultantes da atividade agropecuária dos seus associados, bem como a atividades de organizações económicas e patronais. [art.º 1.º PI]
2. Desde há dois anos, a 2.ª R. exerce para a 1.ª R., funções de técnica superior. [art.º2.º PI]
3.Em 03.08.2009 pela 1.ª R. e pela A. foi assinado documento escrito intitulado “Contrato Individual de Trabalho”, com início nessa data, pelo qual aquela admitiu esta com a categoria profissional de Escriturária de 3.ª, a fim de desempenhar as funções da sua especialidade, ou quaisquer outras, desde que compatíveis com a sua qualificação profissional, mediante a remuneração mensal de €500,00, acrescida de subsidio de alimentação de € 4,95 por cada dia efetivo de trabalho, sendo o local da prestação a sede da 1.ª R. sita no … e onde por motivos de realização da atividade da Associação, se tornasse necessário executar trabalhos no âmbito da sua categoria profissional, mediante compensação das despesas emergentes das deslocações, sendo o horário de trabalho fixado de 35 horas semanais, das 09:00 às 12:30 horas e das 14:00 às 17:30 horas. [art.º 3.º PI]
4.Ao longo de 7 anos, a A. foi realizando diariamente atendimento ao público aos agricultores, promovendo o registo informático no Sistema Nacional de Registo de Animais, organizando e elaborando candidaturas aos subsídios anuais, identificando as pessoas através da atribuição de um número de identificação de agricultor (NIFAP) no sistema informático, elaborando ofícios e cartas diversas. [art.º 4.º PI]
5. Em Março de 2016, a A. auferia o vencimento base de € 530,00 acrescido de subsídio de alimentação no valor diário de € 4,95. [art.º 5.º PI]
6. Após a realização da Feira …, a partir de 30 de Maio de 2016, a relação entre a 2.ª R. e a A. alterou-se, passando aquela a tratar esta de forma diferente. [art.º 6.º e 8.º PI]
7. A 2.ª R. é conhecida como pessoa muito exigente no trabalho, que fala muito alto, gesticula, emitindo constantes ordens, sobretudo para com as suas subordinadas, entre as quais, a A., o que tudo por vezes gera conflito. [art.º 7.º PI]
8. No início de Junho de 2016, a 2.ª R. enviou á A. uma mensagem escrita por telemóvel, solicitando-lhe que deixasse na 1.ª R. a chave da porta da Associação e o telemóvel de serviço, os quais, ao longo de 7 anos, estiveram em seu poder com o consentimento da 1.ª R. [art.º 9.º e 10.º PI]
9. A A. agiu em conformidade com estas ordens da 2.ª R. [art.º 11.º PI]
10. Por essa altura, a A. com o conhecimento da sua colega EE e da 2.ª R. deslocou-se a uma clínica, em Lisboa. [art.º 12.º PI]
11. Por iniciativa da 2.ª R. e com o consentimento da Presidente da Direção da 1.ª R., FF, por EE foi dado conhecimento telefónico á A., de que poderia regressar ao serviço apenas a 7 de Junho de 2016, tendo-a também informado que a 2.ª R. precisava de usar o seu computador de serviço. [art.º 12.º a 14.º e 17.º PI]
12. A AJAP – Associação de Jovens Agricultores tem técnicos aptos a resolver problemas informáticos das Associações. [art.º 15.º PI]
13. A A. regressou ao trabalho no dia 07.06.2016. [art.º 18.º PI]
14. No dia 08.06.2016, a 2.ª R. reuniu com a Presidente da Direção da 1.ª R., tendo estão esta chamado a A. para conversar. [art.º 26.º PI]
15. Nessa altura, a A. foi informada por ambas de que tinha feito uma coisa muito grave, podendo implicar processo disciplinar, com despedimento por justa causa. [art.º 27.º PI]
16. A A. foi então confrontada com uma pasta, onde se encontravam algumas mensagens privadas trocadas com a ex-colega GG, as quais foram impressas pela 2.ª R. a partir da conta de Facebook da A., sem o seu conhecimento e consentimento. [art.º 28.º, 30.º primeira parte e 31.º primeira parte PI]
17. GG trabalhou para a 2.ª R., tendo cessado as suas funções por acordo com a Presidente da 1.ª R. [art.º 30.º segunda parte PI]
18. Naquela altura, pela Presidente da Direção da 1.ª R. e pela 2.ª R. foram feitas as seguintes propostas à A.: (1) acordo de revogação do contrato de trabalho sem indemnização, com declaração para o Fundo de Desemprego; (2) instauração de processo disciplinar, podendo vir a ser despedida com justa causa, o que a A. não aceitou. [art.º 32.º e 34.º PI]
19. Nesse momento, a A. disse a ambas que ainda não tinha gozado as férias do ano de 2016, as quais não estavam marcadas, tendo perguntado se as poderia gozar e questionando-as ainda quanto ao pagamento do vencimento de Novembro de 2015 e subsídio de férias desse ano. [art.º 35.º da PI]
20. Com data de 25.11.2016, a 1.ª R. enviou carta à A. com aviso de receção, comunicando-lhe a intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, pelos factos constantes da Nota de Culpa anexa, á qual a A. respondeu. [art.º 37.º PI]
21. Para além do mais, consta da Nota de Culpa:
(…) [art.º 37.º PI]
22. Em 14.02.2017 foi proferida decisão final, dando por reproduzido o Relatório Final e Conclusões, aplicando á trabalhadora a pena disciplinar de suspensão do exercício de funções com perda de retribuição e de antiguidade, pelo período de 15 dias úteis, a cumprir de imediato com o seu regresso ao trabalho, tendo por fundamento a violação dos deveres de zelo e diligência e produtividade estatuídos no art.º 128.º, n.º 1, alíneas c) e h), do Código do Trabalho. [art.º 37.º PI]
23.No Relatório Final, datado de 13.02.2017, foram dados como não provados os factos constantes dos artigos 1.º a 10.º, 14.º, 34.º, 35.º e 40.º, tendo sido dado como provados os demais factos articulados na Nota de Culpa. [art.º 37.º PI]
24. A A. apresentou atestado médico de 9 a 21 de Junho de 2016. [art.º 38.º PI]
25. A partir de então, visando a execução de quaisquer tarefas, a 2.ª R. passou a dar ordens á A. em tom de voz muito elevado, gritando e gesticulando, tudo evidenciando agressividade, o que por vezes fazia diante de EE. [art.º 39.º, 40.º parte final e 41.º primeira parte PI]
26. A A. procedeu a gravações de voz da 2.ª R. [art.º 41.º PI]
27. Por causa do ocorrido e pretendendo que a A. se despedisse, no início de Julho de 2016, a 2.ª R. em tom de voz muito elevado, gritando e gesticulando, evidenciando agressividade, ordenou-lhe que fosse para o contentor fazer uma listagem com tudo o que se encontrasse no seu interior. [artigos 49.º, 50.º e 51.º]
28. Ao longo de 7 anos, a A. trabalhou no interior do escritório da Associação. [art.º 48.º PI]
29. Pela mesma altura em início de Julho de 2016, a 2.ª R. manteve discussão com a A., tendo-se dirigido a esta dizendo: “Não estava lá escrito, não se copiou. Copiar mal e mal. Era só o que faltava aturar atrasadas mentais e a fazer porcarias atrás de porcarias”;
“As senhoras competentes, as senhoras competentes, os cúmulos da competência. Devia ter vergonha na cara, vergonha na cara chegar aos cinquenta e tal anos e ser preciso dizer as coisas duzentas vezes. Vergonha. Porra. Pintava a minha cara de preto.”
“Que não precisava disto para nada, não precisava disto para nada, agora anda agarrada ao ordenado mínimo, pedinte, tristeza, triste, deves ter uma vida muito miserável em casa para teres de passar por isto.” [art.º 53.º e 54.º PI]
