Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1281/13.5TBTMR-A.E1
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: DESENTRANHAMENTO DE ARTICULADO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
Data do Acordão: 10/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Se a parte, quando requereu a nomeação de patrono e informou desse facto o Tribunal, já tinha, voluntariamente, constituído mandatário, não podia ter formulado tal pedido de nomeação de patrono, por manifesta desnecessidade e por, manifestamente, tal pedido constituir um abuso processual.
2 - Nestas circunstâncias não pode o requerente beneficiar do direito à interrupção de um prazo e consequente prolongamento de prazo da contestação, por isso constituir uma fraude à lei, na medida em que o mandatário que subscreveu a contestação fora constituído muito antes de ser formulado o pedido de nomeação de patrono.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc.º N.º 1281/13.5TBTMR-A.E1 – Apelação (2ª Secção)
Comarca de Santarém – Instância Local de Tomar – Secção Cível J1
Recorrente: (…).
Recorrido: (…) e (…).
*

Vem o presente recurso, interposto do despacho que ordenou o desentranhamento da contestação apresentada pela recorrente e cujo teor é o seguinte:
«Tendo sido citada em 23 de Outubro de 2013 para contestar a presente acção (fls. 55), a Ré (…) solicitou na Segurança Social a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de compensação a patrono, o que sucedeu em 22 de Novembro de 2013 (fls. 57 e seg.), tendo o respectivo documento comprovativo sido junto aos autos em 25 de Novembro de 2013 (fls. 56).
Nesse seguimento, remeteu a Ordem dos Advogados aos autos o e-mail de fls. 62, de 22 de Janeiro de 2014, dando conta da nomeação da Dra. (…) como patrona da Ré. E, por seu turno, a Segurança Social veio informar o deferimento do pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, atribuição de agente de execução (fls. 64) e nomeação e pagamento de compensação de patrono (fls. 66).
Face às dúvidas suscitadas – uma vez que a Segurança Social remeteu aos autos dois ofícios, sendo que num informava do deferimento do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e atribuição de agente de execução, enquanto noutro já se referia à nomeação e pagamento de compensação de patrono – veio a ilustre patrona nomeada, em 27 de Janeiro de 2014, dar conta de que deveria solicitar-se esclarecimento á Segurança Social, continuando o prazo em curso (para contestar) interrompido para aferir da legitimidade da nomeação de patrono requerida (fls. 69).
Por ofício de 29 de Janeiro de 2014, porém, veio a Segurança Social informar que o pedido de apoio judiciário formulado pela Ré fora deferido na modalidade de nomeação e pagamento de compensação de patrono (fls. 71).
Em 31 de Janeiro de 2014 foi proferido despacho declarando interrompido o prazo para a Ré contestar, ao abrigo do disposto no artigo 24.º n.º 4 da Lei n.º 34/2004. Sucedeu, no entanto, que em 10 de Fevereiro de 2014 a Ré apresentou contestação subscrita por advogada a quem outorgou procuração forense para o efeito, Dra. (…), e não pela ilustre patrona nomeada.
De imediato se suscitou a questão da intempestividade da contestação, o que foi arguido pelos Autores (fls. 106).
Convidada a pronunciar-se (fls.141-A), veio a Ré, em suma, alegar que por despacho de 31 de Janeiro de 2014 foi declarado interrompido o prazo para contestar, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e com base na confiança depositada nesta decisão é que apresentou a sua contestação no dia 10 de Fevereiro de 2014, e portanto dentro do prazo de 30 dias de que dispunha para contestar, embora para o efeito tenha optado por constituir como mandatária pessoa diversa da indicada pela Ordem dos Advogados, não podendo, por isso, ser penalizada. Mais acrescentou que o acesso ao direito é universal e uma vez verificada a insuficiência económica para o pagamento das despesas judiciais pela entidade competente – Segurança Social – não faz sentido obstaculizar a materialização dos efeitos do apoio judiciário, com fundamento em razões de forma. O pedido não colide com a finalidade do apoio judiciário, mas a negação dos seus efeitos iria colidir com a garantia constitucional prevista no artigo 20.º da CRP.
