Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
103/15.7GECUB.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: CRIME DE INJÚRIA
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
NULIDADE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
INCONSTITUCIONALIDADES
Data do Acordão: 06/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - É totalmente despida de fundamento válido a alegação da recorrente segundo a qual o artigo 355.º do C. P. Penal, interpretado no sentido de que as declarações que o assistente prestou, no inquérito, mais favoráveis à arguida e divergentes com as que prestou na audiência, se não forem lidas em audiência não podem ser usadas para descredibilizar as declarações que o mesmo prestou em audiência, é materialmente inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido consagradas nos artigos 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

II - No contexto em que foi proferida, a expressão “monte de merda”, dirigida, mais de uma vez, à pessoa do assistente, não traduz um simples “desabafo verbal” da arguida, nem uma simples descortesia ou má educação, nem, muito menos, possui um qualquer sentido jocoso, revelando, isso sim, um juízo de valor gravemente depreciativo e humilhante, capaz de incomodar, perturbar e ofender o assistente (ou qualquer outro cidadão colocado naquelas circunstâncias).

III - O uso da expressão “monte de merda”, nestas circunstâncias, nada tem a ver com significados possíveis dessa expressão retirados de dicionários da língua portuguesa (como se faz na motivação do recurso), nem cabe na margem de tolerância (sensata e razoável) que deve atribuir-se à comunicação entre os normais cidadãos (na qual, muitas vezes, se formulam juízos e se utilizam palavras que nem sempre são agradáveis).
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 103/15.7GECUB, da Comarca de Beja (Cuba - Instância Local - Secção de Competência Genérica - Juiz 1), foi acusada a arguida MV como autora material de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal.

Constituiu-se assistente nos autos P.

O assistente deduziu pedido de indemnização civil, solicitando a condenação da arguida a pagar-lhe a quantia de 400 euros, a título de ressarcimento por danos não patrimoniais.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, na qual foi decidido o seguinte:

“1) Condenar a arguida MV, pela prática de um crime de injúria, p. e p. artigo 181.º/1 do Código Penal, na pena de 40 dias de multa, à razão diária de € 7,00, perfazendo um total de € 280,00 a que correspondem, subsidiariamente, 26 dias de prisão;

2) Condenar MV, no pagamento, ao demandante P, a título de danos não patrimoniais, de uma indemnização no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% (art. 559º, nº 1, do CC e art. 1º da Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril), contados desde a notificação do pedido até integral pagamento (sem custas cíveis - art. 4.º, n.º 1, alínea n), do RCP).

3) Condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2UC's (artigo 8.º/5 do Regulamento das Custas Processuais e respetiva tabela III anexa)”.
*
Inconformada com a sentença condenatória, dela interpôs recurso a arguida, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

“1ª - O presente recurso vem interposto da sentença da Instância Local de Cuba da Comarca de Beja, de 24/10/2016, que condenou a arguida.

2ª - A arguida impugna os seguintes pontos de facto, dados como provados na douta sentença:

5) Ato contínuo, a arguida, ignorando as palavras de P, disse “chamei monte de merda e repito as vezes que foram precisas, monte de merda;

6) Ao agir daquela forma, proferindo tais expressões em voz alta, num local público, Mercado Municipal de Alvito, onde P desenvolve atividade comercial, na presença de outras pessoas, a arguida sabia que estava a ofender a sua honra e consideração, resultado que desejou alcançar;
7) A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei;

8) Como consequência da conduta da arguida, o assistente sentiu-se humilhado, enxovalhado com o que foi dito, sendo pessoa considerada no meio onde reside;

9) O assistente ficou muito nervoso”.

3ª - As provas, que impõem uma decisão diferente, são as seguintes:

a) As declarações prestadas, pelo denunciante P, no auto de denúncia: “a denunciada (…) profere tais palavras para o seu marido “se tivesses vergonha nem dizias bom dia a esse monte de merda; “o ofendido após estas palavras responde “para ter cuidado com aquilo que diz” e a mesma de seguida repete o insulto, dizendo que ele é um “monte de merda”; “o ofendido de imediato desloca-se a este Posto da GNR para apresentar a devida queixa, pois estava bastante revoltado…”.

b) As declarações prestadas, pelo denunciante P, no inquérito: “a denunciada … respondeu ao seu marido dizendo “… se tivesses vergonha nem dizias bom dia a esse monte de merda … “, o depoente ao ouvir tais palavras ficou bastante indignado com a denunciante, o qual lhe disse “ … tenha cuidado com o que diz … “ por sua vez a denunciante repetiu as mesmas palavras “ se tivesses vergonha nem dizias bom dia a esse monte de merda”.

c) O significado e o valor de uso, na língua portuguesa, da palavra “merda” ou “monte de merda”, significa, quando referida a uma pessoa, “indivíduo sem préstimo, sem merecimento “ conforme se pode verificar, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenação de José Pedro Machado, Volume VII, Sociedade de Língua Portuguesa, página 178.

4ª - As declarações que o denunciante P prestou, no inquérito, são mais favoráveis à arguida e divergem das declarações que o mesmo prestou, na audiência; pelo que devem aquelas declarações ser consideradas para descredibilizar as declarações que o denunciante prestou em audiência, por aplicação direta dos artigos 20.º n.º 4, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

5ª - O artigo 355.º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que as declarações que o denunciante P prestou, no inquérito, mais favoráveis à arguida e divergentes com as que presta na audiência, se não forem lidas em audiência, não podem ser usadas para descredibilizar as declarações que o mesmo denunciante prestou, em audiência, é materialmente inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido consagradas nos artigos 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

6ª - O artigo 355.º do Código de Processo Penal, com fundamento na referida inconstitucionalidade material, deve ser desaplicado e as declarações que o denunciante Paulo Santos prestou, no inquérito, devem ser consideradas para descredibilizar as declarações que prestou o mesmo em audiência, porque aquelas são mais favoráveis à arguida e divergem das que prestou na audiência de julgamento.

7ª - A decisão sobre a matéria de facto impugnada, em sede de recurso, deve ser a seguinte:

5.º FACTO
5) Ato contínuo, a arguida, ignorando as palavras de P, disse “chamei monte de merda e repito as vezes que foram precisas, monte de merda”;
Este facto deve ser considerado como não provado face às declarações que o denunciante prestou no auto de denúncia: “monte de merda” e no inquérito “se tivesses vergonha nem dizias bom dia a esse monte de merda”, que o vinculam.

6.º FACTO
6) Ao agir daquela forma, proferindo tais expressões em voz alta, num local público, Mercado Municipal de Alvito, onde P desenvolve atividade comercial, na presença de outras pessoas, a arguida sabia que estava a ofender a sua honra e consideração, resultado que desejou alcançar;

Este facto deve ser dado como não provado, porque a arguida crê que a expressão “monte de merda”, significando “individuo sem préstimo, sem merecimento”, não é ofensiva da honra e da consideração do denunciante.