30. E pela mesma altura, a 2.ª R. dirigindo-se à A. disse: “Eu mando fazer, eu mando fazer quando quero e quando me apetece porque isto aqui é assim e a minha amiga veio-se aqui encostar a achar que isto ia ser tudo normal, pois não há normalidades, tá a perceber?” [art.º 55.º PI]
31. Nessa discussão, a 2.ª R. confrontou a A. com as mensagens do seu Facebook [art.º 56.º a 60.º PI]
32. Nessa discussão, a A. pediu à 2.ª R. para baixar a mão, tendo esta respondido “não baixo mão nenhuma. Eu sou a cabra cá do sítio, posso falar como eu quiser e a tua vida agora é esta, não te quiseste ir embora, pois não? Aguenta-te. Aguenta-te.” [art.º 61.º a 63.º PI]
33. Entre 11 e 15 de Julho de 2016, por determinação da 2.ª R., a A. trabalhou no contentor, sem nenhuma colega nem contacto com qualquer associado/agricultor, sentindo-se isolada e humilhada. [art.º 52.º, 64.º e 65.º parte final PI]
34. Nesse período, a 2.ª R. considerou que a tarefa não estava corretamente executada pela A. [art.º 66.º PI]
35. Posteriormente ao visionamento das mensagens pela 2.ª R., funcionárias da “Associação…” contígua às instalações da 1.ª R., ouviam a 2.ª R. falar muito alto, aos gritos. [art.º 67.º primeira parte PI]
36. A 2.ª R. dirigiu-se às instalações da Associação …, pretendendo mostrar as mensagens da A. [art.º 69.º PI]
37. A 2.ª R. mostrou as mensagens da A. a …, funcionária da “Associação…”, para a qual a A. trabalhou. [art.º 71.º PI]
38. Devido a todo o ocorrido, a A. esteve em situação de baixa médica desde 18 de Julho de 2016 até 29.11.2016. [art.º 72.º PI]
39. Em dia não concretamente determinado, no Inverno de 2016, em …, enquanto a A. circulava em viatura automóvel, perto do Intermarche, foi seguida pela 2.ª R. e, prosseguindo ambas a marcha até à Praça …, a 2.ª R. foi buzinando, enquanto percorria alguns metros. [art.º 73 a 75.º PI]
40. Em dia não concretamente determinado, no Inverno de 2016, na zona do Intermarche, em …, as viaturas conduzidas respetivamente pela A. e pela 2.ª R. cruzaram-se, tendo esta aberto o vidro do seu veículo e dirigindo-se à A. disse “Filha da puta”. [art.º 77.º PI]
41. …, comadre da A. circulava então em veículo atrás desta, tendo ouvido o que foi dito pela 2.ª R. [art.º 78.º PI]
42. Em 01.08.2016, a 1.ª R. remeteu à A. cheque no valor de € 368,09 referente ao vencimento de Julho de 2016. [art.º 84.º PI]
43. Com data de 01.08.2016, pela mandatária da A. foi enviada carta à 1.ª R., ao cuidado da Presidente da Direção, invocando “reiterada verificação de comportamentos ilícitos, e sobremaneira violadores dos deveres do empregador”, convocando-a para comparecer no seu escritório no dia 10.08.2016, pelas 11h, para realização de reunião, “de molde a avaliar o estado da relação laboral, e ainda, sobre a possibilidade de se alcançar entendimento, sobre as medidas a adotar perante o quadro violador atual.” [art.º 80.º PI]
44. Com data de 08.08.2016, pela Presidente da Direção da 1.ª R. foi remetida carta à mandatária da A. informando que “ficámos surpreendidos com a vossa missiva, pois sempre estivemos disponíveis para dialogar com a nossa colaboradora BB, sobre qualquer assunto, nomeadamente acerca do estado da relação laboral, o que de resto já sucedeu várias vezes”, mais informando que em virtude da época de férias não tinha a Direção disponibilidade para reunir no local e datas propostos, mas mantendo disponibilidade para tal, a partir do início de Setembro de 2016, nas suas instalações. [art.º 80.º PI]
45.Com data de 08.09.2016, a Mandatária da A. enviou carta à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) denunciando o que entendia tratar-se da prática de contraordenações laborais graves e muito graves por parte da 1.ª R., perpetradas contra a A. [art.º 85.º PI]
46. Face à resposta da 1.ª R., em 12.09.2016, pela mandatária da A. foi enviada à 1.ª R. ao cuidado da Presidente da Direção carta datada de 08.09.2016, tendo por assunto a marcação de férias, pagamento de salários em atraso e acordo de revogação do contrato de trabalho, referindo permanecer disponível para reunir no seu escritório para discutir tais assuntos, tendo a mesma sido devolvida. [art.º 81.º PI]
47. Com data de 22.09.2016, a mesma carta foi enviada por correio eletrónico para ao endereço da Presidente da Direção da 1.ª R. e para o endereço geral desta. [art.º 82.º PI]
48. Não foi dada resposta pela 1.ª R. [art.º 83.º PI]
49. A A. apresentou queixa crime contra a 2.ª R., junto do serviços do Ministério Público. [art.º 86.º PI]
50. Ao atuar como descrito, a 2.ª R. sabia que humilhava a A., diminuindo a sua autoestima, o que veio a verificar-se, pretendendo a desvinculação da A. do posto de trabalho. [art.º 90.º e 91.º PI]
51.A A. não conseguiu retomar o trabalho, não conseguindo trabalhar com a 2.ª R. [art.º 92.º PI]
52. Em consequência do ocorrido no local de trabalho, a A. passou a evidenciar sinais de ansiedade, de desconforto, nervosismo, receio, tristeza, zanga, fragilidade, vergonha pela exposição a que foi sujeita perante terceiros, tendo passado a ter dificuldade em dormir. [art.º 93.º PI]
53. Por tudo, a A. deixou de gerir os seus dias com tranquilidade. [art.º 93.º PI]
54. Em 29.08.2016, segundo relatório do seu médico psiquiatra, a A. não tinha antecedentes em consulta de psiquiatria, encontrava-se há cerca de dois meses medicada com (….) por síndrome ansiodepressivo relativo a problemas laborais, encontrando-se tensa, chorando, com discurso centrado no conflito laboral, vivendo centrada nesse problema, evidenciando uma personalidade ansiosa e registando então transtorno de ajustamento, forma ansiodepressiva. [art.º 79.º, 94.º e 95.º PI]
55. A A. teve desde então reajuste terapêutico (…), com encaminhamento do seu médico psiquiatra para a médica de família, sugerindo que a A. beneficiasse de mais uns dias de baixa até registar um aumento da capacidade de resiliência, sugerindo igualmente apoio psicológico para a paciente aprender a gerir o stress e tensão relacionada com a situação atual. [art.º 96.º PI]
56. Do mesmo relatório consta “Desde já se alerta para o facto da patologia atual ser reativa a contexto laboral disfuncional não se prevê uma melhoria significativa da paciente enquanto não se resolver a situação laboral em causa.” [art.º 97.º PI]
57. A A. passou a ser seguida em sessões de psicologia, desde 10.09.2016, submetendo-se a terapêutica individual. [art.º 79.º e 98.º PI]
58. A A. é tida apenas por algumas das pessoas que consigo privam como trabalhadora cumpridora das suas obrigações, tolerante e experiente nas funções que exercia, de fácil trato no local de trabalho, com os associados com quem trabalhava como regularidade (nos processos e pedidos de subsídio), bem vista na sociedade em geral. [art.º 108.º PI]
59. A A. nasceu em 15.11.1964 e nunca imaginando vivenciar o ocorrido [art.º 108.º parte final e 109.º PI]
60. Em consequência do ocorrido no seu local de trabalho, a A. despendeu as seguintes quantias monetárias:
 Por cada consulta no Centro de Saúde de … visando a avaliação da incapacidade temporária para o trabalho, nos dias 19.07.2016, 02.08.2016, 19.08.2016, 30.08.2016 e 27.09.2016, o valor de € 4,50;