Importa apreciar.
No seu despacho de fls. 141-A a Sra. Juiz à data titular dos autos advertiu a Ré que na decisão a proferir se terá em conta, eventualmente, o entendimento manifestado no douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 1 de Outubro de 2013, publicado em www.dgsi.pt.
E efectivamente, a situação dos presentes autos é em tudo semelhante à que foi tratada naquele acórdão (Proc. 4550/11.5T2AGD.C1), com cujos fundamentos se concorda.
Com efeito, devidamente citada, a Ré solicitou o apoio judiciário na modalidade de nomeação e pagamento de compensação de patrono, o que foi deferido, tendo sido nomeada uma patrona, a Dra. (…). Não obstante, a Ré veio a constituir mandatária voluntária, através da outorga da competente procuração, tendo apresentado contestação subscrita por esta.
Em suma, do comportamento da Ré é possível concluir que não pretende beneficiar do patrocínio judiciário que havia requerido, cessando o apoio judiciário nessa modalidade, pelo que também não pode beneficiar da interrupção do prazo para contestar prevista no artigo 24.º, n.º 4, da Lei do Apoio Judiciário, norma esta que alude expressamente à modalidade de nomeação de patrono.
Como se fez notar no aludido aresto (…) obtendo-se a suspensão da contagem desse prazo com base num pressuposto (a necessidade de obtenção de patrocínio oficioso) do qual se vem a fazer posterior descaso, parece-nos evidente que o benefício dessa suspensão e consequentemente prolongamento do prazo da contestação nela envolvido, perde todo o sentido, emergindo, tão-somente, um efeito que cola a uma situação de fraude à lei. (…). E mais se fez constar que (…) para além da injustificada situação de privilégio que seria criada (…) estar-se-ia a pactuar com uma actuação processual absolutamente indesejável, dada a fortíssima potencialidade que apresenta de ser motivada pelo propósito de ultrapassar normas processuais imperativas, envolvendo uma conduta processual desvaliosa, por implicar o uso de meios processuais legítimos (a formulação de um pedido de nomeação de patrono, necessariamente associada à interrupção do prazo para contestar) em função de um fim processualmente ilegítimo (obter um prazo de contestação mais largo), correspondendo neste caso a uma situação de litigância de má-fé (…)
Portanto, no presente caso, tendo a Ré prescindo do patrono nomeado, não pode beneficiar da interrupção do prazo prevista no artigo 24.º, nº 4, da Lei do Apoio Judiciário, pelo que tendo a contestação dado entrada mais de três meses após a citação, a mesma é necessariamente intempestiva.
Alertaram os Autores para o facto do fax de fls. 56 – junto aos autos em 25 de Novembro de 2013, dando conta da apresentação do pedido de apoio judiciário – ter sido remetido do escritório da ilustre advogada que veio a subscrever a contestação (fls. 109). Tratando-se de um facto que não se comprovou – nem vemos necessidade de o fazer, pois além de ser uma questão lateral, só iria contribuir para atrasar mais o tramitar dos autos [1] – dir-se-á, em todo o caso, que a ser verdadeiro, além de temerário e indiciador de violação do dever de zelo a que está obrigada a ilustre mandatária [2], seria, também, indiciador de uma verdadeira intenção de defraudar a lei.
Acrescenta-se, ainda, que não está em causa qualquer violação da “garantia constitucional prevista no artigo 20.º do CRP”, pois nunca foi negado o acesso da Ré ao direito, tendo-lhe sido oferecidas todas as garantias que são dadas ao comum cidadão confrontado com um processo judicial, designadamente, um prazo razoável para contestar e a possibilidade de lhe ser nomeado um patrono oficioso, prerrogativa esta que, como se viu, a Ré rejeitou.