7.º FACTO
7) A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei”;

Este facto deve ser dado como não provado, porque a arguida estava e está convencida que não ofendeu a honra e a consideração do denunciante P, face ao que a expressão “monte de merda” significa em língua portuguesa “individuo sem préstimo, sem merecimento”.

8.º FACTO
8) Como consequência da conduta da arguida, o assistente sentiu-se humilhado, enxovalhado com o que foi dito, sendo pessoa considerada no meio onde reside”;

Este facto deve ser dado como não provado, como base nas declarações que o denunciante fez no auto de denúncia, onde diz que ficou revoltado.

9.º FACTO
9) O assistente ficou muito nervoso”;

Este facto deve ser dado como não provado, porque foi o próprio denunciante que disse que ficou “revoltado” (auto de denúncia), que não significa nervoso.

8ª - O direito do denunciante P se constituir assistente extinguiu-se em 21/09/2015, porque foi notificado em 10/09/2015 e o prazo não se interrompeu.

9ª - O requerimento foi apresentado, em 30/09/2015, pelo denunciante P, quando o direito já estava extinto e não renasce.

10ª - Não foi dada, à arguida, a oportunidade de se opor à constituição de assistente, motivo pelo qual a situação jurídica do P não se consolidou.

11ª - O direito do denunciante P se constituir assistente ficou extinto em 21/09/2015, e todos os atos praticados, ulteriormente - designadamente, o inquérito, a acusação e a sentença -, são nulos, nos termos dos artigos 48.º, 50.º, n.º 1, e 119.º, b), do Código de Processo Penal.

12ª - Trata-se duma nulidade insanável, que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da sentença, nos termos dos artigos 48.º, 50.º, n.º 1, e 119.º, b), do Código de Processo Penal; nulidade insanável esta que se argui para os devidos efeitos.

13ª - O artigo 24.º, n.º 4, o artigo 22.º, n.º 6, a), da Lei n.º 34/2004, e a Portaria n.º 11/2008 têm que ser interpretados, em articulação, no sentido de que só a junção duma cópia do formulário aprovado pela Portaria n.º 11/2008, com o carimbo de entrada na Segurança Social, onde se pede a nomeação de patrono, interrompe o prazo de 10 dias a que aludem os artigos 68.º, n.º 2, e 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

14ª - Esta interpretação é imposta pelos elementos literal e sistemático da interpretação das leis - artigo 9.º do Código Civil -; sendo claro que a letra da lei não permite outra interpretação.

15ª - O “recibo de entrega de documentos”, junto a folhas 8, não é a cópia do requerimento cujo modelo foi aprovado pela Portaria n.º 11/2008, de 3/1.

16ª - Os artigos 24.º, n.º 4, e 22.º, n.º 6, a), da Lei n.º 34/2004, interpretados no sentido de que basta a junção ao processo do “recibo de entrega de documentos” na Segurança Social para interromper o prazo de 10 dias a que aludem os artigos 68.º, n.º 2, e 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, são materialmente inconstitucionais, por violação do princípio da determinabilidade das leis ínsito no princípio do estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, visto que tal sentido não é suportável pela letra nem pelo espírito dos enunciados daqueles artigos.

17ª - Por outro lado, estamos perante a criação duma norma jurídica que não é legitimada pelo artigo 165.º, n.º 1, c), da Constituição da República Portuguesa.

18ª - Os artigos 24.º, n.º 4, e 22.º, n.º 6, a), da Lei n.º 34/2004, interpretados no sentido de que a junção ao processo do “recibo de entrega de documentos” na Segurança Social interrompe o prazo de 10 dias a que aludem os artigos 68.º, n.º 2, e 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, é organicamente inconstitucional por violação do artigo 165.º, n.º 1, c), da Constituição da República Portuguesa.

19ª - Os artigos 24.º, n.º 4, e 22.º, n.º 6, a), da Lei n.º 34/2004, interpretados no sentido de que basta a junção ao processo do “recibo de entrega de documentos” na Segurança Social para interromper o prazo de 10 dias a que aludem os artigos 68.º, n.º 2, e 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, devem ser desaplicados e declarar-se que o direito do denunciante Paulo Santos em se constituir assistente se extinguiu em 21/09/2015 e declarar-se a nulidade de todos os atos posteriores, designadamente, do inquérito, da acusação e da sentença.

20ª - A expressão “monte de merda”, significando “indivíduo sem préstimo, sem merecimento”, é jurídico-penalmente atípica e não lesou a honra e a consideração do denunciante P, motivo pelo qual não está preenchido o artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal.

21ª - A exteriorização de emoções é um direito fundamental (direito de liberdade), que assiste a qualquer ser humano; logo, também, assiste esse direito à arguida.

22ª - A arguida tinha, pois, o direito de exprimir, ao seu marido, o seu desagrado, por facto deste.

23ª - É notório que a arguida, ao declarar “se tivesses vergonha …”, se dirige ao seu marido, dirigindo uma censura ao mesmo, sendo que era este o seu interlocutor e não o denunciante P.

24ª - A eventual repetição da expressão foi provocada, sem justificação, por parte do P, que podia muito bem ter ignorado a conversa entre a arguida e o seu marido e ter seguido o seu caminho e não intrometer-se.

25ª - O direito da arguida exteriorizar o seu desagrado está abrangido pelo direito geral de ação, que é um corolário/vertente do direito ao desenvolvimento da personalidade e pelo direito à palavra consagrados no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

26ª - O exercício do direito encontra, também, suporte no direito à liberdade de expressão consagrado no artigo 37.º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa e 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

27ª - Face aos direitos da arguida, a sentença tinha que fazer, também, a ponderação e a concordância prática entre direitos e deveres.

28ª - Na sentença, foi dado como provado que a arguida recebe cerca de 300,00 €, por mês, de reforma.

29ª - A taxa de 7,00 €, fixada na sentença, é desproporcionada face a tal reforma de 300,00 € mensais.

30ª - É com estes 300,00 € que a arguida tem que fazer face a todas as suas despesas normais – v.g. alimentação, saúde, vestuário, calçado, eletricidade, água, telefone, televisão.

31ª - A taxa diária deve ser fixada em 5,00 €.

