Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5/12.9GIBJA.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - Da exigência do esgotamento das possibilidades de ressocialização do condenado em liberdade decorre que, no caso de cometimento de crime no decurso do prazo da prisão suspensa, em princípio só a (nova) condenação em pena efetiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam ser alcançadas.

II - Tal não impede, porém, a revogação da pena suspensa nos casos em que as condenações posteriores, embora também em pena suspensa, e as concretas circunstâncias do caso avaliadas no seu conjunto evidenciem uma frustração das expectativas da pena suspensa, assim sucedendo quando o condenado, no período (curto) de um ano e nove meses de suspensão, comete mais três crimes de idêntica natureza e não cumpre integralmente o regime de prova.[1]
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No processo comum singular nº 5/12.9GIBJA, da Comarca de Beja, foi proferido despacho de revogação da suspensão da pena única de 1 ano e 9 meses de prisão suspensa na execução com regime de prova, em que o arguido fora condenado nos autos pela prática de crime de condução sem habilitação legal e de crime de detenção de arma proibida.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:

“1. É tempo de concluir, dando cumprimento ao legalmente estabelecido;

2. O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação os artigos 40º, nº 1, 55º e 56º do Código Penal;

3. O Tribunal recorrido entendeu, erradamente, em nossa modesta opinião, que a punição, suspensa nos termos em que se mostrou efetuada na sentença, não cumpriu a sua finalidade de prevenção especial;

4. O requisito previsto na alínea a) do artigo 56º do Código Penal não se encontra demonstrado nos autos. Na verdade, as falhas apontadas, no que respeita ao plano individual de readaptação social, consistem fundamentalmente na dificuldade em contactar inicialmente o condenado e em faltas às últimas três entrevistas. A primeira questão deveu-se à alteração de morada, sendo o próprio que, em sede de audição, esclareceu que não recebia as convocatórias da DGRSP porque era a sua ex-companheira quem as recebia e as deitava fora. A segunda questão relativa às faltas justifica-se por dificuldade de transporte, em virtude de manter o acompanhamento em Beja e ter passado a residir na zona de Évora;

5. Não obstante, o condenado ter praticado, durante o período da suspensão, o crime de desobediência, em 18/11/2014 e os crimes de condução sem habilitação legal e de condução perigosa de veiculo rodoviário, por sentenças já transitadas, a revogação da execução da pena de prisão não é automática ;

6. Não basta afirmar o cometimento de novo crime no período da suspensão da execução da pena, para se concluir pela infirmação do juízo de prognose favorável determinante para a aplicação dessa suspensão ;

7. Nas suas declarações, o condenado justificou que voltou a conduzir porque precisava de trabalhar para ter dinheiro para pagar a multa em que foi condenado e que presentemente quer fazer a sua vida normal e ter trabalho;

8. Do teor do relatório social pode concluir-se que o condenado revela uma estabilidade familiar, profissional e social;

9. Nas sentenças condenatórias posteriores (processos nº ---/14.7GTEVR e nº ---/15.2GBRDD), mesmo tendo presente as condenações anteriores, os Meritíssimos Juízes optaram pela pena de multa e pela suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, o circunstancialismo que envolveu a prática dos factos posteriores à condenação destes autos e de outros, permitiu ainda formular um juízo favorável a que as finalidade da suspensão da pena de prisão ainda possam ser alcançadas por meio desta ;

10. O Tribunal recorrido deveria ter ponderado a possibilidade de manutenção da ressocialização em liberdade, esgotando os meios legais de intervenção penal fora da prisão como garantia das finalidades da punição ;

11. As condenações por crimes cometidos no período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, em liberdade, as finalidades da punição, que dita a opção entre o regime do artigo 55º ou do artigo 56º do Código Penal ;

12. A situação em causa não reveste ainda a gravidade justificativa da revogação da suspensão da execução da pena de prisão nem evidencia, com segurança, a frustração definitiva do juízo de prognose favorável que justificou a suspensão da execução da pena de prisão;

13. O Tribunal a quo podia e devia ter optado por uma das medidas contempladas no artigo 55º do Código Penal, alternativas às que impõem a reclusão ;

14. O meio prisional irá criar no condenado uma experiência que é sabido pode e deve ser evitada, concedendo-lhe uma outra oportunidade ;

15. A decisão recorrida enferma, salvo o devido respeito e, que é muito, de uma errónea interpretação do direito, devendo como tal ser revogada.”