Salienta-se, por fim, que o aludido despacho de 31 de Janeiro de 2014 teve por base o disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei do Apoio Judiciário – norma esta que pressupõe o pedido de patrocínio judiciário – desconhecendo o Tribunal, nessa altura, que a Ré já tinha constituído como mandatária a Dra. … (fls. 103).
Nestes termos e sem mais considerações, porque intempestiva, ordena-se o desentranhamento da contestação.
Custas pela Ré, que deu causa ao incidente (art. 7.º, n.º 4 e 8, do RCP e tabela II).
Notifique.»
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Inconformada, veio a R., interpor recurso de apelação, com subida em separado, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:

«1ª - Por decisão datada de 22.01.14 foi nomeada à Recorrente pelo Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, Patrona Oficiosa.
Por despacho de 31.01.14 – transitado em julgado – foi declarado interrompido o prazo para contestar, nos termos do disposto no art. 24°/4 de Lei 34/2004, de 29/7 (com a redacção dada pela Lei 34/2004, de 29 de Julho).
2ª - Escassos dias após esta data, ao ser-lhe nomeada para a patrocinar nesta causa Advogada que não conhecia pessoalmente e que por seu lado também desconhecia a situação da Recorrente (porque também a desconhecia), decidiu então contactar novamente a Advogada que a patrocinara "pro bono" no seu processo de divórcio (por ser amiga da família) no âmbito do qual foi celebrado o acordo de atribuição da casa de morada de família, com base no qual a R. habita a casa objecto da reivindicação promovida nestes autos,
3ª - Que aceitou patrociná-la também gratuitamente no processo instaurado por seu ex-marido de cessação de prestação de alimentos, que corre termos pela seção cível deste Tribunal sob o nº 1280/13.5TBTMR, bem como nestes autos dado tratar-se de pessoa do seu conhecimento pessoal de longa data, portadora de graves doenças que a fragilizam profundamente e de fraquíssimos recursos económicos.
4ª - No dia 10.02.14 a Recorrente apresentou a contestação subscrita pela Mandatária entretanto constituída (embora a procuração junta a fls. 103 tenha a data de 5.11.14, por se tratar da mesma que fez juntar ao processo nº 1280/13.5TBTMR que corre termos pela seção cível deste Tribunal), e portanto dentro do prazo de 30 dias de que dispunha para contestar (no 10º dia desse prazo, donde não se vislumbre a verificação de qualquer intenção dilatória).
5ª - Esta contestação foi apresentada com base na confiança depositada na decisão de interrupção do prazo respectivo, tanto mais que, não se refere na decisão sub judice qualquer norma da qual se possa extrair como consequência (drástica) para tal atitude o desentranhamento da contestação.
6ª - O acesso ao direito é universal e uma vez verificada a insuficiência económica para o pagamento das despesas judiciais pela entidade competente – Segurança Social – não faz sentido obstaculizar a materialização dos efeitos do apoio judiciário, com fundamento em razões de forma.
7ª - O pedido não colide com a finalidade do apoio judiciário, mas a negação dos seus efeitos iria colidir com a garantia constitucional prevista no art. 20° da CRP.
8ª O pedido de pagamento de honorários a patrono escolhido representa sempre um pedido de nomeação de patrono, ou seja, um pedido de patrocínio judiciário, pelo que esse pedido interrompe o prazo de contestação à luz do disposto no n° 4 do art. 25° da LADT – conferir, neste sentido, os AC RC de 25.11.2004, de 14.12.2004, de 19.12.2006, 23.05.2012 e 20.11.2012 «interrompido o prazo para contestar por efeito do pedido de nomeação de patrono, pode o R., no decurso dessa interrupção e aproveitando os seus efeitos, apresentar contestação, através de Mandatário por si., entretanto constituído» entendimento preconizado pela Relação do Porto no Acórdão proferido no processo n° 5346/12.2TBMTS.PI.
9ª - Não tendo o benefício de apoio judiciário sido cancelado ou caducado, nos termos da LAJ, a Recorrente não perdeu qualquer dos benefícios inerentes à protecção jurídica que lhe foi concedida, nomeadamente, a interrupção do prazo para deduzir contestação, pelo simples fato de ter constituído mandatária.
