Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1429/12.7TAFAR.E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: LEGITIMIDADE DO ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
BURLA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 03/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
1. Para efeitos do decidido no AFJ 8/99 de 12.03.1998, é admissível o recurso da assistente em matéria de medida e espécie da pena no caso concreto, uma vez que sendo a arguida funcionária da União das freguesias, ora assistente, tem esta um interesse próprio na sua pretensão de que seja aplicada à arguida a pena acessória de proibição do exercício de funções, prevista no art. 66.º do C. Penal e, consequentemente, de ver elevada para 3 anos a medida concreta da pena de prisão aplicada à arguida pelo crime de burla pelo qual vem condenada, uma vez que aquela pena acessória apenas é aplicável aos casos de condenação em pena concreta de, pelo menos, 3 anos de prisão.

2. Fora dos casos previstos na al. c) do n.º2 do art. 218.º do C. Penal, o tipo legal de burla apenas exige que o ofendido pratique atos patrimonialmente lesivos para si ou para terceiro em resultado de erro ou engano sobre factos que o arguido astuciosamente provocou, independentemente de saber se o agente se aproveitou de causa endógena que possa ter favorecido a relevância causal típica do erro ou engano astuciosamente criado pelo agente, fosse esta a confiança que tinha na arguida ou a perturbação causada pelos problemas que tinha com a filha e o genro.-

3. Sempre que a situação concreta em que o agente envolve o sujeito passivo encerra erro ou engano juridicamente relevante, provocado por ele de forma adequada a levar este último - enquanto sujeito concreto, no contexto em que se situa - à disposição patrimonial pretendida, pode dizer-se que o agente atuou astuciosamente, com manha, com malícia, para efeitos do preenchimento típico do crime de burla previsto no art. 217.º n.º1 do C. Penal.

4. Não pode falar-se em atos de execução do crime de burla sob qualquer das formas previstas no art. 22.º n.º 2 do C. Penal, uma vez que não se demonstra sequer que a arguida tivesse induzido o ofendido em erro ou engano que o determinasse a entregar-lhe as importâncias de 50 euros e 200 euros referidas em 3) e 6, faltando, assim, um elemento essencial ao preenchimento do tipo objetivo de burla, ainda que sob a forma tentada.

5. A subordinação da suspensão da execução da pena à obrigação de pagar parte da quantia de que a arguida se apropriou, nos termos do art. 51.º do C. Penal, mostra-se particularmente adequada à satisfação de necessidades de prevenção geral positiva, nos casos, como o presente, em que o agente do crime visa o seu enriquecimento à custa do património da vítima e nada fez para reparar as consequências do crime, reforçando-se desse modo a credibilidade e eficácia da pena de substituição.
Sumariado pelo relator
Decisão Texto Integral:
Em conferência, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO

1. – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo que correram termos na 1ª Secção criminal da Instância Central da Comarca de Faro, o MP deduziu acusação contra:
- R, natural da freguesia da Conceição, concelho de Faro, nascida a 30 de março de 1958, casada, funcionária pública, imputando-lhe a prática, em autoria material e em concurso efetivo, de:

- um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 66.º, n.º 1, als. a) e b), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, al.c) todos do Código Penal;

- seis crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 66.º, n.º 1, als. a) e b), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, al.c) todos do Código Penal;

- um crime de furto, na forma continuada, previsto e punido punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 66.º, n.º 1, als. a) e b), 79.º e 203.º, n.º 1, todos do Código Penal;

- um crime de furto, previsto e punido punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 66.º, n.º 1, als. a) e b) e 203.º, n.º 1, todos do Código Penal, e

- C., natural da freguesia da Sé, concelho de Faro, nascido a 10 de junho de 1957, casado, carteiro atualmente aposentado, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), com referência aos artigos 2.º, n.º 1, al.x), 3.º, n.º 2, al.l) e 4.º. n.º 1, todos da Lei n.º 5/2006, de 23.2.

2. A União de Freguesias … constituiu-se assistente e aderiu à acusação deduzida pelo Ministério Público, nos termos do artigo 284.º do Código de Processo Penal.

3. FF. constituiu-se assistente e, por si e na qualidade de único e universal herdeiro da sua falecida mulher, MC, veio deduzir pedido de indemnização civil contra R., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 11.237,72 (onze mil duzentos e trinta e sete euros e setenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora devidos até integral pagamento.

4. – Realizada a Audiência de discussão e julgamento, o tribunal a quo decidiu:

«a) Absolver a arguida R da prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 66.º, n.º 1, als. a) e b), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, al.c) todos do Código Penal (caso de MG).

b) Absolver a arguida R. da prática de cinco crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 66.º, n.º 1, als. a) e b), 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, al.c) todos do Código Penal (casos de LM, JJ (dois crimes), MC e AN).

c) Absolver a arguida R da prática de um crime de furto, na forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 66.º, n.º 1, als. a) e b), 79.º e 203.º, n.º 1, todos do Código Penal (caso de FF).

d) Absolver a arguida R da prática de um crime de furto, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 66.º, n.º 1, als. a) e b) e 203.º, n.º 1, todos do Código Penal (caso de AN).

e) Absolver a arguida R da prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, al.c) todos do Código Penal (caso JM);

- Condenar a arguida pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas do 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal (caso JM), na pena de 2 (dois) anos de prisão.

f) Nos termos do artigo 50.º, n.º 1 e 5 e 51.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, suspender a execução da pena de prisão a que é condenada a arguida, pelo período de 2 (dois) anos, subordinada à condição de a arguida proceder ao pagamento, à ofendida, do montante de € 2.300,00, até ao final do período da suspensão.

g) Condenar o arguido C, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), com referência aos artigos 2.º, n.º 1, al. x), 3.º, n.º 2, al. l) e 4.º. n.º 1, todos da Lei n.º 5/2006, de 23.2, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 5,00, o que perfaz o montante total de € 1.000,00 (mil euros).

h) Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido por FF, por si e na qualidade de único e universal herdeiro da sua falecida mulher, MC e, em consequência, absolver a demandada, R, da totalidade do pedido contra si deduzido.

5. – Inconformada, a arguida recorreu do acórdão condenatório, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

«VIII – CONCLUSÕES:

A) Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão que condenou a então Arguida e ora Recorrente R como autora material pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, ambos do Código Penal (apenas CP de ora e diante) e, em consequência, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada à condição de a Arguida proceder ao pagamento, à ofendida JM, do montante de 2.300,00 €, até ao final do período da suspensão;

B) O Douto Acórdão recorrido padece do vício de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, de um erro notório na apreciação da prova e, bem assim, do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, vícios esses que resultam do próprio texto da Decisão recorrida, por si só e por apelo às regras de experiência comum;

C) Em sede de “Motivação da decisão quanto à matéria de facto” consta no Douto Acórdão, num primeiro momento, que, tendo a Testemunha Júlia manifestado em sede de Audiência de Julgamento ter receio da Arguida, o Tribunal a quo justificou tal receio da testemunha em virtude da “anterior existência de queixas e processos crimes uma contra a outra e que vieram a ser arquivados.”, sendo que tais anteriores queixas e processos crime respeitam a factos ocorrido no ano de 2008, o que resulta do próprio texto do Douto Acórdão recorrido, por si só e conjugada com as regras da experiência, pois do mesmo consta em sede “Motivação da decisão quanto à matéria de facto” a numeração dos mesmos, os “processos ---/08.0GCFAR e ---/08.9TAFAR entre a arguida e JM constantes a fls. 150 a 165.“;

D) Acresce que, também em sede de “Motivação da decisão quanto à matéria de facto” consta no Douto Acórdão, num segundo momento, assim: “No que respeita à convicção da testemunha JM para proceder à entrega do dinheiro à arguida, o tribunal ficou convicto de que nada teve que ver com qualquer problema de ordem psiquiátrica, ou com a vulnerabilidade própria da idade, mas com o contexto em que a testemunha vivia, de alegados maus tratos por parte da filha e genro, que levaram inclusivamente ao seu acolhimento num lar de idosos, conjugada com a confiança que depositava na arguida, pessoa a quem teria inclusive entregue as chaves da sua casa, como relatou a testemunha Paula Paiva, e que, por conseguinte, não era expectável que a enganasse.” (Fim de citação – Destaques da responsabilidade da Recorrente);

E) Do teor do trecho das declarações da Testemunha PP reproduzidas em sede de “Motivação da decisão quanto à matéria de facto” no Douto Acórdão, e, bem assim, do teor do processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de JM constante de fls. 102 a 114, resulta que a Testemunha JM entregou as chaves da sua casa à Arguida em Abril de 2008;

F) De modo que, se o Tribunal a quo no Douto Acórdão recorrido funda o receio manifestado pela Testemunha JM na Audiência de Julgamento, que teve lugar este ano de 2016, na “anterior existência de queixas e processos crimes uma contra a outra e que vieram a ser arquivados.”, os quais, , como resulta do texto da decisão recorrida, reportam-se ao ano de 2008, ou seja, há 8 (oito) anos, não podia o Tribunal a quo ter formado a sua convicção no que respeita à própria convicção da testemunha JM para entregar o dinheiro à Arguida com a suposta “confiança que depositava na arguida, pessoa a quem teria inclusive entregue as chaves da sua casa, como relatou a testemunha PP, e que, por conseguinte, não era expectável que a enganasse”, situação que, como resulta do texto da decisão recorrida, também ocorreu no ano de 2008, e antes das queixas;

G) Se a testemunha JM teria receio da Arguida em virtude das anteriores “queixas e processos crimes uma contra a outra e que vieram a ser arquivados”, o que ocorreu em 2008, é manifestamente contraditório e incompatível, em si e por si, e por apelo às regras da experiência comum, que em Maio de 2012 a Testemunha JM pudesse depositar alguma confiança na Arguida, pelo que há uma contradição insanável na motivação expendida no Douto Acórdão recorrido, ou seja, uma contradição insanável da fundamentação que resulta do próprio texto da Decisão recorrida, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP;

H) Assim como há um erro notório da apreciação da prova, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP, pois que, conforme se afere do teor de fls. 160 dos Autos a que o texto da Decisão recorrida faz expressa referência, o processo ---/08.9TAFAR iniciou-se com a extração de uma certidão do processo ---/08.0GCAFR e respeitava ao crime de denúncia caluniosa, ou seja, um crime público, pelo que não podia ter sido consequência de queixa apresentada pela Arguida contra a Testemunha JM, donde nenhum receio por parte da Testemunha JM se podia também por aqui extrair, como, erradamente, fez o Tribunal a quo;

I) O Douto Acórdão recorrido enferma ainda de outro vício de contradição insanável, desta feita, entre o facto dado por provado sob o ponto 10 dos “Factos Provados” e a “Motivação da decisão quanto à matéria de facto” vertida no Acórdão recorrido, uma vez que sob o ponto 10 dos “Factos Provados” da Decisão recorrida consta que: “JM , devido à idade (…) acreditou nas palavras da arguida” e em sede de “Motivação da decisão quanto à matéria de facto”, o Tribunal a quo especifica no Acórdão recorrido, no que respeita à convicção da Testemunha JM para acreditar nas palavras da Arguida e entregar-lhe o dinheiro, que formou a sua convicção com base no seguinte: “No que respeita à convicção da testemunha JM para proceder à entrega do dinheiro à arguida, o tribunal ficou convicto de que nada teve que ver com qualquer problema de ordem psiquiátrica, ou com a vulnerabilidade própria da idade” (Fim de citação – Destaques da responsabilidade da Recorrente);

J) Resulta pois que, constando em sede de “Motivação” da Decisão recorrida que quanto à convicção da Testemunha JM para acreditar na Arguida e entregar-lhe o dinheiro o Tribunal a quo ficou convicto de que nada teve que ver com a vulnerabilidade própria da idade da Testemunha JM, ao dar-se por provado sob o ponto 10 dos ”Factos Provados” do Douto Acórdão recorrido que o Tribunal a quo deu por provado o facto exatamente oposto, isto é, que JM acreditou na Arguida devido à sua própria idade, há uma contradição insanável entre os factos provados e a motivação, ou seja, uma contradição insanável da fundamentação que resulta, por si só, do próprio texto da Decisão recorrida, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP, o que desde já como a final se requer que seja declarado;

K) Contradição essa que também resulta da factualidade constantes dos pontos 9 e 10 dos “Factos provados”, pois se no ponto 9 se dá por provado que a Testemunha JM nasceu em 04 de maio de 1950, ou seja, que nos finais de Maio de 2012 tinha 62 anos de idade, tal facto sempre seria contraditório, por apelo às regras da experiência comum, com o dar-se por provado que JM acreditou na Arguida “devido à idade”, mormente se se atentar a que a idade legal em Portugal para a reforma é 65 anos e não resultou provado que a Testemunha JM padecesse de algum problema de saúde;

L) Ainda, o Tribunal a quo fundamentou no Acórdão recorrido a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à sujeição da Arguida à condição de proceder ao pagamento, à ofendida JM, do montante de 2.300,00 €, até ao final do período da suspensão, por a arguida ter “referido que fazia outras atividades como vendas nos mercados,”;

M) Sucede porém que, cotejados os factos dados por provados no Douto Acórdão recorrido atinentes às condições pessoais e económicas da Arguida, e que constam dos pontos 32 a 41 dos “Factos Provados”, não consta aí como se tendo dado por provado que a Arguida faz, ou fez, outras atividades como vendas em mercados;

N) De igual forma, das declarações prestadas pela Arguida em sede de Audiência de Julgamento que o Tribunal a quo valorou e que consignou em sede de “Motivação” no Acórdão recorrido também não resulta que a Arguida tenha referido ter outras atividades como vendas nos mercados;

O) Pelo que, não resultando provado no Douto Acórdão recorrido o sobredito facto – a Arguida fez ou fazia outras atividades como vendas nos mercados -, não podia o Tribunal a quo fundamentar na Decisão ora em crise a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à sujeição da Arguida à condição de proceder ao pagamento, à ofendida JM, do montante de 2.300,00 €, até ao final do período da suspensão, em virtude de a arguida ter “referido que fazia outras atividades como vendas nos mercados”.

P) O Acórdão recorrido enferma assim de uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, a qual resulta, por si, do próprio texto da Decisão recorrida, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do CPP, e, bem assim, do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o que também resulta do próprio texto do Acórdão recorrido, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, o que desde já como a final se requer a V. Exas. que se dignem declarar;

Q) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento no que respeita aos pontos 10 e 22 dos “Factos Provados”;

R) Com efeito, em face da factualidade dada por provada e não provada nos Douto Acórdão recorrido, dos elementos de prova constantes dos Autos e, mormente, por recurso às regras da experiência comum, não podia o Tribunal a quo ter dado por provado que ““JM, devido à idade (…) acreditou nas palavras da arguida” – Cfr. ponto 10 dos “Factos Provados”, pelo que ao fazê-lo o Tribunal a quo laborou em manifesto erro de julgamento, impondo-se dar por NÃO PROVADO que “JM , devido à idade (…) acreditou nas palavras da arguida”, o que desde já, como a final se requer a V. Exas. que seja declarado;

S) Na verdade, resultando do ponto 9 dos “Factos provados” que a Testemunha JM nasceu a 4 de Maio de 1950, o que também resulta do teor de fls. 103 dos Autos, temos que à data dos factos dados por provados sob os pontos 9 a 14 e 22 e 23, ou seja, em finais de Maio e inícios de Junho de 2012, JM tinha acabado de fazer 62 anos de idade, sendo do conhecimento geral que uma pessoa com 62 anos de idade encontra-se nas suas perfeitas condições intelectuais e cognitivas. Aliás, por referência à idade legal em Portugal para a reforma que é 65 anos, e, por conseguinte, à idade que legalmente se considera uma pessoa capaz para desempenhar uma atividade profissional, física e/ou intelectual, uma pessoa com 62 de idade não padece de qualquer diminuição/limitação das suas faculdades intelectuais, cognitivas e decisórias;

T) A que acresce que, e conforme resultou como não provado sob os pontos 8 e 10 dos “Factos Não Provados” do Douto Acórdão Recorrido que JM fosse uma pessoa com graves problemas do foro psiquiátrico ou que tivesse problemas de saúde;

U) Ainda, cotejado o conjunto da prova produzida em Audiência de Julgamento, quer documental quer testemunhal, que o Tribunal a quo em sede de “Motivação da decisão quanto à matéria de facto” expressamente indica como tendo sido considerado, de forma conjugada, para dar por provados os factos 9 a 14, 22 e 23 e não provados os factos 8 a 12, resulta que o Tribunal a quo não podia ter dado por provado o ponto 10 dos factos provados, especificamente, não podia ter dado por provado que JM acreditou nas palavras da Arguida, ou seja, de que havia alguém que a queria matar tendo-lhe pedido 7.000,00 € para resolver o assunto, devido aos problemas que a própria JM tinha com a filha e com o genro, problemas esses que levaram a testemunha a ser acolhida numa casa abrigo;

V) Efetivamente, a Testemunha JM teve problemas com a filha e o genro, problemas esses que levaram mesmo a Testemunha a ser acolhida numa casa abrigo, porém, esses problemas e esse acolhimento numa casa abrigo ocorreram no ano de 2008, e não em Maio/Junho de 2012, data em que ocorreram os factos pelos quais a Arguida e ora Recorrente se encontra condenada por força do Acórdão de que ora se recorre, conforme resulta do teor do processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de JM constante a fls. 102 a 114 dos Autos, e que foi confirmado pela Testemunha PP (elaborou e assinou a Informação de fls. 103 a 108), conforme depoimento desta Testemunha que se mostra individualmente considerado e reproduzido no Douto Acórdão recorrido em sede de “Motivação da decisão quanto à matéria de facto”;

W) Com efeito, do teor do processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de JM constante de fls. 102 a 114 dos Autos e, bem assim, do depoimento da Testemunha PP, resulta que efetivamente que a Testemunha JM teve problemas com a filha e o genro, pois que foi vítima de violência física e psicológica por parte da filha e do genro, tendo inclusive apresentado queixa crime contra os mesmos em 29 de Abril 2008 (Cfr. fls. 106 dos Autos), e que, na sequência dos maus tratos físicos e psicológicos de que foi vítima por parte daqueles, a Testemunha JM foi acolhida numa Casa Abrigo, em 28 de Abril de 2008 (Cff. Fls. 111 dos Autos);

X) Constata-se que do depoimento prestado pela Testemunha JM em sede de Audiência e Julgamento, não resulta, salvo o devido respeito, o que o Tribunal a quo fez consignar no Acórdão recorrido quando se diz que a Testemunha JM disse: “por fim, referiu que teve vários problemas com a filha, motivo pelo qual, as saídas com a arguida eram sem o conhecimento da filha e pagava-lhe tudo para que ela não contasse à filha.” (Fim de citação);

Y) Pois que, do depoimento da Testemunha JM, prestadas na 1.ª Sessão de Julgamento, no dia 20 de Junho de 2016, com registo de prova das declarações prestadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, (Cfr. Acta da Sessão de Julgamento), com início às 15h:34m e fim às 15h:49m, conforme resulta do registo do CD, encontrando-se o trecho das declarações desta Testemunha quanto a este facto, especificadamente, com registo de prova gravado em CD, com início aos 13m.00s. e fim aos 13m.40s. do período de registo gravado em CD, não resulta, em momento algum, que a testemunha tenha mencionado que teve algum problema, ou problemas, com a filha, assim como não disse que por causa de problemas que tinha com a filha pagava tudo à Arguida para que esta não contasse à filha que saia com a Arguida, sendo que esses passeios com a Arguida ocorreram muito tempo antes dos factos pelos quais a Arguida foi condenada nos presentes Autos, quando a Testemunha “morava no Besouro”;

Z) Além do teor do processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de JM constante de fls. 102 a 114 dos Autos e da prova Testemunhal produzida pela Testemunha PP que confirmou, em sede de Audiência de Julgamento, o teor da informação constante de fls. 102 a 108 dos Autos, não existe nos Autos mais nenhum elemento de prova donde o Tribunal a quo pudesse ter dado por provado, nem mesmo por recurso às regras da experiência comum, a factualidade vertida no ponto 10 dos “Factos Provados”, ou seja, para dar por provado que “JM, devido (…) aos problemas que tinha com a filha e com o genro – que levaram a que a mesma viesse a ser acolhida numa casa abrigo – acreditou nas palavras da arguida”;

AA) Não existe no Processo nenhum elemento de prova donde decorra, direta ou indiretamente, que no ano de 2009, 2010, 2011 e, especificamente, em Maio e Junho de 2012 a Testemunha JM tivesse ou continuasse a ter problemas com a sua filha e o seu genro, mormente, por ser ou por continuar a ser vítima de violência física e psicológica por parte daqueles, nem que em 2009, 2010, 2011 e, e especificamente, que em 2012 tivesse sido acolhida numa casa abrigo;

BB) Pelo que nenhum efeito pode ser retirado, por absoluta falta de prova, dos problemas que a Testemunha JM teve com a filha e o genro em Março e Abril de 2008 e que levaram a que a mesma, em Abril de 2008, fosse acolhida numa casa abrigo, para fundamentar uma entrega de dinheiro por parte da Testemunha JM à Arguida em Maio/Junho de 2012, isto é, volvidos 4 (quatro) anos sobre a situação de maus tratos em que a Testemunha foi vítima por parte da filha e do genro;

CC) Para além de que, e conforme o Tribunal a quo deu por não provado sob os pontos 8 e 10, não se provou que a Testemunha JM fosse pessoa com graves problemas do foro psiquiátrico, nem que a mesma tivesse acreditado na arguida devido a problemas de saúde;

DD) A que acresce que, a fls. 32 a 35 do Apenso I, consta dos Autos uma carta datada de 10 de Julho de 2012, endereçada pela Dra. MG, Advogada, e pela filha de JM, donde se retira que, na data em que ocorreram os factos pelos quais a Arguida foi condenada, a Testemunha JM não tinha quaisquer problemas com a filha;

EE) Em face do que, e mormente por apelo às regras da experiência comum, o Tribunal a quo laborou em manifesto erro de julgamento ao dar por provado sob o ponto 10 dos “Factos Provados que “JM, devido (…) aos problemas que tinha com a filha e com o genro – que levaram a que a mesma viesse a ser acolhida numa casa abrigo – acreditou nas palavras da arguida”, pois atento os elementos de prova acima identificados, designadamente o teor do processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de JM constante de fls. 102 a 114 dos Autos, confirmado pela Testemunha PP como resulta do texto da Decisão recorrida, impunha-se e impõe-se decisão diversa da recorrida, ou sejam, impunha-se dar por NÃO PROVADO que “JM, devido (…) aos problemas que tinha com a filha e com o genro – que levaram a que a mesma viesse a ser acolhida numa casa abrigo – acreditou nas palavras da arguida”;

FF) Pelas mesmas razões, o Tribunal a quo laborou em manifesto erro de julgamento ao dar por provado sob o ponto 22 dos “Factos Provados que “Ao actuar como descrito nos pontos 9 a 14 dos factos provados a arguida aproveitou-se do contexto familiar de JM, designadamente da má relação com a filha e genro.”, pois que, atento os elementos de prova acima considerados, designadamente o teor do processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de JM constante de fls. 102 a 114 dos Autos, confirmado pela Testemunha PP como resulta do texto da Decisão recorrida, impunha-se e impõe-se decisão diversa da recorrida, ou seja, impunha-se dar por NÃO PROVADO que ““Ao actuar como descrito nos pontos 9 a 14 dos factos provados a arguida aproveitou-se do contexto familiar de JM , designadamente da má relação com a filha e genro.”;

GG) Não existe no Processo nenhum elemento de prova donde decorra, direta ou indiretamente, que no ano de 2009, 2010, 2011 e, especificamente, em Maio e Junho de 2012 a Testemunha JM tivesse ou continuasse a ter problemas com a sua filha e o seu genro, mormente, por ser ou por continuar a ser vítima de violência física e psicológica por parte daqueles;

HH) Valendo também aqui as considerações acima expostas quanto à errada valoração e reprodução que o Tribunal a quo fez no Acórdão recorrido quanto ao que a Testemunha JM disse em sede de Audiência de Julgamento;
II) Pelo que se os únicos meios de prova existentes nos Autos quanto ao contexto familiar de JM, especificamente, à má relação que teve com a filha e o genro resultante de maus tratos físicos e psicológicos de que foi vítima por parte da filha e do genro e que levaram esta a ter que ser acolhida numa casa abrigo é a prova documental de fls. 102 a 114 dos Autos e a Testemunha PP que confirmou o teor do referido processo de fls. 102 a 108 como resulta do próprio texto da Decisão recorrida, e, destes dois elementos de prova – documental e testemunhal – resulta, e apenas pode resultar, que a situação de violência física e psicológica de que a Testemunha JM foi vítima por parte da filha e do genro e que levaram aquela a ser acolhida numa casa abrigo ocorreu em Março a Abril de 2008, então não se pode dar por provado que à data dos factos pelos quais a Arguida foi condenada pelo Douto Acórdão recorrido, ou seja, Maio e Junho de 2012, a Testemunha JM vivia um contexto familiar com problemas com a sua filha e o seu genro, ou que tinha uma “má relação com a sua filha e o seu genro”, assim como, não se pode dar por provado, como o Tribunal a quo deu por provado sob o ponto 22 dos “Factos provados” que a “a arguida aproveitou-se do contexto familiar de JM, designadamente da má relação com a filha e genro.”;

JJ) Em face dos erros de julgamento que, no entender da Recorrente, o Tribunal a quo laborou ao dar por provados os factos constantes dos pontos 10 e 22 dos “Factos provados”, os quais, perante os meios de prova existentes nos Autos, têm de ser dados por não provados, resulta, em consequência, que não se pode ter por preenchido o elemento objetivo do tipo de crime de burla - erro astuciosamente provocado - pelo qual a Arguida, ora Recorrente, foi condenada pelo Acórdão recorrido;