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo:
“1. A suspensão da execução da pena de prisão, consagrada no artigo 50° do Código Penal, demanda um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente.

2. O artigo 56°, n° I, al. a), do Código Penal, determina que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, determinando o cumprimento da pena de prisão fixada.

3. Sucede que o recorrente tem vindo a assumir uma conduta relapsa ao longo da execução do seu plano de reinserção social.

4. Voltou a delinquir no período da suspensão, cometendo um crime de desobediência em 18 de Novembro de 2014, pelo qual foi condenado em II de Dezembro de 2014, no âmbito do processo n." ---/14.7GTEVR.

5. E cometeu em 4 de Junho de 2015, factos que integraram a prática de crimes de condução sem habilitação legal e condução perigosa de veículo rodoviário, pelos quais foi condenado em 7 de Julho de 2015, no âmbito do processo n." ---/15.2GBRDD.

6. A prática destes crimes no período da suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, conjugada com as notórias dificuldades de interiorização do interdito que resultam do relatório final de acompanhamento do Plano de Reinserção Social do arguido, revela que as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena, não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

7. Não foi violado qualquer preceito legal, nomeadamente o disposto nos artigos 40°, nº 1, 55° e 56° do Código Penal.

8, Pelo exposto, deve improceder na totalidade o recurso apresentado pelo recorrente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida que decretou a revogação da suspensão da execução da pena de I ano e 9 meses de prisão aplicada ao condenado A. e que determinou, em consequência, o cumprimento efectivo daquela pena.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto pronunciou-se também no sentido da improcedência, nos mesmos termos do Ministério Público em 1ª instância.

Colhidos os vistos, teve lugar a conferência.

2. A decisão recorrida tem o teor seguinte:

“Foi A., condenado nos presentes autos por sentença de 13.12.2013, transitada em julgado em 27.01.2014, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e um crime de detenção de arma proibida, na pena única de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova (cfr. fls. 249 a 266).

Nos termos do Plano de Reinserção Social do condenado homologado, este estava obrigado a cumprir com as seguintes acções: comparecer às entrevistas de acompanhamento, que incluirão conteúdos motivacionais e de trabalho de atitudes, sempre que tal lhe seja solicitado bem como aderir a exercícios de reflexão propostos pelo técnico (cf. fls. 287ss)

A fls. 322 foi junto aos autos um relatório de anomalias elaborado pela D.G.R.S.P, de 27.03.2015, no qual se informa que “o condenado A. apresentou durante o acompanhamento efectuado dificuldade na interiorização do interdito nas situações em que prevaricou, no entanto revelou receptividade à mudança, manteve-se activo em termos laborais e integrado a nível lúdico. Contudo, e face à sua reclusão, o acompanhamento da presente medida por parte desta DGRSP encontra-se comprometido.”

A fls. 400 e seguintes, mostra-se junto o relatório final de acompanhamento do regime de prova, de 05.11.2015, segundo o qual se considera "A. apresentou durante o seu acompanhamento dificuldades na interiorização do interdito, tendo reincidido na prática de factos da mesma natureza. No entanto, foi razoavelmente assíduo às entrevistas de acompanhamento, manteve-se activo em termos laborais e integrado a nível lúdico. Face ao exposto, e considerando que não houve contenção da actividade criminal no período em apreço, queira Vossa Excelência pronunciar-se acerca do que houver por conveniente.".

Dos elementos dos autos resulta ainda que o condenado:
- em 11-12-2014, no âmbito do processo n.º ---/14.7GTEVR, foi condenado, por factos praticados em 18-11-2014, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, decisão já transitada em julgado (Cf. fls. 300-319);

- em 07-07-2015, no âmbito do processo n.º ---/15.2GBRDD, foi condenado, por factos praticados em 04-06-2015, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e de condução perigosa de veículo rodoviário, previstos e punidos respectivamente pelo artigo 3º, n.º 1 e 2 do DL 2/98, de 3 de Janeiro, e artigo 291º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, decisão já transitada em julgado (Cfr. fls. 367¬387);

Foi ouvida a técnica da DGRSP que deu nota dos elementos constantes do relatório final e de que o condenado foi também condenado no âmbito do Proc. n.º ---/15.2GBRDD.

O condenado foi ouvido, tendo declarado, em suma, que não recebia as convocatórias da DGRSP porque quem as recebia era a sua ex-companheira, que as deitava fora; que não praticou o crime de desobediência pelo qual foi condenado, que voltou a conduzir porque precisava de trabalhar para ter dinheiro para pagar a multa em que foi condenado e que presentemente quer fazer a sua vida normal e ter trabalho.

Promoveu o Digno Magistrado do Ministério Público, no seu parecer, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado A., por entender que o cometimento de crimes da mesma natureza daqueles pelos quais havia sido condenado nos presentes autos, em especial com a condenação sofrida no processo n.º ---/15.2GBRDD, demonstrou frustrado o juízo de prognose favorável que esteve na base da decisão de suspender a execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.

Ouvido, na pessoa da sua iL Defensora, o arguido pugnou pela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão, sustentando que cumpriu o plano da DGRSP, apesar das dificuldades e que a suspensão da execução das penas de prisão levada a efeito nos processos em causa, demonstram persistir o juízo de prognose favorável ao condenado.

Cumpre, pois, em face do supra exposto, apreciar da necessidade de revogação ou não revogação da suspensão da execução pena de prisão aplicada ao condenado nos presentes autos.

Nos termos do disposto no art. 56º, n.º 1, al. a) do C. Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o "Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social".

Dispõe, por seu turno, o art. 56º, nº 1, al. b) do C. Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado "[ ... ] cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas".

Dispondo, por fim, o art. 495º, nº 2, do C.P. Penal que, incumprindo o condenado as condições de suspensão, o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova e antecedendo parecer do Ministério Público e audição do condenado na presença do técnico.

A revogação da suspensão não é de aplicação automática, dependendo sempre do incumprimento dos deveres impostos ao condenado - seja pela violação das regras ou deveres de conduta ou seja, pelo cometimento de um crime no período da suspensão -, e bem assim da prévia averiguação das respectivas causas.

O incumprimento dos deveres emergentes da suspensão da execução da pena de prisão não conduz, portanto, inevitavelmente, de acordo com os normativos referidos, às mesmas consequências, devendo o tribunal optar pela medida que lhe parecer mais adequada ao caso concreto: tudo dependendo do juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado e, assim, mesmo que tenha sido por crime cometido no decurso da suspensão, se se revelar favorável o referido juízo de prognose, pode o tribunal não revogar a suspensão e aplicar ao condenado qualquer das medidas previstas no art. 55º do C.P. Neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra, de 7-02-2001, CJ, Ano XXVI - 2001, Tomo I, pág. 61

Assim, independentemente da natureza do incumprimento culposo das condições de suspensão, esta só deve ser revogada se tal incumprimento revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão já não podem, por meio desta, ser alcançadas, isto é, se esse incumprimento for de molde a criar a convicção de que se mostra definitivamente infirmado o juízo de prognose de não reiteração da conduta criminosa que esteve na base da suspensão.

Se, pelo contrário e em face da situação concreta, se revelar ainda favorável o referido juízo de prognose, pode o tribunal não revogar a suspensão da execução da pena e aplicar ao condenado alguma ou algumas das medidas previstas no art. 55º do Código Penal -neste sentido ver também o Ac. da ReI. de Évora, de 8 de Julho de 2003, CJ, tomo IV, pág. 253.

Para a ponderação das repercussões do incumprimento no referido juízo de prognose hão-se concorrer as circunstâncias do incumprimento e a conduta anterior e posterior do condenado.

Para que se coloque a questão da revogação da suspensão da pena, releva antes de mais, para os efeitos do citado preceito e no que para os autos releva, que o condenado haja infringido grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.

Releva, outrossim, que a infracção dos deveres ou regras de conduta ou do plano de reinserção social relevem de uma violação grosseira.

I - A revogação da suspensão da execução da pena de prisão por violação de deveres impostos só pode ser decretada se tiver havido infracção grosseira ou repetida dos deveres de conduta ou regras impostas ou do plano individual de readaptação social.

II - Há uma violação grosseira quando o arguido tem uma actuação indesculpável, em que o cidadão comum não incorre, não merecendo ser tolerada. Ac. do TRG de 19.1.2009, proferido no processo n." 2555/08.1, no mesmo sentido, Ac TRC de 06.03.2013, Proc. N.o 15/07.8GCGRD.C2, Ac. TRG de 4.5.2009, Proc. N.o 2625/05.9PBBRG-A.G1, Ac. do TRP de 9.12.2004, Proc. N." 0414646, todos in www.dgsi.pt.

Na situação concreta, o condenado compareceu às entrevistas com razoável assiduidade, nas palavras da técnica da DGRSP, apresentando durante o seu acompanhamento dificuldades na interiorização do interdito.

Acresce que no período da suspensão A. praticou outros crimes, designadamente da mesma natureza de um dos presentes autos, pelos quais veio a ser condenado.

Releva, assim, que o cometimento desses crimes conduza à conclusão de que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena de prisão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Os crimes praticados pelo condenado no período da suspensão são, um deles, de idêntica natureza daquele praticado nos presentes autos - condução sem habilitação legal - outro, ofensivo de bens jurídicos de idêntica natureza - condução perigosa de veículo - tendo ainda praticado um crime de desobediência.

A suspensão da execução da pena de prisão que foi aplicada ao condenado nos presentes autos teve como pressuposto que o juízo de prognose social sobre a conduta futura do mesmo era favorável, pelo que o Tribunal entendeu que a simples ameaça de cumprimento de uma pena de prisão se mostrava suficiente para evitar que o condenado assumisse outras condutas da mesma natureza.

Verifica-se que, não obstante, o condenado praticou mais dois crimes da mesma ou idêntica natureza, no decurso do prazo de suspensão, tendo nesse mesmo período praticado ainda um terceiro crime, de diferente natureza.

O juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado é, assim, de prognose desfavorável ao processo de ressocialização.

Com efeito, a condenação nos presentes autos em pena privativa da liberdade, suspensa na sua execução com o intuito de potenciar a ressocialização do condenado claramente não cumpriu a sua finalidade de prevenção especial, o que é revelado desde logo pela conclusão do Relatório da DGRSP no sentido de que apresentou durante o seu acompanhamento dificuldades na interiorização do interdito e não só não o demoveu de praticar outros factos ilícitos, como não o demoveu de praticar outros factos de idêntica natureza nem, tão pouco, logrou gerar no seu espírito a consciência da censurabilidade do seu comportamento ou da necessidade de actuação conforme ao Direito.

Conclui-se, assim, que a punição, suspensa nos termos em que se mostrou efectuada na sentença, não cumpriu assim as finalidades dissuasoras que a enformaram, o que resulta da prática dos crimes de condução sem habilitação legal, condução perigosa de veículo e de desobediência durante o período da suspensão da pena, sendo forte o juízo de prognose sobre a inviabilidade de ressocialização do condenado em situação de liberdade.