 Em consultas de Psicologia: no dia 18.07.2016, € 60,00, no dia 10.09.2016, € 55,00 e por cada consulta nos dias 08.20.2016, 22.10.2016, 19.11.2016 e 26.03.2017, € 45,00;

 Em consulta de Psiquiatria, no dia 29.08.2016, € 15,00;

 Em medicamentos prescritos, o total de € 31,36. [art.º 113.º e 116.º PI]
61. Com cada consulta de clínica geral com o Dr. …, respetivamente em 03.02.2016 e em 09.06.2016, a A. despendeu € 40,00. [art.º 113.º PI]
62. No período em que esteve com atestado médico de 9 a 21 de Junho de 2016, a A. deixou de auferir o vencimento de € 265,00. [art.º 114.º PI]
63. Devido ao ocorrido no seu local de trabalho, a A. tem estado em situação de incapacidade temporária para o trabalho desde 18.07.2016, renovada em 10.07.2016, 29.08.2016, 28.09.2016 e 28.10.2016, tendo-lhe sido pago pela Segurança Social € 1.122,32, não auferindo o seu vencimento base mensal de € 530,00. [art.º 114.º PI]
64. A 1.ª R. não pagou à A. subsídio de férias de 2016, férias não gozadas deste ano e 35 horas de formação. [art.º 117.º PI]
65. As funções da A. não se esgotavam nas descritas em 4), pois ao longo dos anos em que prestou serviço para a 1.ª R. realizou diversas tarefas fora do escritório. [art.º 39.º e 73.º contestação]
66. Já anteriormente a 1.ª R. dispensara a A. por motivos pessoais desta. [art.º 46.º contestação]
67. A 2.ª R. teve acesso ao Facebook da A. através do computador propriedade da 1.ª R. que se encontra adstrito para utilização habitual profissional da A., mas sem carácter de exclusividade. [art.º 49.º e 52 contestação]
68. A tarefa a executar no contentor estava compreendida nas funções da A., não incluindo a limpeza. [art.º 78.º contestação]
69. Em 23.01.2017, a 1.ª R. pagou à A. a quantia de € 1.243,69 respeitante a:
-Vencimento de Novembro de 2015 e respetivo subsídio de alimentação, no montante global de € 535,93;
-Subsídio de Natal de 2016, no montante de € 265,05;
-Subsídio de férias de 2015, no montante de € 530,87.