KK) Exigindo-se para o preenchimento dos elementos objetivos do tipo de crime de burla, nos termos do artigo 217.º, n.º1, do CP, que o agente tenha agido através de erro/ engano que astuciosamente provocou, dependendo esse “comportamento astucioso” da “habilidade para enganar outrem de acordo com a sua situação e qualidades”, e impondo-se dar por não provada qualquer situação e/ou qualidades que fundamentem e/ou justifiquem que a Testemunha JM, com 62 anos de idade, sem qualquer problema de saúde, físico e/ou mental, pudesse acreditar, sem mais, que havia uma pessoa que queria matá-la e que tinha de dar 7.000,00 € à Arguida para resolver a situação, não se mostra preenchido aquele elemento objetivo do tipo de crime de burla – erro astuciosamente provocado – pelo que, em consequência, tem a Arguida, ora Recorrente, de ser Absolvida do crime de burla qualificada;

LL) Na verdade, o homem médio colocado perante a Arguida que lhe diz que há uma pessoa que o quer matar e que lhe pede 7.000,00 € para resolver a situação, dificilmente acreditaria nessa situação, sendo certo que, de imediato contactaria com a polícia ou, no caso, com um Advogado, sendo certo que, no presente caso, a Testemunha JM até tinha Advogada, conforme fls. 32 a 35 dos Autos;

MM) Acresce que, salvo o devido e muito respeito, mal andou o Tribunal a quo ao dar ao depoimento da Testemunha JL uma importância fundamental na formação da sua convicção para dar por provados os factos vertidos sob os pontos 9 a 14, 22 e 23 dos “Factos Provados,

NN) Desde logo, e diferentemente do que o Tribunal a quo considerou e verteu no Acórdão recorrido, do depoimento da Testemunha JL em sede de Audiência de Julgamento não decorre do mesmo que a Testemunha JL tenha dito que i) a Arguida se mostrou ansiosa pela obtenção do dinheiro, ii) nem que a Arguida chegou a exaltar-se e a dizer que ia apresentar uma reclamação, comportamento que não verificou na sua cliente;

OO) Do depoimento da Testemunha JL, prestado na 1.ª Sessão de Julgamento, no dia 20 de Junho de 2016, com registo de prova das declarações prestadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo, (Cfr. Acta da Sessão de Julgamento), com início às 16h:11m e fim às 16h:20m, conforme resulta do registo do CD, encontrando-se o trecho das declarações desta Testemunha quanto a este facto, especificadamente, com registo de prova gravado em CD, com início aos 04m.03s. e fim aos 06m.10s. do período de registo gravado em CD, não resulta que nalgum momento a Arguida se tivesse mostrado ansiosa pela obtenção do dinheiro, assim como não resulta que nalgum momento a Arguida se tivesse exaltado;

PP) Do depoimento da Testemunha JL resulta que, em resposta à pergunta do Digno Magistrado do Ministério Público sobre se se “lembrava de alguma situação em que ela tivesse sido agressiva para o Banco, no sentido até de querer fazer reclamações?”, a Testemunha respondeu que “não se recordava”, mas que possivelmente sim, “Por não conseguir ter o dinheiro mais rapidamente possível.”;

QQ) Ora, uma coisa é dizer que a Testemunha disse que a Arguida mostrou-se ansiosa e que chegou mesmo a exaltar-se e a dizer que ia apresentar uma reclamação, outra coisa é a Testemunha dizer que achava que a Arguida podia ter feito uma reclamação por não se conseguir ter o dinheiro mais rapidamente possível;

RR) Ainda, a Testemunha quando a instâncias do Digno Magistrado do Ministério Público foi questionada sobre se a Arguida foi sempre cordata, a Testemunha respondeu, de modo espontâneo, “Sim, falava com a senhora”, referindo-se à D. JM;
SS) Acresce que, também não resulta do depoimentos desta Testemunha JL se a Arguida manifestou o desagrado por não conseguir ter o dinheiro o mais rapidamente possível, porque a D. JM assim pretendeu que fosse a Arguida “a reclamar” junto do Banco, até porque foram as duas ao Banco, ou se foi por iniciativa exclusiva da própria Arguida, o que também não foi esclarecido pela Testemunha JM, pelo que não podia o Tribunal a quo, por absoluta falta de prova, ter considerado que “o interesse da arguida na formalização do empréstimo e na rapidez da sua concessão só se explica se algum interesse pessoal tivesse, e esse foi o explicado pela testemunha JM ”.

TT) Acresce ainda que não se pode atribuir a credibilidade e, por conseguinte, a força que a que o Tribunal a quo votou o depoimento da Testemunha JL, porquanto, e como emerge de modo claro do trecho do depoimento prestado pela Testemunha JL em sede de Audiência de Julgamento acima identificado, a situação que a Testemunha descreveu respeita a outra que não a que está em causa nos presentes Autos, pois que, quando perguntada a instâncias do Digno Magistrado do Ministério Público sobre “O que é que se recorda em concreto desta situação? Recorda-se de alguma coisa em concreto? a Testemunha respondeu “Recordo-me da senhora ter aparecido lá algumas vezes acompanhada da D. R, que envolvia algum dinheiro que tinha origem na venda de uma propriedade…”;

UU) Do mesmo modo, quando perguntada a instâncias do Digno Magistrado do Ministério Público sobre se se “lembrava do montante de que se tá a falar?”, a Testemunha respondeu “Não”.;

VV) Donde resulta que, pese embora a Testemunha JL tenha mencionado no seu depoimento à pergunta do Digno Magistrado do Ministério Público sobre se se “lembrava de alguma situação em que ela tivesse sido agressiva para o Banco, no sentido até de querer fazer reclamações?”, que “não se recordava”, mas que possivelmente sim, “por não conseguir ter o dinheiro mais rapidamente possível.”, a verdade é que, essa “reclamação” terá ocorrido numa ida da Arguida com a D. JM ao Banco a propósito de uma situação “que envolvia dinheiro que tinha origem na venda de uma propriedade.”, o que nada tem que ver com a situação pela qual a Arguida se encontrava acusada e pela qual veio a ser condenada pelo Douto Acórdão recorrido;

WW) É por demais evidente a falta de credibilidade desta Testemunha, por falta de memória dos factos em causa, pois que, mesmo após ter sido informada pelo Digno Magistrado do Ministério Público do valor em causa – 10.000,00 € -, continuou a não se recordar da situação;

XX) Deste modo, não podia, e não pode, pois o depoimento da Testemunha JL ser valorado como meio de prova, e muito menos como meio de prova “fundamental para a formação da convicção” do Tribunal a quo, e, por conseguinte, não podia, e não pode, constituir elemento de prova para que o Tribunal a quo, e agora esse Venerando Tribunal, desse por provados os factos constantes dos pontos 9 a 14 e 22 e 23;

YY) Em conformidade, o Tribunal a quo, e agora esse venerando Tribunal, apenas dispunha das declarações da Arguida, que nega os factos, e do depoimento prestado pela Testemunha JM, ou seja, apenas dispunha, e dispõe, de duas versões totalmente opostas, inexistindo elementos de prova que permitam dar mais credibilidade a uma versão em detrimento de outra;

ZZ) Por um lado, à data dos factos – finais de Maio e inícios de Junho de 2012 -, a Testemunha JM tinha acabado de fazer 62 anos, não tinha quaisquer problemas com a sua filha e o seu genro, pois que tais problemas tinham ocorrido em Abril/Maio de 2008 (Cfr, fls. 102 a 114 dos Autos), não se provou que a Testemunha JM fosse pessoa com graves problemas do foro psiquiátrico, assim como não se provou que a testemunha tivesse problemas de saúde;

AAA) Sem prescindir que, se segundo a Testemunha JM a Arguida lhe disse que precisava de 7.000,00 € para resolver a situação, não deixa de ser estranho, por recurso às regras da experiência comum e da lógica, que, tendo a Testemunha tido que contrair um empréstimo e por consequência pagar juros pelo mesmo em virtude de não poder mobilizar o dinheiro que tinha aplicado, não tenha a Testemunha apenas pedido esse empréstimo pelo valor em causa, ou seja, 7.000,00 €, mas já outro valor – 10.000,00 € -, valor esse superior e sobre o qual iria pagar mais juros;

BBB) E, por outro lado, temos a Arguida que negou os factos e que na sequência da carta enviada pela Advogada da Testemunha JM e a filha desta, que constitui fls. 32 a 35 do Apenso I, contactou de imediato a Dra. MM, a qual, tendo prestado depoimento em sede de Audiência de Julgamento, esclareceu que “a arguida lhe mostrou uma carta que uma advogada, Dra. M. lhe tinha enviado – tendo sido confrontada com o documento constante do apenso I e que confirmou ter sido o que lhe foi exibido e que a mesma estava muito assustada com essa carta porque a considerava uma calúnia”, conforme resulta do texto do Douto Acórdão recorrido em sede de “Motivação da decisão para a matéria de facto”;

CCC) Em face de todo o acima exposto, perante a versão da Arguida, por um lado, que é oposta à versão da Testemunha JM, por outro, o Tribunal a quo, e agora esse Venerando Tribunal, não dispunha e continua a não dispor de elementos de prova que permitam dar mais credibilidade a uma versão em detrimento de outra, pelo que, por recurso ao princípio do in dubio pro reo, impunha-se, e impõe-se, dar por NÃO PROVADOS os factos vertidos sob os pontos 9. e 10., a primeira parte do ponto 11, e os pontos 14, 22 e 23 dos “Factos Provados”, e, em conformidade, Absolver a Arguida do crime de burla qualificada (caso JM );

DDD) Caso assim V. Exas. não entendam, a Recorrente considera que a concreta medida da pena de prisão que lhe foi aplicada e, em particular, a subordinação da suspensão da execução da pena à condição de, durante o período da suspensão, proceder ao pagamento, à ofendida, do montante de € 2.300,00, é excessiva e demasiado gravosa, avaliando objetivamente a conduta da Arguida, bem como as suas condições socioeconómicas e pessoais;

EEE) Entende a Recorrente que não houve adequação, existindo claro excesso, pois foi condenada numa pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução, subordinada ao pagamento da quantia de € 2.300,00, neste período;

FFF) Defende a nossa Jurisprudência que “uma pena excessiva não cumpre as finalidades de prevenção geral, porque é intolerável comunitariamente; não realiza as funções de prevenção especial, porque o agente não a aceita e tem-na por injusta, não exercendo uma função de emenda cívica, tornando-se um puro desperdício.” Vide Ac. Do STJ de 25/09/2008;

GGG) O Tribunal a quo fundamentou a subordinação da suspensão da pena de prisão à condição da Arguida pagar a quantia de 2.300,00 € à ofendida, uma vez que a arguida referiu “que fazia outras atividades como vendas nos mercados” ;

HHH) Sucede que, não resultou provado no Douto Acórdão recorrido que a Arguida, ora Recorrente, fizesse outras atividades como vendas nos mercados, como erradamente o Tribunal a quo valorou e fundou a sujeição da suspensão à condição de a Arguida proceder ao pagamento da quantia de 2.300,00 €, no período da suspensão;

III) O que se provou no Douto Acórdão recorrido, designadamente sob os pontos 34 e 40 dos “Factos provados”, quanto à situação económica, profissional, pessoal e familiar da Arguida foi precisamente que a Arguida encontra-se desempregada há cerca de 3 (três) anos a esta parte, debatendo-se com enorme dificuldades económicas, vive da pensão de velhice do marido e que teve já de contrair empréstimos, quer junto de familiares quer junto de Bancos, para fazer face a despesas decorrentes do envolvimento judicial e dos problemas de saúde de cariz oncológico marido, entre outros.

JJJ) Pelo que, em face da factualidade dada por provada quanto à situação económica, profissional e, mormente, familiar da Arguida e acima elencada – e só esta e não a outra -, a Recorrente não pode de modo algum concordar ficar com o dever subordinante da suspensão da execução da pena de prisão em que fora condenada, mediante pagamento da quantia de € 2.300,00 à ofendida, no prazo de dois anos, sabendo-se as enormes dificuldades económicas que a Arguida vivencia e que se sabe continuar a viver;

KKK) A Arguida tem já 58 anos de idade (nasceu a 30.03.1958), tem apenas o 6.º ano de escolaridade (ponto 35 dos “Factos provados”), foi despedida pela sua então entidade patronal – a Junta de Freguesia da Conceição – na sequência deste processo, a que acresce, invariável e fatalmente, o estigma social e pessoal da condenação que a Arguida sofreu neste processo o que constitui tudo, em si e por si, a quase absoluta certeza que a Arguida não conseguirá regressar ao mercado de trabalho;

LLL) A quantia mensal de 95,83 € será sempre muito elevada, uma vez que a mesma sempre será exorbitante e incomportável para quem não aufere qualquer rendimento, nem conseguirá, por maiores esforços que desenvolva nesse sentido, obter por si mesma qualquer rendimento, como é o caso da Arguida;

MMM) O Douto Acórdão recorrido violou, assim, o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, condenando excessivamente a Arguida na obrigação de pagar à ofendida no prazo de anos a quantia de € 2.300,00 para que veja a sua pena de prisão suspensa na sua execução;

NNN) Nos termos do n.º 2, do artigo 51.º, do CP, os deveres a impor pelo Tribunal ao condenado como pressuposto da suspensão da execução da pena “… não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.”;

OOO) O Tribunal deve abster-se de condicionar a suspensão da execução da pena ao pagamento total ou parcial da indemnização, se as condições do condenado, ao tempo da condenação e dentro do futuro previsível, não lhe possibilitarem, sem culpa sua, a satisfação de tal requisito;

PPP) A Recorrente não possui antecedentes criminais; encontra-se perfeitamente inserido familiar e socialmente; em termos pessoais, evidencia crenças adequadas e precisas quanto a comportamentos socialmente desajustados, bem como uma atitude crítica e respeito pelos bens jurídicos em causa, no âmbito do presente processo; - Apresenta bom comportamento posterior ao caso dos autos e já decorreram 4 (quatro) anos sobre a prática dos factos mantendo a Recorrente boa conduta;

QQQ) Pelo que, no presente caso, a Arguida favorece a possibilidade de fazer um juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples ameaça de ingressar na prisão a própria censura do facto, são suficientes, não só para a afastar de outras atuações criminosas, assim como para realizar as finalidades de prevenção geral, sem ficar subordinado ao pagamento seja de que quantia for, e em que prazo for;

RRR) Sendo praticamente certo que a situação económica da Recorrente não irá sofrer alterações, legítimo é referir que a Arguida não vai conseguir liquidar em tempo o montante a que está obrigada, ficando à beira do precipício da prisão efetiva. E, no caso em concreto, o ambiente prisional só irá dificultar a integração social futura da Arguida;

SSS) Por isso, o Tribunal a quo ao condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento do dever de entregar a quantia de 2.300,00 € à ofendida no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado por considerar que essa sanção era necessária às finalidades da punição, não acautelou a possibilidade de cumprimento do dever imposto perante a capacidade económico financeira da Arguida e reintegração da Arguida na sociedade, em especial a considerações de socialização da Arguida, violando o disposto no artigo 51.º, n.º 2 do CP;

TTT) Mostra-se adequada à culpa da Arguida e suficiente para realizar a tutela dos bens jurídicos protegidos, bem como a reintegração social da Arguida, a aplicação da mesma pena de prisão suspensa na sua execução, porém não subordinada ao pagamento da quantia supra, e nesse prazo;

UUU) Ao não ter decidido desta forma, o Tribunal a quo violou também os artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do CP;

VVV) Na sequência do nosso modesto raciocínio, consideramos que o Tribunal a quo violou princípios fundamentais, nomeadamente o da proporcionalidade colocando em causa direitos da Arguida, ora Recorrente, a uma sã convivência em sociedade, a uma reintegração social sem pressão constante de ter de adquirir, de forma impossível, € 2.300,00 para ver a sua pena de prisão suspensa, na sua execução, verificando-se a violação dos artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.ºs 1 e 2, 25.º, n.º 1, 26.º e 30.º, n.º 4, todos da CRP;

WWW) O Douto Acórdão recorrido deverá, assim, ser revogado por violar os princípios básicos de determinação da medida da pena, ao arrepio dos critérios previstos nos arts. 70.º, 71º e 40º, todos do Código Penal;

XXX) E ser substituído por outro que, com fundamento no exposto e nos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 50.º, n.º 1, todos do Cód. Penal, conjugado com os factos provados relativos à situação económica, pessoal e familiar da Arguida, aplique à Arguida, ora Recorrente, uma pena de prisão suspensa na sua execução, mas sem ficar subordinada ao pagamento de qualquer quantia pecuniária,

YYY) Assim como, e pelos fundamentos acima expostos devidamente conjugados com o disposto nos artigo 70.º e 71.º, ambos do CP, deverá a pena de prisão de 2 (dois) anos fixada pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra não superior a 1 (um) ano, suspensa na sua execução por igual período, e sem ficar subordinada ao pagamento de qualquer quantia pecuniária.

6. Inconformado com a decisão na parte em que absolveu a arguida R, a assistente União das freguesias… interpôs recurso, extraindo da sua motivação as seguintes

«Conclusões:
a) O douto acórdão ora colocado em crise, absolveu a arguida R. de um crime de burla na forma tentada, cinco crimes de burla qualificada, um crime de furto na forma continuada, um crime de furto, um crime de burla qualificada por factos de que vinha acusada e que foram praticados contra utentes da Junta de Freguesia de… e, após reforma administrativa chamada de União das Freguesias de….

b) Por outro lado, o douto acórdão condenou a arguida num crime de burla qualificada na pena 2 anos de prisão, suspensa na sua execução também praticado a uma utente da Junta de Freguesia, a Sr.ª JM.

c) Não pode a assistente concordar apenas com a condenação da recorrida R num crime de burla qualificada, pois no nosso entender ficou provado em audiência de julgamento, sustentada por prova documental, que a arguida cometeu pelo menos mais dois crimes de burla qualificada, um na forma tentada contra MG, outro contra LM.
d) Além do mais, não se concorda com a moldura penal aplicada pelo Tribunal a quo de pena de prisão de 2 anos, suspensa, relativamente ao crime de burla qualificada contra JM, devido à sua gravidade e circunstâncias de aproveitamento em face da vulnerabilidade visível e em razão da idade da mesma.

e) Por esse motivo, coloca-se em crise a decisão do Tribunal a quo por considerarmos que os factos provados n.ºs 2 e 3, são suficientes para condenar a recorrida pelo crime cometido contra MG, utente da União das Freguesias…

f) Considera a assistente que os factos não provados n.ºs 13, 14, 40 e 41 deveriam ter sido parcialmente provados devido ao depoimento da testemunha LR, sendo mais que suficiente para se verificar que a recorrida praticou o crime de burla qualificada contra esta testemunha e também utente da União das Freguesias....

g) Relativamente ao Sr. MG, este refere que a arguida disponibilizou-se a ajudar na declaração de IRS.

h) Como bem afirmaram as testemunhas Eunice e Andreia, funcionárias da Junta de Freguesia, não têm como funções a elaboração e entrega de declarações de IRS. Além do mais a testemunha referiu que se dirigiu à Junta de Freguesia e falou sobre o assunto com a recorrida.

i) Foi no local e durante o horário em que a recorrida prestava funções que foi solicitado o valor de €50,00 à testemunha e utente.

j) Por ser funcionária pública da Junta de Freguesia, considera-se munida de prestigio e de confiança reforçadas para o público em geral, pelo que a recorrida deveria ter sido condenada pelo crime de burla qualificada relativamente a esta testemunha MG.

k) Além do mais a arguida pelo serviço que contratualizou no local onde prestava funções solicitou quantia pecuniária acrescida na habitação da testemunha/utente.

l) A testemunha MA afirmou que presenciou o pai MG a dar €200,00 à recorrida. Afirmou mesmo que talvez por a recorrida pensar que a filha da testemunha ainda estava hospitalizada, lograria os seus intentos.

m) Apesar de ter ficado provado que a recorrida não levou os €200,00, isto deveu-se à filha de MG tê-la confrontado e referido que ia às finanças verificar. Este elemento verificou-se ser elemento dissuasor da prática do crime.

n) Toda esta conduta praticada pela arguida constitui a prática de crime burla qualificada na forma tentada.

o) Pelo que o Tribunal a quo em face da prova que considerou provada deveria ter decidido de forma diferente, condenando a recorrida. Por estes motivos, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento

p) Factos não provados

Facto n.º 13 – Que a arguida aproveitando-se dos problemas de memória e compreensão de LR, designadamente ao nível do conhecimento do dinheiro, sob vários pretextos, a tenha convencido a acompanhá-la, por várias vezes, à Caixa Geral de Depósitos e a entregar-lhe diversas quantias monetárias de valor não concretamente apurado, mas muito superior a €102,00.

Facto n.º 14 – Que LR, dadas as suas dificuldades de compreensão e o seu desconhecimento pelo valor do dinheiro, foi acreditando nos pretextos que a arguida lhe apresentava e foi-lhe entregando as referidas quantias, as quais a arguida gastou em proveito próprio.

Facto n.º 40 – Que nas situações referentes a MG, LR, JJ, MC, FF e AN, a arguida se tenha aproveitado da especial vulnerabilidade destas pessoas, bem sabendo que devido à sua idade avançada e aos seus problemas de saúde facilmente acreditariam nas suas histórias e lhe entregariam quantias monetárias.

Facto n.º 41 – Que nas situações referidas supra, a arguida tenha actuado com o propósito, renovado, de se apropriar de quantias monetárias, bem sabendo que ao assim proceder obteria benefícios patrimoniais a que não tinha direito e que causaria prejuízos patrimoniais a MG, LR, JJ, MC, FF e AN.

q) Coloca-se em crise os aludidos factos não provados por se considerar que em face do depoimento da testemunha LR, apesar das limitações derivadas da idade, declarou no essencial o que acontecia entre si e a recorrida.

r) Apesar de colocarmos em crise a decisão relativa aos factos não provados, admitimos que pelo menos parcialmente e no que respeita à testemunha LR deveriam ter sido considerados como provados.

s) A testemunha refere com clareza que assinava e a recorrida tratava de tudo, isto é recebia o dinheiro.

t) É patente que o crime foi praticado, pois a testemunha refere que a recorrida colocava na sua mala e só lhe dava uma parte do dinheiro. Relativamente à justificação para tal acontecer, a testemunha não soube dar nem mesmo a recorrida esclareceu sobre este ponto.

u) É certo que a idade da testemunha é avançada vendo-se o Tribunal a quo com algumas dificuldades para conseguir o depoimento da mesma.

v) Contudo esta dificuldade também serve para atestar que a testemunha era manipulada pela recorrida, aproveitando-se esta do estado de vulnerabilidade que a mesma se encontrava e se encontra.

w) A testemunha apresenta medo na presença da recorrida. Apesar da recorrida ser sua madrinha de casamento, a testemunha revelou que estava com “muito medo”.

x) Atentemo-nos aos factos e ao depoimento desta testemunha que apesar da recorrida “ajudar” na ida ao Banco, tinha medo da mesma.

y) Permita-nos que digamos que o medo e temor de uma pessoa apenas advêm de um mal que é praticado, neste caso, contra a testemunha.

z) A testemunha chega mesmo a referir que a recorrida lhe dava 50 ou 100, revelando ter uma noção, ainda que vaga, dos valores pecuniários.

aa) A testemunha demonstrou de forma inequívoca que a recorrida pedia-lhe dinheiro para a “papelada”.

bb) Apesar do valor solicitado a testemunha menciona que a recorrida não fazia a papelada, ficando sem justificação a razão de lhe pedir dinheiro e a testemunha aceder a esse pedido.

cc) Ora conjugando todos os factores que estão adjacentes a este depoimento, como o medo e subtracção de dinheiro, fica provado que a recorrida praticou o crime de burla qualificada.

dd) Verifica-se que a recorrida ao deslocar-se ao Banco com a testemunha para proceder ao levantamento de dinheiro, ficava com parte do mesmo e apenas dava à testemunha a parte que lhe convinha.

ee) Por esta razão ocorre um aproveitamento da idade avançada e vulnerabilidade da D. LR.

ff) Além do mais, era constante a recorrida solicitar dinheiro à testemunha para tratar de uma papelada, induzindo em erro a testemunha.

gg) Foi possível verificar em audiência de julgamento as dificuldades de expressão oral e compreensão da testemunha, o que por si só se traduz na alínea c) do n.º 2 do art. 218.º do CP.

hh) Realça-se que como o Tribunal a quo decidiu no caso da testemunha JM, pois o modus operandi da recorrida era sempre o mesmo.

ii) A recorrida ia sempre ao Banco com as testemunhas para levantar a pensão/dinheiro ou contrair empréstimos em nome das mesmas.

jj) Outro facto coincidente é a recorrida frequentar as habitações das testemunhas a solicitar dinheiro sem justificação real, induzindo-as em erro, quando na realidade a recorrida não auxilia as testemunhas.

kk) O Tribunal a quo ao não considerar como provados os factos supra transcritos incorreu em erro de julgamento.

ll) Se os factos fossem considerados como provados, mesmo parcialmente, procederiam necessariamente na condenação da recorrida.
mm) Considera-se que toda a conduta da recorrida é censurável pelo que o crime em causa visa proteger os sujeitos passivos, que apesar de terem dificuldades na sua expressão, devem ser alvo de protecção reforçada.

nn) Caso contrário qualquer prática contra um idoso, sai impune devido à dificuldade destes em relatarem o sucedido.

oo) Apesar disso, considera a recorrente que o depoimento da testemunha é suficiente para censurar a conduta da recorrida que deve ser condenada por aproveitamento de uma pessoa idosa que não tem outra forma de se proteger a não ser pela via judicial.

pp) Os princípios de prevenção geral e especial devem aplicar-se nos casos de vulnerabilidade e idade avançada, que no caso em concreto é muito grave, para que se possa prevenir novamente a prática deste tipo de crime.

qq) Neste ensejo, conclui-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento pelo factos supra alegados, devendo condenar a recorrida pelo crime burla qualificada.