10ª - O que reforça o entendimento exposto no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no proe. N° 01231109.3BEBRG, datado de 18.02.2011, onde se lê o seguinte: "aliás, dificilmente se compreenderia que nessa data a acção pudesse ser intentada pelo patrono nomeado e não o pudesse ser por mandatário constituído, tendo bem presente o conjunto de razões de caracter pessoal ou económico que poderá subjazer a essa opção do autor".
11ª - Considerar-se que a constituição de mandatário por parte da recorrente, implica a perda de toda a interrupção do prazo que até aí beneficiava, representa uma denegação do direito de acesso aos tribunais" pois proporcionaria situações em que o protegido, pelo fato de o ser, e ao arrepio da lógica do sistema legal e constitucional, viria extinto ou limitado esse seu direito. "
12ª - A própria LAJ prevê, nos termos do artigo 24°, n° 5 al. b) da LAJ, que mesmo em casos em que o apoio judiciário requerido de nomeação de patrono é indeferido, ainda assim, o requerente continua a beneficiar do prazo advindo da interrupção, prevista no artigo 24°, n° 4 da LAJ, ou seja, não se vislumbra por que beneficiando a recorrente de patrocínio (embora exercido "pro bono", tenha como sanção a perda do prazo para contestar, quando tal não aconteceria se o referido apoio lhe tivesse sido indeferido.
13ª - É assim inconstitucional, por violação do artigo 20° da CRP, a interpretação do artigo 24°/4 da LAJ, segundo a qual tendo a requerente direito a protecção jurídica na modalidade nomeação e pagamento a patrono oficioso, dá-se sem efeito a interrupção do prazo para contestar e considera-se este terminado como se não houvesse interrupção, desentranhando-se a contestação, caso esta constitua mandatário.
14ª - Acresce que, a interpretação do Tribunal a Quo, para além de colocar em causa o caso julgado formado pelo despacho que ordenou a interrupção do prazo para contestar, tem subjacente um pressuposto (implícito) de fraude à lei, no sentido de que a Recorrente se quis aproveitar de um prazo mais longo para contestar, consubstanciando-se tal fraude, segundo o Tribunal na constituição de mandatário por parte da recorrente.
15ª - Não se compreende muito bem como é que o tribunal deixou de respeitar o seu despacho inicial de atribuir eficácia interruptiva ao requerimento apresentado, já que o mesmo não foi objecto de recurso, passando a constituir caso julgado formal e, como tal, deverá ser acatado – Art. 620º e 621º do NCPC.
16ª - Violou pois o Tribunal a Quo o disposto nos Artigos 24° e 25° da LAJ, o artigo 20º da CRP e o artigo 62º do CPC.
17ª- A falibilidade do argumento invocado na decisão recorrida e a existência de argumentos convincentes para apoiar tese contrária, conduzem-nos à resposta positiva que deve ser atribuída à questão de saber se pode a R., estando interrompido o prazo para contestar por efeito do pedido de nomeação de patrono, apresentar contestação através de mandatária entretanto constituída.
18ª - O prazo para contestar foi declarado interrompido por decisão judicial que não fixou qualquer condição para o efeito, mantendo-se essa interrupção à data em que foi junta a contestação subscrita por mandatária judicial.
Como afirma o acórdão da Relação do Porto de 15.11.2011 «o texto do mencionado n° 4 do artigo 24° da Lei 34/2004 consagra a interrupção, tout court, do prazo em curso, e não uma interrupção sob condição resolutiva de o acto ser praticado através do patrono nomeado. O efeito da interrupção produz-se no momento do fato interruptivo, independentemente de ocorrências posteriores. A tese da interrupção sob condição resolutiva ofende a confiança dos sujeitos processuais, introduzindo uma preclusão processual que o legislador não consagrou de modo especificado na lei e, como tal, não poderiam contar com ela».