*
V. Nulidade da sentença
Conforme já se referiu anteriormente, as apelantes, no requerimento de interposição do recurso dirigido ao tribunal de 1.ª instância, arguiram a nulidade da sentença com fundamento nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Para tanto, invocaram:
- Que o ponto 38 da matéria de facto foi dado como provado, sem que tivesse sido realizada uma análise crítica da prova documental junta a fls. 95 a 99 dos autos, o que, no entender das apelantes, consubstancia situação prevista na alínea b) do mencionado artigo;
- Na motivação da convicção relativamente à decisão de dar como provado a matéria do ponto 18, o tribunal não esclareceu se valorou o depoimento de parte, como declaração confessória ou se o apreciou livremente, pelo que a decisão fáctica revela opacidade, falta de clareza e obscuridade, verificando-se o vício da alínea c) da norma indicada.
Na apreciação da arguida nulidade, escreveu o tribunal a quo:
(…)
Impondo-se a reapreciação da arguida nulidade da sentença, desde já se adianta que entendemos que não se verifica in casu qualquer uma das causas de nulidade da sentença invocadas.
De harmonia com o preceituado na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Em relação à falta de fundamentação a que alude o mencionado normativo, ensina-nos no Prof. Alberto dos Reis: «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)» - Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.140.
O mesmo entendimento tem sido defendido por Doutrina mais recente.
Refere Lebre de Freitas, in Código Processo Civil, pág.297, que «há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação».
Por sua vez, Teixeira de Sousa, afirma que «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)».
No mesmo sentido, escreve o Conselheiro Rodrigues Bastos, que «a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença» (cfr."Notas ao Código de Processo Civil", III, pág.194).
A nível jurisprudencial, desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, tem considerado que a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/4/1975 - BMJ 246º, p.131; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/3/1980 - BMJ 300º, P.438; Acórdão da Relação do Porto de 8/7/1082 - BMJ 319º, p.343; e, mais recentemente, Acórdão da Relação de Coimbra de 6/11/2012, P. 983/11.5TBPBL.C1 e Acórdão da Relação de Évora, de 20/12/2012, P. 5313/11.3YYLSB-A.E1, ambos disponíveis em www. dgsi.pt.).
Perfilhando este tribunal o entendimento doutrinal e jurisprudencial mencionado, afirma-se, desde já, que a sentença sob recurso não é nula, por falta de fundamentação, nos termos invocados pelas apelantes.
No que concerne ao ponto 38 dos factos assentes, a decisão de o considerar provado mostra-se motivada pelo teor dos documentos de fls. 95 a 99, conforme reconhecem, aliás, as apelantes.
Só a falta absoluta de fundamentação poderia gerar a nulidade da sentença.
A deficiência da motivação da convicção, a falta de análise crítica da prova ou até o eventual erro de julgamento são questões distintas, que não se subsumem à alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil
No que concerne à alínea c) da referida norma, a mesma estatui que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Para o caso dos autos, interessa-nos a parte final do preceito legal.
Porém, também neste aspeto claudica a pretensão das apelantes.
Consagrando o n.º 3 do artigo 466.º do Código de Processo Civil, as regras probatórias no que às declarações de parte concerne, e não referindo o tribunal, na motivação da sua convicção, que tenham sido emitidas declarações com valor de confissão, nem tendo ocorrido redução a escrito de quaisquer declarações confessórias, (artigos 466.º, n.º 2 e 463.º, ambos do Código de Processo Civil), revela-se medianamente inteligível que tais declarações foram consideradas segundo o princípio da livre apreciação da prova.
Destarte, não se verifica qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Por conseguinte, face ao exposto, improcede a arguida nulidade.
*
VI. Contradição da matéria de facto
(…)
Inexiste pois a acusada contradição factual, pois em causa estão realidades diferentes que não se excluem.
Face ao exposto, consideramos que inexiste o invocado fundamento para a anulação da sentença.
*
VII. Impugnação da matéria de facto
As apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto em relação aos pontos 7, 18,25 a 27, 29, 30, 32, 38, 54, 55, 56, 60, 63, indicando o suporte probatório que justifica a discordância com o decidido e referindo qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida, mostrando-se assim observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Também pretendem que dos pontos factuais 6, 7, 25, 27, 33, 38, 50, 52, 53, 59, 60 e 63, sejam expurgados dos juízos conclusivos ou valorativos que os mesmos contêm.
Apreciemos.
(…)
*
VIII. Assédio Moral
Não se conformam as apelantes com a circunstância do tribunal de 1.ª instância ter considerado que a A. foi vítima de assédio moral.
Analisemos a questão.
Na sentença proferida pela 1.ª instância procedeu-se a uma extensa e completa análise da figura jurídica do assédio moral, prevista no artigo 29.º do Código do Trabalho, com pertinentes citações doutrinais e jurisprudenciais sobre a sua definição, máxime os seus pressupostos.