rr) A recorrida foi condenada na prática de um crime de burla qualificada contra a testemunha JM .

ss) Além da especial censurabilidade que a sua conduta merece em face das circunstâncias como os factos ocorreram, isto é através das funções que desempenhava na qualidade de funcionária da União das Freguesias de … do concelho de Faro ter tido conhecimento e acesso aos idosos da freguesia que nela confiavam, procedia juntos destes fora do horário de trabalho, frequentava a habitação dos mesmos, fora do horário de trabalho.

tt) Toda esta conduta foi conseguida pela confiança que os idosos depositavam numa funcionária pública e pela confiança que as instituições públicas, designadamente as freguesias, geram em localidades mais rurais e sem acesso a serviços que só podemos encontrar numa cidade como a de Faro.

uu) Por esse motivo, os idosos dirigiam-se à Junta de Freguesia, agora chamada de União das Freguesias, para pedir ajuda, pagar as suas despesas e receber os vales de correio com os quais levantavam as suas pensões.

vv) Através de uma conduta calculada e perpetrada no local de trabalho (União das Freguesias) e posteriormente junto dos idosos, a recorrida logrou conseguir vantagem patrimonial sem justificação, induzindo os idosos em erro. Assim logrou, tal como ficou provado no douto Acórdão, obter vantagem patrimonial da testemunha JM.

ww) A recorrida tinha conhecimento que os idosos da freguesia da … com os quais lidava frequentemente, já apresentavam falhas de memória não podendo contar o sucedido aos seus familiares ou aos órgãos de policia criminal.

xx) Assim como tinha perfeito conhecimento de que a sua actuação muito provavelmente ficaria impune pelo decorrer do tempo, por um lado por se agravar o estado de vulnerabilidade dos idosos e por outro lado por alguns idosos falecerem, como de facto aconteceu com algumas testemunhas indicadas na acusação.

yy) Toda esta conduta constituiu um plano gizado pela recorrida para que pudesse continuar a obter vantagens patrimoniais à custa dos idosos e sujeitos passivos induzindo-os em erro. Além do mais, o recorrido C, marido da recorrida, era carteiro e tinha conhecimento quando os idosos recebiam os vales das suas pensões.

zz) Neste âmbito, considerando toda a conduta da recorrida, a aplicação da pena de 2 anos de prisão deveria ter sido elevada no seu mínimo, pois verifica-se uma necessidade de protecção acrescida dos sujeitos passivos em face da sua condição que foi verificada na audiência de julgamento.

aaa) A pena de 2 anos de prisão deveria ter sido elevada para uma pena superior a 3 anos de prisão, ainda que admitindo que a mesma pudesse ser suspensa na sua execução.

bbb) Acresce que pelos factos que se impugnou também a recorrida deveria ter sido condenada pela prática do crime de burla qualificada tentada contra MG.

ccc) Na mesma pena de 3 anos ou superior deveria a recorrida ter sido condenada pela prática do crime de burla qualificada contra LR.

ddd) O Tribunal a quo perante toda a factualidade e utilização indevida dos meios da União das Freguesias e por estar imbuída de uma confiança acrescida pelos utentes, desempenhando funções nesta entidade pública, deveria ter aplicado a proibição do exercício de funções.
eee) Apesar do requisito formal não estar cumprido (pena de prisão superior a 3 anos), pelo que se pugna pelo agravamento da pena a que a recorrida foi condenada, em face dos factos provados e já explanados, verifica-se que a recorrida praticou os factos com “grave abuso da função” e “grave violação dos deveres que lhe são inerentes.”

fff) No depoimento da testemunha Eunice, também funcionária da União das Freguesias, revelou que a recorrida extravasava as suas funções, verificando-se a posteriori que utilizava o seu local de trabalho e o carimbo da Junta de Freguesia para atingir outros fins.

ggg) A recorrida ao actuar da forma como o fez, implicou perda de confiança para desempenhar a sua função.

hhh) Na aplicação da pena de 2 anos de prisão, que configura o mínimo que a moldura legal abstracta prevê, impõe-se a ponderação da conduta da recorrida nos factos praticados a uma idosa, o facto de não ter confessado ou prestado qualquer esclarecimento, do montante elevado que subtraiu, a não devolução do montante pecuniário que subtraiu a JM , a utilização da Junta de Freguesia para travar conhecimento com a testemunha, o medo latente em depor na presença da arguida e a possibilidade de continuação da actividade constitutiva deste tipo de crime.

iii) Ficou provado em audiência de julgamento que a recorrida acompanhava ao Banco e frequentava as habitações das testemunhas solicitando dinheiro para proveito próprio.

jjj) O Tribunal a quo deveria ter considerado verificado o crime de burla qualificada na sua forma tentada e burla qualificada contra os sujeitos MG e LR, p. e punido pelo art. 217.º e 218.º do Código Penal incorrendo aqui também em erro de julgamento.

kkk) O Tribunal a quo deveria ter tomado em consideração os factos provados relativamente a JM de especial gravidade e verificada a especial necessidade de agravamento da moldura penal para uma pena de prisão superior a 3 anos, pelo que não o fazendo incorreu em erro de julgamento.

lll) Pelos factos supra expostos deve o Tribunal ad quem revogar a sentença de que se recorre e substitui-la por outra que condene a recorrida pelos crimes de burla qualificada e burla qualificada na forma tentada p. p. pelo art. 217.º e 218.º.º do Código Penal e deverá o Tribunal ad quem agravar a pena de prisão de 2 anos a que a recorrida foi condenada.

Pelo exposto, e pelo que mais que for doutamente suprido por V. Exas., deve conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida e, em consequência, condenar a Recorrida em 1 crime de burla qualificada na forma tentada, 1 crime de burla qualificada de que foi absolvida e elevar a pena a que foi condenada para uma pena superior a 3 anos pelo crime de burla qualificada e ainda aplicar-se a sanção de proibição de exercício de funções, assim fazendo a costumada JUSTIÇA»

7. O MP apresentou a sua resposta ao recurso interposto pela arguida, manifestando-se no sentido da sua total improcedência e a arguida respondeu ao recurso interposto pela assistente pronunciando-se no sentido da sua total improcedência.

8. O Acórdão recorrido (transcrição parcial)

«1. Factos Provados

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão da mesma:

1. A arguida R. foi funcionária da Junta da Freguesia da… (atual União de Freguesias …) entre junho de 1977 e janeiro de 2013, tendo por via das suas funções, bem como pelo facto de ter nascido e residido sempre na referida freguesia, um vasto conhecimento da população daquela freguesia.

2. Em data não concretamente apurada, MG, nascido a 2 de maio de 1924, dirigiu-se às instalações da Junta de Freguesia ... de Faro, com o intuito de levantar uma carta proveniente das finanças, relacionada com o imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares (IRS).

3. Quem lhe entregou a referida carta foi a arguida que, de imediato, se prontificou a auxiliar MG a resolver a situação, tendo-lhe solicitado a entrega imediata de € 50,00 para esse efeito, o que o referido MG fez.

4. Alguns dias depois do sucedido a arguida deslocou-se à residência de MG, localizada no Sítio dos Caliços, Conceição de Faro, acompanhada por AF, com vista a esclarecer MG sobre as consequências de apresentação atempada da declaração de IRS.

5. Volvidos mais alguns dias, a arguida deslocou-se novamente à residência de MG, dizendo-lhe que a declaração já havia sido entregue e, perante a pergunta de MG sobre quanto lhe devia pelo serviço, a arguida solicitou a entrega de € 300,00.

6. Por discordar do valor pedido, MG entregou à arguida o montante de € 200,00.

7. Nesse momento, entrou na residência de MG a filha deste, MA que, ao vislumbrar a arguida com os € 200,00 questionou o pai acerca da razão do pagamento e manifestou a intenção e ela própria se deslocar às finanças para se inteirar da situação.

8. Logo que MA saiu da casa do pai a arguida atirou de forma brusca os € 200,00 para cima da mesa e ausentou-se do local.

9. Em data não concretamente apurada, mas entre o final de maio e início de junho de 2012, a arguida entrou em contacto com JM, nascida a 4 de maio de 1950, e dizendo-lhe que alguém a queria matar pediu-lhe o montante de € 7.000,00 para que resolver a situação.

10. JM, devido à idade e aos problemas que tinha com a filha e com o genro – que levaram a que a mesma viesse a ser acolhida numa casa abrigo – acreditou nas palavras da arguida e, juntamente com esta, dirigiu-se em finais de maio de 2012 ao balcão do Banco Santander Totta, sito em Faro, com o intuito de proceder ao levantamento da quantia de € 10.000,00, que JM tinha numa aplicação financeira.

11. Uma vez que a referida quantia se encontrava aplicada num seguro financeiro que na altura não podia ser movimentado, JM, aconselhada pelo banco, resolveu contrair um empréstimo bancário naquele montante.

12. Entre a data do pedido de empréstimo e da sua concessão, JM dirigiu-se várias vezes ao banco Santander, sempre acompanhada pela arguida, com vista a inteirar-se do andamento do processo.

13. O empréstimo acabou por ser concedido e no dia 5 de junho de 2012 a quantia de € 10.000,00 foi depositada na conta titulada por JM.

14. Nesse mesmo dia a arguida deslocou-se com JM ao balcão do Banco Santander, tendo JM procedido ao levantamento da quantia de € 9.504,11, dos quais € 7.000,00 entregou à arguida, por estar convencida de que, se não o fizesse, corria perigo de vida.

15. A arguida estabeleceu uma relação de proximidade com LR, de quem veio a ser madrinha de casamento.

16. Em data não concretamente apurada, mas situada no ano de 2010, a arguida ajudou LR a tratar do processo relativo à atribuição da sua pensão de reforma e a abrir uma conta bancária na Caixa Geral de Depósitos, na qual deveria ser creditada a referida pensão.

17. A referida conta bancária foi aberta no dia 29 de junho de 2010, data a partir da qual e até ao dia 24 de setembro de 2012, foram nessa conta depositados vários valores monetários relativos à referida pensão.

18. JJ, nascido a 15 de novembro de 1925, vivia isolado e sem qualquer suporte familiar.

19. Em data não concretamente apurada, mas anterior a junho de 2010, foi solicitado à segurança social a atribuição de um complemento solidário para o idoso, em nome de JJ, o que veio a ser deferido, no montante de € 6.847,50.

20. Em data não concretamente apurada, mas no decurso do ano de 2009, foi solicitado à segurança social a atribuição de um complemento solidário para o idoso, em nome de MC, o que veio a ser deferido, tendo-lhe sido atribuída uma pensão mensal de € 200,72, e que começou a ser paga a partir de outubro de 2009.

21. No dia 22 de abril de 2013, AN estava internado no hospital de Faro, tendo o seu espólio ficado à guarda do referido hospital.

22. Ao atuar como descrito nos pontos 9 a 14 dos factos provados, a arguida aproveitou-se do contexto familiar de JM, designadamente da má relação com a filha e genro - e atuou com o propósito de se apropriar da quantia de € 7.000,00, bem sabendo que ao assim proceder obteria benefícios patrimoniais a que não tinha direito e que causaria prejuízo patrimonial a JM.

23. A arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

24. No dia 23 de janeiro de 2013, pelas 11h20, no interior da sua residência, sita no Sítio dos Caliços, em Faro, designadamente no interior da mesa de cabeceira do seu quarto, o arguido C tinha na sua posse uma pistola semi-automática, de marca Reck, modelo P6 E, sem número, transformada a partir de uma arma de gás para arma de fogo, de calibre 6,35, com um carregador.

25. A referida arma não se encontrava manifestada nem registada e o arguido não era possuidor de qualquer licença ou autorização que lhe permitisse detê-la.

26. O arguido bem sabia que a posse de uma arma com aquelas características e naquelas condições, não era permitida por lei e que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Do pedido de indemnização civil:

27. A partir de setembro de 2012 a prestação social denominada “complemento solidário do idoso” atribuído a MC passou a ser remetido para a morada da sobrinha CM e, desde então, passou a ser levantado por esta última.

28. MC faleceu a 12 de dezembro de 2012.

29. Em 2012, FF e MC viviam sozinhos numa casa com poucas condições de habitabilidade e de higiene e beneficiavam de apoio alimentar atribuído pela junta de freguesia.

30. Em 2012 MC já se encontrava acamada.

31. FF e MC não tiveram filhos.

Das condições pessoais dos arguidos
32. A arguida reside, tal como já residia à data dos factos subjacentes ao presente processo, com o cônjuge e a única descendente comum ao casal, de maior idade, em casa própria, de tipologia V2, com pequeno logradouro, sita em meio de características rurais.

33. A dinâmica relacional é caracterizada por consistentes laços afetivos e de suporte, quer ao nível conjugal, quer afiliais; o casal mantém relação de proximidade e de interajuda com elementos da família alargada.

34. Economicamente, desde há cerca de três anos, a arguida tem vindo a debater-se com acrescidas dificuldades económicas, dada a supressão do seu vencimento, na sequência do presente processo, inicialmente pela suspensão judicial das suas funções profissionais (entre 23 de janeiro e 7 de setembro de 2013) e posterior despedimento em março de 2014, na sequência da instauração de um processo disciplinar por parte da entidade patronal; atualmente o quadro económico da arguida está alicerçado exclusivamente na pensão de reforma do cônjuge, no valor de 800€, e existe um passivo relativo à contração de empréstimos quer junto de elementos da família alargada, quer bancários de forma a fazer face a despesas decorrentes, quer do presente envolvimento judicial, quer do problema de saúde de cariz oncológico do cônjuge, entre outras.

35. Tendo concluído o 6º ano de escolaridade, R. cedo iniciou percurso laboral, inicialmente como empregada comercial e desde 1977, aos 19 anos de idade, como técnica administrativa na Junta de Freguesia da…, atividade que mantinha à data dos factos.

36. O seu percurso vivencial surge como normativo em termos comportamentais e vivenciais, sendo referenciada junto de anteriores superiores hierárquicos, como pessoa responsável em termos do seu conteúdo funcional e assertiva ao nível do relacionamento interpessoal.

37. Em termos da inserção sócio comunitária a arguida surge globalmente referenciada de forma positiva, quanto à sua postura de prestação de auxílio a terceiros, há já vários anos, e quanto à solidariedade/benemerente postura da arguida.

38. O quotidiano da arguida sempre se estruturou em função da ocupação laboral e vida familiar, detendo ainda consistentes relações de amizade com pares com similares modos de vida.

39. Em termos pessoais a arguida evidencia crenças adequadas e precisas quanto a comportamentos socialmente desajustados bem como uma atitude critica e respeito pelos bens jurídicos em causa, no âmbito do presente processo.

40. A situação jurídico-penal tem sido vivenciada com acentuado desgaste emocional pela arguida e respetivos familiares, dadas as consequências em termos da sua imagem pessoal, mas primacialmente ao nível profissional, nomeadamente o seu efetivo despedimento.

41. A arguida compreende de forma assertiva a situação em que se encontra e embora não assuma responsabilidade pessoal, tendendo antes a posicionar-se como vitima, aceita-a reconhecendo a legitimidade e a eficácia do sistema legal em geral.

42. C, de 58 anos de idade, vive com a mulher e uma filha com 36 anos de idade; o relacionamento é adequado e afetivamente compensador.

43. O arguido encontra-se reformado desde 2014, tendo sido funcionário dos CTT durante quarenta anos – iniciando atividade como boletineiro; recebe de reforma cerca de 800 Euros; situação económica é descrita como adequada à satisfação das necessidades básicas, tendo sido prejudicada pela suspensão da mulher sem remuneração, na sequência de processo disciplinar.

44. Frequentou a escola na idade própria, tendo completado a 4.ª classe.

45. Ocupa os seus tempos em atividades não estruturadas, dedicando a diversas tarefas domésticas.

46. Aceita no geral a intervenção do sistema de justiça criminal e reconhece o bem jurídico em causa mas afasta-se dos factos que lhe são imputados.

47. A arguida não tem antecedentes criminais.

48. O arguido não tem antecedentes criminais.

2. Factos Não Provados
Não se provou:

1. Que os factos provados no ponto 2 tivessem ocorrido no ano de 2004.

2. Que MG fosse analfabeto.

3. Que a arguida e AF se tenham dirigido à residência de MG para lhe solicitar documentos com vista à elaboração da declaração de IRS deste último.

4. Que a arguida tenha dito a MG que o montante de € 300,00 se destinavam a pagar os serviços prestados por AF relacionados com a entrega da declaração de IRS, bem sabendo que tal não correspondia à verdade.

5. Que MG tenha aceite entregar € 300,00 à arguida, sendo € 200,00 de imediato e o remanescente quando lhe fosse entregue o respetivo recibo.

6. Que MG tenha entregue à arguida o montante de € 200,00 convencido de que se destinavam ao pagamento dos serviços prestados por AF.

7. Que a arguida tenha solicitado a MG o pagamento de € 300,00 com o propósito de se apoderar da referida quantia e que apenas não o conseguiu por razões alheias à sua vontade.

8. Que JM fosse pessoa com graves problemas do foro psiquiátrico.

9. Que a arguida tenha dito a JM que não só ela corria perigo de vida mas também a sua família.

10. Que JM tenha acreditado na arguida devido aos seus problemas de saúde.

11. Que JM tenha procedido ao levantamento de € 9.500,00 dos quais entregou € 7.500,00 à arguida.

12. Que a arguida gastou o dinheiro entregue por JM em proveito próprio.

13. Que a arguida, aproveitando-se dos problemas de memória e compreensão de LR, designadamente ao nível do conhecimento do dinheiro, sob vários pretextos, a tenha convencido a acompanhá-la, por várias vezes, à Caixa Geral de Depósitos e a entregar-lhe diversas quantias monetárias de valor não concretamente apurado, mas muito superior a € 102,00.
14. Que LR, dadas as suas dificuldades de compreensão e o seu desconhecimento pelo valor do dinheiro, foi acreditando nos pretextos que a arguida lhe apresentava e foi-lhe entregando as referidas quantias, as quais a arguida gastou em proveito próprio.

15. Que no dia 31 de agosto de 2012, a arguida acompanhou LR à Caixa Geral de Depósitos, com o intuito de levantar dinheiro para o pagamento da renda, sendo esta no valor de € 150,00.

16. Que, todavia, a arguida aí convenceu LR a proceder ao levantamento da quantia de € 1.300,00.

17. Que, após ter procedido ao levantamento dos € 1.300,00, LR seguindo as instruções da arguida, entregou-lhe a totalidade do dinheiro, tendo a arguida procedido à sua contagem e devolvido a LR apenas a quantia de € 150,00, tendo-se apropriado do restante.

18. Que em Novembro de 2012, a arguida contactou com o ofendido JJ, pessoa com graves problemas de memória e compreensão, ao qual transmitiu que lhe iria ser cortada a sua pensão de reforma caso não lhe entregasse a quantia de € 350,00.

19. Que, convencido de que tal informação era verdadeira, JJ entregou à arguida € 350,00, quantia esta que integrou na sua esfera patrimonial.

20. Que a arguida solicitou junto da Segurança Social, em nome de JJ, e sem o conhecimento deste, a atribuição de uma prestação social denominada complemento solidário do idoso.

21. Que a segurança social atribuiu a JJ a prestação referida no ponto 18 dos factos provados convencida de que a referida prestação havia sido efetivamente solicitada por aquele.

22. Que JJ nunca recebeu tal quantia.

23. Que a arguida, em julho de 2010, de forma não concretamente apurada, apropriou-se do cheque que a segurança social enviou, através de CTT a JJ, apresentou-o a este para que o assinasse e posteriormente ela própria o descontou nos serviços da mencionada junta de freguesia.

24. Que a arguida solicitou junto da Segurança Social, em nome de MC, e sem o conhecimento desta, a atribuição de uma prestação social denominada complemento solidário para o idoso.

25. Que MC era pessoa com graves problemas de saúde a nível da memória e compreensão.

26. Que a segurança social iniciou o pagamento do complemento solidário do idoso convencida de que a referida prestação havia sido efetivamente solicitada por MC.

27. Que a segurança social atribuiu a MC a prestação referida no ponto 19 dos factos provados convencida de que a referida prestação havia sido efetivamente solicitada por aquela.

28. Que MC nunca recebeu a referida prestação, sendo a arguida quem dela se apropriava mensalmente, conforme plano previamente estabelecido.

29. Que a arguida se apropriava do cheque que a segurança social enviava mensalmente, por CTT, a MC e apresentava-lho para, sob qualquer pretexto, aquela o assinar e, posteriormente, ela própria o descontava nos serviços da Junta de Freguesia.

30. Que a arguida, dada a idade avançada e os problemas de saúde ao nível da memória e compreensão de FF, bem como os problemas de conhecimento do valor do dinheiro, apenas entregava àquele parte do valor da sua pensão de reforma, apropriando-se do restante.

31. Que no mês de maio de 2012 a arguida apenas entregou a FF a quantia de € 140,00 em vez de € 352,52.

32. Que a arguida atuou com o propósito concretizado, e renovado, de integrar as quantias referentes ao complemento social para o idoso atribuído a MC e à pensão de reforma de FF na sua esfera patrimonial.

33. Que no dia 23 de abril de 2013 a arguida se deslocou ao hospital de faro e, afirmando ser familiar de AN e pretendia levantar € 300,00 que se encontravam no espólio daquele, a fim de se apoderar da referida quantia.

34. Que não foi autorizado à arguida o levantamento de tal quantia.

35. Que quando AN teve alta clínica, foi para casa com AC e a arguida já se encontrava na sua casa nesse momento.

36. Que nesse momento, a arguida disse a AN que estava com dores e que necessitava de € 500,00.

37. Que AN, convencido de que a arguida estava doente, entregou-lhe a quantia de € 250,00, quantia essa que a arguida integrou na sua esfera patrimonial.

38. Que a arguida, sabendo que AN guardava dinheiro no interior da sua residência, e com a intenção de se apropriar do mesmo, algum tempo depois de aquele regressar do hospital, ofereceu-se para limpar a sua casa ao que aquele acedeu.

39. Que nessa altura a arguida descobriu o local onde Albano Nascimento tinha o seu dinheiro guardado e subtraiu-lhe a quantia de cerca de € 600,00, fazendo-a integrar na sua esfera patrimonial.

40. Que nas situações referentes a MG, LR, JJ, MC, FF e AN, a arguida se tenha aproveitado da especial vulnerabilidade destas pessoas, bem sabendo que devido à sua idade avançada e aos seus problemas de saúde facilmente acreditariam nas suas histórias e lhe entregariam quantias monetárias.

41. Que nas situações referidas supra, a arguida tenha atuado com o propósito, renovado, de se apropriar de quantias monetárias, bem sabendo que ao assim proceder obteria benefícios patrimoniais a que não tinha direito e que causaria prejuízos patrimoniais a MG, LR, JJ, MC, FF e AN.

42. Que FF e MC não tinham meios financeiros para pagar um lar, nem para pagar a alguém que os ajudasse na limpeza da casa, da roupa e na confeção das refeições.

43.Que FF e MC tenham sentido grande deceção e enorme revolta pela situação criada pela arguida.

Todos os demais factos constantes da acusação e que não constam da matéria de facto provada e não provada não foram considerados por conterem matéria conclusiva, designadamente, o segundo parágrafo da acusação.

3. Motivação da decisão quanto à matéria de facto

A convicção do Tribunal acerca da matéria de facto dada como provada e não provada assentou no conjunto da prova produzida em audiência recorrendo às regras de experiência e fazendo-se uma apreciação crítica da mesma nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

As declarações dos arguidos, do assistente, e os depoimentos das testemunhas apenas foram positivamente valorados na medida em que os respetivos declarantes demonstraram ter conhecimento direto e pessoal sobre os factos e as declarações e depoimentos se revelaram claros, precisos e isentos de contradições.

No que concerne à prova documental, todos os sujeitos processuais tiveram ampla oportunidade de discutir todos os documentos de que o tribunal se serviu para fundar a sua convicção.

A este propósito cumpre esclarecer que é entendimento deste tribunal que os documentos juntos aos autos antes do julgamento não são de leitura obrigatória na audiência de julgamento, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida, pois tais provas podem ser submetidas ao contraditório sem necessidade de serem lidas na audiência, já que as partes têm conhecimento do seu conteúdo – neste sentido, Acórdão do Tribunal Constitucional nº87/99, DR, II Série de 1-07-1999 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11 de abril de 2007, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

Foram tomadas declarações ao assistente FF: o assistente referiu já ter ouvido falar da arguida mas não se recordar de onde, e que durante muito tempo ia à junta de freguesia … levantar os vales da sua pensão, já não se recordando se levava algum papel para esse efeito; confrontado com o documento de fls. 68 dos autos referiu parecer-lhe ser o papel que levava para levantar a comida dos animais, referindo não saber dizer qual o valor que consta no referido documento mas reconhecendo a assinatura como sua; o assistente referiu ainda que a mulher não recebia qualquer pensão, não sabendo se pediu ou não.