19ª - Não admitir a prática de ato processual através de mandatário judicial quando o prazo para o efeito foi declarado interrompido, sem qualquer condição, não tendo sido proferida entretanto decisão de sentido contrário, nem existindo norma que impeça a prática do ato naquelas circunstâncias, traduzir-se-ia, com efeito, numa ofensa à confiança dos sujeitos processuais.
20ª - Daí entender-se que o benefício decorrente da interrupção do prazo para a prática de acto processual em curso deve manter-se e, sem restrições, enquanto perdurar essa interrupção, e não existindo norma expressa a afastar essa possibilidade desse benefício abranger quem venha a praticar o ato através de advogado constituído, deve admitir-se que a parte possa praticar o acto nessas circunstâncias.
21ª - Admitindo o n° 5 do artigo 24° da Lei 34/2004 o início do prazo interrompido a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, não se vê fundamento para impedir a parte da prática do acto no decurso da interrupção do respectivo prazo só pelo facto de o fazer por meio de mandatário judicial.
22ª - Se indeferido o pedido de nomeação de patrono a parte beneficia de novo prazo para a prática do acto, que, em caso de patrocínio obrigatório, terá de fazer através de advogado que constitua, qual a razão para lhe ser vedado esse direito antes de verificado esse pressuposto, tanto mais que lhe assiste o direito de, a qualquer momento, escolher advogado para o representar?
23ª - Como afirma o acórdão da Relação do Porto, já mencionado, "se é certo que existe aqui um desvio da finalidade para a qual a lei concedeu o benefício em apreço, esse desvio não pode haver-se por mais clamoroso e abusivo que aquele que ocorre com o requerente que, sabendo não reunir minimamente as necessárias condições, requer a nomeação de patrono no exclusivo intuito de ver dilatado o prazo inicial de contestação. Nesta hipótese, comparativamente menos merecedora da tutela do Direito que a do caso vertente, não obstante a superior reprovabilidade de tal conduta, está fora do alcance a imposição de qualquer preclusão processual, que o legislador manifestamente não estabeleceu".
24ª - Não se vê fundamento para não admitir como tempestiva a contestação apresentada pela R., ora recorrente, a 10.02.14, quando o prazo para contestar se achava então interrompido, apenas pelo facto de tal contestação se mostrar subscrita por advogado por ela entretanto constituído.
25ª - Negar-lhe esse direito traduzir-se-ia na prática numa denegação do direito de acesso aos tribunais e de defesa, que a Lei Fundamental claramente não consente.
26ª - Aquele beneficio não cessa automaticamente, mas apenas por cancelamento (casos taxativamente elencados no artigo 10º da LAJ) ou por caducidade (ocorrência de qualquer das situações do artigo 11º da citada Lei).
Tal não implica contudo, a perda do benefício de apoio judiciário, por não integrar qualquer caso de cancelamento ou de caducidade que de todo o modo, tinha de ser judicialmente declarado, garantido o contraditório.
Daí que não perca nenhum dos benefícios inerentes, enquanto o mesmo não lhe for retirado ou o patrono nomeado não pedir escusa (artigo 34º da Lei citada), pelo que se entende que a recorrente continuou a beneficiar do prazo para contestar, com a interrupção derivada do disposto no artigo 24º/4 da LAJ.
27ª - Representaria uma verdadeira denegação do direito de acesso aos tribunais e da defesa, desconsiderar um articulado subscrito pelo patrono oficioso em funções, só porque o beneficiário constituiu outro advogado – Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 10 Volume, 4a Edição, 411, Acórdão da Relação de Coimbra, de 27 de Abril de 2004, in CJ, 2004,11,37.
NESTES TERMOS ….DEVE SER DADO PROVIMENTO A ESTE RECURSO…………».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente [3], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º, nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil) [4], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil).