As apelantes não impugnam a apreciação teórica da figura do assédio moral levada a cabo pela 1.ª instância, nem a mesma nos merece qualquer reparo, pelo que a consideramos aqui integralmente reproduzida. Discordam, isso sim, da subsunção dos factos provados a tal figura jurídica.
Para melhor compreensão, transcrevemos o excerto da sentença que é colocado em crise:
«No caso em juízo não restam dúvidas da existência de um vínculo laboral estabelecido entre a A. e a 1.ª R., tendo em conta os factos provados em 1) e 3) a 5).
Por seu turno, e para além do mais, da articulação da matéria de facto provada em 1), 2) e 7) resulta evidente que a 2.ª R., no exercício das funções de técnica superior para a 1.ª R., era e é superior hierárquica da A.
Apurou-se que após a realização da Feira…, a partir de 30 de Maio de 2016, a relação entre a 2.ª R. e a A. alterou-se, passando aquela a tratar esta de forma diferente. [6]
Conforme claramente se inculca, a referida alteração teve na sua base o facto de, em período em que a A. se encontrava ausente do trabalho, a 2.ª R., através do computador propriedade da 1.ª R. que se encontrava adstrito para utilização habitual profissional da A., mas sem carácter de exclusividade, sem o consentimento e contra a vontade da A. ter acedido, visionado e imprimido e posteriormente divulgado mensagens privadas do Facebook da A. e que esta trocou com a sua ex-colega, tudo tal como provado nos pontos 8) a 11), 13), 67) e com muito relevo nos pontos 14) a 17), 36) e 37). Esta circunstância explica, tal como provado, que no dia 08.06.2016, a 2.ª R. tenha reunido com a Presidente da Direção da 1.ª R., tendo estão esta chamado a A. para conversar [14], e que nessa altura, a A. tivesse sido informada por ambas de que tinha feito uma coisa muito grave, podendo implicar processo disciplinar, com despedimento por justa causa [15] e foi por causa do teor das mensagens privadas do Facebook da A. com as quais esta foi confrontada nesse dia 08.06.2016 [16] que pela Presidente da Direção da 1.ª R. e pela 2.ª R. foram feitas as propostas à A.: (1) acordo de revogação do contrato de trabalho sem indemnização, com declaração para o Fundo de Desemprego; (2) instauração de processo disciplinar, podendo vir a ser despedida com justa causa, que a A. não aceitou. [18]. Tal como em parte o teor de tais mensagens motivou a instauração pela 1.ª R. á A. de processo disciplinar com intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, atento o provado em 20) e 21), todavia, do relatório final para o qual remete a decisão, não foram dados como não provados os factos articulados na Nota de Culpa e que se referiam ao teor das mensagens privadas [23], tendo sido aplicada a sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções com perda de retribuição e de antiguidade, pelo período de 15 dias úteis, a cumprir de imediato com o regresso da A. ao trabalho [22].
Neste preciso enquadramento, a A. apresentou atestado médico de 9 a 21 de Junho de 2016 [24].
E é precisamente a partir do regresso da A. ao trabalho que se agudiza a diferente relação entre esta e a 2.ª R., não esquecendo que esta, tal como provado, é conhecida como pessoa muito exigente no trabalho, que fala muito alto, gesticula, emitindo constantes ordens, sobretudo para com as suas subordinadas, entre as quais, a A., o que tudo por vezes gera conflito [7]. E tal agudização evidencia-se desde logo no facto de posteriormente ao visionamento das mensagens pela 2.ª R., funcionárias da “Associação…” contígua às instalações da 1.ª R., ouviam a 2.ª R. falar muito alto, aos gritos [35].
Mas concretizando, apurou-se que a partir do regresso da A. ao trabalho (já que estivera de atestado médico de 9 a 21 de Junho de 2016) visando a execução de quaisquer tarefas, a 2.ª R. passou a dar ordens á A. em tom de voz muito elevado, gritando e gesticulando, tudo evidenciando agressividade, o que por vezes fazia diante de … [25].
Veja-se que ainda por causa do ocorrido e pretendendo que a A. se despedisse, no início de Julho de 2016, a 2.ª R. em tom de voz muito elevado, gritando e gesticulando, evidenciando agressividade, ordenou-lhe que fosse para o contentor fazer uma listagem com tudo o que se encontrasse no seu interior [26]. Ao longo de 7 anos, a A. trabalhou no interior do escritório da Associação [28].
Aqui não se esgrime que a tarefa concretamente atribuída pela 2.ª R. à A. se inserisse, no âmbito das funções desta, pois assim era [vd. factos 4, 65 e 68], todavia, não menos certo é que a sua atribuição naquele momento concreto e atendendo ao local onde seria desempenhada teve a finalidade provada. Em outras palavras, a simples tarefa de que a 2.ª R. incumbiu a A. de levar a cabo, se em outras circunstâncias ou mesmo considerada isoladamente poderia caber num parâmetro de normalidade das ordens que incumbiam ser dadas pela 2.ª R. em execução da sua função para a 1.º R. e, por isso, em nome desta, já inserida no seu preciso contexto, na sua motivação e na susceção dos factos, não poderá deixar de assumir outros contornos, outro significado.
Com efeito, provou-se ainda que pela mesma altura em início de Julho de 2016, a 2.ª R. manteve discussão com a A., tendo-se dirigido a esta dizendo: “Não estava lá escrito, não se copiou. Copiar mal e mal. Era só o que faltava aturar atrasadas mentais e a fazer porcarias atrás de porcarias”;