Tudo sopesado, determina-se a revogação da suspensão da execução da pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão aplicada ao condenado A. nos presentes autos, ao abrigo da al. e b), do n." 1 do art. 56º do C. Penal, determinando-se, em consequência, o cumprimento efectivo daquela pena.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (AFJ nº 7/95 de 19.10.95) a questão a apreciar respeita à revogação da pena de prisão suspensa.

Considera o recorrente que “o Tribunal recorrido deveria ter ponderado a possibilidade de manutenção da ressocialização em liberdade, esgotando os meios legais de intervenção penal fora da prisão como garantia das finalidades da punição”.

Já o Ministério Público pronunciou-se, nas duas instâncias, pela confirmação do despacho recorrido.

A decisão foi proferida ao abrigo do disposto no art. 56º do CP, que trata da revogação da suspensão da execução da pena de prisão.

A al. a), do nº1, do art. 56º, preceitua que a suspensão da execução da pena é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.

Na al. b), prescreve-se que a suspensão é também revogada sempre que, no seu decurso, o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas.

O art. 55º do CP trata a falta de cumprimento das condições da suspensão, prevendo os casos em que “o condenado culposamente deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção”, podendo então o tribunal adoptar medidas, que vão da “solene advertência” (al. a)), à prorrogação do período de suspensão da pena (al. d)).

Este o quadro legal que mais directamente cura da situação sub judice, e que oferece claro parâmetro de preferência sequencial, no sentido da reserva da afectação da resposta máxima para as situações limite.

Estas normas, que mais directamente regulam o caso, inserem-se num quadro mais amplo de regras e de princípios (legais, constitucionais e internacionais) que tratam da determinação da sanção.

E os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e da necessidade da pena regem em todo o procedimento de aplicação da sanção, perdurando até à extinção da pena aplicada ao condenado.

A consequência máxima para o “incumprimento culposo” é a revogação da suspensão da prisão. O sentido de ultima ratio revela-se na própria evolução do preceito.

Da alteração da norma introduzida na revisão de 1995, passou a resultar que mesmo o cometimento de novo crime no decurso do período da suspensão de pena é insuficiente, por si só, para determinar a revogação da pena de substituição. Pôs-se, então, fim à anterior redacção “profundamente criticável do ponto de vista politico-criminal” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 2005, p. 356).

“O acento tónico passou a estar colocado, não no cometimento de crime doloso durante o período de duração da suspensão e correspondente condenação em pena de prisão, mas no facto de o cometimento de um crime e respectiva condenação revelarem a inadequação da suspensão para através dela serem ainda alcançadas as finalidades da punição” (Odete Oliveira, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, II, CEJ, 1998, p. 105).

Pôs-se termo à revogação automática da pena de prisão suspensa, indo ao encontro da Regra 10 da Recomendação Nº R(92) 16: “não devem existir disposições na lei respeitantes à conversão automática em prisão de sanções ou medidas aplicadas na comunidade, em caso de desrespeito das condições ou obrigações impostas por essa sanção ou medida” (loc. cit., tradução nossa).

Assim, a condenação por crime cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão não ditará, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes o juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, ou não, em liberdade, as finalidades da punição que ditará a opção entre o regime do art. 55º ou do art. 56º do Código Penal.

Há, assim, uma exigência de esgotamento das possibilidades de ressocialização em liberdade, mesmo nos casos de incumprimento das condições da suspensão (condições no sentido mais amplo, abrangendo as hipóteses previstas nas duas alíneas do nº 1 do art. 56º).

E é neste referente que tem vindo a ser considerado que, mesmo em caso de cometimento de crime no decurso do prazo da suspensão da prisão, em princípio, “só a condenação em pena efectiva de prisão é reveladora de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas” (P.P.Albuquerque, Coment. Código Penal, 2ªed., p. 236. Neste sentido, também, os acórdãos de TRC 28.03.2012 e 11.05.2011, TRP 02.12.2009, TRE 25.09.2012 e outros que temos relatado).

Assim, mesmo nos casos em que o condenado em pena suspensa comete novo crime no decurso daquele, o tribunal deve ponderar a possibilidade de manutenção da ressocialização em liberdade, e deve esgotar os meios legais de intervenção penal fora da prisão como garantia das finalidades da punição.

No caso presente, o arguido está condenado em 1 ano e 9 meses de prisão suspensa na execução com regime de prova.

No que respeita ao regime de prova, do relatório de acompanhamento e do relatório final não resulta (pelo menos claramente) que se possa considerar que tenha havido um incumprimento manifesto e irresolúvel do regime de prova. Ou seja, não resulta inequívoco que o arguido tenha, nesta parte, incumprido e comprometido irremediavelmente a ressocialização em liberdade.

Na verdade, o arguido foi-se apresentando e comparecendo nos serviços da DGRS, não o tendo feito quando foi detido para cumprir prisão subsidiária de multa. Esta detenção esteve, então, na origem do “relatório de anomalias” referido no despacho recorrido.

Sucede que o arguido pagou a multa, tendo regressado à liberdade e prosseguido o regime de prova.

Os relatórios da DGRS sinalizam uma “dificuldade na interiorização do interdito nas situações em que prevaricou” e referem que o arguido “revelou receptividade à mudança, manteve-se activo em termos laborais e integrado a nível lúdico”. As informações da DGRS tanto informam que “o condenado compareceu às entrevistas com razoável assiduidade” como sinalizam “dificuldades na interiorização do interdito”.

Assim, a avaliação do regime de prova, embora não francamente positiva, não seria por si só impeditiva da prossecução duma ressocialização em liberdade.

Problemática será, no entanto, a avaliação do comportamento do arguido no que respeita a crimes cometidos no período da suspensão da pena.

Se bem que se trate de um período de suspensão relativamente curto – de apenas um ano e nove meses – não conseguiu o arguido abster-se da prática de outros crimes, durante este período curto.

E como se refere no despacho, “os crimes praticados pelo condenado no período da suspensão são, um deles, de idêntica natureza daquele praticado nos presentes autos - condução sem habilitação legal - outro, ofensivo de bens jurídicos de idêntica natureza - condução perigosa de veículo - tendo ainda praticado um crime de desobediência. (…) O condenado praticou mais dois crimes da mesma ou idêntica natureza, no decurso do prazo de suspensão, tendo nesse mesmo período praticado ainda um terceiro crime, de diferente natureza.

É certo que não foi condenado em pena de prisão efectiva pela prática de nenhum destes crimes, circunstância que deve entrar também no processo de ponderação, como se disse. No primeiro processo, o arguido foi condenado em multa, e no segundo, em pena única de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa com regime de prova.

Cada uma destas condenações, em abstracto e avaliadas de per si, também não seriam necessariamente determinantes da revogação, como igualmente se referiu.

Mas, as concretas circunstâncias do caso, que impõem uma avaliação global do comportamento do condenado no decurso do período de suspensão da pena, relevando agora os três crimes entretanto cometidos e a conduta no âmbito do regime de prova, em conjunto, já não permitem concluir que a ressocialização em liberdade seja ainda possível.

Na verdade, “a ausência de interiorização do interdito” comunicada pela DGSP, aliada ao tipo e quantidade de crimes cometidos no decurso de um prazo da suspensão tão curto, leva a concluir que, como bem se referiu no despacho “o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado é, assim, de prognose desfavorável ao processo de ressocialização”.

Não merece, por tudo, reparo a decisão ali firmada, no sentido de que a pena suspensanão cumpriu assim as finalidades dissuasoras que a enformaram, o que resulta da prática dos crimes de condução sem habilitação legal, condução perigosa de veículo e de desobediência durante o período da suspensão da pena, sendo forte o juízo de prognose sobre a inviabilidade de ressocialização do condenado em situação de liberdade.”

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

Julgar improcedente o recurso, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pelo recorrente que se fixam em 4UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/5 e Tab. III RCP).

Évora, 26.04.2016

(Ana Maria Barata de Brito)

(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)

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[1] - Sumariado pela relatora.