Das conclusões acabadas de transcrever, decorre que as questões suscitadas no recurso, consistem em saber se:
- Estando interrompido o prazo de apresentação da contestação por ter sido pedido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e tendo o impetrante, entretanto constituído mandatário, pode continuar a beneficiar da interrupção do prazo e ser admitida como tempestiva a apresentação de contestação pelo mandatário constituído, no decurso da interrupção, mas depois de já ter decorrido um prazo superior ao da contestação, após a outorga da procuração a esse mandatário.
- Na negativa, saber se a interpretação que impede o aproveitamento, pelo mandatário livremente constituído, dos efeitos da interrupção concedida ao patrono nomeado, viola o Art.º 20º da CRP e o acesso ao direito.
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Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
A decisão recorrida é correcta e não merece qualquer censura. Na verdade a interrupção dos prazos processuais na sequência do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, assenta e tem como pressuposto, a necessidade de obtenção do patrocínio oficioso e visa permitir não só a apreciação desse pedido de nomeação, mas também conceder ao patrono nomeado o tempo necessário ao estudo do caso e à prática do acto respectivo. Ora se a recorrente, quando requereu a nomeação de patrono e informou desse facto o Tribunal, já tinha, voluntariamente, constituído mandatário, não podia ter formulado tal pedido de nomeação de patrono, por manifesta desnecessidade e por, manifestamente, tal pedido constituir um abuso processual. Nestas circunstâncias não pode o requerente beneficiar do direito à interrupção de um prazo e consequente prolongamento de prazo da contestação, por isso constituir uma fraude à lei, na medida em que o mandatário que subscreveu a contestação fora constituído muito antes de ser formulado o pedido de nomeação de patrono.
Diz a recorrente que não houve intenção de defraudar a lei, mas como bem se observa no Ac. da RC de 1 de Outubro de 2013, acima referido, neste contexto, «as coisas valem, …, objectivamente, pelo fruto bom ou mau que produzem, pelo efeito prático que desencadeiam, independentemente da intenção em que assentaram. Ora, seja como for – seja lá como tenha sido no caso da R. – esse efeito sempre corresponde exactamente ao que por este mesmo meio teria decorrido de um propósito pré-concebido de obter ilegitimamente o prolongamento do prazo legal (normal) de contestar uma acção deste tipo.
Justifica-se, pois, a opção do Tribunal a quo de neutralizar o prazo alargado de contestação, concedido que fora esse alargamento em função de uma situação que, por opção dos RR., efectivamente não ocorreu – a necessidade de adjectivar o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono…». Acrescenta-se no aresto referido que «para além da injustificada situação de privilégio que seria criada (tolerada) à R. aceitando o respectivo entendimento, estar-se-ia a pactuar com uma actuação processual absolutamente indesejável, dada a fortíssima potencialidade que apresenta de ser motivada pelo propósito de ultrapassar normas processuais imperativas, envolvendo uma conduta processual desvaliosa, por implicar um uso de meios processuais legítimos (a formulação de um pedido de nomeação de patrono, necessariamente associada à interrupção do prazo para contestar) em função de um fim processualmente ilegítimo (obter um prazo de contestação mais largo), correspondendo neste caso a uma situação de litigância de má-fé do tipo da prevista no artigo 542º, nº 2, alínea d), do CPC [5]. A existência do perigo de ser propósito da R. esse fim ilegítimo, correspondente à má-fé processual comportamental, é aqui relevante, já que o efeito (ilegítimo) associado a essa finalidade sempre seria alcançado pela R., a aceitar-se a respectiva contestação nas condições que aqui se configuraram.
Ora, neste enquadramento, tem sentido convocar a essência profunda do instituto da litigância de má fé (artigo 456º do CPC), com o sentido em que o caracteriza Paula Costa e Silva, num estudo de referência [6]: “[…]
[A] actuação processual não é isenta de juízos de valor substanciais. O exercício das situações processuais não é agnóstico, está ordenado à prossecução das finalidades do processo, sendo inadmissível a sua utilização para a lesão de bens jurídicos protegidos. As partes estão vinculadas a uma série de deveres processuais: probidade, lealdade, boa-fé. A violação destes deveres, através de actuações típicas, dolosas ou gravemente negligentes, determina a ilicitude do comportamento processual. O comportamento processual ilícito desencadeia uma pluralidade de efeitos. Determina a condenação da parte numa pena civil ou multa, provoca a constituição de um dever de indemnizar danos processuais típicos e danos provocados em quaisquer bens jurídicos da contraparte, implica a perda de todos os benefícios associados ao estatuto de parte que goza de protecção jurídica.
[…]”
[7] (sublinhado acrescentado).
Vale neste quadro, desde logo, o sancionamento directo, chamemos-lhe assim, referindo-nos à multa e, em certo sentido, à indemnização (artigos 456º, nº 1 e 457º do CPC). Mas vale, igualmente, com o sentido de evitação do resultado desvalioso, a reacção processual que se traduz no frustrar do efeito decorrente da (visado pela) conduta processual indevida, podendo esta reacção passar por consequências processuais do tipo das aqui desencadeadas através da exclusão dos autos da peça processual apresentada a culminar o uso desviado de regras processuais, com preclusão do direito de praticar o acto consubstanciado nessa peça».
É assim absolutamente correcta a decisão da primeira instância e tal decisão e a interpretação que lhe subjaz do regime do apoio judiciário e em particular da norma do art.º 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, em nada contrariam preceitos constitucionais designadamente a garantia do acesso ao direito, porquanto no caso, o recurso ao regime do apoio judiciário foi fraudulento, uma vez que a R. já tinha mandatário constituído quando requereu a nomeação de patrono e uma vez nomeado o patrono recusou os seus serviços e manteve o mandatário anteriormente escolhido. A R. nunca teve entrave no acesso ao direito nem no exercício dos seus direitos processuais e a decisão recorrida não constituiu um entrave ao exercício desses direitos, é antes um entrave ao abuso processual e à utilização fraudulenta de mecanismos legais destinados a assegurar o acesso ao direito.
Ora os Tribunais têm o dever de impedir essa utilização fraudulenta e esse abuso, foi isso que fez e bem, o Tribunal “a quo”.
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Em síntese:
I – A interrupção do prazo para contestar decorrente da apresentação de requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, prevista no artigo 24º, nº 3, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, só se torna efectiva como interrupção desse prazo, no caso de ao requerente ser nomeado mandatário, pela apresentação da contestação por esse mandatário;
II – Assim, se o requerente dessa nomeação, já tinha mandatário constituído antes de a requerer, há absoluta desnecessidade de recurso ao apoio judiciário e consequentemente abuso desse mecanismo quando nessas circunstâncias se formula pedido de nomeação de patrono;
III – Se ainda assim a requerente não aproveitou o patrono que lhe foi nomeado e optou por fazer apresentar a contestação pelo mandatário por si voluntariamente constituído, antes da formulação do pedido de nomeação, fez descaso dessa nomeação, pelo que não pode o mandatário voluntário, beneficiar do alargamento do prazo da contestação decorrente da interrupção motivada pelo pedido de apoio, sendo por isso tal contestação considerada extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.
Concluindo

Pelo exposto, acorda-se na improcedência da Apelação e confirma o despacho recorrido.
Custas pela apelante.
Notifique.
Évora, em 22 de Outubro de 2015
Bernardo Domingos
Silva Rato
Assunção Raimundo

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[1] Muito embora, à data, a Ré já tivesse outorgado a procuração a favor da ilustre mandatária (fls. 103).
[2] Pois, afinal, fora contactada pela Ré, durante o prazo para contestar, não tendo apresentado o respectivo articulado tempestivamente;
[3] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2, 2ª parte, do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil). Terceiro, o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[4] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[5] Traduziria, obviamente, um uso manifestamente reprovável de meios processuais, com o fim de conseguir um objectivo ilegal: um prazo alargado de contestação a que se não tem – ninguém tem – direito.
[6] A Litigância de Má Fé, Coimbra, 2008
[7] Ob. cit., p. 691.