“As senhoras competentes, as senhoras competentes, os cúmulos da competência. Devia ter vergonha na cara, vergonha na cara chegar aos cinquenta e tal anos e ser preciso dizer as coisas duzentas vezes. Vergonha. Porra. Pintava a minha cara de preto.”
“Que não precisava disto para nada, não precisava disto para nada, agora anda agarrada ao ordenado mínimo, pedinte, tristeza, triste, deves ter uma vida muito miserável em casa para teres de passar por isto.” [29]
E pela mesma altura, a 2.ª R. dirigindo-se à A. disse: “Eu mando fazer, eu mando fazer quando quero e quando me apetece porque isto aqui é assim e a minha amiga veio-se aqui encostar a achar que isto ia ser tudo normal, pois não há normalidades, tá a perceber?” [30]
Nessa discussão, a 2.ª R. confrontou a A. com as mensagens do seu Facebook [31] e do decurso da mesma, a A. pediu à 2.ª R. para baixar a mão, tendo esta respondido “não baixo mão nenhuma. Eu sou a cabra cá do sítio, posso falar como eu quiser e a tua vida agora é esta, não te quiseste ir embora, pois não? Aguenta-te. Aguenta-te.” [32]
E foi assim que entre 11 e 15 de Julho de 2016, por determinação da 2.ª R., a A. trabalhou no contentor, sem nenhuma colega nem contacto com qualquer associado/agricultor, sentindo-se isolada e humilhada [33], sendo que, nesse período, a 2.ª R. considerou que a tarefa não estava corretamente executada pela A. [34]
Devido a todo o ocorrido, a A. esteve em situação de baixa médica desde 18 de Julho de 2016 até 29.11.2016 [38], mantendo-se sem regressar ao trabalho, não conseguindo trabalhar com a 2.ª R., tal como provado em 51).
Posteriormente e já fora do período e local de trabalho, mas sem que se possa olvidar o mesmo contexto, apurou-se ainda que em dia não concretamente determinado, no Inverno de 2016, em …, enquanto a A. circulava em viatura automóvel, perto do Intermarche, foi seguida pela 2.ª R. e, prosseguindo ambas a marcha até à …, a 2.ª R. foi buzinando, enquanto percorria alguns metros. [39]
E apurou-se que também em dia não concretamente determinado, no Inverno de 2016, na zona do Intermarche, em …, as viaturas conduzidas respetivamente pela A. e pela 2.ª R. cruzaram-se, tendo esta aberto o vidro do seu veículo e dirigindo-se à A. disse “Filha da puta” [40], sendo que, …, comadre da A. circulava então em veículo atrás desta, tendo ouvido o que foi dito pela 2.ª R. [41].
Ora respigando o que supra ponderámos quanto à absoluta necessidade de não nos atermos aos factos isoladamente, mas impondo-se uma análise do seu conjunto, como mosaico, quadro impressionista ou puzzle, caberá então concluir que se verifica por parte da 2.ª R. um comportamento indesejado, com o objetivo e tendo tido efetivamente por efeito perturbar e constranger a A., afetando a sua dignidade, tendo criado um ambiente intimidativo, hostil, humilhante e desestabilizador [espelhado desde logo na devassa da sua privacidade pelo acesso a mensagens privadas, que a 2.º R. imprimiu e divulgou não só internamente (dando conta à direção), como externamente, no tom de voz da 2.ª R., nos gritos audíveis, na forma como se dirigia à A., mas também e sobretudo no conteúdo do que lhe disse, no local e tempo de trabalho e depois também na tarefa de que a incumbiu de realizar e no que isso implicava no seu preciso contexto]. Este comportamento da 2.ª R. foi reiterado nos moldes que se enunciaram, ainda que não muito prolongado no tempo reportado ao tempo e local de trabalho, pois em virtude do ocorrido, a A. esteve com atestado médico de 9 a 21 de Junho de 2016, permaneceu no contentor de 11 a 15 de Julho e entrou em situação de baixa médica em 18 de Julho de 2016. E caberá ainda considerar que mesmo durante o período de incapacidade para o trabalho da A., e como tal fora do tempo e do local de trabalho, a 2.ª R. levou a cabo factos, que tal como demonstrados deverão ser ponderados no mesmo quadro, formando o mesmo puzzle.
Provou-se que ao atuar como descrito, a 2.ª R. sabia que humilhava a A., diminuindo a sua autoestima, o que veio a verificar-se, pretendendo a desvinculação da A. do posto de trabalho [50]. Esta constatação foi justificada no despacho que motivou a matéria de facto, e para a qual se remete. A desvinculação da A. do posto de trabalho é também ilustrada pela referida instauração processo disciplinar pela 1.ª R., o qual culminou na aplicação de sanção diferente da comunicada.
Em conclusão verifica-se a prática de assédio moral.»
Não poderemos deixar de concordar e aderir aos fundamentos transcritos e ao juízo decisório emitido.
É certo que este tribunal alterou parcialmente a matéria de facto, nos seguintes aspetos:
- Ponto 6: eliminação da expressão «passando aquela a tratar esta de forma diferente»
- Pontos 25 e 27, passaram a ter a seguinte redação: 25- A partir de então, visando a execução de quaisquer tarefas, a 2.ª R. passou a dar ordens à A. em tom de voz elevado e gesticulando, o que, por vezes, fazia diante da EE; 27- No início de julho de 2016, a 2.ª R. em tom de voz elevado e gesticulando, ordenou à A. que fosse para o contentor fazer uma listagem com tudo o que se encontrasse no seu interior.
- Ponto 59: eliminação deste ponto factual.
Tais alterações, porém, não modificam o quadro comportamental assumido, que deve ser caracterizado como assédio moral, como bem analisou a 1.ª instância.
Expliquemos porquê.
O assédio moral é um conceito de natureza sociológica.