32ª - A douta sentença violou os artigos 181.º, n.º 1, e 47.º, n.º 2, do Código Penal; o artigo 9.º do Código Civil; os artigos 24.º, n.º 4, e 22.º, n.º 6, a), da Lei n.º 34/2004; os artigos 68.º, n.º 2, 246.º, n.º 4, 48.º, 50.º, n.º 1, e 119.º, b), do Código de Processo Penal; 26.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, e 37.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e os artigos 6.º, n.º 1, e 10.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Nestes termos, o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, deve revogar-se a sentença de 24/10/2016 e decidir-se pela forma seguinte:

a) Declarar-se a extinção do direito do P se constituir assistente; declarando-se a nulidade de todos os atos posteriores a 21/09/2015, com o arquivamento do processo;

b) Subsidiariamente, a absolvição da arguida”.
*
O Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta, entendendo que o recurso deve ser julgado improcedente, e concluindo tal resposta do seguinte modo (em transcrição):

“1.ª O Tribunal a quo formou a sua convicção na valoração da prova testemunhal produzida na audiência de discussão e julgamento, em respeito dos Princípios da Imediação, Oralidade e do Contraditório presentes no processo penal.

2.ª Nos termos do artigo 355.º do Código do Processo Penal, o Tribunal não poderia ter valorado prova que não foi produzida em julgamento, nomeadamente as declarações prestadas em inquérito por uma testemunha que compareceu em audiência de discussão e julgamento.

3.ª Acresce que não foi requerida a leitura de declarações prestadas em inquérito pela testemunha, nem o auto de inquirição elaborado em inquérito se enquadra na prova documental ressalvada no artigo 355.º, n.º 2, do Código do Processo Penal.

4.ª Não se verifica a nulidade do artigo 119.º, alínea b), do Código de Processo Penal, alegada pela ora recorrente, uma vez que a intervenção constitutiva do Ministério Público, entendido como o órgão do Estado que exerce a ação penal nos termos do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa, não se coloca nos autos em apreço.

5.ª A questão da admissão do ofendido como assistente suscitada pela ora recorrente foi apreciada pela decisão da reclamação proferida pelo Tribunal da Relação de Évora datada de 26 de Outubro de 2016 no âmbito dos presentes autos, tendo sido entendida a extemporaneidade da impugnação de tal decisão.

6.ª A expressão “monte de merda” é, objetiva e subjetivamente, injuriosa, sendo conhecido o seu sentido pejorativo e depreciativo e tem de ser valorada no contexto em que foi proferida, um sítio público, local do trabalho do assistente, na presença de terceiros.

7.ª A citada expressão não cabe na margem de tolerância a atribuir na comunicação entre os humanos, sob pena da banalização dos juízos lesivos da autoestima pessoal e social de cada um.

8.ª Verifica-se a prática pela ora recorrente de um crime de injúria.

9.ª As necessidades de prevenção geral e especial no caso em apreço foram ponderadas pelo Tribunal a quo, retirando-se da sentença recorrida uma determinação ponderada e correta da pena de multa aplicada ao arguido em função das suas condições económicas.

10.ª A sentença recorrida fez uma determinação ponderada e correta do Direito aos factos em apreço e consequente condenação.

11.ª O Tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, nomeadamente as invocadas pela recorrente.

Pelo que, deve ser mantida a sentença proferida nos presentes autos e negado provimento ao douto recurso, para que se faça Justiça”.

O assistente P apresentou também resposta ao recurso, concluindo a mesma nos seguintes termos (em transcrição):

“1. Por sentença proferida nos presentes autos foi a arguida, MV, condenada pela prática de um crime de injúria p. e p. pelo art. 181 do C.P., conforme lhe havia sido imputado na acusação particular deduzida pelo assistente, a qual foi acompanhada pelo M.P.

2. A arguida impugna a matéria de facto provada sob os nºs 5 a 9, porquanto o tribunal a quo não teve em consideração as declarações prestadas pelo denunciante no auto de denúncia, outrossim, no inquérito.

3. Quanto a esse aspeto, em sede de audiência de julgamento, nada foi requerido, ao abrigo do disposto no art. 356º do C.P.P., pelos sujeitos processuais, designadamente pela arguida.

4. Atento o princípio da imediação previsto no art. 355º do C.P.P., o juiz deve formar a sua convicção através da prova produzida em sede de audiência de julgamento, o que no caso em apreço se verificou.

5. Da análise da matéria de facto dada como provada e, bem assim, de toda a prova produzida em julgamento, a qual se encontra gravada, não vislumbramos, na decisão recorrida, qualquer valoração da prova que esteja em desconformidade com os critérios da experiência comum ou com outros critérios fixados na lei.

6. Sendo certo que o Mmº Juiz analisou correta e logicamente a prova, procurando conciliá-la entre si e de acordo com as regras da experiência.

7. Pelo que, não merece a mesma qualquer reparo ou alteração nos factos dados como provados.

8. A expressão “monte de merda” proferida pela arguida no local de trabalho do assistente, onde se encontravam outras pessoas presentes, não pode ser analisada com o valor de uso que a recorrente pretende.

9. Saliente-se que a expressão proferida pela arguida foi utilizada num sentido depreciativo e insultuoso.

10. Na medida em que, ao proferir tal expressão, a arguida formulou um juízo de valor relativamente ao assistente que consistiu numa apreciação negativa do seu carácter, afetando, pois, a sua honra e consideração.

11. Destarte, tal expressão não revela uma exteriorização de emoções, tão-pouco o direito à liberdade de expressão consagrado na C.R.P.

12. A liberdade de expressão tem limites, pelo que, deve fazer-se uma distinção entre o que é difamatório e o que cai no seu domínio.

13. In casu, o tribunal a quo terá considerado, e bem, que referir-se a uma pessoa como um “monte de merda” é suscetível de ferir a sua dignidade, donde, indubitavelmente, a expressão proferida pela arguida é injuriosa e, por conseguinte, ilícita.

14. Pelo exposto, ao fixar a matéria de facto nos termos constantes da sentença e ao condenar a arguida pelo crime que lhe era imputado, o tribunal a quo interpretou e aplicou corretamente as disposições legais, razão pela qual não violou qualquer preceito legal.

15. No que concerne à constituição de assistente, importa referir que essa questão já foi apreciada por decisão de 26 de Outubro de 2016, em sede de reclamação apresentada pela arguida, ora recorrente.

16. Tendo-se decidido que a impugnação apresentada pela arguida era extemporânea, pois desde 27 de Abril de 2016 que teve conhecimento dos atos processuais.

17. Além do mais, o ora recorrido cumpriu todos os requisitos para a interrupção do prazo para a constituição de assistente.

18. Posto isto, entendemos não existir a alegada nulidade prevista no art. 119º, b), do C.P.P.

19. Tão-pouco resultam violados quaisquer preceitos legais invocados pela recorrente, motivo pelo qual deverá manter-se a sentença recorrida.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto e, consequentemente, manter-se a decisão proferida”.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concordando com a resposta apresentada pelo Ministério Público junto da primeira instância, e concluindo, assim, pela total improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do C. P. Penal, a arguida apresentou resposta, mantendo, no essencial, o já alegado na motivação do recurso.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 412º do C. P. Penal, e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente do S.T.J. – Ac. de 13/05/1998, in B.M.J. 477/263, Ac. de 25/06/1998, in B.M.J. 478/242, e Ac. de 03/02/1999, in B.M.J. 477/271), o âmbito dos recursos é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº 2, do mesmo diploma, mesmo que os recursos se encontrem limitados à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I - A Série, de 28/12/1995).

São só as questões suscitadas pelos recorrentes, e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigos 403º, nº 1, e 412º, nºs 1 e 2, ambos do C. P. Penal.
A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, pág. 335): “daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões”.
No caso destes autos, face às conclusões retiradas pela recorrente da motivação apresentada, e em apertada síntese, são as seguintes as questões a conhecer:

1ª - A extinção do direito de o denunciante se constituir como assistente nos autos, com a consequente invalidação de todo o processado posterior.

2ª - A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto (visando, no essencial, os factos dados como provados na sentença revidenda sob os nºs 5 a 9).

3ª - A qualificação jurídica dos factos, porquanto a expressão dirigida pela arguida ao assistente (apelidando-o de “monte de merda”) não possui caráter injurioso (não preenche os elementos objetivos do crime de injúria).

4ª - O quantitativo diário estabelecido para a pena de multa (7 euros - que a recorrente pretende ver reduzido para 5 euros -).

2 - A sentença recorrida.

A sentença proferida nos autos é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados, e quanto à motivação da decisão de facto):

“Factos Provados:
Produzida a prova e discutida a causa, o Tribunal julga assente a seguinte factualidade:

Da acusação particular

1) No dia 8 de Setembro de 2015, pelas 9h00, P, ao entrar no mercado Municipal de Alvito, onde tem uma banca, cumprimentou o marido da arguida com a expressão “bom dia”;

2) Ao que o mesmo lhe retribuiu tal cumprimento;

3) Logo após a “troca de cumprimentos” a arguida dirigiu-se ao marido e disse-lhe “Se tivesses vergonha nem dizias bom dia a esse monte de merda”;

4) Ao ouvir tal expressão, P alertou a arguida para ter cuidado com o que dizia;

5) Ato contínuo, a arguida, ignorando as palavras de P, disse “chamei monte de merda e repito as vezes que forem precisas, monte de merda”;

6) Ao agir daquela forma, proferindo tais expressões em voz alta, num local público, Mercado Municipal de Alvito, onde P desenvolve atividade comercial, na presença de outras pessoas, a arguida sabia que estava a ofender a sua honra e consideração, resultado que desejou e conseguiu alcançar;

7) A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei.

Do pedido de indemnização cível

8) Como consequência da conduta da arguida, o assistente sentiu-se humilhado, enxovalhado com o que foi dito, sendo pessoa considerada no meio onde reside;

9) O assistente ficou muito nervoso;

Mais se provou:

10) A arguida é casada e tem duas filhas maiores;

11) Vive em casa própria;

12) Apresenta, com o marido, um rendimento bruto aproximado de €7.000,00 (sete mil euros) anuais, auferindo de reforma cerca de €300,00, sendo a do marido de €269,00, para além do rendimento auferido da atividade de comerciante no mercado em montante não apurado;

13) A arguida não apresenta antecedentes criminais;

Factos Não provados:

Quanto à matéria da acusação, designadamente a anteriores insultos, para além de não circunstanciados no tempo, modo e lugar, não resultaram demonstrados, tendo a sua prática sido, aliás, negada por MM no que se refere ao assistente.

Para além do mais, a arguida foi acusada pela prática de um único crime de injúria.

No que concerne à contestação, nenhum que tenha relevância para a boa decisão da causa, tanto que se limita a considerações do tipo objetivo do crime de injúrias e à negação dos factos julgados provados.

III - MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Factos Provados:

No apuramento da factualidade julgada provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração crítica e conjugada dos meios de prova juntos aos autos e dos meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, atentas as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.

O tribunal teve em consideração:

As declarações da arguida, que referiu conhecer o assistente, demostrando inimizade, relativamente às testemunhas RM e MM, por questões relacionadas com a exploração de bancas de venda no mercado municipal de Alvito.

Também logo no início das suas declarações, referiu o assistente que, quando iniciou a exploração da sua banca já existiam conflitos da parte da arguida que se estenderam à sua própria pessoa.

As declarações do assistente foram assim pautadas por um sentimento de injustiça, como se tivesse sido insultado sem que fosse merecedor de tal tratamento da parte da arguida, sendo as suas declarações credíveis e coerentes, devidamente conjugadas com o depoimento RM que o aconselhou a não reagir às expressões que lhe foram dirigidas e que a testemunha presenciou, tal como, naturalmente, o marido da arguida.

Por essa razão dirigiu-se, de imediato, à Guarda Nacional Republicana para apresentar queixa-crime contra a arguida.

Os sentimentos provocados no assistente pela atuação da arguida foram referidos por MM que, ainda que não tenha ouvido as expressões do local onde se encontrava, salientou ter assistido ao estado de nervosismo do assistente, sendo que o mesmo lhe relatou, de imediato, as expressões que lhe haviam sido dirigidas pela arguida, assim justificando a sua exaltação, considerando-o pessoa bem considerada em Alvito.

Tal exteriorização da parte do assistente, logo após lhe terem sido dirigidas tais expressões, relatando-as de imediato, sem prévia ponderação, é própria da natureza humana, extraindo-se da mesma uma manifestação de sinceridade merecedora de credibilidade.

Também AS, companheira do assistente, descreveu de forma sincera a repercussão das expressões no assistente, tendo chegado posteriormente ao local e encontrado o seu marido ainda muito alterado com a situação.

Já a versão da arguida, optando por negar os factos que lhe são imputados, não mereceu credibilidade alguma do Tribunal. Na verdade, procurou fazer crer inexistir qualquer razão que pudesse justificar tal atuação, o que é manifestamente contraditório com a comprovada reação do assistente que, inclusivamente se dirigiu à GNR assim procurando evitar, cremos, uma reação menos própria da sua parte relativamente à arguida.

De salientar que o facto de as testemunhas arroladas pelo assistente terem declarado ser inimigas da arguida, não belisca, de forma alguma, a credibilidade atribuída aos respetivos depoimentos, antes a reforça, tanto que não procuraram iludir o tribunal quanto à relação que vinham mantendo com a arguida por razões relacionadas com a exploração de bancas de venda naquele mercado.

O mesmo não se diga relativamente às testemunhas da arguida, designadamente a sua filha, M que, de forma manifestamente tendenciosa, declarou não ter ouvido insulto algum dirigido pela mãe ao assistente, encontrando-se a “atender” a testemunha MF quando “o pai saiu” e o “P entrou” no mercado Municipal, declarações totalmente contraditórias com os depoimentos anteriormente referidos e que mereceram credibilidade pelas razões já mencionadas.

Quanto à presença de MF não foi confirmada pelas testemunhas de acusação, sendo, nessa parte, compatível com o depoimento da própria que referiu “já não ter ouvido nada”, eventualmente por já ter saído do mercado, no momento em que o marido da arguida se cruzou com o assistente.

Quanto aos factos atinentes ao conhecimento e vontade com que a arguida atuou, os mesmos extraíram-se dos respetivos factos objetivos, analisados à luz das regras da lógica e experiência comum, atentas as concretas circunstâncias do caso, em face dos factos provados.

No que concerne à ausência de antecedentes criminais da arguida, o tribunal formou a sua convicção tendo em conta o teor do Certificado do Registo Criminal e, no que concerne às suas condições pessoais, nas declarações da própria, nessa parte merecedoras de credibilidade”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da constituição de assistente.

Alega a recorrente, em resumo, que o direito de o ofendido se constituir assistente nestes autos foi exercido fora de prazo, pelo que tal direito se extinguiu, devendo, consequentemente, ser declarada a nulidade de todos os atos processuais (por verificação da nulidade insanável prevista no artigo 119º, al. b), do C. P. Penal).

Cumpre apreciar e decidir.
Antes do mais, tem de assinalar-se que o agora alegado pela recorrente é uma “repetição” do já invocado num anterior recurso interposto pela mesma, recurso que foi rejeitado em primeira instância, despacho de rejeição esse do qual a recorrente reclamou (ao abrigo do preceituado no artigo 405º do C. P. Penal).

Essa “reclamação” foi indeferida pelo Exmº Vice-presidente deste Tribunal da Relação de Évora, por decisão datada de 26 de outubro de 2016 (cfr. fls. 218 a 226 dos autos), na qual se deixou consignado (além do mais): “está assente que a arguida, pelo menos a partir de 27/04, através do seu defensor, teve acesso e consultou todo o processo. Assim, tem de considerar-se que nessa data teve conhecimento de todos os atos aí praticados e se algum, no entender da arguida, afetava os seus direitos, o prazo para impugnar tal ato terá de contar-se a partir dessa data e não de qualquer outra. Ora a arguida só em 12/09/2016 veio reagir contra o despacho que admitiu o queixoso a intervir como assistente, interpondo recurso contra o mesmo. Como é evidente e pelas razões expostas, nessa data, há muito se esgotara o prazo para impugnar tal decisão, sendo obviamente extemporâneo o recurso interposto em 12/09/2016”.

Escreveu-se ainda nessa decisão do Exmº Vice-presidente deste Tribunal da Relação de Évora: “se é certo que a arguida não foi notificada nem do requerimento do queixoso a pedir a constituição de assistente, nem do despacho que o deferiu, não é menos certo que não o poderia ter sido, pela simples e singela razão de ainda não ter a qualidade de arguida e portanto tal notificação era simplesmente impossível…!”.

Esta decisão do Exmº Vice-presidente deste Tribunal da Relação de Évora, independentemente de se saber se faz ou não “caso julgado” no âmbito dos presentes autos, merece a nossa inteira concordância.

Senão vejamos.
Em primeiro lugar, não estamos aqui na presença da invocada (pela recorrente) nulidade insanável, prevista no artigo 119º, al. b), do C. P. Penal.

Com efeito, estabelece o artigo 119º, al. b), do C. P. Penal, que constitui nulidade insanável, “a falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48º, bem como a sua ausência a atos relativamente aos quais a lei exigir a respetiva comparência”.

Ora, como é bom de ver, a nulidade assim enunciada pressupõe, como essencial à regularidade e à própria legitimidade do processo penal, a intervenção constitutiva do Ministério Público, entendido como o órgão do Estado que exerce a ação penal nos termos do artigo 219º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

A falta de “promoção do processo pelo Ministério Público” significa que, sem essa promoção, não poderá haver processo penal, o que justifica a previsão da aludida “nulidade insanável”.

Lendo a motivação do recurso, verifica-se, sem dificuldade, que não ocorre a nulidade em análise, porquanto o que está em causa, na própria versão da recorrente, é uma alegada constituição de assistente fora de prazo.

Em segundo lugar, e avaliando em substância a questão suscitada, a recorrente não tem qualquer razão (com o devido respeito pela sua opinião), como decorre da análise do processo:

- Na queixa apresentada pelo ofendido, e uma vez que se indiciava a prática de um crime de natureza particular, o mesmo foi notificado para, no prazo de 10 dias, se constituir como assistente (notificação que teve lugar em 10-09-2015 - cfr. fls. 07).

- Em face disso, o ofendido requereu a concessão de apoio judiciário, e, dentro do referido prazo de 10 dias (em 16-09-2015 - cfr. fls. 08), apresentou, nestes autos, recibo comprovativo da entrega dos pertinentes documentos, na Segurança Social, com vista à obtenção do aludido apoio judiciário, visando que lhe fosse nomeado um patrono oficioso.

- Um desses documentos, entregues na Segurança Social, é o “Requerimento Pessoa Singular Modelo PJ1 2007”, ou seja, o requerimento a pedir apoio judiciário (como é referido logo no início do “recibo de entrega de documentos” de fls. 08).

- Em 16-09-2015, quando foi junto aos autos o “recibo de entrega de documentos” de fls. 08, interrompeu-se o prazo para a constituição do ofendido como assistente.

- A Segurança Social concedeu ao ofendido o pretendido apoio judiciário, e comunicou a estes autos, em 23-09-2015, isso mesmo, e ainda que tinha sido nomeada patrona oficiosa ao ofendido a Srª. Drª. MG (cfr. fls. 09 a 11).

- Logo depois de lhe ter sido nomeado a referida patrona oficiosa, o ofendido requereu a sua constituição como assistente, a qual foi admitida, por ter sido deduzida tempestivamente (cfr. fls. 15).

- Nessa altura, ainda não existia constituição da ora recorrente como arguida, pelo que, como bem assinala o Exmº Vice-presidente deste Tribunal da Relação de Évora (na sua decisão de 26 de outubro de 2016), “se é certo que a arguida não foi notificada nem do requerimento do queixoso a pedir a constituição de assistente, nem do despacho que o deferiu, não é menos certo que não o poderia ter sido, pela simples e singela razão de ainda não ter a qualidade de arguida e portanto tal notificação era simplesmente impossível..! Daí que nem sequer se possa falar em preterição de qualquer formalidade, ou da existência de irregularidade processual por falta de notificação de um ato”.

Em terceiro lugar, mesmo a existir qualquer irregularidade, neste segmento do processado, a mesma de há muito está sanada.

É que, após a dedução da acusação particular por parte do assistente (em 15 de abril de 2016 - cfr. fls. 81 a 83 -) o Ilustre defensor da ora recorrente requereu, em 27 de abril de 2016, a consulta do processo (todo ele), consulta essa que foi deferida e realizada em 28 de abril de 2016 (cfr. fls. 96).

Assim sendo, nessa data (28 de abril de 2016), a recorrente, através do seu Ilustre defensor, teve conhecimento de todos os atos processuais antes praticados, neles se incluindo todos os atos de inquérito, bem como o requerimento para constituição de assistente agora questionado, e ainda o despacho judicial que admitiu essa constituição de assistente.

Só em 12 de setembro de 2016 a ora recorrente veio reagir contra esse despacho (cfr. fls. 124 e segs.), pelo que, não existindo a nulidade prevista no artigo 119º, al. b), do C. P. Penal (ou outra nulidade insanável), qualquer irregularidade (ou mesmo nulidade), a existir, já estava sanada, por falta de arguição tempestiva.

Por último, invoca o recorrente a inconstitucionalidade (orgânica e material) dos artigos 24º, nº 4, e 22º, nº 6, al. a), da Lei nº 34/2004, interpretados no sentido de que basta a junção ao processo do “recibo de entrega de documentos” na Segurança Social para interromper o prazo de 10 dias a que aludem os artigos 68º, nº 2, e 246º, nº 4, do C. P. Penal.

Dispõe o artigo 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29/07: “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência da ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos de documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.

Por sua vez, estabelece o artigo 22º, nº 6, al. a), da mesma Lei nº 34/2004: “6. A prova da entrega do requerimento de proteção jurídica pode ser feita: a) mediante exibição ou entrega de cópia com carimbo de receção do requerimento apresentado pessoalmente ou por via postal”.

Analisando o documento de fls. 08 destes autos, constata-se, sem dificuldade, que o mesmo obedece a estes requisitos legais, porquanto, e em suma, nele se comprova a apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo (para concessão ou denegação do apoio judiciário), além de possuir o necessário carimbo com prova da receção do requerimento na Segurança social.

Quanto à invocada inconstitucionalidade dos transcritos artigos 24º, nº 4, e 22º, nº 6, al. a), da Lei nº 34/2004, interpretados no sentido de que basta a junção ao processo do “recibo de entrega de documentos” na Segurança Social para interromper o prazo de 10 dias a que aludem os artigos 68º, nº 2, e 246º, nº 4, do C. P. Penal, e com o devido respeito pelo alegado na motivação do recurso, não a vislumbramos (minimamente que seja).

Mais: nem sequer, a nosso ver, é possível apreender os motivos aduzidos pela recorrente para sustentar essa invocada inconstitucionalidade.

Aliás, a invocada inconstitucionalidade, neste ponto, traduz uma mera proclamação de uma pretensa violação constitucional, mas proclamação que não está fundamentada de modo consistente e apreensível.

Alega a recorrente, ao que entendemos, que o “recibo de entrega de documentos”, junto a fls. 08 destes autos, não é a cópia do requerimento para concessão do apoio judiciário (cujo modelo foi aprovado pela Portaria nº 11/2008, de 03/01).

Porém, não só no “recibo de entrega de documentos” de fls. 08 se comprova que foi entregue, na Segurança Social, o competente requerimento para a concessão de apoio judiciário (cujo modelo está aprovado pela Portaria nº 11/2008, de 03/01), como também, posteriormente, foi junto aos autos todo o processado relativo à concessão do apoio judiciário (cfr. fls. 10 e 11).

Assim sendo, e ao contrário do alegado na motivação do recurso, não estamos aqui “perante a criação duma norma jurídica que não é legitimada pelo artigo 165º, nº 1, c), da Constituição da República Portuguesa”, nem temos, nesta situação, qualquer errada interpretação jurídica, com violação do disposto no artigo 9º do Código Civil, nem, por último, está aqui postergado qualquer direito do arguido, qualquer garantia de defesa, qualquer regra ou princípio do processo penal, e, bem assim, qualquer preceito constitucional.

Nos termos expostos, é de improceder toda esta vertente do recurso.

b) Do erro de julgamento da matéria de facto.

Alega a recorrente que foram mal julgados os factos nºs 5 a 9 constantes da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.

Fundamentando essa alegação, entende a recorrente, em breve síntese, que impõem uma decisão diferente, sobre essa factualidade, as declarações prestadas pelo assistente no auto de denúncia, no inquérito, e na audiência de discussão e julgamento - todas elas divergentes entre si, pelo que as declarações prestadas pelo assistente no auto de denúncia e no inquérito devem ser consideradas para descredibilizar as declarações que o mesmo prestou na audiência (por aplicação direta dos artigos 20º, nº 4, e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).

Mais invoca a recorrente que o artigo 355º do C. P. Penal, interpretado no sentido de que as declarações que o assistente prestou, no inquérito, mais favoráveis à arguida e divergentes com as que prestou na audiência, se não forem lidas em audiência não podem ser usadas para descredibilizar as declarações que o mesmo prestou em audiência, é materialmente inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido consagradas nos artigos 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Cumpre decidir.

Dispõe o artigo 355º do C. P. Penal:
1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.

2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes”.

Desde logo, verificamos que, no decurso da audiência de discussão e julgamento, nenhum sujeito processual (entre eles, a própria arguida) requereu a leitura das declarações prestadas pelo assistente na fase de inquérito, conforme previsto no artigo 356º do C. P. Penal.

A esta luz, muito se estranha a alegação, constante da motivação do presente recurso, acima exposta e agora em apreciação.

Depois, o tribunal a quo formou a sua convicção, e bem, mediante a análise das provas produzidas na audiência de discussão e julgamento, cumprindo, dessa forma, como se lhe impunha, o disposto no artigo 355º do C. P. Penal.

Mais: ao apreciar as declarações do assistente, que foram prestadas na audiência de discussão e julgamento, o tribunal de primeira instância respeitou os princípios da oralidade, da imediação e do contraditório (princípios essenciais no âmbito da apreciação da prova em processo penal).

Dito de outro modo: a prova que não foi produzida ou examinada na audiência de discussão e julgamento não podia valer, como não valeu, para a formação da convicção do julgador, pois a produção de prova que deve servir para fundamentar tal convicção tem de ser realizada na audiência e segundo os princípios da imediação, da oralidade e da contraditoriedade.

Deste modo, e com o devido respeito por diferente opinião, não assiste nenhuma razão à recorrente ao alegar que o tribunal recorrido devia ter apreciado as declarações prestadas pelo assistente no “auto de denúncia” e na fase de inquérito (aliás, a valerem os argumentos apresentados, neste ponto, na motivação do recurso, teríamos, bem vistas as coisas, uma substituição da prova pessoal, produzida em audiência de julgamento, por prova documental - declarações prestadas perante a polícia e/ou o Ministério Público, reduzidas a escrito, e efetuadas em fases anteriores do processo -, o que contraria, frontalmente, os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório).

Como bem escreve o Prof. Damião da Cunha (in “O Regime Processual de Leitura de Declarações”, RPCC, ano 7, 3º, pág. 442), “o CPP, como não poderia deixar de ser num processo de estrutura acusatória, parte do princípio de que o lugar natural, eletivo, para o debate sobre a produção e a valoração da prova é a audiência de julgamento. As exceções à produção de prova em audiência de julgamento (quando estejam em causa declarações de intervenientes processuais) são, pois, pontuais e limitadas e, além disso, reguladas por uma ideia de concordância prática com os princípios fundamentais da prova (o contraditório e a oralidade são, tanto quanto possíveis, salvaguardados)”.

Assim, estando em causa declarações prestadas pelo assistente no “auto de denúncia” e na fase de inquérito (declarações, todas elas, prestadas perante militares da GNR - cfr. fls. 03 e 53 -), tais declarações, manifestamente, não podiam ser atendidas na audiência de discussão e julgamento, onde o assistente foi ouvido, sob pena de postergação (esta sim, inconstitucional) dos aludidos princípios da imediação, da oralidade e do contraditório.

Se fossem ponderadas, na fundamentação da decisão fáctica constante da sentença revidenda, as declarações prestadas pelo assistente perante militares da GNR (documentadas de fls. 03 a 05, e a fls. 53 e 54), como pretende a recorrente, estaríamos, então sim, perante uma flagrante violação dos normativos constitucionais invocados na motivação do recurso, sendo materialmente inconstitucional essa ponderação, por violação das garantias de defesa do arguido, consagradas nos artigos 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Ou seja, é totalmente despida de fundamento válido a alegação da recorrente segundo a qual o artigo 355º do C. P. Penal, interpretado no sentido de que as declarações que o assistente prestou, no inquérito, mais favoráveis à arguida e divergentes com as que prestou na audiência, se não forem lidas em audiência não podem ser usadas para descredibilizar as declarações que o mesmo prestou em audiência, é materialmente inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido consagradas nos artigos 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e do direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Em face do exposto, e também nesta segunda vertente, não merece provimento o recurso da arguida.

c) Da qualificação jurídica dos factos.

Entende a recorrente, em resumo, que a expressão “monte de merda”, dirigida ao assistente, não possui caráter injurioso.

Mais entende a recorrente que a exteriorização de emoções é um direito fundamental (direito de liberdade), que tinha o direito de exprimir, ao seu marido, o seu desagrado, que o assistente podia muito bem ter ignorado a conversa entre a arguida e o seu marido (e ter seguido o seu caminho, não se intrometendo), que o direito da arguida exteriorizar o seu desagrado está abrangido pelo direito geral de ação (que é um corolário/vertente do direito ao desenvolvimento da personalidade e do direito à palavra consagrados no artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), que o exercício desse direito encontra, também, suporte no direito à liberdade de expressão consagrado no artigo 37º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Cabe decidir.
Comete o crime de injúria “quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração” (artigo 181º, nº 1, do Código Penal).

De acordo com a doutrina tradicional, a ofensa à honra é “a ofensa a esse sentimento da própria dignidade e do decoro que toda a gente, no seu íntimo, põe acima de todas as coisas (honra subjetiva) e a esse património moral de estima e de reputação, junto dos outros, que qualquer pessoa adquira e de que goze vivendo em sociedade (honra objetiva), os quais podem ser ofendidos por meio de atos ou de palavras de outra pessoa(Borciani, in “As Ofensas à Honra”, tradução Portuguesa, 1950, Coimbra, pág. 05).

Nelson Hungria (in “Comentários ao Código Penal”, vol. VI, 4ª ed., Rio de Janeiro, 1958, pág. 39) sustenta que “o interesse jurídico que a lei protege (...) refere-se ao bem material da honra, entendida esta, quer como o sentimento da nossa dignidade própria (honra interna, honra subjetiva), quer como o apreço e respeito de que somos objeto ou nos tornamos merecedores perante os nossos concidadãos (honra externa, honra objetiva, reputação, boa fama). Assim como o Homem tem direito à integridade do seu corpo e do seu património económico, tem-no igualmente à indemnidade do seu amor-próprio (...) e do seu património moral”. Acrescenta este autor (obra e local citados) que “a honra é um bem precioso, pois a ela está necessariamente condicionada a tranquila participação do indivíduo nas vantagens da vida em sociedade”.

Na previsão legal do crime de injúria fala-se em ofensa à honra ou consideração. A honra, em nosso entender, refere-se à supra aludida “honra subjetiva”, ao passo que a consideração será a reputação da pessoa, a estima que o homem soube, pelos seus atos, conquistar (“honra objetiva”) - cfr., na distinção destes conceitos, Lopes da Silva Araújo, “Crimes Contra a Honra”, Coimbra Editora, 1957, págs. 90 a 97.

Perante o que fica dito, cumpre analisar se o conteúdo das afirmações dirigidas pela arguida ao assistente é ou não ofensivo da honra e da consideração do mesmo.

Ora, e com o devido respeito pelo esforço argumentativo constante da motivação do recurso, estando provado que o assistente, ao entrar no mercado Municipal de Alvito, onde tem uma banca, cumprimentou o marido da arguida com a expressão “bom dia”, ao que este lhe retribuiu tal cumprimento, que, logo após essa “troca de cumprimentos”, a arguida se dirigiu ao marido e lhe disse “se tivesses vergonha nem dizias bom dia a esse monte de merda”, que, ao ouvir tal expressão, o assistente alertou a arguida para ter cuidado com o que dizia, e que, ato contínuo, a arguida, ignorando as palavras do assistente, disse “chamei monte de merda e repito as vezes que forem precisas, monte de merda” - tendo a arguida proferido tais expressões em voz alta e num local público -, é evidente, para nós, que a arguida ofendeu a honra e a consideração do assistente.

É que, o assistente encontrava-se no mercado municipal de Alvito (local público), no horário de funcionamento do mesmo e na presença de terceiras pessoas, e, nessas circunstâncias, as palavras que a arguida lhe dirigiu (quer diretamente, quer falando para o respetivo marido) são, claramente, ofensivas da honra e da consideração do assistente, pois implicam menosprezo, achincalhamento, menoscabo, vilipêndio e grave desconsideração para com a pessoa do assistente.

No contexto em que foi proferida, a expressão “monte de merda”, dirigida, mais de uma vez, à pessoa do assistente, não traduz um simples “desabafo verbal” da arguida, nem uma simples descortesia ou má educação, nem, muito menos, possui um qualquer sentido jocoso, revelando, isso sim, um juízo de valor gravemente depreciativo e humilhante, capaz de incomodar, perturbar e ofender o assistente (ou qualquer outro cidadão colocado naquelas circunstâncias).

O uso da expressão “monte de merda”, nestas circunstâncias, nada tem a ver com significados possíveis dessa expressão retirados de dicionários da língua portuguesa (como se faz na motivação do recurso), nem cabe na margem de tolerância (sensata e razoável) que deve atribuir-se à comunicação entre os normais cidadãos (na qual, muitas vezes, se formulam juízos e se utilizam palavras que nem sempre são agradáveis).

Subscreve-se, assim, o que, neste ponto, se deixou consignado na sentença revidenda: “resulta do acervo fáctico apurado que a arguida, ainda que falando com o marido, mas na presença do assistente, atribuiu-lhe determinados factos, reputando-os como verdadeiros, designadamente a expressão: “se tivesses vergonha não dizias bom dia a esse monte de merda” e “chamei monte de merda e repito as vezes que forem precisas, monte de merda”; ora, sem necessidade de grandes dissertações, facilmente se compreende que tais factos imputados ao assistente, formulados pela arguida, ofendem ostensivamente a honra e a consideração do assistente. Assim, ainda que num primeiro momento não se tenha dirigido diretamente ao assistente, o que poderia redundar no preenchimento de tipo legal diferente, o certo é que o fez na presença do assistente, para que este tomasse aquela expressão como lhe tendo sido dirigida, tanto que fora o assistente quem acabara de cumprimentar o marido da arguida. Para além do mais, a arguida completa, de imediato, o seu raciocínio, com a expressão que lhe seguiu, desta feita dirigida diretamente ao assistente, para que não restassem quaisquer dúvidas que era a si a quem se dirigia a expressão “monte de merda”. Ora, ao dirigir-se ao assistente com tal expressão, a arguida chamou-o de “monte de merda” e um tal facto é, claramente, violador da dignidade daquela prejudicando, claramente, a sua honra e consideração”.

Em conclusão: nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, no tocante à qualificação jurídica dos factos, pois que a conduta da arguida preenche todos os elementos, objetivos e subjetivos, do crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal.

Por último, nesta vertente, a recorrente alega que a expressão por si utilizada revela apenas uma (legítima) exteriorização de emoções, e deve considerar-se abrangida no direito à liberdade de expressão consagrado na Constituição da Republica Portuguesa e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Sempre com o devido respeito, as alegações constantes da motivação de recurso, neste segmento, carecem totalmente de sentido (por outras palavras: são absurdas).

Na verdade, se a liberdade de expressão é, efetivamente, um dos direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa (artigo 37º, nº 1) e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 10º), não é menos certo que essa liberdade de expressão não pode ser ilimitada, sendo, necessariamente, constrangida pelos princípios gerais de direito criminal (cfr. o preceituado no artigo 37º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa), como sucede in casu.

A liberdade de expressão, que se traduz no direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, tem, como é óbvio, limites, os quais, de igual modo, estão balizados e consagrados no texto constitucional português, sendo que a liberdade de expressão termina quando a mesma redunda numa ofensa, injustificada, à honra, ao bom nome, à consideração e à integridade moral de uma pessoa.

O mesmo raciocínio vale para o que, na motivação do recurso, se apelida de direito à exteriorização de emoções (direito fundamental - direito de liberdade -) e de direito geral de ação (corolário/vertente do direito ao desenvolvimento da personalidade e do direito à palavra consagrados no artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), uma vez que, como é para nós evidente, nenhum desses “direitos” (usando a formulação constante da motivação do recurso) é ilimitado.

No caso em apreço, está em causa uma ofensa, injustificada, à honra e à consideração do assistente (e à dignidade do mesmo), pelo que, indubitavelmente, não vislumbramos a existência de qualquer direito da arguida que possa sobrepor-se aos direitos do assistente (nomeadamente o direito “ao bom nome e reputação” - aliás, este direito está também expressamente consagrado no artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).

Por conseguinte, conclui-se não existir aqui violação de qualquer preceito legal ou constitucional, improcedendo, manifestamente, esta parte do recurso da arguida.

d) Do quantitativo diário da pena de multa.

Alega a recorrente que o quantitativo diário estabelecido para a pena de multa (7 euros) é excessivo, devendo ser fixado em 5 euros (mínimo legal).

Há que decidir.
Dispõe o artigo 47º, nº 2, do Código Penal, que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.

Na sentença em apreço, a propósito da situação económica e financeira da arguida e dos seus encargos pessoais, ficou provado (cfr. factos dados como provados sob os nºs 10 a 12):

- A arguida é casada e tem duas filhas maiores;

- Vive em casa própria;

- Apresenta, com o marido, um rendimento bruto aproximado de € 7.000,00 (sete mil euros) anuais, auferindo de reforma cerca de € 300,00, sendo a do marido de € 269,00, para além do rendimento auferido da atividade de comerciante no mercado, em montante não apurado.

Ora, nenhuma destas circunstâncias (ou o conjunto delas todas) justifica a aplicação de pena de multa à razão diária de 5 euros (mínimo legal), tal como pretendido pela recorrente.

A nosso ver, tais circunstâncias justificam (e impõem) a aplicação, no caso concreto, de uma taxa diária da multa acima do limite mínimo previsto na lei (ou seja, acima de 5 euros).

É que, e ao contrário do que parece alegar-se na motivação do recurso (onde se diz que a arguida recebe, tão-só, cerca de 300 euros por mês, de reforma, e é com esses 300 euros que tem de fazer face, sozinha, a todas as suas despesas normais - v.g. alimentação, saúde, vestuário, calçado, eletricidade, água, telefone, televisão), ficou provado que a arguida aufere, além da sua reforma, um rendimento proveniente da sua atividade de comerciante no mercado (rendimento em montante não apurado), e, além disso, ficou provado ainda que a arguida é casada (apresentando até, com o marido, um rendimento bruto aproximado de € 7.000,00 anuais), pelo que, assim sendo, as invocadas despesas (nomeadamente com eletricidade, água, telefone, televisão, etc.) não são suportadas apenas por si.

Nesta perspetiva, e ponderando devidamente a situação económica e financeira da arguida (os seus rendimentos e os seus encargos pessoais), não é excessivo o quantitativo diário (de 7 euros) estabelecido na sentença revidenda para a pena de multa (tal quantitativo diário da pena de multa está fixado de modo proporcional, justo e adequado).

Por isso, e também neste último ponto, o recurso é de improceder.

Face a tudo o que antes se deixou dito, o recurso interposto pela arguida é totalmente de improceder.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso da arguida, mantendo-se, consequentemente, a douta sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.
Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 06 de junho de 2017

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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Maria Filomena de Paula Soares)