Foram assim valorados os depoimentos das seguintes testemunhas:
- RP – a testemunha, militar da GNR, referiu que no âmbito do programa de apoio ao idoso levado a cabo pela GNR se deslocou a casa de um casal de idosos sito no Sitio dos Caliços e encontrou a casa num estado miserável, tendo então falado com a arguida R, que o informou que era quem tomava conta dos referidos idosos e chamou-a à atenção para o estado em que os mesmos se encontravam, sendo que tal aconteceu numa quinta ou sexta feira e quando regressou à casa na segunda feira seguinte a casa estava limpa e arrumada, pese embora mantivessem os colchões urinados; a testemunha esclareceu ter ficado com a sensação que a arguida tinha sempre conhecimento das visitas da GNR aos idosos e o discurso destes ia mudando depois de ela lá estar; a testemunha esclareceu também que, perguntados pelas reformas, o senhor FF referia que tinha e a mulher, MC não tinha, sendo que esta afirmava que tinha preenchido os documentos para receber, estando à espera, tendo o senhor FF referido que quem tratava disso era a arguida mostrando receio em falar dela à testemunha, todavia, não chegou a apurar em concreto quem tratava da reforma do casal; mais referiu que contactou a segurança social e foi através da segurança social que se averiguou a questão das reformas; a partir da informação dada pela segurança social sobre quando as reformas eram pagas, passou a controlar diariamente, durante o mês de março de 2012, a caixa postal do casal, sendo que nada aí foi entregue; quanto ao estado de saúde do casal, referiu que à data em que os acompanhou o senhor FF tinha um discurso distorcido, sendo que a mulher estava mais lúcida mas acamada; confrontado com o teor do documento de fls. 8 dos autos, a testemunha confirmou a sua assinatura, bem como que o elaborou na data que aí fez constar; por fim, e quanto ao casal FF e MC, a testemunha esclareceu que contactaram uma sobrinha que mostrou disponibilidade para tomar conta do casal e passar a ser a própria a tratar das questões das reformas de ambos; a testemunha foi ainda confrontada com o documento de fls. 445 dos autos, tendo confirmado a sua assinatura e a data que aí fez constar; sobre este episódio que fez constar no referido auto de ocorrência (fls. 445), a testemunha afirmou apenas recordar-se que o senhor AN era tio da arguida, sendo que esta o visitou depois da alta hospitalar e que ele não queria a presença daquela em sua casa.

- CM – a testemunha referiu ser sobrinha do assistente FF e conhecer a arguida R apenas da zona onde vivem; a testemunha referiu que nos anos de 2008 e 2009 tinha por hábito visitar os tios, o que deixou de fazer porque o casal a começou a afastar, sendo que nunca lhe disseram porquê; só voltou a ter contacto com eles em março/abril de 2012 quando foi contactada pela GNR porque eles precisavam de auxílio e aí verificou que os tios se encontravam numa situação muito má, em termos de habitação, higiene, alimentação, tendo aceite tomar conta deles; em concreto sobre as pensões de reforma dos tios, a testemunha afirmou que o tio sempre lhe disse que recebia um vale e que o ia levantar à junta de freguesia…, sendo que nunca o acompanhou e desconhece se ele o fazia sozinho ou acompanhado; quanto à tia, referiu que esta sempre disse que tinha pedido a reforma mas estava à espera que fosse deferido, sendo que nunca viu qualquer documento nesse sentido; a testemunha referiu desconhecer como se processou o recebimento das reformas entre 2009 e 2012, nunca tendo tido qualquer contacto com a arguida nem poder fazer qualquer relação entre esta e as pensões dos tios; a testemunha referiu que já depois de ter sido contactada pela GNR, em mês que não sabe precisar mas que terá ocorrido entre abril e junho de 2012 (porque em junho de 2012 as pensões do tio começaram a ser recebidas num apartado de um primo), esteve com o tio e este referiu que ia buscar a pensão à junta de freguesia e no dia seguinte, perguntou-lhe pela pensão e ele exibiu-lhe € 140,00, que trazia no bolso, sendo que ele dizia que recebia cerca de € 300,00 de pensão; sobre este episódio a testemunha referiu ainda que o tio não tinha mais dinheiro guardado e que não lhe conhecia vícios, desconhecendo todavia se o mesmo terá gasto o dinheiro, tendo em conta que o tio era independente e em março de 2012 estava lúcido e tinha noção do dinheiro, embora aparentemente não o gerisse bem porque eles nunca tinham dinheiro; no que concerne à pensão de MC, a testemunha referiu que em agosto de 2012 foi à segurança social e ficou a saber que a tia recebia uma pensão desde 2009 que, tal como a do tio, era enviada por vale para uma caixa postal no Sitio dos Virgílios; uma vez que nessa altura a tia já se encontrava acamada e já não tinha capacidade para assinar, fez um pedido de alteração de morada e a pensão da tia passou a ser levantada pela testemunha a partir de setembro de 2012; confrontada com os documentos de fls. 46 a 69 a testemunha referiu que a caixa postal 103 Z é incorreta e que apenas a caixa postal 63 Z está correta.

- NM – assistente social, a testemunha referiu conhecer a arguida e o marido apenas dos autos; referiu que por via da GNR foi sinalizado um casal que residia na zona da Conceição de Faro - FF e MC -, sendo que a mulher estava acamada e o marido era o cuidador e tinha sido solicitado o serviço de apoio domiciliário do Centro Comunitário de Estoi; a testemunha referiu que teve contacto com o casal em junho de 2012, sendo que nessa altura o senhor FF manifestava problemas de saúde (que não soube concretizar) e esquecimento, ao contrário da mulher que se encontrava lúcida, embora acamada; a testemunha referiu que os questionou sobre as respetivas pensões, tendo-lhe sido referido que apenas o senhor FF recebia pensão mas que a senhora MC tinha assinado uns papéis para também passar a receber o que ainda não tinha acontecido; em face do referido, a testemunha referiu ter feito diligências junto da Segurança Social, onde apurou que ambos recebiam pensões, através de vales que eram enviados para a morada da residência, nunca tendo sido solicitada qualquer alteração, que os vales se encontravam assinados com os nomes correspondentes a quem se dirigiam, mas que os senhores afirmava, não ter recebido, pelo menos no que respeita à pensão da senhora MC; referiu ainda a testemunha que a D. MC lhe disse que a arguida costumava visitá-los e que era ela quem levantava a pensão do marido, tendo sido ela igualmente quem a ajudou a preencher os documentos para receber a sua pensão e que posteriormente lhe disse que o seu pedido tinha sido indeferido, referindo ainda que, especificamente perguntada se costumava assinar um papel mensalmente a mesma respondeu de forma negativa; mais referiu que depois de ter tido conhecimento de que existia uma pensão atribuída à D. MC questionou o senhor FF sobre a forma como recebia a sua pensão tendo este dito que era a arguida quem lhe levantava a pensão e lhe dava o dinheiro, sendo que para isso tinha os cartões de identificação deles, desconhecendo, todavia, a testemunha, em que circunstâncias os vales eram assinados e em que circunstâncias era entregue o valor correspondente; confrontada com o teor de fls. 4 a 6 dos autos, confirmou a sua assinatura e referiu tratar-se de um relatório que elaborou após a primeira visita ao casal; confrontada com o teor de fls. 46 a 76 dos autos, confirmou serem os vales a que teve acesso na Segurança Social.

- VV – contabilista, referiu conhecer a arguida da Junta de Freguesia onde exerce as funções de tesoureira desde 2005; a testemunha começou por esclarecer sobre a admissibilidade de serem pagos vales de pensões a idosos na junta e os procedimentos necessários para o efeito: mais referiu que em 2012 foram alertados por alguns utentes da junta de freguesia que os pagamentos das pensões não estavam a ser feitos de acordo com os montantes constantes dos vales, ou que os vales eram levantados na junta de freguesia sem que o beneficiário, sendo que nunca foi dada autorização a qualquer funcionário para assinar a rogo ou aceitar assinaturas a rogo pois que era necessária a presença do beneficiário ou de um familiar; mais referiu que até janeiro de 2013 tais funções competiam à arguida, com exceção dos períodos de férias desta; a testemunha referiu que em data que não consegue precisar mas no ano de 2012, no âmbito do programa de ajuda alimentar levado a cabo pela junta não conseguiam localizar a D. MC, beneficiária, sendo que à data, trabalhavam na junta a arguida, Eunice e Andreia e questionadas, todas referiram não conhecer a senhora em causa, sendo que, passado uns tempos foi feita uma sinalização pela GNR para um casal que precisaria de ajuda e no âmbito das diligências levadas a cabo com a Segurança Social e GNR percebeu que se tratava da senhora em causa; esclareceu que fez uma visita domiciliária à residência da D. MC sendo que viu a arguida na referida residência, mas como era em horário pós laboral não a questionou sobre isso; referiu ainda que o marido da D. MC, sr. FF era utente da Junta onde ia levantar os seus vales de pensão; confrontada com os documentos de fls. 46 a 76 dos autos, a testemunha referiu que as rubricas constantes a fls. 48, 54, 55, 56, 58, 59, 62, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71 e 76 são da arguida e que a rubrica de fls. 49 é da funcionária Eunice, sendo que nas referidas situações o carimbo constante do vale é o da junta de freguesia…; a este propósito referiu ainda que lhe fez confusão ver o carimbo da junta de freguesia nos referidos vales porque a senhora em causa não ia à junta, pelo que ou o carimbo saía da junta ou os documentos eram levados à junta por terceiros; a testemunha referiu então que face às suspeitas levantadas sobre a arguida foi ordenado que a funcionária Andreia passasse a trabalhar com aquela evitando assim que estivesse sozinha, tendo-lhe sido reportado pelas funcionárias Andreia e Eunice que, desde então a arguida passou a ter um comportamento diferente, designadamente, a conversar mais baixo com os idosos, ou na rua, e que alguns dos idosos deixaram de fazer o levantamento das pensões na junta de freguesia, tendo-lhe ainda sido contado por pessoas da freguesia que à hora do almoço a arguida era vista com idosos no posto de correios de Mar e Guerra ou na Caixa Geral de Depósitos, sendo que não a confrontou com estas últimas informações por serem fora do horário de trabalho; a testemunha esclareceu que apesar de lhes ter sido proposto pelas finanças, logo em 2010 recusaram prestar colaboração em termos de serviços fiscais, designadamente no preenchimento e envio de declarações de rendimentos, motivo pelo qual não cabe nas funções dos funcionários da junta preencher declarações de rendimentos dos utentes, nem preencher qualquer documento de pedido de pensão ou prestação social, mas tão só fazer os pagamentos dos vales que os idosos recebem referentes às suas pensões; por fim, no que concerne à D. LR referiu que a mesma costumava levantar os vales da pensão na junta e que desde que a funcionária Andreia começou a exercer essas funções deixou de o fazer.

- LR – a testemunha referiu conhecer a arguida, da qual é madrinha de casamento, manifestando ter medo da mesma; esclareceu que a arguida a ajudou a abrir uma conta na Caixa Geral de Depósitos para poder receber a reforma e que depois disso a acompanhava quando ia levantar o dinheiro; esclareceu que sempre que a arguida lhe pedia dinheiro dava-lhe, não podendo precisar quanto dinheiro lhe deu; mais referiu que a caderneta da C.G.D. sempre esteve em seu poder, mas iam as duas ao banco, a testemunha assinava o documento, e arguida é que recebia o dinheiro, punha na mala e depois dava-lhe uma parte, não sabendo referir quanto; confrontada com alguns documentos não soube identificar o valor do dinheiro nem a correspondência entre escudos e euros; a testemunha referiu, por fim, que nunca quis apresentar queixa contra a arguida nem processos em tribunal o que mantém.

- Eunice – assistente técnica na Junta de Freguesia…, onde exerce funções desde 1998, sendo colega de trabalho da arguida até esta sair; a testemunha referiu, em súmula, que em 2005 começaram a surgir rumores de abusos na junta, e sem que a autarquia explicasse porque ou quais eram os rumores foi ordenado que a partir daí ficassem sempre duas funcionárias no atendimento ao público sendo que até então só a arguida o fazia; mais referiu que os problemas eram com os pagamentos das pensões dos idosos, tendo esclarecido as competências da junta para fazer tais pagamentos e os procedimentos que deveriam ser adotados, designadamente que até pelo menos 2012, se admitia que um familiar fosse levantar o vale de um idoso sem que se mencionasse tal circunstância no vale, porque conheciam as pessoas e confiavam, sendo igualmente possível que o idoso assinasse o vale e este fosse levantado por terceiro; confrontada com os documentos de fls. 46 a 76 dos autos, a testemunha referiu que as rubricas constantes a fls. 57, 58, 59, 60, 61, 62, 64, 65, 66 a 71, 72 e 73 (com dúvidas), e 74 a 76 pertencem à arguida e que a rubrica de fls. 63 é muito parecida à da própria testemunha, parecendo-lhe sua, sendo que estando o vale datado de agosto é possível que seja sua porque exercia essas funções nas férias da arguida; a testemunha referiu que era possível as pessoas lá deixarem os vales e depois ir levantar mais tarde, sendo igualmente comum que a lá ficassem cópias de documentos dos beneficiários; mais referiu que várias vezes a arguida foi levantar vales de pensões pertencentes a utentes da junta, podendo ter acontecido ter-lhe feito algum pagamento se isso aconteceu no período de férias daquela, nada tendo dito na altura porque era sua colega; esclareceu que em 2006 devido ao acumular de trabalho e à necessidade de fazer alguma vigilância à arguida foi colocada no atendimento ao público a funcionária Andreia, passando assim a estar duas pessoas nessas funções; referiu que essa vigilância foi decorrente da desconfiança que se começou a gerar em relação à arguida por causa de queixas de utentes, recordando-se de um senhor de nome FF que se queixou que a arguida lhe tinha tirado dinheiro da pensão e de uma situação em que, durante o período de férias da arguida, efetuou o pagamento de uma pensão a um idoso e o senhor voltou atrás depois de ter recebido a dizer que se tinha enganado porque a colega nunca lhe tinha dado tanto dinheiro, situação esta que situou em 1998; esclareceu que nunca conheceu a D. MC, sabendo que a mesma estava abrangida pelo programa alimentar da Junta mas não lhe fazerem as entregas porque não a localizavam, sendo que perguntou muitas vezes à arguida se a conhecia e ela sempre respondeu negativamente; relativamente ao vale de fls. 63 possivelmente nem reparou no nome da senhora, não se recordando da situação em concreto, estando todavia convicta de que este vale foi pago à arguida; referiu que a arguida estava na junta desde 1978, conhecia muito bem toda a população da freguesia e que era uma pessoa ardilosa, que tinha atitudes intimidatórias mas que ficava sempre bem no final; esclareceu que só efetuava pagamentos de vales de pensões durante o período de férias da arguida; referiu ter visto o senhor FF duas ou três vezes na Junta, sendo que uma vez, posterior à saída da funcionária Andreia (o que aconteceu em finais de 2011, início de 2012), e quando a arguida estava de férias, o senhor FF foi lá à Junta e pediu-lhe os € 500,00 que a arguida lhe tinha guardado na Junta, tendo explicado ao senhor que a Junta não guardava dinheiro das pessoas e reportou de imediato ao presidente; referiu conhecer a D. LR como utente da Junta e a D. JM devido a uma reclamação contra a arguida; no que concerne ao senhor JJ referiu que o mesmo foi lá com um cheque da segurança social já fora de prazo e achou estranho face ao valor elevado do mesmo, mas a arguida disse que tratava do assunto e posteriormente, numa outra vez que o senhor foi à junta perguntou-lhe se tinha conseguido resolver a situação tendo a arguida respondido em vez deste que estava tudo tratado; por fim, referiu não fazer parte das atribuições dos funcionários da junta preencher ou sequer ajudar os utentes a preencher documentos para atribuição de quaisquer prestações sociais nem declarações de rendimentos.

- IB – doméstica, enteada da D. LR, referiu conhecer a arguida de vista; a testemunha referiu que desde o óbito do pai – AB -, em 2006, passou a tratar das coisas da D. LR, sabendo que esta recebia mensalmente um vale para ir levantar a pensão de reforma mas desconhecendo se o fazia na junta de freguesia… ou não; referiu que vivia ao lado da casa da D. LR e que uma noite, estando esta a jantar na sua casa, a arguida entrou na casa da D. LR para lhe pedir satisfações e elas desentenderam-se; sabe que a arguida foi madrinha de casamento do pai com a D. LR e contaram-lhe que a arguida e do senhor Arlindo a costumavam acompanhar ao banco, nada mais tendo conhecimento.

- PP – assistente social, afirmou conhecer a arguida da Junta de Freguesia; a testemunha afirmou que fazia atendimento semanal e quinzenal na Junta de Freguesia …, sendo que em 2008 atendeu a D. JM e esta falou-lhe que ia levantar a pensão a Faro com a arguida e esta lhe ficava com o dinheiro; referiu que, posteriormente, fez uma visita domiciliária à D. JM e que esta se encontrava trancada em casa, tendo referido que a arguida era quem tinha a chave, tendo sido necessário contactar a GNR e depois a arguida compareceu tendo consigo as chaves da casa e o documento de identificação da D. Júlia, sendo que foi tudo entregue à GNR; referiu que a D. JM vivia sozinha e tinha muitos problemas com a filha, daí o motivo do acompanhamento, todavia, era uma senhora com um discurso sempre muito assustado e que mostrava muito medo da arguida mas nunca disse porquê; a testemunha referiu que em 2012 foi sinalizado um casal de idosos, aos quais fez uma visita domiciliária com a colega Noélia, no âmbito da qual conheceu o senhor FF e a D. MC, sendo que no decurso da conversa que mantiveram com eles o senhor FF disse que só tinha uma pensão, a sua, mas a d. MC insistia que tinha preenchido papéis a pedir a sua pensão, ao que a colega Noélia averiguou junto da Segurança Social e confirmou que tinha sido atribuído à senhora o complemento solidário para idoso, em 2009 e que estava a ser pago; no decurso do seu depoimento a testemunha foi confrontada com o teor de fls. 4 a 6 e 102 a 108 dos autos, tendo confirmado a sua intervenção nas duas ocorrências aí mencionadas.

- JM – residente na Conceição de Faro, afirmou conhecer a arguida da zona de residência e da respetiva Junta de Freguesia, tendo manifestado receio em depor na presença da arguida, motivo pelo qual veio a ser ouvida na ausência desta, como consta da respetiva ata da audiência de julgamento: a testemunha começou por referir que tinha confiança na arguida, motivo pelo qual a determinada altura, que não soube concretizar, entregou as chaves da sua casa à arguida e ela visitava-a muitas vezes, mas depois, porque houve problemas, designadamente uma vez que ficou trancada em casa, a arguida devolveu-lhe as chaves; referiu que dessa vez que ficou trancada em casa a segurança social foi lá e foi chamada a GNR mas acabou por abrir a porta com as suas próprias chaves, sendo que a arguida também lá apareceu e foi nessa altura que devolveu as chaves que tinha; a testemunha referiu ainda que era titular de uma conta no banco Santander Totta e que a determinada altura a arguida lhe disse que havia uma pessoa que a queria matar (à testemunha) e que eram precisos € 7.000,00 para resolver o assunto; tendo acreditado, foi com a arguida ao banco para levantar o dinheiro, mas como não estava de imediato disponível estiveram uns dias à espera; no dia em que o dinheiro ficou disponível entregou € 7.000,00 à arguida e os restantes € 3.000,00 ficaram na conta; mais referiu que a arguida a acompanhava várias vezes, ia buscá-la para passear sendo que sempre, nessas ocasiões, lhe pagava as refeições e a gasolina, mas que desde o dia em que lhe entregou os € 7.000,00 nunca mais a viu a não agora em tribunal; por fim, referiu que teve vários problemas com a filha, motivo pelo qual, as saídas com a arguida eram sem o conhecimento da filha e pagava-lhe tudo para que ela não contasse à filha.

- RP – a testemunha afirmou apenas conhecer a arguida de vista e da junta de freguesia …; referiu que o senhor JJ era seu vizinho e ajudava-o porque ele não tinha família e vivia muito isolado; referiu que há cerca de cinco anos atrás, por volta do ano de 2011, o senhor JJ começou a falar com a testemunha e disse-lhe que achava que a arguida o andava a enganar com as reformas; JJ explicou-lhe que recebia uma reforma em Portugal e outra de França e que era a arguida quem lhe tratava de tudo na junta de freguesia e contou-lhe que uma vez recebeu uma carta de França a dizer que uns documentos não estavam corretos, mas que não tinha enviado nada; a testemunha explicou que, por esse motivo, acompanhou JJ à segurança social, mas aí ninguém lhes conseguiu explicar o que se passava com as suas reformas; por fim, referiu que JJ lhe confidenciou que por diversas vezes a arguida lhe tinha pedido dinheiro.

- JL – funcionário do Banco Santander em Faro, e que afirmou conhecer a arguida apenas de vista, das vezes em que a mesma se dirigiu ao banco: a testemunha referiu que JM era cliente do Banco Santander e que tinha vários produtos financeiros que tinham prazos para poderem ser movimentados, sendo que um dia a senhora lá apareceu com a arguida e pretendia fazer o levantamento de um dinheiro que tinha aplicado num seguro; referiu que explicou as consequências de proceder ao levantamento sem decorrer o prazo para o efeito e que a aconselhou a contrair um empréstimo no valor que pretendia, o que as duas senhoras entenderam e aceitaram; referiu que a arguida foi sempre cordata, todavia, foram várias ao banco saber se o dinheiro já estava disponível e dessas vezes a arguida mostrou-se mais agressiva, tendo chegado a dizer que ia fazer uma reclamação porque queria obter o dinheiro rapidamente; confrontada a testemunha com o teor de fls. 126 e 299 referiu que a expressão “FOR. EMP” significa formalização do empréstimo e, consequentemente, que o empréstimo foi concedido e foram colocados € 10.000,00 na conta da D. JM .

- MG – a testemunha referiu conhecer a arguida da Junta de Freguesia…; referiu que uma vez se deslocou à junta para levantar uma carta e que era das finanças para tratar qualquer coisa relacionada com o IRS, estando em crer que era para fazer o IRS e que a arguida desde logo se ofereceu para o fazer, tendo-lhe pedido € 50,00 para o efeito, dinheiro que de imediato lhe entregou e dizendo que posteriormente fariam contas; a testemunha referiu que telefonou para as finanças e que aí lhe disseram que os impressos custavam apenas um euro; mais referiu que passado uns tempos a arguida foi a sua casa, sozinha, disse que já tinha entregue a declaração e então a testemunha perguntou-lhe quanto lhe devia ao que a arguida solicitou o pagamento de € 300,00; a testemunha referiu que achou que era muito caro e por isso apenas lhe entregou € 200,00, sendo que a filha chegou nesse momento, questionou-a sobre o dinheiro e a arguida acabou por deixar o dinheiro em cima da mesa; a testemunha referiu ainda que entre essas duas ocasiões a arguida foi a sua casa com um senhor, tem ideia que para pedir um papel que fazia falta mas não sabe qual; por fim, referiu que em momento algum a arguida lhe falou em multa para pagar às finanças, sendo que até perguntou se haveria alguma multa para pagar e a arguida disse que não.

- MA – filha de MG , afirmou conhecer a arguida da junta de freguesia…; a testemunha referiu que mora ao lado do pai e que durante algum tempo esteve hospitalizada, estando em crer que no dia em causa a arguida pensaria que ainda se encontrava no hospital; referiu que, em dia que não sabe já precisar, ouviu a arguida pedir ao seu pai € 300,00, achou estranho e foi a casa do pai tendo questionado a arguida sobre tal pedido e, ouvida a explicação do pai, disse que assim que estivesse em condições de saúde se iria dirigir às finanças para saber a situação fiscal do pai e foi-se embora, tendo posteriormente sabido pelo pai que este apenas lhe deu € 200,00 e que a arguida deixou o dinheiro em cima da mesa, sendo que nunca se chegou a dirigir às finanças.

- AF– aposentado das finanças, referiu conhecer a arguida e o marido, sendo que por virtude das suas funções – serviço externo – se dirigia muitas vezes à junta de freguesia …. onde afixava editais; a testemunha referiu que uma vez a arguida lhe pediu para ir com ela a casa de um senhor informar sobre as penalizações em caso de entrega tardia do IRS, sendo que à data a coima era cerca de e 50,00; a testemunha esclareceu que se tratou de um favor e que, embora não se recorde da situação concreta, se a conversa foi para apresentar a declaração em tempo para evitar a coima é porque ainda podia apresentar em tempo.

- RJ – carteiro, referiu conhecer o arguido por ser colega de trabalho e arguida da junta de freguesia…; a testemunha referiu que entre 1999 e 2000 exerceu a sua atividade na zona da Conceição de Faro; referiu que as cartas para pagamento das reformas eram deixadas na junta de freguesia e quem tratava do correio era a arguida ou, se ela não estivesse, a colega que estivesse no atendimento; mais referiu que quem lhe pediu para que as cartas das reformas fossem deixadas na junta de freguesia eram os próprios beneficiários, designadamente a D. LR, o senhor JG, o senhor AR e mulher e a D. MJ, entre outros que afirmou já não se recordar; mais referiu não ter memória do nome FF, afirmando com certeza quem nunca a arguida nem ninguém da junta de freguesia lhe pediu para deixar lá as cartas de algum beneficiário.
Foram igualmente considerados os depoimentos das testemunhas arroladas pela arguida, a saber:

- Matilde – afirmou conhecer a arguida da junta de freguesia e por ser sua vizinha; mais referiu que sempre recebeu a sua reforma e do marido através de vales do CTT que ia levantar à junta de freguesia… sendo que nunca teve qualquer problema e que a arguida sempre lhe entregou o dinheiro na sua totalidade que agora, continua a ter o mesmo procedimento mas com outra funcionária; refere que recebe a pensão do marido, assinando pelos dois.

- Andreia - atualmente técnica administrativa na Ubel, tendo sido funcionária da junta de freguesia… entre janeiro de 2006 e julho de 2011, local onde conheceu a arguida; a testemunha esclareceu que na junta tinha por função tratar da correspondência, dos ofícios, das presenças quinzenais dos desempregados, fotocópias e nas ausências da arguida fazia a caixa; referiu que a sua secretária era ao lado da da arguida e por isso via e ouvia o que ela fazia, sabendo que eram funções da arguida tratar da caixa – cobranças e pagamentos – e também do recenseamento eleitoral; referiu que para além da própria e da arguida, também a testemunha Eunice estava diariamente na junta, esclarecendo que em momento algum lhe pediram dentro da junta para que estivesse atenta ao trabalho da arguida, sendo que nunca nada de estranho viu em relação ao trabalho da arguida, não tendo memória de a arguida falar baixo com os utentes ou levá-los para o exterior; afirmou recordar-se do casal FF e MC como um casal de utentes que se dirigia à junta, sendo por regra atendidos pela arguida;

confrontada com os vales de correio de fls. 46 a 76 identificou a rubrica da arguida nos talões de fls. 57 a 62, 64 a 76 e a rubrica da funcionária Eunice no talão de fls. 63; confrontada com fls. 50 referiu que o facto de haver duas assinaturas era porque às vezes a senhora não saía do carro e era o marido que ia levantar ao balcão da junta e por assinavam os dois, sendo que às vezes só ele é que assinava e entregavam na mesma o dinheiro porque já os conheciam, sendo certo que o senhor FF estava lúcido até se ir embora da junta; referiu que por regra era a arguida quem lhe entregava o dinheiro, e que tinha por hábito conta-lo na presença dos utentes, sendo que nas férias da arguida era a funcionária Eunice que fazia os pagamentos; a testemunha esclareceu que os pagamentos eram feitos com o dinheiro das cobranças e por vezes podia acontecer não terem liquidez para pagar os vales, sendo que nesse caso, as pessoas regressavam no dia seguinte para levantar o dinheiro ou iam a outro sítio; nunca teve conhecimento de reclamações da arguida, referindo que pelo contrário, as pessoas gostavam dela e pediam para serem atendidos por ela porque ela os ajudava com o preenchimento dos papéis e quando não tinha tempo dizia para deixarem que no seu tempo livre trataria, sendo que às vezes as pessoas lhe davam um euro ou lhe pagavam um café como recompensa; sobre esta questão referiu ainda que havia ordens expressas para que não tratassem de questões relativas à segurança social e finanças dos utentes e que acha que o que a arguida fazia aos utentes não era do conhecimento da direção, sendo que via várias vezes as pessoas entregarem-lhe os impressos mas nunca a viu preenchê-los no horário de trabalho; também referiu que se comentava que a arguida ia a casa dos utentes fora do horário de trabalho para os ajudar; referiu ainda que quando começou a trabalhar na junta de freguesia já existia o programa do Banco Alimentar e que o casal referido era beneficiário desse programa, nunca tendo tido conhecimento de qualquer problema ou reclamação, até porque os alimentos eram entregues pelo motorista quando as pessoas não iam levantar, nunca lhe tendo sido dito por ninguém na junta que havia pessoas que não estavam a receber a alimentação nem nunca lhe perguntaram se sabia quem era a d. MC; referiu desconhecer quando é que esta senhora ficou acamada, tendo memória de ela ir à junta até pelo menos ao ano de 2008 e saber que o casal apenas recebia uma pensão porque só lá iam uma vez por mês desconhecendo a qual se dirigia; referiu que o senhor FF conhecia o valor da sua reforma e nunca reclamou, sendo que nunca lhe fez qualquer pagamento nem sabe o valor da reforma dele; esclareceu que fez as funções da arguida durante cinco anos nos verões; esclareceu conhecer a testemunha Vanda, que exercia as funções de contabilista na junta, sendo que esta nunca lhe deu qualquer ordem em relação à arguida; soube que uma vez faltou dinheiro em caixa e que tal foi imputado à arguida desconhecendo como foi resolvida a situação; referiu ainda que o carteiro nunca lá deixou vales de reforma de utentes para estes lá irem posteriormente levantar; por fim, a testemunha referiu que enquanto esteve na junta era necessário o utente comparecer na junta para levantar o seu vale com a reforma, tendo de exibir o seu documento de identificação e assinar, sendo que se fosse familiar do beneficiário assinava “a rogo” e colocavam no vale que era familiar e que assinava em vez do beneficiário.

- MR, solicitadora e que afirmou conhecer a arguida desde a infância; referiu que uma vez a arguida a procurou porque uma pessoa amiga precisava de um conselho, tendo então conhecido a D. JM, que lhe pareceu ser uma pessoa normal e que pretendia revogar uma procuração que passara a uma advogada na qual tinha perdido a confiança, sendo que nunca chegou a ver tal procuração, nem sabe porque é que a D. JM foi ter com a arguida por causa deste assunto, tendo apenas explicado qual o procedimento para revogar uma procuração; referiu que posteriormente a arguida lhe mostrou uma carta que uma advogada, Dra. M, lhe tinha enviado – tendo sido confrontada com o documento constante do apenso I e que confirmou ter sido o que lhe foi exibido – e que a mesma estava muito assustada com essa carta porque a considerava uma calúnia; relativamente ao teor da carta a testemunha referiu desconhecer se é verdade ou mentira, mas querendo acreditar não ser verdade dado que conhece a arguida e não a revê nessas coisas; por fim referiu desconhecer se a arguida fazia apoios domiciliários ou se ajudava os idosos a preencher documentos, sabendo apenas que as pessoas a conheciam por ser boa funcionária.
- EG – amiga da arguida, depôs sobre as condições de vida da arguida, afirmando que a mesma tem uma vida simples, sem luxos e sem vícios, identificando-a como uma pessoa simples, prestável e sempre disposta a ajudar.

- FR – reformado, afirmou ter conhecido a arguida na junta de freguesia…, onde tinha de se deslocar cerca de 4 vezes por ano para preencher e enviar os certificados de vida a si referentes e à sua mulher com vista a serem enviados para França para receberem as respetivas pensões, sendo a arguida quem sempre lhe tratou de tudo, incluindo o preenchimento de toda a documentação, o que só deixou de fazer quando essa documentação passou a vir preenchida de França, sendo que a sua mulher raramente ia à junta, ou ia o próprio ou a filha; referiu que não recebe a pensão por vale mas sim por depósito bancário, e que a arguida sempre foi correta consigo, nunca lhe tendo pago nada nem sequer ela nunca lho pediu; referiu ter a ideia que as pessoas a procuravam por ela ser simpática e muito prestável; referiu conhecer FF e mulher, MC, seus vizinhos, descrevendo-os como pessoas que sempre viveram na miséria, referindo que várias vezes o viu na Junta de Freguesia, sabendo que a determinada altura a senhora ficou acamada e que terão pedido à arguida para lá ir fazer a limpeza porque a sobrinha os abandonou; por fim referiu ter igualmente conhecido JJ a quem chamavam “Joaquim o maluco”, sendo que várias vezes também se cruzava com ele na Junta.

- JMM – foi tesoureiro da Junta de Freguesia… durante três mandados, conhecendo por via disso a arguida há vários anos; referiu que enquanto esteve na junta de freguesia, a arguida sempre fez um bom trabalho, nunca houve queixas contra ela nem faltas de dinheiro; referiu que quando necessitou de pedir um suplemento de pensão para a sogra foi ter com a arguida, e ela tratou de tudo fora do seu horário de trabalho sem lhe pedir qualquer dinheiro; disse desconhecer se a arguida faz o mesmo a outras pessoas e ter tido conhecimento que há pouco tempo alguém se queixou dela mas desconhece os contornos.

- MM – foi tesoureiro da Junta de Freguesia até 1989 e depois disso fez parte da assembleia de freguesia, motivo pelo qual conheceu a arguida; referiu que a arguida era uma funcionária exemplar, que fazia tudo o que era necessário, sem nunca ninguém se ter queixado dela, referindo que o próprio recebe a sua reforma em vales do correio e que por vezes os vai levantar à junta nunca tendo tido qualquer problema, embora maioritariamente os levante nos correios de Mar e Guerra; esclarece que recebia os vales em casa e que quando ia à junta… se não houvesse dinheiro deixava lá os vales e voltava no dia seguinte, porque confiava na arguida, referindo que a própria contava o dinheiro e exigia que o conferisse; mais esclareceu que por diversas vezes pediu à arguida que lhe tratasse de papéis da segurança social e do IRS porque a arguida tinha conhecimentos e tratava de tudo depois do serviço, sendo que nunca lhe cobrou nada; por fim referiu que a arguida conhecia muitas pessoas e fazia estas coisas por amizade.

- SB – referiu conhecer a arguida por ser amiga da sua mãe; esclareceu que a mãe é uma pessoa doente e a arguida trata-lhe de tudo na Junta de Freguesia, referindo ainda que nunca lhe pediu ajuda para tratar de nenhum assunto que não seja da competência da junta mas já lhe pediu vários conselhos e ela sempre ajudou nunca tendo cobrado nada em troca.

- APJ – referiu conhecer a arguida da junta de freguesia…, sendo utente ainda hoje; a testemunha referiu que por diversas vezes pediu conselhos à arguida sobre como fazer as coisas e seguia os conselhos dela nunca lhe tendo pedido para ser ela a preencher documentos; mais referiu que quando recebe cartas que não entende o conteúdo se dirige à junta porque lá esclarecem-no sempre, é a sua segunda casa e se não for a arguida são as outras funcionárias.

- AFM – referiu conhecer a arguida da Junta de Freguesia…; esclareceu que viveu mais de 30 anos na zona da Conceição de Faro e que a mulher ia levantar a reforma à junta, acompanhando-a dessas vezes e por via disso ter conhecido a arguida, pois era a funcionária que fazia os pagamentos, referindo que nunca houve problemas com os pagamentos e que a arguida contava sempre o dinheiro antes de o entregar.

- MJC – referiu ter trabalhado na Câmara Municipal de Faro e por esse motivo ter conhecido a arguida, enquanto funcionária da Junta de Freguesia, pessoa com criou amizade e que a contactava quando tinha dúvidas sobre procedimentos de trabalho; descreveu a arguida como uma pessoa rigorosa que fazia muitas perguntas porque não gostava de errar, sendo que cerca de 21 anos foi a única funcionária da junta; mais referiu ter ideia que as pessoas gostavam dela e confiavam nela porque a arguida os ouvia, ajudava-os a preencher os papéis, não tendo tido conhecimento de quaisquer queixas contra ela; referiu não frequentar a casa da arguida mas ter conhecimento, pelo que fala com ela, de que é pessoa de estar em casa, sendo que nos últimos dois anos ter-se-ão visto 3 ou 4 vezes.

- CN – referiu conhecer a arguida à cerca de 40 anos por motivos profissionais, descrevendo-a como uma pessoa muito prestável, designadamente nas questões referentes ao recenseamento eleitoral, tendo ajudado a testemunha a conhecer muitas pessoas da freguesia da …; referiu que a arguida é uma pessoa solidária, que ainda hoje lhe faz favores sem pedir nada em troca, correta, prestável e que todos gostam dela e lhe são gratos na freguesia.

- RS – referiu conhecer a arguida da Junta de Freguesia… e que no exercício da sua profissão – técnico civil – recorre várias vezes à junta para obter certidões, reconhecimentos, identificar pessoas ou lugares e que a arguida sempre foi muito prestável, sendo que quando não sabia resolver procurava quem soubesse ou indicava onde poderia obter as informações.

Foram igualmente considerados os depoimentos das testemunhas arroladas pelo arguido CF, CS e FGR, ambas apenas ao caráter e personalidade do arguido, tendo ambos referido que foram colegas de trabalho do arguido e que o descreveram como uma pessoa séria, humilde, correto e bom profissional.

Findo a produção de toda a prova testemunhal os arguidos manifestaram vontade de prestar declarações.

No essencial a arguida R. negou os factos que lhe são imputados referindo especificamente que: em relação a MG os € 50,00 que lhe foram entregues foram pagamento da coima às finanças, tendo preenchido e entregue a declaração de IRS às finanças; em relação a JM referiu que a mesma estava descontente com a sua advogada e que a acompanhou uma vez ao banco porque ela queria levantar dinheiro, mas o dinheiro estava aplicado e então fez um empréstimo pelo valor que queria, o que demorou algum tempo, sendo que ainda foram ao banco pelo menos duas vezes antes de o dinheiro estar disponível e quando ficou disponível a JM pôs € 500,00 na conta da filha, € 2.500 na conta da CGD e o resto levou para casa, disse que ia esconder da filha com quem não se dava; em relação a LR, de quem é madrinha de casamento, confirmou ter ido abrir uma conta com a senhora, conta essa de que eram ambas titulares, podendo a arguida fazer movimentos, mas nunca o fez, até porque nunca teve qualquer cartão de débito e a caderneta sempre esteve na posse da LR, esclarecendo que o fez porque a LR se desentendeu com a enteada Isabel depois da morte do marido, sendo que quando a LR fez as pazes com a enteada retirou o seu nome da conta; em relação ainda a LR referiu que a senhora conhecia bem o valor do dinheiro e acompanhava-a várias vezes ao banco, designadamente quando o vizinho Armindo não ia, sabendo que ela fazia vários levantamentos, mas nunca lhe pediu nada; em relação a JJ referiu tê-lo ajudado a pedir o complemento solidário para o idoso, ter conhecimento que o senhor recebeu um vale com um valor elevado da segurança social mas que já tinha perdido a validade, tendo-o aconselhado a ir à segurança social para o reativar, desconhecendo se o mesmo o fez; em relação a FF e MC referiu que eram seus vizinhos e que era ela quem recebia pensão e não ele, confirmando que ajudou a senhora a pedir o complemento solidário para o idoso, sabendo que ela recebia por vale porque o ia levantar à junta e quando estava doente era o marido que lá ia; referiu que ora assinava só ela quando ela ia à junta, ou os dois, ou apenas ele e pagavam porque já os conheciam ainda que os vales fossem dirigidos à senhora; referiu que nunca os vales foram deixados na junta e que nunca foi levantar nenhum vale destes senhores; esclareceu que tinha os cartões de cidadão de FF e MC porque estes lhe tinham pedido para evitar que a sobrinha ficasse com eles, sendo que não lhe ocorreu proceder à sua entrega quando a senhora faleceu; esclareceu que FF conhecia o valor do dinheiro e estava lúcido das vezes que contactou com ele, sendo que quando MC ficou doente, o senhor FF lhe pediu para ir lá a casa e então passou a ir ajudá-los; reconheceu a sua rubrica a fls. 57 a 62 e 64 a 76, identificando a de fls. 63 como sendo da colega Eunice; em relação a AN as colegas Eunice e Andreia, referindo que tudo o que é dito de si é maldade e ciúme por as pessoas gostarem dela, esclarecendo que sabia que não podia dar ajuda aos utentes porque não fazia parte das suas funções mas gostava de ajudar as pessoas e tinha feito formação em Rendimento Social de Inserção, pelo que sabia ajudar e tinha gosto nisso.

O arguido C referiu que herdou a arma do seu pai, tendo-a encontrado no meio das ferramentas do pai quando este faleceu em 2006, e guardou-a na mesa de cabeceira desde então desconhecendo que precisava de uma licença para a deter; mais referiu que fez a tropa e que tinha a noção do que era uma arma.

Foram tidos em consideração os documentos de fls. 3 a 10 (informação da segurança social e da GNR sobre os idosos FF e MC), 37 e 38 (informação do CNP quanto aos vales de reforma emitidos em nome de MC), 46 a 76 (cópia de alguns vales de pensão de reforma emitidos em nome de MC), 85 a 92 (processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de FF ), 97 e 98 (consulta dos movimentos da conta titulada por LR na CGD), 102 a 114 (processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de JM), 126 (cópia de um excerto de movimento da conta titulada por JM no Banco Santander), 150 a 165 (autos de denúncia e arquivamentos nos processos ---/08.0 GCFAR e ----/08.9 TAFAR entre a arguida e JM ), 224 e 225 (auto de busca e apreensão levado a cabo na Junta de Freguesia….), 228 e 229 (auto de busca e apreensão na residência dos arguidos), 296 a 303 (extrato da conta titulada por JM no banco Santander entre 8 de fevereiro e 31 de outubro de 2012), 310 a 314 (extrato da conta da arguida na Caixa de Crédito Agrícola), 331 a 337 (informação da segurança social sobre visitas domiciliárias realizadas), 338 e 339 (informação do CNP sobre a pensão e complemento solidário para o idoso recebidos por JJ), 445 (auto de ocorrência referente a AN), 480 a 630 e 745 a 758 (informações sobre as contas bancárias de que a arguida é titular e respetivos extratos bancários), 1226 (informação sobre o complemento solidário para o idoso atribuído a MC) e 1227 (informação dos CTT quanto à titularidade das caixas postais 103 Z e 63 Z no sítio dos Virgílios).

Foram igualmente valorados os documentos constantes do apenso I – resultantes da apreensão efetuada na Junta de Freguesia --- e na residência da arguida - e o relatório pericial de fls. 319 a 322 (referente à arma de fogo apreendida).

Concretizando.
Relativamente ao ponto 1 dos factos provados foram tidas em consideração as declarações da arguida, que os assumiu, bem como os depoimentos da generalidade das testemunhas inquiridas, quer de acusação quer de defesa (arroladas pela arguida), na parte em referente ao conhecimento que a arguida tinha da população da freguesia.

No que diz respeito aos pontos 2 a 8 dos factos provados e 1 a 7 dos factos não provados – caso MG – o tribunal teve em consideração, de forma conjugada, o depoimento das testemunhas MG, MA e AF, com as declarações da testemunha. Atento o depoimento da testemunha MG e as declarações da arguida, não restaram dúvidas que o primeiro se dirigiu à junta de freguesia para levantar uma carta que lhe fora remetida pelas finanças e que se relacionava com a entrega da declaração de IRS, bem como que a arguida se prontificou a ajudar e que nesse momento a testemunha MG entregou € 50,00 à arguida.

Não obstante, ficou por esclarecer, e por conseguinte, foi dado por não provado, que os referidos € 50,00 se destinassem ao pagamento da coima pela entrega tardia da declaração de IRS. Com efeito, a testemunha MG referiu que a arguida não lhe falou em qualquer multa, sendo que perguntou diretamente se tinha de pagar alguma multa, e a testemunha AF referiu que foi esclarecer o senhor sobre as consequências do pagamento atrasado, o que só faria sentido se o pagamento atempado ainda fosse possível. Por outro lado, se atentarmos ao documento junto a fls. 26 do apenso I (ainda que referente a MC, verifica-se que as finanças alertam (ou pelo menos alertavam) para o pagamento ainda antes da aplicação de coimas, tornando verosímil a versão das testemunhas MG e AF em detrimento do declarado pela arguida. Do depoimento das testemunhas MG e MA também não restaram dúvidas que a arguida solicitou o pagamento de € 300,00 pelos serviços prestados, mas que face à discordância do valor, MG só lhe entregou € 200,00, os quais todavia, a arguida acabou por deixar em casa de MG face à intervenção da filha MA. Todavia, também ficou explícito, essencialmente do depoimento de MG que, se na primeira situação aceitou pagar € 50,00 para que a arguida lhe tratasse do assunto com as finanças, na segunda situação, terá sido o próprio a perguntar à arguida quanto devia pelos seus serviços, ao que a arguida avançou com o valor de € 300,00. Já não resultou provado, uma vez que a arguida negou os factos e não resultou de nenhum dos depoimentos referidos que a arguida tenha referido que tal valor era para pagar a AF e que tal pagamento era fracionado em duas prestações, a primeira de € 200,00 e a segunda de € 100,00 apenas após a emissão do recibo. Do mesmo modo, face ao depoimento da testemunha AF e à incerteza no depoimento de MG quanto a esta parte, não resultou provado, que a visita do primeiro à casa do segundo se destinava à obtenção de documentos em falta. Uma vez que nenhuma das pessoas inquiridas em tribunal soube concretizar a data em que os factos ocorreram nem tal resulta de qualquer documento junto ao processo foi valorado como não provado, neste sede por ausência de prova, a data em que os factos provados ocorreram.

No que concerne aos pontos 9 a 14, 22 e 23 dos factos provados e 8 a 12 dos factos não provados – caso JM -, o tribunal teve em consideração, de forma conjugada o depoimento das testemunhas JM, PP, JL e MR, o processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de JM constante a fls. 102 a 114 (do qual resulta a data de nascimento de JM); a cópia de um excerto de movimento da conta titulada por JM no Banco Santander constante a fls. 126, o extrato da conta titulada por JM no Banco Santander relativamente ao período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de outubro de 2012 constante a fls. 296 a 303 dos autos, os autos de denúncia e arquivamentos nos processos ---/08.0 GCFAR e ---/08.9 TAFAR entre a arguida e JM constantes a fls. 150 a 165, bem como a carta de fls. 32 a 35 do apenso I, remetida à arguida pela filha da D. JM e por uma advogada e, por fim, o documento de fls. 46 do apenso I. De referir que a testemunha JM manifestou de forma inequívoca ter grande receio da arguida, o que comprometeu a total espontaneidade do seu depoimento ainda que prestado na ausência da arguida, o que se mostra compreensível face até à anterior existência de queixas e processos crimes uma contra a outra e que vieram a ser arquivados. De referir ainda, relativamente ao depoimento da testemunha JM, que não foram detetados pelo tribunal quaisquer sinais de anomalia psíquica que pudesse comprometer o seu depoimento. Não se descura que a fls. 114 dos autos consta uma declaração médica na qual se atesta que a testemunha JM tem um deficit cognitivo e apresenta discurso colorido/paranoide, todavia, tal declaração aparece no âmbito do processo social elaborado na Câmara Municipal de Faro, com vista ao acolhimento da mesma num lar, sendo que do relatório elaborado pela assistente social – fls. 102 a 108 resulta que foi vista por outro médico psiquiatra e não lhe foi diagnosticada qualquer anomalia psíquica. Donde, não resultou provado que a testemunha padecesse de problemas de ordem psiquiátrica grave, como resultava da acusação, tendo o mesmo sido valorado sem qualquer óbice. Aliás, tal depoimento foi essencial para o apuramento dos factos dados por provados, na medida em que a testemunha explicou de forma clara as circunstâncias em que lhe foi pedido o valor de € 7.000,00 e os procedimentos que adotou para entregar tal valor à arguida. Ao tribunal não foi alheio que o destino do remanescente do dinheiro do empréstimo não foi o depósito na conta como referido por JM, mas sim o levantamento do montante de aproximadamente € 9.500,00 como consta do extrato bancário junto aos autos.

Não se descura que a arguida negou os factos e que se escudou na má relação existente entre a testemunha e a filha. Todavia, ao contrário de algumas outras situações, a que infra se fará referência, no caso, o tribunal dispôs de outros elementos probatórios para além das declarações da arguida versus o depoimento da testemunha JM. Com efeito, foi fundamental para a formação da convicção do tribunal o depoimento da testemunha JL, funcionário do banco Santander, cuja imparcialidade é absolutamente inquestionável. Esta testemunha não só explicou o teor do documento de fls. 126, que depois se encontra novamente retratado no extrato de fls. 296 a 303 dos autos, como esclareceu que JM se dirigiu ao banco com a arguida, que pretendia levantar o dinheiro que tinha numa aplicação financeira, que lhe explicou as consequências de tal procedimento mas que face à insistência em obter o dinheiro acabou por sugerir a realização de um empréstimo, procedimento que quer a cliente quer a arguida compreenderam. E referiu ainda que, entre o dia do pedido do empréstimo e o da sua concessão, a arguida foi com a d. JM duas ou três vezes ao banco para perguntar sobre aquele, mostrando-se ansiosa pela obtenção do dinheiro, tendo chegado a exaltar-se e a dizer que ia apresentar uma reclamação, comportamento que não verificou na sua própria cliente. Ora, a ser verdadeira a versão da arguida, de que se tratou de uma mera ida ao banco, como várias outras, e que nenhum interesse tinha nesse dinheiro, não faria qualquer sentido o comportamento da arguida tal como descrito pelo funcionário bancário. Com efeito, o interesse da arguida na formalização do empréstimo e na rapidez da sua concessão só se explica se algum interesse pessoal tivesse, e esse interesse foi o explicado pela testemunha JM, que aliás também referiu que, desde esse dia nunca mais viu a arguida. No que respeita à convicção da testemunha JM para proceder à entrega do dinheiro à arguida, o tribunal ficou convicto de que nada teve que ver com qualquer problema de ordem psiquiátrica, ou com a vulnerabilidade própria da idade, mas essencialmente com o contexto em que a testemunha vivia, de alegados maus tratos por parte da filha e genro, que levaram inclusivamente ao seu acolhimento num lar de idosos, conjugada com a confiança que depositava na arguida, pessoa a quem teria inclusive entregue as chaves da sua casa, como relatou a testemunha PP, e que, por conseguinte, não era expectável que a enganasse. Por fim, o que não resultou dos meios de prova supra referidos foi valorado como não provado, por ausência de prova nesse sentido. De referir, por fim, que o depoimento da testemunha MMR, nada veio acrescentar que pudesse por em causa a convicção do tribunal como supra descrita, na medida em que o relatado por esta testemunha não respeita aos factos em apreço, mas essencialmente à leitura de uma carta escrita por pessoas que não foram inquiridas em tribunal.

Relativamente ao conhecimento e vontade da arguida (pontos 22 e 23 dos factos provados), pese embora a prova não tenha sido direta, atento a que a arguida negou a prática dos factos, os mesmos inferem-se do comportamento objetivo da arguida, pois de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, não sendo verdadeiro o motivo pelo qual o dinheiro foi solicitado, a arguida não podia deixar de saber que estava a enganar JM, pois que de outra forma não obteria a quantia monetária pretendida e agiu com esse intuito, sabendo que aquela ficaria lesada no seu património no montante que lhe entregou pois que não teria intenção de o devolver, como não devolveu.

No que concerne aos pontos 15 a 17 dos factos provados e 13 a 17 dos factos não provados – caso LR– foi tido em consideração pelo tribunal o depoimento das testemunhas LR e IB, em conjugação com o extrato de conta de fls. 97 e 98 dos autos e com as declarações da arguida.

De referir que a testemunha LR quando inquirida em audiência de julgamento foi confrontada com alguns documentos não soube identificar o valor do dinheiro nem a correspondência entre escudos e euros. Todavia, não foi feita qualquer prova sobre o estado de saúde e memória da testemunha à data dos factos imputados à arguida. Por conseguinte, não pode o tribunal concluir que, à data dos factos, entre 2010 e 2012 a testemunha já apresentasse graves dificuldades de compreensão e que desconhecesse o valor do dinheiro e, por conseguinte, tais factos foram valorados como não provados.

Todos os depoimentos e também as declarações da arguida foram no sentido de que a arguida foi madrinha de casamento da testemunha LR com AB, pai da testemunha IB, o que, por si só, permite concluir pela existência de uma relação de proximidade entre LR e a arguida. Ambas confirmaram que a arguida ajudou a LR a abrir uma conta para aí receber a sua pensão, tendo a testemunha LR confirmado as declarações da arguida no sentido de que a caderneta da conta aberta na CGD sempre esteve em seu poder e não em poder da arguida. A arguida nega que alguma vez tenha ficado com algum dinheiro da testemunha LR, ou sequer que lho tenha pedido, sendo que a testemunha LR afirmou, de forma vaga e imprecisa, que a arguida se deslocava várias vezes com ela ao banco quando ia levantar dinheiro e que era a arguida quem ficava com o dinheiro e só lhe dava uma parte. Todavia, não soube concretizar quantas vezes tal terá acontecido nem que dinheiro terá ficado na posse da arguida, sendo certo que desde o início do seu depoimento referiu sempre que não desejava procedimento criminal contra a arguida. Sobre esta matéria a testemunha IB nada soube acrescentar. Ora, se analisado o extrato de conta de fls. 97 e 98 dos autos, facilmente se visualizam vários levantamentos nos anos de 2010 e 2011, de valores entre € 400,00 a € 3.300, com regularidade. Todavia, o depoimento da testemunha LR não é suficiente para, com a certeza necessária, concluir que os levantamentos constantes desse extrato foram feitos na companhia da arguida e que esta se apropriou de parte desses montantes, dada a forma vaga como foi prestado. Este depoimento indicia tal situação, mas face à negação dos factos pela arguida e à ausência de qualquer outro meio probatório que o corrobore e que o concretize, em nome do princípio pro reu, foram valorados os factos não provados. Em concreto no que se refere ao dia 31 de agosto de 2011 e ao levantamento da quantia de € 1.300,00 nenhuma prova foi feita, motivo pelo qual também foi valorado como não provado tal facto.

Relativamente aos pontos 18 e 19 dos factos provados e 18 a 23 dos factos não provados – caso JJ – foram tidas em consideração as declarações prestadas pelo mesmo perante magistrado do Ministério Público, constantes de fls. 866, e a cuja leitura se procedeu em audiência de julgamento, como consta da respetiva ata, onde o mesmo refere, de forma sucinta que a arguida lhe disse que lhe iam cortar a pensão e que para resolver teria de lhe entregar “sessenta contos” (o equivalente a aproximadamente € 300,00), o que fez, bem como que, para além da sua pensão, cujo valor era de aproximadamente “dezassete ou dezoito contos”, nunca recebeu qualquer outro valor, designadamente de € 5.000,00. Foi igualmente valorado o depoimento das testemunhas Eunice e Raquel e os documentos de fls. 331/332, 338 e 339 dos autos, e de fls. 31, 101 e 102 do apenso I. A data de nascimento de JJ resulta do documento de fls. 339. O depoimento da testemunha JJ, já falecido, é parcialmente coincidente com o teor da informação de fls. 331 e 332, elaborada pela testemunha Noélia, técnica da segurança social, a qual, todavia, em audiência de julgamento não se pronunciou sobre esta matéria. De todo modo, ainda que pudesse ser valorado como depoimento indireto (válido face ao óbito da pessoa visada), a verdade é que os demais elementos de prova produzidos em audiência de julgamento foram insuficientes para que o tribunal pudesse chegar a uma conclusão segura quanto aos factos imputados à arguida. Na verdade, o depoimento da testemunha Raquel apenas permitiu concluir que JJ era uma pessoa que vivia sozinha, não tinha familiares, o que se mostra corroborado pela informação de fls. 334, todavia, quanto ao mais nada acrescentou pois que se resumiu às suspeitas que o falecido JJ tinha quanto à arguida mas que não conseguiu esclarecer ainda que se tenham dirigido à segurança social para esse efeito. É seguro que JJ recebia uma pensão e reforma e que, no decurso do ano de 2010, lhe foi atribuída uma prestação social denominada “complemento solidário para o idoso”, pois que tal resulta inequívoco do teor de fls. 338 e 339 dos autos, 31, 101 e 102 do apenso I.

Todavia, quanto à situação da entrega de € 350,00, a prova produzida nos autos resume-se à leitura do depoimento prestado por JJ em sede de inquérito perante o magistrado do Ministério Público e às declarações da arguida, que nega perentoriamente tais factos. Face às duas versões contraditórias e uma vez que o depoimento da testemunha foi parco e pouco concretizado, em nome do princípio in dúbio pro reu, tais factos foram valorados como não provados. Para além disso, do depoimento da testemunha Raquel resultou que JJ era uma pessoa que vivia isolado e sem suporte familiar, mas não referiu a testemunha que este tivesse problemas de memória ou compreensão, pelo que também nesta parte o tribunal valorou os factos como não provados. No que concerne ao valor do complemento solidário para o idoso, há que ter em consideração que do teor de fls. 866 resulta que a JJ afirmou não o ter recebido e que de fls. 102 do apenso I resulta que foi atribuído e pago. A arguida refere que ajudou JJ a fazer o pedido para a atribuição de tal complemento e, tal como a testemunha Eunice, referiu que JJ apareceu na junta de freguesia com um cheque da segurança social no qual estava aposto um valor muito elevado e que estaria já fora de prazo. Embora coincidentes nesta parte, o depoimento da testemunha Eunice foi no sentido de que a arguida se apressou a dizer que resolvia o assunto e que quando mais tarde questionada sobre ele a arguida apenas referiu já estar tratado, ao passo que a arguida referiu que apenas aconselhou o senhor a ir à segurança social para reativar o cheque que entretanto perdera a validade, desconhecendo se o mesmo o fez ou não. Não se descura que na posse da arguida foi apreendida a cópia de um vale de correio remetido a JJ para pagamento da pensão (conclui-se tratar-se da pensão porque corresponde ao valor da mesma – conforme fls. 338 – em duplicado, tendo em conta que se refere ao mês de dezembro); uma declaração comprovativa de pagamento da pensão referente ao mês de janeiro de 2010 e cópia de um recibo de entrega de documentos referente ao requerimento de complemento solidário para o idoso (documento este que tem a data de junho de 2010, donde se concluiu que o requerimento teria sido feito em data anterior a essa data) – fls. 31, 102 e 101 do apenso I. Todavia, a arguida assumiu que ajudou JJ a pedir o referido complemento (como aliás fez com várias outras pessoas e se mostra documentado nos documentos que lhe foram apreendidos), e, tal como acontecia com várias outras testemunhas, era natural que procedesse ao levantamento da sua pensão na Junta. É evidente que os documentos apreendidos não deveriam estar na posse da arguida mas sim do beneficiário, todavia, tal posse não permite, sem qualquer outra prova, concluir que a arguida solicitou o referido complemento em nome de JJ à revelia deste e com o intuito de ser a própria a receber o dinheiro, motivo pelo qual tal facto foi valorado como não provado. Do mesmo modo, o documento de fls. 339 permite concluir que foi atribuído a JJ um complemento solidário para idoso no valor de € 6.847,50, sendo que o número constante por baixo da menção “pago a” corresponde ao número de identificação constante na declaração de pagamento de fls. 102 do apenso I. O valor referido no documento de fls. 339 não corresponde ao valor referido por JJ a fls.866 e, pese embora o depoimento da testemunha Eunice, levantando a suspeita sobre o comportamento da arguida, faltam elementos probatórios para que o tribunal pudesse concluir, de forma segura e inequívoca, que a arguida se apropriou, e de que forma, desse montante, donde a factualidade não provada. Por outro lado, face ao valor em causa, e conforme foi referido quer pela testemunha Eunice quer pela arguida, o cheque nunca poderia ser levantado na junta de freguesia, pois que não tinha dinheiro em caixa para tanto, nem faziam o pagamento de cheques, mas tão só de vales, não podendo nunca ter sido descontado na junta como imputado na acusação. Em face das dúvidas colocadas ao tribunal, também não é possível afirmar que JJ nunca recebeu tal quantia, pois que fica por esclarecer quem procedeu ao seu levantamento.

Relativamente ao ponto 20 dos factos provados e 23 a 32 dos factos não provados – casos MC e FF – o tribunal teve em consideração os depoimentos das testemunhas RP, CM, NO, VV, Eunice, PP e Andreia, sendo que, as declarações prestadas pelo assistente FF não foram já consideradas face à notória falta de discernimento do mesmo. Foram também considerados os documentos de fls. 3 a 10 (informação da segurança social e da GNR sobre os idosos FF e MC), 37 e 38 (informação do CNP quanto aos vales de reforma emitidos em nome de MC), 46 a 76 (cópia de alguns vales de pensão de reforma emitidos em nome de MC), 85 a 92 (processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de FF), 224 e 225 (auto de busca e apreensão levado a cabo na Junta de Freguesia …), 228 e 229 (auto de busca e apreensão na residência dos arguidos), 1226 (informação sobre o complemento solidário para o idoso atribuído a MC) e 1227 (informação dos CTT quanto à titularidade das caixas postais 103 Z e 63 Z no sítio dos Virgílios) e ainda os documentos constantes do apenso I.

Os depoimentos das testemunhas RP, N e PP foram essencialmente centrados nos relatos das visitas domiciliárias que fizeram à residência do casal FF e MC e naquilo que, nessas visitas lhes foi relatado pelo casal, porquanto nenhum conhecimento direto dos factos revelaram ter. O conhecimento direto destas testemunhas resumiu-se às condições de habitabilidade e de higiene em que os dois idosos se encontravam, confirmando todas que à data das visitas já MC se encontrava acamada. As três testemunhas referiram que, não obstante acamada, MC estava lúcida e foi por intermédio desta que averiguaram a questão das pensões, porquanto a mesma lhes referiu que o marido recebia uma pensão, através da arguida que lhe entregava o dinheiro, e que a própria tinha preenchido papeis para que lhe fosse atribuído uma prestação social, tendo sido a arguida quem a ajudou a fazer tal pedido e também quem posteriormente lhe terá dito que o pedido foi indeferido, nunca tendo recebido qualquer pensão ou outra prestação social. Nesta parte, e face ao óbito de MC, nada impede o tribunal de valorar tais depoimentos ainda que indiretos. Questão diferente será a de saber se, os depoimentos são suficientes para concluir pela prova dos factos imputados à arguida. Dúvidas não há, face à documentação junta aos autos, de que foi feito um pedido de atribuição de uma prestação social denominada “complemento solidário do idoso” em nome de MC e que este foi deferido e pago a partir de outubro de 2009 e até à data do seu óbito face à prova documental junta aos autos. A questão é que, o relatado por MC às testemunhas supra referidas, mostra-se contraditado por outros meios de prova. Com efeito, a testemunha Andreia referiu que FF ia mensalmente à junta levantar a pensão (desconhecendo se uma ou duas, porque não era ela quem fazia esse trabalho) e que, durante algum tempo ia acompanhado da mulher, sendo que algumas vezes ela ficava no carro estacionado em frente à junta. Também a testemunha CM, sobrinha do casal, disse que deixou de ter contacto com eles porque eles a afastaram, mas, aquando da sua reaproximação aos mesmos, o tio, FF era um homem independente apesar da idade, tinha carro, ia ao café, fazia a sua agricultura e, ia à junta levantar a sua pensão. Nos autos constam os vales remetidos a MC referentes ao complemento social para o idoso referentes aos meses de outubro de 2009 (fls. 56), dezembro de 2009 (fls. 57), janeiro, fevereiro, março, abril, junho, julho, agosto, setembro a dezembro de 2010 (fls. 46 e 58 a 67), janeiro e março a novembro de 2011 (fls. 55, 47, 68, 48 a 54) e de janeiro a junho de 2012 (fls. 69 a 76). Os vales referentes aos meses de outubro de 2009, fevereiro de 2010, janeiro, março, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2011 têm todos o carimbo de outros postos de correio que não a Junta de Freguesia... Desses vales, verifica-se que com exceção do primeiro todos foram remetidos para a caixa postal 103 Z, sendo o primeiro para a caixa postal 63 Z. Desses, todos contêm a assinatura de MC, com exceção dos vales de agosto a novembro de 2011 que contêm a assinatura de MC e de FF. Os restantes vales, referentes aos meses de dezembro de 2009 (fls. 57), janeiro, março, abril, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro de 2011 (fls. 58 a 67), abril de 2011 (fls. 68) e janeiro a julho de 2012 (fls. 69 a 76) têm aposto o carimbo da Junta de Freguesia, confirmando que aí foram levantados, e com exceção do vale referente ao mês de agosto de 2011, cuja rubrica é da testemunha Eunice, todos os demais contêm a rubrica da arguida. Assim foi confirmado pelas testemunhas Eunice, Andreia e pela arguida. A testemunha VV também foi confrontada com estes documentos mas claramente, face à coerência e precisão dos atrás mencionados, fez confusão nas rubricas, não podendo ser valorado. Dos vales levantados na junta de freguesia…, o de 2009 e os de 2011, com exceção do de fevereiro, foram todos remetidos para a caixa postal 63 Z e todos assinados por MC; o vale de fevereiro de 2011 e os vales de 2012 foram todos remetidos para a caixa postal 103 Z e todos assinados por FF.

Do teor da informação de fls. 1227 resulta que as caixas postais 63 Z e 103 Z pertencem ambas a FF e MC, todavia, não deixará de se estranhar porque motivo, sendo todos os vales remetidos em nome de MC, nuns meses eram remetidos para uma caixa postal e noutros para a outra. Ora, em relação aos vales que foram levantados noutros postos de correio, é manifesto que fica excluída a intervenção da arguida, a menos que se fizesse prova que fora a arguida a ir proceder ao seu levantamento, com ou sem a presença da beneficiária, prova essa que não foi feita. Quanto aos vales que foram efetivamente levantados na junta de freguesia…, apenas em relação ao vale do mês de agosto de 2010, aquele que foi assinado pela testemunha Eunice, esta refere “ter quase a certeza” que o pagou à arguida. Todavia esta testemunha, tal como a testemunha VV, revelaram alguma animosidade em relação à arguida (a segunda vendo rubricas da arguida em locais onde elas não constavam), fundando as suas convicções em suspeitas que não resultaram corroboradas em tribunal e foram contraditados pelo depoimento da testemunha Andreia. É evidente que não se descura o depoimento da testemunha RP quanto ao comportamento da arguida quando chamada à atenção sobre a higiene dos idosos e ao facto de ser a cuidadora, nem o depoimento da testemunha VV quanto ao facto de a arguida ter negado conhecer MC quando questionada sobre o programa de ajuda alimentar, ou o depoimento da testemunha Eunice quanto ao comportamento da arguida com os utentes da junta, mas o certo é que tais depoimentos são apenas indiciários, deles nada se pode extrair quanto ao recebimento dos vales, sendo estes o objeto do processo crime em causa, sendo certo que ficou plasmado em tribunal até pelas declarações da arguida e pela documentação apreendida que a mesma prestava ajuda aos utentes da junta, na própria junta, relativamente a assuntos que extravasavam as sua competências, donde se explica o seu comportamento em relação aos utentes. Também não se descura que foram apreendidos na cozinha da residência da arguida os cartões de cidadão de FF e MC.

Todavia, estamos perante um casal de idosos, que viviam de forma isolada, que só voltaram a ter contacto com a sobrinha Claudina depois da intervenção da GNR e da segurança social, desconhecendo o tribunal até então que tipo de relação tinham com a arguida e qual o respetivo grau de confiança. Os vales juntos aos autos estão todos assinados pela beneficiária ou pelo marido, e do depoimento das testemunhas ficou claro que os vales remetidos a MC eram pagos a FF ainda que só assinados por este, porque sabiam que era o marido da senhora. Aliás, outras testemunhas de defesa – FR – referiram o mesmo procedimento. Não resultou provado em que circunstâncias os referidos vales foram levantados e qual o destino do dinheiro. Efetivamente do depoimento indireto das testemunhas RP, Noélia e PP, resulta que MC afirmou não ter recebido tal dinheiro, mas em parte nenhuma do processo se questiona que a senhora tenha assinado os vales ou que FF os tenha assinado. Não causa estranheza a restante documentação apreendida no cacifo da arguida na junta ou na sua residência, porque a mesma assumiu ter ajudado a senhora a pedir o complemento em causa, como fez com várias outras pessoas, o que resulta inequívoco quer dos documentos apreendidos quer do depoimento das testemunhas de defesa.

Destarte, se há efetivamente prova que permite concluir por uma conduta menos “lisa” da arguida, salvo melhor entendimento, a prova produzida não é de molde a permitir ao tribunal concluir com a certeza necessária para o dar o facto como provado que a arguida pediu o complemento solidário para o idoso em nome de MC à revelia desta – até porque o contrário resulta do depoimento indireto das testemunhas Noélia e PP – nem que se tenha apropriado mensalmente do valor desse complemento remetido à beneficiária.

Do mesmo modo em relação a FF, porquanto apenas a sobrinha Claudina veio dizer ter encontrado o tio e o mesmo lhe ter dito que ia buscar a reforma e que no dia seguinte quando o questionou ele exibiu-lhe € 140,00. Mas a testemunha não referiu ter questionado o tio sobre o que tinha feito à diferença, se a tinha guardado noutro sítio ou se a tinha gasto, sendo certo que, embora tenha referido que o tio não tinha posses nem vícios, referiu que tinha carro, ia ao café e fazia a sua vida de forma autónoma. Não se descura o depoimento da testemunha Eunice que referiu que o numas férias da arguida FF lá se dirigiu a pedir os € 500,00 que a arguida lá tinha guardado. Todavia, se tal é indiciador de uma falta disciplinar da arguida, enquanto funcionária da Junta, também é indiciador da confiança que FF lhe depositaria. Do mesmo modo, em relação às situações relatadas pela testemunha Eunice no que respeita a utentes que lá foram queixar-se e um que foi perguntar se havia engano porque a colega costumava entregar-lhe menos dinheiro, outras tantas situações em que nunca houve problema com a entrega de pensões foram relatadas pelas testemunhas de defesa.

Consequentemente, nos que respeita às situações referentes a MC e FF, a prova produzida em audiência não foi suficiente para concluir com a certeza necessária para dar os factos provados.

É óbvio que o Tribunal não conhece, através da prova produzida em audiência, a verdade “absoluta e universal” sobre o facto histórico verificado, porque o conhecimento humano é de capacidade limitada, exigindo-se apenas o “convencimento justificado”, idóneo para superar a presunção de inocência. Com efeito, a verdade histórica nem sempre corresponde à verdade processual, sendo certo que, é de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento, analisada à luz da lei e da consciência do julgador, de acordo com as regras da experiência comum, que se apura a verdade do processo. No caso concreto, face ao exposto, ficou o tribunal perante um quadro nubloso por quem foram levantados os vales de pensão e complementos e quem ficou com o respetivo valor e, por conseguinte, perante a dúvida, não resolúvel com qualquer outro meio de prova ao alcance do tribunal, há que fazer apelo ao princípio constitucional in dúbio pro reu.

No que respeita ao ponto 21 dos factos provados e 33 a 39 dos factos não provados – caso Albano Nascimento – foi valorado o depoimento da testemunha RP, o teor do auto de ocorrência de fls. 445 e as declarações da arguida. Tendo em consideração que o depoimento de AN, entretanto falecido, durante o inquérito foi prestado perante órgão de polícia criminal e que, quando ouvido pelo magistrado do Ministério Público, apenas remeteu para o primeiro depoimento, não se procedeu à respetiva leitura, como resulta da respetiva ata da audiência, não se tendo igualmente procedido à inquirição de AS, que faltou à audiência de julgamento e não foi possível a sua detenção. Do auto de ocorrência de fls. 445 retira-se, face ao que foi presenciado pelo seu signatário, que este se deslocou ao hospital e abordou o senhor AN, onde o questionou sobre a sua ligação à arguida, que posteriormente se informou sobre a data da alta e se deslocou à residência do senhor, onde o mesmo lhe referiu que a arguida lá se encontrava desde a manhã do dia em que teve alta porque lá fazia limpezas. Tudo o mais relatado no auto de ocorrência, não foram factos presenciados pelo seu signatário, nem que lhe foram contados pelo próprio AN – sendo que, nesta parte, face ao óbito, se pode valorar o depoimento indireto - mas sim que lhe foram relatados por outras pessoas que não foram arroladas como testemunhas (técnicos do Gabinete da Ação Social da Câmara Municipal de Faro) ou que não foi possível a sua inquirição (AS). Deste modo, nenhuma outra prova tendo sido produzida, foram valorados como não provados os factos imputados à arguida.

No que concerne ao ponto 24 dos factos provados o tribunal teve em consideração o auto de busca e apreensão de fls. 228 e 229 e o relatório pericial de fls. 320 a 322, dos quais resultam as circunstâncias de tempo e lugar em que a arma foi apreendida e suas respetivas características.

Relativamente ao ponto 25 dos factos provados o tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações do arguido C, prestadas em audiência de julgamento, sendo que o mesmo confirmou não ter qualquer registo da arma em causa nem licença para a deter. Do mesmo modo, como resulta do relatório pericial de fls. 320 a 322, atentas as características da arma, a mesma não é sequer suscetível de ser registada e legalizada. Já no que concerne ao conhecimento e vontade do arguido quanto à detenção da arma - ponto 26 dos factos provados – o tribunal teve em consideração as declarações prestadas pelo mesmo, analisadas à luz das regras da experiência e do senso comum, sendo certo que tratando-se de factos do for interno, a sua comprovação extrai-se dos factos objetivos dados por provados. Ora, o arguido referiu que o seu pai faleceu no ano de 2006 e que ficou com alguns dos seus pertencentes, designadamente uma caixa de ferramentas no interior da qual encontrou a referida arma. Mais referiu que desconhecia que o pai tivesse armas mas não achou perigoso, até porque estava com ferrugem. e por isso guardou-a na sua mesa de cabeceira no quarto, como poderia ter guardado em qualquer outro lugar, e nunca mais ligou a tal objeto. O arguido esclareceu ainda que fez a tropa, tem a perfeita noção que se trata de uma arma de fogo mas desconhecia que precisasse de qualquer licença para a deter, sendo que não procurou qualquer informação sobre isso.

No caso, tribunal ficou convencido que o arguido tinha conhecimento de que se tratava de um comportamento ilícito, simplesmente procurou um subterfúgio para a referida detenção, alegando o desconhecimento, o que não mereceu credibilidade. Isto porque a arma foi guardada num local de fácil acessibilidade e onde é normal e expetável que seja usado diariamente; do mesmo modo trata-se de um local de eleição para quem pretende guardar armas para defesa pessoal, sobretudo quando se vive fora dos aglomerados urbanos, como é o caso; não faz sentido, do ponto de vista das regras da experiência que sendo um objeto herdado e ao qual o arguido não deu qualquer importância, fosse o mesmo guardado em tal local – na mesa de cabeceira ao lado da cama onde o arguido dorme diariamente – ou, tendo-o sido, que o arguido se esquecesse que a mesma li se encontrava; na convicção do tribunal, o arguido apenas e só não tratou da respetiva legalização porque a arma em causa, tratando-se de uma arma transformada, não é suscetível de ser registada e, por conseguinte, de nada valeria ao arguido ser detentor de qualquer licença pois que a arma não podia ser legalizável. Por esse motivo é ainda menos razoável que o arguido tenha tentado convencer o tribunal de que não sabia que precisava de licença, por um lado, porque a problemática da difusão e proliferação clandestina das armas de fogo foi assunto sobejamente discutido nos meios de comunicação social aquando da entrada em vigor da nova legislação das armas, sendo do conhecimento da generalidade dos cidadãos que para ter na sua posse uma arma de fogo precisa de ter uma licença (tal como a generalidade dos cidadãos sabe que precisa de carta para conduzir um veículo automóvel e que é proibido matar outra pessoa); por outro lado, porque mesmo que obtivesse licença de uso e porte de arma, aquela concreta arma nunca poderia ser legalizada.

Não cabe nesta sede, discutir o tipo de erro em causa, se um erro de conhecimento (nos termos do artigo 16.º do Código Penal) ou se um erro sobre a ilicitude (nos termos do artigo 17.º do mesmo), na medida em que o tribunal ficou convicto de que o arguido não se encontrava em erro, tendo perfeito conhecimento de que detinha uma arma de fogo transformada, e que a mesma não era legalizável, motivo pelo qual não obteve qualquer licença que lhe permitisse a sua detenção, nem a procurou registar, sabendo por conseguinte, que não a podia deter nessas circunstâncias, e no entanto fê-lo para sua defesa pessoal.

Relativamente aos pontos 27 a 31 dos factos provados foram tidos em consideração os depoimentos das testemunhas RP, Claudina e Noélia, conjugados com o teor de fls. 3 a 10 dos autos (informação da segurança social e da GNR sobre os idosos FF e MC) e ainda, quanto à data do óbito de MC, na certidão de habilitação de herdeiros constante a fls. 973. No que respeita aos pontos 42 e 43 dos factos não provados, a convicção do tribunal alicerçou-se no facto de, não tendo ficado esclarecido se os vales de pensão eram levantados na totalidade pelo casal ou não ou se os vales referentes ao complemento solidário para o idoso atribuído a MC era ou não levantado pelo casal, fica prejudicada a questão de saber se o casal não tinha meios económicos ou se os canalizava para outros fins ou outras pessoas em detrimento do seu bem estar pessoal.

Quanto ao ponto 43 nenhuma prova foi feita.

Quanto às condições pessoais e económicas dos arguidos e à ausência de antecedentes criminais - pontos 32 a 48 dos factos provados – foram valorados os relatórios sociais juntos a fls. 1094 a 1096 e 1101 a 1104, e os certificados de registo criminal de fls. 1146 e 1178.

4. Enquadramento Jurídico-Penal

(…) No que concerne a MG, LR, JJ, MC e AN, atenta a factualidade provada, é manifesto que não se encontram reunidos os elementos típicos de qualquer crime de burla, simples ou qualificada, consumada ou tentada. Por conseguinte, em relação a estas situações, impõe-se a absolvição da arguida.

Já não assim no que concerne à situação de JM. Com efeito, nesta situação resultou provado que:

- Em data não concretamente apurada, mas entre o final de maio e início de junho de 2012, a arguida entrou em contacto com JM, nascida a 4 de maio de 1950, e dizendo-lhe que alguém a queria matar pediu-lhe o montante de € 7.000,00 para que resolver a situação;

- JM, devido à idade e aos problemas que tinha com a filha e com o genro – que levaram a que a mesma viesse a ser acolhida numa casa abrigo – acreditou nas palavras da arguida e, juntamente com esta, dirigiu-se em finais de maio de 2012 ao balcão do Banco Santander Totta, sito em Faro, com o intuito de proceder ao levantamento da quantia de € 10.000,00, que JM tinha numa aplicação financeira.

- Uma vez que a referida quantia se encontrava aplicada num seguro financeiro que na altura não podia ser movimentado, JM, aconselhada pelo banco, resolveu contrair um empréstimo bancário naquele montante.

- Entre a data do pedido de empréstimo e da sua concessão, JM dirigiu-se várias vezes ao banco Santander, sempre acompanhada pela arguida, com vista a inteirar-se do andamento do processo.

- O empréstimo acabou por ser concedido e no dia 5 de junho de 2012 a quantia de € 10.000,00 foi depositada na conta titulada por JM.

- Nesse mesmo dia a arguida deslocou-se com JM ao balcão do Banco Santander, tendo JM procedido ao levantamento da quantia de € 9.504,11, dos quais € 7.000,00 entregou à arguida, por estar convencida de que, se não o fizesse, corria perigo de vida.

- Ao atuar da forma descrita, a arguida aproveitou-se do contexto familiar de JM, designadamente da má relação com a filha e genro - e atuou com o propósito de se apropriar da quantia de € 7.000,00, bem sabendo que ao assim proceder obteria benefícios patrimoniais a que não tinha direito e que causaria prejuízo patrimonial a JM, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mostram-se, neste caso, preenchidos todos os elementos objetivos do tipo de crime de que a arguida vem acusada.

- o comportamento astucioso do agente: ao criar a convicção na ofendida de que alguém a pretendia matar e que se lhe entregasse € 7.000,00 resolveria o assunto;

- do qual resulte erro ou engano do sujeito passivo relativamente a certos atos: a ofendida ficou convencida da veracidade do que lhe foi dito pela arguida:

- a prática pelo sujeito passivo, porque induzido em erro, de determinados atos de que outro modo não praticaria: convencida de que alguém a pretendia matar, entregou € 7.000,00 à arguida para que esta resolvesse o assunto;

- o prejuízo patrimonial da vítima ou de terceiro, em virtude do ato de disposição patrimonial: a ofendida JM ficou prejudicada em € 7.000,00.

Para além disso, atenta a factualidade provada, é manifesto que se verificam os elementos subjetivos do tipo legal de crime, tendo a arguido agido com dolo direto.

Não obstante, não resultou provado que JM fosse pessoa com graves problemas do foro psiquiátrico e que tenha acreditado na arguida devido aos seus problemas de saúde. O que resultou provado foi que JM acreditou na arguida devido ao contexto familiar que vivia, de alegados maus tratos por parte da filha e genro que obrigaram inclusive ao seu acolhimento num lar.

Deste modo, não se mostram provados factos que permitam qualificar a conduta da arguida nos termos do artigo 218.º, n.º 2 al. c) do Código Penal como consta da acusação, pois que não basta a idade para se concluir pela especial vulnerabilidade da vítima.

Não obstante, atendendo ao valor do prejuízo patrimonial sofrido - € 7.000,00 – não poderá deixar de se considerar qualificado o crime de burla, nos termos do artigo 218.º, n.º 1 do Código Penal, porquanto tal valor excede 50 unidades de conta no momento da prática do facto (€ 102,00 x 50 = € 5.100,00), donde preenche o conceito de valor elevado a que se refere o artigo 202.º, al.a) do Código Penal.

Como tal, e no que concerne à situação referente a JM, deverá a arguida ser absolvida do crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º e 218.º, n.º 2, al.c) do Código Penal, mas condenada pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º e 218.º, n.º 1 do Código Penal.

Não existem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa.
(…) »
Cumpre agora apreciar e decidir os presentes recursos.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto dos recursos

É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

1.1. A arguida recorre em matéria de facto e de direito.

Em matéria de facto, a arguida invoca os vícios de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, previstos, respetivamente, nas alíneas b) e c) do nº2 do art. 410º do CPP e impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto na parte em que julgou PROVADOS os factos vertidos sob os pontos 9. e 10., a primeira parte do ponto 11, e os pontos 14, 22 e 23 dos “Factos Provados”, e, em conformidade, absolver a Arguida do crime de burla qualificada (caso JM ), pelo qual vem condenada.

Subsidiariamente, a arguida recorre da medida concreta da pena por entender ser suficiente a pena de 1 ano de prisão e da subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à obrigação de a arguida pagar a quantia de 2 300 euros à ofendida (JM) no prazo de 2 anos, por considerar que a arguida não trem condições para cumprir esta obrigação.

1.2. Por sua vez, a assistente começa por recorrer em matéria de qualificação jurídica da factualidade provada ao pretender que os pontos nºs 2 e 3 da factualidade provada são suficientes para que a arguida seja condenada pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, al. c) todos do Código Penal, em que é ofendido MG, pelo qual foi absolvida em 1ª instância.

A assistente vem ainda impugnar, nos termos do art. 412º do CPP, a decisão recorrida na parte em que julgou não provados os pontos nºs 13, 14, 40 e 41, da factualidade não provada, pretendendo que os mesmos sejam julgados parcialmente provados e, consequentemente, se condene a arguida pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, al. c) todos do Código Penal, em que é ofendida LR, pelo qual foi absolvida em 1ª instância.

A assistente pretende, por fim, a elevação da medida da pena de 2 (dois) anos de prisão aplicada à arguida pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal (caso JM), para 3 anos de prisão, bem como a aplicação da sanção acessória de proibição de exercício de funções prevista no art. 66º nº1 als a) e b) do C. Penal.

Uma vez que a arguida é funcionária da União das freguesias…, ora assistente, tem esta um interesse próprio na sua pretensão de que seja aplicada à arguida a pena acessória de proibição do exercício de funções, prevista no art. 66º do C. Penal e, consequentemente, de ver elevada para 3 anos a medida concreta da pena de prisão aplicada à arguida pelo crime de burla pelo qual vem condenada, uma vez que aquela pena acessória apenas é aplicável aos casos de condenação em pena concreta de, pelo menos, 3 anos de prisão, pelo que a elevação da medida da pena concreta é necessária para o preenchimento do pressuposto formal da pena acessória.

Face ao AFJ 8/99 de 12.03.1998, segundo o qual “O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”, é, pois, admissível o recurso da assistente em matéria de medida e espécie da pena no caso concreto.

2. Decidindo.
2.1. – Recurso da arguida.

2.1.1. - Os vícios de contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão e de erro notório na apreciação da prova, previstos, respetivamente, nas alíneas b) e c) do nº2 do art. 410º do CPP.

Conforme é pacificamente entendido, o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão previsto no art. 410º nº2 b) do CPP verifica-se quando existir incoerência, oposição, incompatibilidade manifesta entre diferentes passos da motivação da sentença, ou entre esta e a decisão, afetando de forma evidente a estrutura lógica da sentença de forma inultrapassável para o tribunal de recurso. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir de forma clara e evidente que a fundamentação de facto ou de direito não pode conduzir à decisão proferida.

Por sua vez, o vício de erro notório na apreciação da prova a que se reporta a al. c) do nº2 do art. 410º do CPP verifica-se quando dos próprios termos da decisão recorrida, maxime da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, pode concluir-se que o tribunal a quo manifestamente violou normas de direito probatório ou regras da experiência comum, do conhecimento técnico ou científico, ao chegar a conclusão grosseira e notoriamente contrária à que resulta daquele mesmo texto e das regras da experiência, consistindo a notoriedade do vício no caráter evidente e manifesto, do erro, face à mera análise do texto da decisão recorrida pelos juízes que constituem o tribunal de recurso - vd. Sousa Brito em declaração de voto no Ac TC nº 322/93, BMJ 427/124 que reporta a notoriedade do erro ao juiz e não ao homem médio, como nos parece dever entender-se na realidade das coisas, bem como a menção de Castanheira Neves ao juiz normal a propósito do princípio da livre apreciação da prova em Sumários de processo criminal, Coimbra 1968 p. 54.

Posto isto, vejamos se no caso concreto se verificam os vícios invocados pela arguida recorrente.

2.1.1.1.- A arguida alega existir contradição insanável da fundamentação, resultante do próprio texto do acórdão recorrido, porque, afirmando-se neste que a testemunha JM teria receio da Arguida em virtude das anteriores “queixas e processos crimes uma contra a outra e que vieram a ser arquivados”, o que ocorreu em 2008, é manifestamente contraditório e incompatível, em si e por si, e por apelo às regras da experiência comum, que em Maio de 2012 a Testemunha JM pudesse depositar alguma confiança na Arguida, tal como se afirma igualmente no acórdão recorrido.

Vejamos.
Antes de mais, tem a arguida razão ao afirmar que a fundamentação do acórdão é contraditória ao fazer radicar parcialmente a confiança da ofendida na arguida à data dos factos (2012) na circunstância de aquela ter chegado a entregar a esta as chaves da casa (como relatado em audiência pela testemunha Paula Paiva), ao mesmo tempo que parece explicar o receio que a ofendida manifestou relativamente à arguida em audiência (2016) na anterior existência de queixas e processos uma contra a outra, pelo menos em parte.

Com efeito, uma vez que estas queixas e processos foram posteriores à entrega das chaves da casa da ofendida à arguida, não é lógico estabelecer qualquer nexo causal entre a entrega da chave (2008) e a confiança que a ofendida teria na arguida em 2012, uma vez que entre as duas situações e respetivas datas (2008 – 2012) se verificaram as referidas queixas e processos que, necessariamente, interromperam ou fizeram cessar a confiança que existiria em 2008 aquando da entrega da chave de casa, independentemente de a ofendida poder ter recuperado tal confiança até 2012 e de poder ter voltado a perdê-la antes da audiência de julgamento (2016), altura em que o tribunal reconheceu ter a ofendida receio em depor na sala de audiências perante a arguida, o que é incompatível com a manutenção da referida confiança.

A questão está, porém, em saber se a contradição lógica verificada é relevante para a decisão da causa, pois só contradição que o seja e que se revele insanável leva ao reenvio do processo para novo julgamento, total ou parcial, pois o art. 426º do CPP expressamente refere que o reenvio apenas terá lugar quando, por existir o vício verificado, não for possível decidir da causa.

Ora, em primeiro lugar, os trechos da apreciação crítica da prova contraditórios entre si respeitam ao ponto nº 10 da factualidade provada e ainda assim indiretamente, uma vez que ali não se faz qualquer referência à confiança da ofendida na arguida ou falta dela, pois apenas consta daquele nº 10 que a ofendida JM acreditou na arguida devido à idade e aos problemas que tinha com a filha e com o genro, que levaram a que a mesma viesse a ser acolhida numa casa abrigo.

Por outro lado, fora dos casos previstos na al. c) do nº2 do art. 218º do C. Penal, é indiferente para o preenchimento do tipo legal que a ofendida tivesse agido como descrito devido à idade e aos problemas que tinha com a filha e o genro, ou apenas devidos a estes, como veremos. Com efeito, fora daqueles casos, o tipo legal de burla apenas exige que o ofendido pratique atos patrimonialmente lesivos para si ou para terceiro em resultado de erro ou engano sobre factos que o arguido astuciosamente provocou, independentemente de saber se o agente se aproveitou de causa endógena que possa ter favorecido a relevância causal típica do erro ou engano astuciosamente criado pelo agente, fosse esta a confiança que tinha na arguida ou a perturbação causada pelos problemas que tinha com a filha e o genro. Conforme pode ver-se da fundamentação do acórdão recorrido, apurar qual a razão da credulidade da ofendida apenas importava para efeitos da qualificação do crime de Burla, nos termos do artigo 218.º, n.º 2 al. c) do Código Penal como constava da acusação, o que perdeu relevância ao julgar-se não provado que JM fosse pessoa com graves problemas do foro psiquiátrico e que tenha acreditado na arguida devido aos seus problemas de saúde, não bastando a idade ou a má relação com a filha e genro, sem mais, para se concluir pela especial vulnerabilidade da vítima.

Tipicamente decisivo, como aludido, é que tenha sido o erro ou engano astuciosamente provocado pelo agente ao dizer-lhe que a queriam matar que levou a ofendida à disposição patrimonial em seu prejuízo entregando 7 000 euros à arguida, o que resulta suficientemente da conjugação do descrito sob os nºs 9, 10, 14 e 22, da factualidade provada.

Concluímos, pois, pelas razões ora expostas, que o trecho contraditório em causa não compromete a decisão da causa, contrariamente à posição assumida pela arguida recorrente, pelo que não estamos perante o invocado vício de contradição insanável da fundamentação, previsto no art. 410º nº2 b) do CPP, que impusesse o reenvio do processo à primeira instância nos termos do art. 426º do CPP, como referido.

2.1.1.2. É igualmente certeira a alegação da arguida recorrente quanto à apontada contradição entre o teor do ponto 10 dos factos provados na parte em que se diz que a ação da ofendida aí descrita ficou a dever-se à idade (para além dos problemas que tinha com a filha e o genro) e o trecho da apreciação crítica da prova em que se refere: “No que respeita à convicção da testemunha JM para proceder à entrega do dinheiro à arguida, o tribunal ficou convicto de que nada teve que ver com qualquer problema de ordem psiquiátrica, ou com a vulnerabilidade própria da idade, mas essencialmente com o contexto em que a testemunha vivia, de alegados maus tratos por parte da filha e genro, que levaram inclusivamente ao seu acolhimento num lar de idosos, conjugada com a confiança que depositava na arguida, pessoa a quem teria inclusive entregue as chaves da sua casa, como relatou a testemunha Paula Paiva, e que, por conseguinte, não era expectável que a enganasse”. No entanto, resulta do conjunto da motivação de facto que a contradição verificada é sanável por resultar da mesma que o real sentido da decisão do tribunal recorrido é o que está presente no trecho da apreciação crítica da prova ora transcrito, onde se menciona que a vulnerabilidade própria da idade nada teve que ver com a convicção da ofendida sobre a realidade da ameaça referida em 9). Assim, por ser sanável a contradição verificada, decide-se modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos do art. 431º, corpo, do CPP, eliminando-se a referência à idade do ponto nº 10 da factualidade provada, cuja redação, por ora, passa a ser a seguinte:

- «10. JM, devido aos problemas que tinha com a filha e com o genro – que levaram a que a mesma viesse a ser acolhida numa casa abrigo – acreditou nas palavras da arguida e, juntamente com esta, dirigiu-se em finais de maio de 2012 ao balcão do Banco Santander Totta, sito em Faro, com o intuito de proceder ao levantamento da quantia de € 10.000,00, que JM tinha numa aplicação financeira».

Consequentemente, o ponto 10 da factualidade não provada passa a ter a seguinte redação:

«10. Que JM tenha acreditado na arguida devido aos seus problemas de saúde e à sua idade».

Mais adiante, analisaremos se e em que medida esta alteração releva para a decisão de direito, pelo que, por ora, nada mais há a decidir a tal respeito.

2.1.1.3. – A recorrente arguiu ainda o vício de erro notório na apreciação da prova previsto na al. c) do nº2 do art. 410º do CPP por não poder considerar-se que a ofendida teve receio da arguida em razão de queixas e processos anteriores, como refere sob o nº25 do texto da sua motivação de recurso e al. H) das respetivas conclusões, mas tal matéria é manifestamente irrelevante para a decisão da causa, pois não consta da factualidade provada eventual receio da ofendida nem este releva para o respetivo julgamento, sendo referido nos autos apenas a propósito da decisão de fazer sair a arguida da sala de audiência. Improcede, assim, a arguição do vício de erro notório na apreciação da prova.

2.1.1.4. Por último, no que respeita aos vícios previstos no art. 410º do CPP, a arguida invoca existir contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, porquanto o tribunal a quo decidiu subordinar a suspensão da execução da pena de prisão à obrigação de pagar à ofendida a importância de 2300 euros em virtude de a arguida ter referido que fazia outras atividades como vendas nos mercados, sem que conste da factualidade provada que a arguida exerce tal atividade, conforme se constata da mera leitura do texto do acórdão recorrido.

Como vimos, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão verifica-se quando exista incoerência, oposição, incompatibilidade manifesta entre a motivação da sentença e a decisão, afetando de forma evidente a estrutura lógica da sentença de forma inultrapassável para o tribunal de recurso, o que ocorrerá, por exemplo, quando for de concluir de forma clara e evidente que a fundamentação de facto ou de direito não pode conduzir à decisão proferida.

Ora, não é o que se verifica no caso presente, desde logo porque deve entender-se provado que a arguida declarou que fazia outras atividades como vendas nos mercados tal como claramente afirmado no trecho citado do acórdão recorrido, apesar de tal facto não se encontrar enumerado na factualidade provada. Com efeito, tal como temos entendido (vd Ac TRE de 14.01.2014, acessível em www.dgsi.pt ), nada impede que o tribunal de julgamento tenha em conta na decisão factos que dê como provados em partes da sentença distintas da enumeração dos factos provados quando do conjunto da sentença recorrida resulta a certeza de que o tribunal a quo julgou efetivamente tal facto provado ou não provado. Ou seja, in casu não há qualquer contradição a ponderar, pois ao afirmar que a arguida declarou que fazia outras atividades como vendas nos mercados ao pronunciar-se sobre os critérios legais aplicáveis e os fatores determinantes para a determinação da pena, o tribunal recorrido inequivocamente considerou provado o facto respetivo apesar de não o fazer constar da enumeração dos factos provados, nada obstando a que os sujeitos processuais o impugnassem pelos meios processuais próprios, como se estivesse enumerado entre os demais factos provados.

Assim, independentemente das questões que possam colocar-se sobre o mérito do julgamento do tribunal recorrido relativamente ao facto em causa, não se verifica o invocado vício de contradição insanável que, pelas indicadas razões, julgamos improcedente.

2.1.2. Apreciemos agora a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto que julgou provados os pontos 10 e 22 dos “Factos Provados”.

Quanto àquele ponto 10 a arguida começa por entender que o tribunal a quo incorreu em erro ao julgar provado que a ofendida acreditou nas palavras da arguida devido à idade, mas esta questão está prejudicada por ter sido já decidido modificar o teor daquele ponto de facto eliminando aquela referência, como vimos.

2.1.2.1. Alega a arguida, porém, que o tribunal recorrido incorreu ainda em erro ao julgar provado que a ofendida acreditou nas palavras da arguida, ou seja, de que havia alguém a queria matar tendo-lhe pedido 7 000 euros para resolver o assunto, devido aos problemas que tinha com a filha e com o genro – que levaram a que a mesma viesse a ser acolhida numa casa abrigo e, concomitantemente, ao julgar provado sob o nº 22 dos factos provados que “Ao atuar como descrito nos pontos 9 a 14 dos factos provados, a arguida aproveitou-se do contexto familiar de JM, designadamente da má relação com a filha e genro.

A arguida recorrente entende não dever julgar-se provado que foi devido aos problemas que tinha com a filha e o genro que a ofendida acreditou na arguida, conforme resulta dos seguintes meios de prova, igualmente invocados pelo tribunal a quo para fundamentar a sua decisão:

- Processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de JM constante a fls. 102 a 114;
- Trecho do depoimento da testemunha PP, transcrito no acórdão recorrido [a fls 1279 dos autos] e demais momentos desse depoimento indicados pela recorrente a fls 1376 dos autos.

- Declarações da ofendida JM, cujo teor não corresponde ao que foi considerado pelo tribunal a quo no seguinte trecho do acórdão recorrido: “por fim, [a ofendida] referiu que teve vários problemas com a filha, motivo pelo qual, as saídas com a arguida eram sem o conhecimento da filha e pagava-lhe tudo para que ela não contasse à filha.” (Fim de citação).
Para fundamentar esta sua alegação, a recorrida recorrente transcreve o seguinte trecho das declarações da ofendida JM em Julgamento, de que resulta que esta terá dito coisa diferente:

-“ “Meritíssima Juíz – Não percebi o que é que aconteceu muitas vezes quando morava no Besouro.
Testemunha JM- Ela ia-me lá buscar a casa.
Mm. Juiz – Hum, hum.
Testemunha – A casa …(?)…pronto para ir onde ela quisesse. E eu, sem saber, lá ia com ela.
Mm. Juiz – Hum. Ia buscar para ir passear. E a senhora ía? Sim.
Testemunha – Sim. Sem dizer nada à minha filha. Não queria que dissesse nada. E eu tinha que pagar tudo.
Mm Juiz- Tinha que pagar tudo? Pagava a gasolina…
Testemunha – A gasolina,
Mm Juiz - Se almoçassem fora, pagava o almoço?
Testemunha - Dizia sempre era para não dizer nada à minha filha.” (Fim de Transcrição)»

- Por último, a recorrente alega que também as declarações da testemunha JL invocadas no acórdão recorrido não correspondem às efetivamente prestadas, pois do seu depoimento não decorre … que a Testemunha JL tenha dito que i) a Arguida se mostrou ansiosa pela obtenção do dinheiro, ii) nem que a Arguida chegou a exaltar-se e a dizer que ia apresentar uma reclamação, comportamento que não verificou na sua cliente.

A arguida recorrente transcreve detalhadamente os trechos do acórdão condenatório que invoca, bem como da gravação das declarações da testemunha JL.

Conclui a arguida recorrente, dizendo que perante a versão da Arguida, por um lado, que é oposta à versão da Testemunha JM, por outro, o Tribunal a quo, e agora esse Venerando Tribunal, não dispunha e continua a não dispor de elementos de prova que permitam dar mais credibilidade a uma versão em detrimento de outra, pelo que por recurso ao princípio do in dubio pro reo, impunha-se, e impõe-se, dar por NÃO PROVADOS os factos vertidos sob os pontos 9. e 10., a primeira parte do ponto 11, e os pontos 14, 22 e 23 dos “Factos Provados”, e, em conformidade, Absolver a Arguida do crime de burla qualificada (caso JM ).

2.1.2.2. Vejamos.

O tribunal recorrido menciona na sua fundamentação que julgou provados os factos descritos sob os pontos 9 a 14, 10 e 22, ora impugnados, com base nos seguintes meios de prova (cfr fls 1293-7 dos autos):

- Depoimentos da ofendida JM e das testemunhas PP, JL e MMR;

- Processo social aberto no Departamento de Ação Social da Câmara de Faro em nome de JM constante de fls. 102 a 114 (do qual resulta a data de nascimento de JM);

- Cópia de um excerto de movimento da conta titulada por JM no Banco Santander constante de fls. 126 e o extrato da conta titulada por JM no Banco Santander relativamente ao período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de outubro de 2012 constante a fls. 296 a 303 dos autos,

- Autos de denúncia e arquivamentos nos processos ---/08.0 GCFAR e ---/08.9 TAFAR entre a arguida e JM constantes a fls. 150 a 165;

- Carta de fls. 32 a 35 do apenso I, remetida à arguida pela filha da ofendida, JM, e por uma advogada;

- O documento de fls. 46 do apenso I.

O tribunal a quo não explica qual a relevância deste último documento, que corresponde a um aviso de pagamento da Direcção-Geral dos Impostos dirigido à ofendida na qualidade de cabeça de casal da herança de AG, pelo que apenas resultará dele que a ofendida tinha morada em Besouro em 2007, contextualizando declarações suas em audiência.

c) Procedendo agora à apreciação destes meios de prova na medida do necessário para decidir da presente impugnação, importa reter, antes de mais, que a cópia de excerto de movimento da conta titulada por JM no Banco Santander constante de fls. 126 e o extrato dessa mesma conta a fls. 296 a 303 dos autos, sustenta probatoriamente o descrito nos pontos 13 e 14, 1ª parte, quanto à existência de um empréstimo, o montante do mesmo e o consequente levantamento da importância de 9.504,11 euros, factos que não foram impugnados pela arguida e foram mesmo confirmados por esta ao prestar declarações em audiência, bem como pela testemunha JL, que explicou o significado das abreviaturas utilizadas nos referido extratos de conta confirmando assim que a quantia de 10 000 euros referida na parte final do ponto 10 encontrava-se aplicada num seguro financeiro que na altura não podia ser movimentado.

Nas suas declarações em audiência, a arguida confirmou ainda de forma clara o descrito sob o ponto 11 dos factos provados e na segunda parte do ponto 10, contando que se deslocou ao banco a pedido da ofendida para esta proceder ao levantamento da quantia de 10 000 euros.

Assim e tendo em conta que a prova daqueles pontos de facto não é efetivamente posta em causa, concluímos desde já que improcede a presente impugnação relativamente à seguinte factualidade provada: primeira parte do ponto 11, última parte do ponto 10 (i.e. que JM, juntamente com a arguida, dirigiu-se em finais de maio de 2012 ao balcão do Banco Santander Totta, sito em Faro, com o intuito de proceder ao levantamento da quantia de 10 000 euros, que JM tinha numa aplicação financeira”), e primeira parte do ponto 14 (i. e. “Que nesse mesmo dia deslocou-se com JM ao balcão do Banco Santander, tendo JM procedido ao levantamento da quantia de 9 504,11 euros”).

2.1.2.3. O que está ainda por decidir da presente impugnação é, pois, saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar provados o ponto 9, a primeira parte do ponto 10, a segunda parte do ponto 14 e os pontos 22 e 23 dos factos provados, ou seja, no essencial:

- Que a arguida disse á ofendida JM que alguém a queria matar e que lhe pediu o montante de 7 000 euros para resolver a situação; que, devido aos problemas que tinha com a filha e o genro, a ofendida acreditou nas palavras da arguida, entregando-lhe a quantia de 7 000 euros por estar convencida de que, se não o fizesse, corria perigo de vida e que ao atuar como descrito de 9 a 14 dos factos provados a arguida aproveitou-se do contexto familiar de JM, designadamente da má relação com a filha e genro e atuou com o propósito de se apropriar da quantia de € 7.000,00, bem sabendo que ao assim proceder obteria benefícios patrimoniais a que não tinha direito e que causaria prejuízo patrimonial a JM, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Apreciando
2.1.2.3.1. A decisão do tribunal a quo quanto ao ponto 9 e à segunda parte do ponto 14, dos factos provados, assenta em prova direta – declarações da ofendida em audiência naqueles precisos termos - e em prova indireta, constituída essencialmente pelo depoimento da testemunha JM e pela conjugação dos factos descritos na segunda parte do ponto 10, pontos 11, 12 e 13, sendo que entre os pontos de facto nº 9, 10, 14 (segunda parte), e 22, ora impugnados, verifica-se uma relação de inferência recíproca, pelo que nenhum deles releva para prova dos demais enquanto não for considerado definitivamente assente.

A impugnação da arguida refere-se especialmente aos pressupostos de facto da credulidade da ofendida afirmada no ponto 10 da factualidade provada ao dizer-se que foi devido à idade e aos problemas que tinha com a filha e o genro, que a ofendida acreditou na arguida.

A referência à idade da ofendida foi já eliminada daquele ponto de facto, como vimos, pelo que tendo o tribunal a quo julgado não provado sob o nº 10 que a ofendida acreditou na arguida devido aos seus problemas de saúde, da versão da acusação resta apenas a afirmação de que foi devido aos problemas que tinha com a filha e o genro que a ofendida acreditou na arguida quando esta lhe terá dito que alguém a queria matar, conforme descrito em 9 da factualidade prova, ora impugnado.

2.1.2.3.2. A este respeito, note-se, antes de mais, que não é explicado no acórdão recorrido em que medida os aludidos problemas com a filha e o genro teriam levado a ofendida a acreditar na arguida, o que seria importante para a cabal compreensão da afirmação da relação de causa efeitos afirmada em 9) uma vez que a referência a problemas com a filha e o genro não é inequívoca, pois de acordo com a experiência comum tais problemas poderiam influenciar a credulidade da ofendida de diversas formas.

Em todo o caso, as razões detalhadas pela arguida na sua motivação põem suficientemente em causa a prova de que na data indicada em 9) e 10), ou seja, entre o final de maio e início de junho de 2012, se verificavam os aludidos problemas com a filha e o genro. Nesse sentido, valem as referências a tais problemas feitas no referido processo da segurança social, mencionados em audiência pela testemunha PP, as declarações desta testemunha e as declarações prestadas pela ofendida em audiência, cuja gravação ouvimos integralmente, donde decorre que os problemas com a filha e as saídas com a arguida sem conhecimento da filha a ofendida reportam-se a 2008, (período em que morava no Besouro).

De forma mais indireta, releva ainda o teor da carta datada de 10.07.2012, subscrita pela filha da ofendida e por uma advogada, que se mostra junta de fls 32 a 35 do apenso I, que apenas permitem concluir pela existência de tais problemas por volta de 2008 e não em 2012, pois nunca é referida a existência de problemas desta natureza em 2012.

Assim e uma vez que o acórdão não aflora qualquer motivo que pudesse explicar serem os problemas de 2008 com a filha e genro suficientemente presentes e relevantes para levar à credulidade da ofendida quanto a alguém querer matá-la se não lhe fosse entregue a quantia de 7 000, em 2012, não pode deixar de reconhecer-se razão à arguida recorrente ao alegar não existir nos autos qualquer elemento de prova donde o tribunal a quo pudesse ter dado como provado no ponto 10 da factualidade provada a apontada relação de causa e efeito entre problemas que tinha com a filha e o genro e a credulidade da ofendida no ano dos factos, ou seja, em 2012. Assim e considerando ainda existir lapso na referência final à aplicação financeira, uma vez que inicialmente o propósito da ofendida era o de proceder ao levantamento daquela quantia de uma conta que supunha ter naquele banco, de acordo com declarações coincidentes nessa parte da arguida e da ofendida, procede a impugnação nesta parte, passando o ponto 10 da factualidade provada a ter a seguinte redação:

- «10. JM, acreditou nas palavras da arguida e, juntamente com esta, dirigiu-se em finais de maio de 2012 ao balcão do Banco Santander Totta, sito em Faro, com o intuito de proceder ao levantamento da quantia de € 10.000,00, que JM teria numa conta bancária.»
Consequentemente, também a primeira parte do ponto 22 dos factos provados, deve ser suprimida, passando este a ter a seguinte redação:

«22. Ao atuar como descrito nos pontos 9 a 14 dos factos provados, a arguida atuou com o propósito de se apropriar da quantia de € 7.000,00, bem sabendo que ao assim proceder obteria benefícios patrimoniais a que não tinha direito e que causaria prejuízo patrimonial a JM»

Por sua vez, o nº10 dos factos não provados passa a ter a seguinte redação:

- «10. Que JM tenha acreditado na arguida devido aos seus problemas de saúde, à sua idade e aos problemas que tinha com a filha e com o genro – que levaram a que a mesma viesse a ser acolhida numa casa abrigo».

Adita-se ainda o número 10º-A aos factos não provados com seguinte teor:

- «Que ao atuar como descrito nos pontos 9 a 14, a arguida aproveitou-se do contexto familiar de JM, designadamente da má relação com a filha e o genro»

2.1.2.3.3. Subsiste ainda a questão de saber se a arguida recorrente tem razão ao pretender que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de facto ao julgar provado o mais constante dos pontos 10, 9, 14 e 22, dos factos provados, sendo certo que deve ser apreciado em conjunto o alegado erro de julgamento relativamente a todos aqueles factos, dada a notória interdependência que entre eles se estabelece.

Ora, no que concerne à prova da factualidade objetiva descrita em 9), na segunda parte do ponto14) e primeira parte do ponto 22, que corresponde, no essencial, ao teor das declarações da ofendida em audiência, devem considerar-se, para além das declarações da ofendida, os seguintes factos indiretos:

- A ofendida deslocou-se ao balcão do banco Santander em Faro para levantar dinheiro de uma sua conta e foi-lhe dito que não era possível proceder ao levantamento da quantia referida, porque esta constava de uma aplicação financeira que não o permitia, sendo aconselhada por um funcionário do banco - a testemunha JL - a contrair um empréstimo no valor de 10 000 euros, o que lhe permitiria dispor desta mesma quantia a breve trecho.

- Poucos dias depois, a ofendida deslocou-se por diversas vezes ao balcão do banco Santander em Faro, sempre acompanhada da arguida, para levantar aquela importância de 10 000 euros, o que se verificou como descrito na primeira parte do ponto 14).

É com estes factos indiretos como pano de fundo, que somos confrontados com as declarações contraditórios da ofendida e da arguida, decisivas para a questão de saber se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como assente a versão da acusação.

Na decisão desta questão, revela-se essencial a falta de lógica e plausibilidade da versão apresentada pela arguida para explicar a iniciativa da ofendida de se dirigir ao banco, levando-a a procurar a boleia e companhia da arguida. Na versão desta, a ofendida disse-lhe pretender levantar a quantia que tinha numa conta sua, mas que fora aberta em conjunto com uma advogada, Dr M (ao que crê 30 000 euros), porque não estava satisfeita com esta advogada e queria pôr termo àquela situação. Ora, esta versão não explica que perante a impossibilidade de levantar toda aquela quantia a ofendida tivesse passado a querer dispor da importância de 10 000 euros, sem qualquer finalidade que o explicasse, e menos ainda que a ofendida passasse a contrair um empréstimo de 10 000 euros ao mesmo tempo que deixava intocada a conta conjunta com a senhora advogada apesar de – na versão da arguida – ter sido o propósito de fazer cessar aquela conta conjunta que levara a ofendida a deslocar-se ao banco e a solicitar à arguida que a acompanhasse.

Contrariamente, a ida inicial ao banco e as vezes que a ofendida aí voltou para levantar a quantia de 10 000 euros titulada pelo empréstimo, sempre acompanhada pela arguida, é congruente com a versão da acusação de que a arguida convenceu a ofendida a deslocar-se ali para levantar a importância que esta última aceitou entregar-lhe na convicção de que desse modo evitaria que a matassem. Confrontada com esta incongruência em audiência, a arguida nada acrescentou ou esclareceu, sendo certo que a ofendida manteve a sua versão em audiência sem que se tenha sido ao menos aflorada qualquer razão que pudesse tê-la levado a imputar falsamente à arguida ter-lhe entregue a quantia de 7 000 euros no contexto descrito em 9), 10), 14 e 22, da factualidade provada.

Por outro lado, seria difícil compreender, de acordo com a experiência comum, que depois da situação que em 2008 deu origem a queixas da ofendida contra a arguida, por suspeita de apropriação de dinheiro, a arguida voltasse a deixar-se envolver com a ofendida em situação que implicava levantamento de dinheiro e a posse de quantia razoável em numerário, sem se precaver contra eventuais dúvidas e suspeições.

Por último, apesar de não ter resultado provado que a ofendida tivesse acreditado na arguida devido à sua idade (62 anos), ao seu estado de saúde ou à má relação que tivera com a filha e o genro, isso não significa que o tribunal a quo tenha incorrido em erro de julgamento ao julgar provado em 10) que a ofendida acreditou na ofendida, pois este facto resulta concludentemente do mais ora descrito de 9) a 14, com o teor resultante da procedência parcial da presente impugnação, sem que se vislumbre outra explicação para a conduta da ofendida que não fosse ter acreditado na arguida, independentemente do apuramento das causas endógenas ou exógenas que podem ter facilitado a sua credulidade. Sempre se diga, porém, que a audição das suas declarações e o teor do processo aberto na segurança social permitem constatar que o seu discurso de mostra marcado por medo e solidão (como dito em audiência pela testemunha PP), sugerindo as suas declarações ser pessoa com idade superior aos 66 anos que tinha na altura em que foi ouvida em audiência.

Concluímos, pois, que apesar das contradições antes apontadas ao acórdão recorrido e de a recorrente ter ainda razão ao assinalar considerável discrepância entre (o pouco) que a testemunha JL disse em audiência e o que foi considerado pelo tribunal recorrido a esse título, a versão da acusação, tal como foi aceite pelo tribunal recorrido, mostra-se assente nas declarações da ofendida e nas inferências lógicas permitidas pelos factos indiretos referidos, com o auxílio as regras da experiência, pelo que a decisão ora impugnada, suficientemente suportada na prova produzida e nas regras da experiência, como vimos, mostra-se tomada para além de toda a dúvida razoável, contrariamente ao que parece entender a recorrente ao invocar o princípio in dubio pro reo. Não estamos, pois, perante erro de julgamento em matéria de facto que conduzisse à procedência da impugnação relativamente aos factos descritos no ponto 9), na segunda parte do ponto14) e na segunda parte do ponto 22, todos da factualidade provada, que, assim, improcede nesta parte.

Em síntese, da procedência parcial dos invocados vícios de contradição entre a fundamentação e entre esta e a decisão a que se reporta o nº2 b) do CPP e da procedência parcial da impugnação da decisão proferidas sobre a matéria de facto, nos termos do art. 412º nºs 3, 4 e 5 e art. 438º, do CPP, resulta a modificação dos pontos 10, 14 e 22, todos da factualidade provada, mantendo-se integralmente o ponto 9).

O teor dos pontos de facto modificados passa a ser o seguinte:
- «10. JM acreditou nas palavras da arguida e, juntamente com esta, dirigiu-se em finais de maio de 2012 ao balcão do Banco Santander Totta, sito em Faro, com o intuito de proceder ao levantamento da quantia de € 10.000,00, que JM teria numa conta bancária.»;

- «14. Nesse mesmo dia a arguida deslocou-se com JM ao balcão do Banco Santander, tendo JM procedido ao levantamento da quantia de € 9.504,11, dos quais € 7.000,00 entregou à arguida, por estar convencida de que, se não o fizesse, corria perigo de vida»

- « 22. Ao atuar como descrito nos pontos 9 a 14 dos factos provados, a arguida atuou com o propósito de se apropriar da quantia de € 7.000,00, bem sabendo que ao assim proceder obteria benefícios patrimoniais a que não tinha direito e que causaria prejuízo patrimonial a JM ».

2.1.3. Posto isto, importa decidir agora se em face das modificações operadas na factualidade provada deve considerar-se não estarem preenchidos todos os elementos constitutivos do crime de burla qualificada p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal (caso JM), pelo qual a arguida vem condenada.

Em causa está saber – como pretende a recorrente para a hipótese de ser julgado não provado o descrito nos factos 10 e 22 dos factos provados - se pode continuar a afirmar-se que a arguida provocou astuciosamente erro ou engano que determinou a ofendida a entregar-lhe a importância de 7 000 euros

Entendemos que sim, pois continua a resultar da factualidade provada que a ofendida entregou à arguida a quantia de 7 000 euros como descrito em 10) e 14) por acreditar que corria perigo de vida se o não fizesse, tal como lhe fora dito pela arguida (ponto 9 dos factos provados). Ou seja, não há dúvida que foi o erro causado pela arguida que determinou a ofendida a entregar-lhe aquela importância, tal como continua a concluir-se que aquele erro foi criado astuciosamente pela arguida, pois visava precisamente a obtenção da entrega em causa e revelou-se adequado aos fins visados.

Na verdade, perspetivando-se a Burla como um “crime com participação da vítima” (uma vez que é o sujeito passivo que pratica os atos de diminuição patrimonial), faz para nós todo o sentido o paralelismo invocado por Almeida Costa com as situações de autoria mediata em que o domínio-do-facto do “homem-de-trás” deriva do estado de erro do executor (= autor imediato) acerca do circunstancialismo em que atua, para concluir que um genuíno domínio-do-erro por parte do agente da burla [que o provocou], constitui o fundamento da imputação do resultado à conduta.

Assim, na medida em que exprime a adequação do comportamento do agente às caraterísticas do caso concreto, o domínio-do-erro pelo agente esgota o conteúdo útil do advérbio “astuciosamente” ... enquanto nota caraterizadora do modus operandi da burla – vd, A. M. Almeida Costa, comentário ao art. 217º do C. Penal in Comentário Conimbricense do Código Penal, II p. 298-9.

Significa isto, seguindo no essencial o apontado entendimento de Almeida Costa, que sempre que a situação concreta em que o agente envolve o sujeito passivo encerra erro ou engano juridicamente relevante, provocado por ele de forma adequada a levar este último - enquanto sujeito concreto no contexto em que se situa - à disposição patrimonial pretendida, tal como se verifica no caso concreto, pode dizer-se que o agente atuou astuciosamente, com manha, com malícia, para efeitos do preenchimento típico do crime de burla previsto no art. 217º nº1 do C. Penal.

Nada há, pois, a alterar à decisão recorrida na parte em que julgou verificados todos os elementos constitutivos do crime de Burla pelo qual a arguida vem condenada.
2.2. Recorre ainda a arguida da medida concreta da pena, por entender ser suficiente a pena de 1 ano de prisão, e da subordinação da suspensão da execução da pena de prisão à obrigação de a arguida pagar a quantia de 2 300 euros à ofendida (JM) no prazo de 2 anos, por considerar que a arguida não tem condições para cumprir esta obrigação.

2.2.1. – Tendo em conta que a moldura legal da pena estabelece o mínimo de 1 mês e o máximo de 5 anos, de prisão, a pena de 2 anos de prisão mostra-se adequada ao grau de ilicitude do facto, à culpa da arguida, aos seus antecedentes criminais e às necessidades de prevenção geral e especial de futuros crimes.

O valor de que a arguida se apropriou (7 000 euros) tem algum peso no meio onde se inserem arguida e ofendida, não ocorreram circunstâncias que pudessem tornar menos censurável a conduta da arguida, nomeadamente por não estarmos perante especiais necessidades que pudessem ter contribuído para levar a arguida à prática do ilícito penal em causa, e não se verificam fatores favoráveis à arguida na sua conduta posterior aos factos, como seriam a confissão, arrependimento e reparação do mal do crime.

Acrescem as necessidades de prevenção especial presentes no caso, que relevam sobretudo na medida em que se impõe a consciencialização da arguida para a gravidade e consequências da sua conduta e, finalmente, as necessidades de prevenção geral, pois é particularmente importante que a pena represente resposta contrafática capaz de contribuir decisivamente para reforçar a consciência comunitária na validade e eficácia da tutela pena, dissuadindo outros da prática de crimes idênticos, o que é sobretudo importante quando estão em causa vítimas com especiais fragilidades na defesa da sua pessoa e bens, como se verifica no caso sub judice.

Quanto à obrigação de a arguida pagar à ofendida parte da quantia de que se apropriou, improcede igualmente o recurso da arguida, essencialmente por duas ordens de razões.

Em primeiro lugar, porque a subordinação da suspensão ao pagamento de parte daquela quantia com vista à reparação do mal do crime, nos termos do art. 51º do C. Penal, mostra-se particularmente adequada à satisfação de necessidades de prevenção geral positiva, nos casos, como o presente, em que o agente do crime visa o seu enriquecimento à custa do património da vítima e nada fez para reparar as consequências do crime, reforçando-se desse modo a credibilidade e eficácia da pena de substituição. Em segundo lugar, como criteriosamente ponderado pelo tribunal a quo, o pagamento da quantia fixada (2 300 euros), que representa apenas cerca de um terço da quantia de que a arguida se apropriou, pode ser feito em prestações mensais de 96 euros, mostrando-se tal pagamento ao alcance da arguida desde que esta faça o esforço que se lhe impõe, nomeadamente através de atividades remuneradas a que se dedique, como será o caso de vendas em mercados, o que lhe é exigível mesmo com algum sacrifício da sua comodidade e estilo de vida, pois trata-se de reparar as consequências do crime que cometeu.

2.2. O recurso da assistente.

Como referido, a assistente vem impugnar a decisão recorrida na parte em que julgou não provados os pontos nºs 13, 14, 40 e 41, da factualidade não provada, pretendendo que os mesmos sejam julgados parcialmente provados e, consequentemente, se condene a arguida pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, al. c) todos do Código Penal, em que é ofendido MG, e da prática de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, al.c) todos do Código Penal, em que é ofendida LR, pelos quais foi absolvida em 1ª instância.
2.2.1. Como vimos, a assistente começa por recorrer em matéria de qualificação jurídica, ao pretender que os pontos nºs 2 e 3 da factualidade provada são suficientes para que a arguida seja condenada pela prática de um crime de burla qualificada, na forma tentada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2, al. c) todos do Código Penal, em que é ofendido MG, pelo qual foi absolvida em 1ª instância.

Vejamos.

A assistente transcreve os pontos 2, 3, 5, 6, 7 e 8, da factualidade provada, faz algumas considerações sobre o que terão dito as testemunhas Eunice e Andreia sobre as suas funções na junta de freguesia onde são funcionárias – o que é irrelevante, por não estar em causa recurso em matéria de facto -, sobre a relação entre idênticas funções da arguida e o que a mesma terá feito ao ofendido MG e ainda sobre a opção da arguida de deixar na mesa a quantia de 200 euros que lhe fora entregue pelo ofendido, e conclui que toda esta conduta praticada pela arguida constitui a prática do crime de burla qualificada na forma tentada.

A assistente não fundamenta juridicamente esta sua afirmação, nem a mesma se mostra fundamentada.

Na verdade, são elementos objetivos do tipo fundamental do crime de burla p. e p. pelo 217º do C. Penal:

- Erro ou engano sobre factos que o agente astuciosamente provocou;

- Que determine outrem à prática de atos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial.

O crime de burla ali previsto abrange, pois, situações em que o agente, com a intenção de conseguir um enriquecimento ilegítimo (próprio ou alheio), induz outra pessoa em erro, fazendo com que a última, por esse motivo, pratique atos que causam a si mesmo (ou a terceiro) prejuízos de caráter patrimonial, constituindo o património, globalmente considerado, o bem jurídico protegido.

Trata-se de um crime de resultado e exige-se um duplo grau de imputação objetiva na medida em que o preenchimento do tipo depende de ser a conduta enganosa do agente que determina o burlado à prática do ato de disposição patrimonial e de ser este ato que provoca o prejuízo patrimonial do próprio ou de terceiro (o lesado) - cfr A. M. Almeida Costa, comentário ao art. 217º do C. Penal in Comentário Conimbricense do Código Penal, II, p. 294-5.

Ora, da conjugação da factualidade descrita sob os nºs 2 e 3 com a descrita sob os nºs 5 a 8 não resulta que, objetivamente, aquelas quantias se destinassem a fim diferente do mencionado em 3 e 4, ou seja, a assunto relacionado com o IRS e ao pagamento devido pelo serviço prestado pela arguida ao ofendido, pelo que não pode falar-se em atos de execução do crime de burla sob qualquer das formas previstas no art. 22º nº 2 do C. Penal, uma vez que não se demonstra sequer que a arguida tivesse induzido o ofendido MG em erro ou engano [astuciosamente provocado por si] que o determinasse a entregar-lhe as importâncias de 50 euros e 200 euros referidas em 3) e 6, faltando, assim, um elemento essencial ao preenchimento do tipo objetivo de burla, ainda que sob a forma tentada.

Por outro lado, a tentativa sempre exige a prova dos factos integradores do dolo e da intenção de obter para si enriquecimento ilegítimo ao obter do ofendido as quantias em causa, enquanto especial elemento subjetivo do tipo, factos que não constam igualmente na factualidade provada.
Improcede, pois, o recurso da assistente no que respeita à qualificação jurídica dos factos relativos à situação em que é ofendido MG.

2.2.2 Impugnação da decisão que julgou não provados os pontos 13), 14), 40) e 41) dos factos não provados - ofendida LR.

Começa a assistente por dizer que vem recorrer em matéria de facto por não concordar com a decisão do tribunal a quo e a isso se resume, efetivamente, a fundamentação do recurso em matéria de facto, conforme resulta do texto da sua motivação e conclusões que dela extrai, apesar de a impugnação nos termos do art. 412º do CPP destinar-se antes à correção de erros de julgamento em matéria de facto, quer o erro se traduza na decisão de julgar provado sem prova suficiente, na violação de regra do conhecimento técnico ou científico, de regra da experiência comum ou norma de direito probatório aplicável, conforme é consensualmente entendido.

Com efeito, os excertos do depoimento da ofendida LR destacados pela assistente, em nada contrariam – antes confirmam - a conclusão do tribunal a quo de que o depoimento daquela é insuficiente para, com a certeza necessária, concluir que os levantamentos de quantias entre 400 e 3 300, euros, que podem ver-se do extrato de conta de fls 97 e 98 dos autos, foram feitos na companhia da arguida e que esta se apropriou de parte desses montantes, dada a forma vaga como foi prestado o depoimento, nomeadamente por limitar-se a testemunha ofendida a afirmar que a arguida ficava com dinheiro seu, sem concretizar as vezes em que tal teria sucedido ou que dinheiro teria ficado na posse da arguida, afirmando sempre que não pretendia procedimento criminal contra esta.

Improcede, pois, a impugnação do acórdão recorrido na parte em que julgou não provados os pontos 13), 14), 40) e 41), relativos a LR.

2.2.3. A assistente pretende ainda a elevação da medida da pena de 2 (dois) anos de prisão aplicada à arguida pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 do Código Penal (caso JM), para 3 anos de prisão, bem como a aplicação da sanção acessória de proibição de exercício de funções prevista no art. 66º nº1 als a) e b) do C. Penal.

No que concerne à medida concreta da pena é manifesta a falta de razão da assistente que, além do mais, incorre em erro ao considerar que a pena de 2 anos de prisão aplicada à arguida constitui o mínimo legal da moldura aplicável (cfr conclusão h) h), pois o limite mínimo da moldura penal correspondente ao crime de Burla previsto no art. 218º do C. Penal é de um mês de prisão, como referimos.

Em todo o caso, não tem fundamento a pretendida elevação da pena de prisão aplicada à arguida, pois o tribunal a quo considerou já os fatores relevantes enunciados pela assistente, como seja a situação pessoal da ofendida, o montante significativo de que a arguida se apropriou, a ausência de reposição total ou parcial daquela quantia (7000 euros), bem como a inexistência de outros fatores que pudessem militar a favor da arguida, sem que de tais fatores resulte ser insuficiente a medida de pena aplicada, pois esta mostra-se fixada com respeito pelos critérios e fatores estabelecidos nos artigos 40º e 71º, do C. Penal.

Improcede, pois, o recurso da assistente relativamente à medida concreta da pena aplicada à arguida (caso JM), que se mantém em 2 anos de prisão.

2.2.4. Consequentemente, improcede a pretendida aplicação da pena acessória de Proibição de exercício de funções, por ser manifesto o não preenchimento do pressuposto formal mínimo de que depende a sua aplicação, ou seja, ser o arguido punido com pena de prisão superior a 3 anos, conforme exige o art. 66º nº1 do C. Penal, independentemente de saber se no caso concreto poderia considerar-se que a arguida cometeu o crime pelo qual vem condenada no exercício da atividade para que foi nomeada, o que constitui igualmente requisito da aplicação daquela pena acessória.
Improcede, pois, totalmente, o recurso interposto pela assistente.

III. DISPOSITIVO

Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar total provimento ao recurso interposto pela arguida, bem como ao recurso interposto pela assistente, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido, sem prejuízo das modificações da decisão proferida sobre a matéria de facto assinaladas supra em 2.1.2.3.3.

Custas pela arguida e pela assistente, que decaíram totalmente nos respetivos recursos, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça devida pela arguida e em 3 UC a taxa de justiça devida pela assistente – cfr arts. 513º nº1 e 515º nº 1 b), do CPP, e art 8º nº 5 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) conjugado com a tabela III a que se refere este último preceito.

Évora, 21 de março de 2017

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

(António João Latas)

(Carlos Jorge Berguete)