Também designado por “moobing” ou “violência psicológica”, o pioneiro do seu estudo científico foi o psicólogo alemão Heinz Leymann, na década de oitenta, que decidiu utilizar a palavra “moobing” com o significado de “relacionamento hostil e imoral praticado diretamente de forma sistemática por um ou mais indivíduos contra outro indivíduo que acaba por se encontrar numa posição indefesa”, (cfr. The Definition of Mobbing at Workplaces, “The Mobbing Encyclopaedia”, http://www.leymann.se/English/frame.html.; “Assédio moral/moobing”, artigo escrito por Messias Carvalho, Revista do TOC, Agosto 2006, disponível em www.otoc.pt e Dissertação de Mestrado de Diana Filipa Lopes Esteves, in http://repositorio.ucp.pt).

O assédio moral, não obstante não seja uma realidade exclusiva do mundo do trabalho, tem sido vastamente estudado, na perspetiva do direito do trabalho.

Este interesse e a importância sobre o fenómeno justificam-se pela tomada de consciência das repercussões sociais, empresariais e individuais que o assédio moral importa: absentismo dos trabalhadores originado por baixas por doença com a consequente diminuição de produtividade da empresa, medicação comparticipada pelo Estado, mau ambiente familiar gerador de tensões e perturbações em outros indivíduos, são alguns dos exemplos das possíveis consequências do assédio moral.

Daí que a crescente importância desta realidade tenha acabado por originar a necessidade de se legislar sobre a mesma.

O artigo 29.º do Código do Trabalho que corresponde ao artigo 24.º do Código do Trabalho de 2003, que na altura foi pioneiro no ordenamento laboral português, proíbe o assédio.

Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador – n.º 1 do artigo 29.ª à data dos factos, que corresponde ao n.º 2 da alteração ao artigo introduzida pela Lei n.º 73/2017, de 16/8/2017.

Ora, no caso vertente o quadro comportamental assumido em relação à A. leva-nos a concluir que houve uma manifesta intenção persecutória e uma conduta abusiva e hostil..
Não tendo a trabalhadora aceitado a proposta da celebração de um acordo de revogação do contrato de trabalho que lhe foi apresentada na reunião de 8 de junho de 2016, o que sucedeu, no curto período em que a trabalhadora não esteve de baixas médicas (de 22 de junho a 17 de julho de 2016), não pode ser interpretado de outra forma.
Transmitir ordens a um subordinado em tom de voz elevado e gesticulando, por vezes em frente a colegas, é algo sempre constrangedor e intimidador para o visado pela ordem.
Ordenar que a trabalhadora fosse fazer a listagem de tudo o que se encontrava no contentor, precisamente neste período temporal, quando, ao longo de 7 anos, a A. sempre tinha trabalhado no interior do escritório da 1.ª R., ficando a mesma, devido à tarefa ordenada, sem qualquer contacto com colegas ou associados/agricultores durante 4 dias e, no final da tarefa, considerar-se que a mesma não foi corretamente executada, nas concretas circunstâncias do caso, não pode deixar de ser analisado como assunção de atos de marginalização, de humilhação e de depreciação da trabalhadora.
As frases dirigidas à A. na discussão ocorrida no início de julho de 2016, o levantamento da mão para a A., a exibição das mensagens do Facebook da A. a uma funcionária de uma ex-empregadora da A., e a intenção de mostrar tais mensagens na Associação …, que tinha instalações ao lado da 1.ª R., constituem, respetivamente, atos de agressão verbal, de intimidação, vexatórios e atentórios da reputação da trabalhadora.
Ou seja, num curto período temporal, o empregador (através da superiora hierárquica) levou a cabo uma série de atos que globalmente apreciados visaram humilhar, depreciar, marginalizar, causar desconforto e mal-estar na trabalhadora, visando atingir a sua dignidade pessoal e profissional e destabilizá-la, o que acabou por ter reflexos na saúde e na vida da trabalhadora.
Em suma e face ao exposto, não podemos deixar de sufragar a decisão que considerou que a A./apelada foi alvo de assédio moral.
Deste modo, improcede o recurso quanto à questão analisada.

IX. Danos patrimoniais
Alegam as apelantes que «não se tendo provado que as frequências de consultas, a medicamentação tomada e o acompanhamento médico decorreram, diretamente do mencionado episódio, soçobram as suas pretensões indemnizatórias relativamente aos reembolsos de despesas efetuadas e, bem assim, à perda salarial correspondente ao período em que esteve de baixa por doença natural»
A questão suscitada na conclusão LXXXII, estava totalmente dependente da procedência da impugnação da decisão factual no que respeita à relação material causal entre o ocorrido no trabalho e os mencionados danos patrimoniais, que não se verificou.
Destarte, mais não resta do que confirmar a sentença recorrida quanto à matéria em causa, improcedendo, pois, o recurso nesta parte.

*
X. Indemnização dos danos não patrimoniais
O tribunal de 1.ª instância condenou as Rés a pagarem à A., a título de indemnização por danos morais, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros).
As apelantes não se conformam com o valor fixado, entendendo que o mesmo nunca deveria exceder o valor de € 3.000,00 (três mil euros).
Na fundamentação da sentença, escreveu-se o seguinte a respeito desta matéria:
«Quanto aos danos não patrimoniais, para além de não ter conseguido retomar o trabalho, não conseguindo trabalhar com a 2.ª R. [51], provou-se que em consequência do ocorrido no local de trabalho, a A. passou a evidenciar sinais de ansiedade, de desconforto, nervosismo, receio, tristeza, zanga, fragilidade, vergonha pela exposição a que foi sujeita perante terceiros, tendo passado a ter dificuldade em dormir, [52] e por tudo, a A. deixou de gerir os seus dias com tranquilidade. [53]
Em 29.08.2016, segundo relatório do seu médico psiquiatra, a A. não tinha antecedentes em consulta de psiquiatria, encontrava-se há cerca de dois meses medicada com … por síndrome ansiodepressivo relativo a problemas laborais, encontrando-se tensa, chorando, com discurso centrado no conflito laboral, vivendo centrada nesse problema, evidenciando uma personalidade ansiosa e registando então transtorno de ajustamento, forma ansiodepressiva. [54]
A A. teve desde então reajuste terapêutico: …, com encaminhamento do seu médico psiquiatra para a médica de família, sugerindo que a A. beneficiasse de mais uns dias de baixa até registar um aumento da capacidade de resiliência, sugerindo igualmente apoio psicológico para a paciente aprender a gerir o stress e tensão relacionada com a situação atual. [55]
Do mesmo relatório consta “Desde já se alerta para o facto da patologia atual ser reativa a contexto laboral disfuncional não se prevê uma melhoria significativa da paciente enquanto não se resolver a situação laboral em causa.” [56]
A A. passou a ser seguida em sessões de psicologia, desde 10.09.2016, submetendo-se a terapêutica individual. [57]
A A. é tida apenas por algumas das pessoas que consigo privam como trabalhadora cumpridora das suas obrigações, tolerante e experiente nas funções que exercia, de fácil trato no local de trabalho, com os associados com quem trabalhava como regularidade (nos processos e pedidos de subsídio), bem vista na sociedade em geral [58], nasceu em 15.11.1964 e nunca imaginando vivenciar o ocorrido [59].
Para além do dano biológico que se evidencia, temos também por verificado o dano relativo á violação do direito de personalidade da A. e que lhe causa vergonha pela exposição a que foi sujeita perante terceiros, pela humilhação pela qual passou.
Ponderando o período temporal em que a A. foi sujeita aos atos lesivos, quer no tempo e local de trabalho quer fora deste âmbito, os danos efetivamente verificados, os quais se têm prolongado no tempo, sem que A. logre regressar ao trabalho, o valor do vencimento mensal auferido pela A., mas também tendo presente que se inculca a dificuldade financeira da 1.ª R., desde logo evidenciada pela própria dificuldade no pagamento pontual dos salários às suas trabalhadoras, tem-se por adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais em € 10.000,00 (dez mil euros).»
Considerando os critérios legais de fixação do montante indemnizatório, consagrados nas disposições conjugadas dos artigos 496.º, n.º 4 e 494.º, ambos do Código Civil, afigura-se-nos que o valor indemnizatório arbitrado, nas concretas circunstâncias do caso, é adequado, justo e equilibrado, atendendo à gravidade dos danos provocados pela conduta ilícita deliberadamente assumida para com a trabalhadora e à situação económica das partes envolvidas.
O valor fixado é apto a compensar ou neutralizar os danos sofridos decorrentes do ato ilícito, perante uma evidente impossibilidade de reparação natural..
Pelo exposto, confirmamos a decisão que fixou tal valor indemnizatório.

Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
*
XI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo das apelantes.
Notifique.

Évora, 5 de abril de 2018
Paula do Paço (relatora)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes