Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
935/02.6TASTR. E2
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: FRAUDE NA OBTENÇÃO DE SUBSÍDIO
ACUSAÇÃO E PEDIDO CÍVEL
INDICAÇÃO DE PROVA
IMPUTAÇÃO DOS FACTOS AO AGENTE
POSIÇÃO DE GARANTE
Data do Acordão: 12/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: NÃO PROVIDOS
Sumário:
I - Nos casos em que o pedido cível é deduzido pelo Ministério Público contra demandado que é simultaneamente o arguido, a indicação das provas pode fazer-se em nota única, após dedução da acusação edo pedido cível.

II - Não é nula a acusação por falta de indicação das provas quando o Ministério Público procede à indicação destas, não logo após essa acusação, mas depois da articulação do pedido cível, sendo então patente que a prova a produzir em julgamento é comum à acusação e ao pedido cível, e devendo entender-se que a acusação contem a indicação das provas, que se encontram em recenseamento único após a acusação e o pedido cível.

III - Nestes casos, em que não se vislumbra do lado do arguido/demandado qualquer interesse ou direito preterido por via desse procedimento, uma lógica puramente formal de duplicação de indicação das provas não serviria finalidade material ou processualmente atendível e contrariaria até regras de boa prática processual.

IV - O domínio do facto não exige a execução corporal da acção típica e, no caso de quem exerce poderes de direcção, a omissão pode ser até “condição do sucesso dos actos ilícitos praticados”.

V - Tendo o arguido ocupado uma posição de garante, e compreendendo-se os actos praticados (e que integram crime de fraude na obtenção de subsídio) no âmbito dessa posição de garantia, deve ser responsabilizado criminalmente uma vez demonstrada a possibilidade de ter cumprido com as suas obrigações por via do exercício do controlo efectivo, impedindo a prática dos factos, sendo irrelevante que tenha ou não executado por sua mão todos os actos que realizam o crime.

VI - Não determinante para o afastamento da causalidade é também a circunstância da autorização do pagamento (do subsídio) ter vindo a ser assinada já por um sucessor do arguido no cargo, quando essa assinatura surge como corolário automático de toda uma antecedente actuação do arguido, o qual se mantém como “senhorio” do facto típico, dada a sua posição de domínio do contexto organizacional e de todo o processo, e que foi determinante do erro (ignorância) em que este último executor material actuou.

VII - Também não releva para a realização do tipo de crime de fraude na obtenção de subsídio a circunstância das verbas fraudulentamente obtidas não terem beneficiado pessoalmente os arguidos e terem vindo a ser utilizadas em (outro) fim público (diverso daquele a que se destinavam). Trata-se de circunstâncias que ocorreram após a consumação do crime, que se verifica com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção (AFJ nº 22006), que relevam (atenuantemente) na avaliação do grau de culpa e em sede de determinação da pena. [1
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal:

1. No Processo n.º 935/02.6TASTR do 1º juízo criminal do Tribunal Judicial de Santarém foi proferido acórdão em que se decidiu:

- Absolver os arguidos A. e Santa Casa da Misericórdia de... da prática dum crime de desvio de subsídio, do art.37º, nº1 e nº3 pelo qual vinham pronunciados.

- Condenar o arguido A. pela prática dum crime de fraude na obtenção de subsídio, do art.36º, nº1, al.a), nº2 e nº5, al.a) do DL nº28/84, de 20/01, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

- Condenar o arguido B. pela prática dum crime de fraude na obtenção de subsídio, do art.36º, nº1, al.a), nº2 e nº5, al.a) do DL nº28/84, de 20/01, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

- Condenar a arguida Santa Casa da Misericórdia de ..., nos termos do art.3º, nº1 do DL nº28/84, de 20/01 pela prática dum crime de fraude na obtenção de subsídio, do art.36º, nº1, al.a), nº2 e nº5, al.a), conjugado com o art.7º, nº1, al.b) e nº4 do mesmo diploma legal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 20 (vinte euros), perfazendo o valor global de € 2.400 (dois mil e quatrocentos euros).

- Determinar a publicitação da decisão condenatória, a cargo dos arguidos B., A. e Santa Casa da Misericórdia de ..., por editais afixados na sede da arguida, pelo prazo de 30 dias, e por publicação em jornal com distribuição na área desta comarca, nos termos do disposto no art.19º, nºs.1 e 3 do DL nº28/84, de 20/01.

- Condenar os demandados arguidos B., A. e Santa Casa da Misericórdia de ... no pagamento, solidário, ao Estado, de indemnização no valor de € 33.673,48 (trinta e três mil, seiscentos e setenta e três euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa anual de 7% desde a data de 15/02/2000 até 30/04/03 e à taxa anual de 4% desde 1/05/03 até integral pagamento.

Inconformados com o assim decidido, recorreram os arguidos, concluindo:

A Santa Casa da Misericórdia de...,

1-Dos factos dados como assentes/provados no Douto Acordão de que se recorre, nomeadamente os constantes dos nºs 6, 10, 13, 14, 16, 17, 18, 20, 23, 28,61, 62, 63, 71, 73, 74, 75, 81, 82, 83, 99, 100, 103, 105, 106, 205, que se dão aqui todos por integralmente reproduzidos, resulta claro e manifesto que a Recorrente não praticou qualquer crime de fraude na obtenção de subsídio com dolo.

2- Para haver condenação pela prática de tal crime, têm que se verificar os requisitos constantes do artº 36 nº 1, 2 e 5 do DL 28/84 de 20 de Janeiro.

3- Sendo que um desses requisitos passa pelo fornecimento de informações incompletas ou incorrectas com o fim de criar aparência de uma realidade inexistente.

4- Como ficou provado e supra se demonstrou, não foram prestadas informações com o esse fim ou objectivo.

5-Pois a entidade promotora (Segurança Social/Estado) tinha conhecimento de todo o processo e estado em que as obras se encontravam.

6-Aliás, essa era uma das suas funções.

7- Acresce que a Recorrente nem havia completado a sua candidatura e o processo prosseguiu, nada tendo a Recorrente feito para que tal acontecesse, como também supra se demonstrou.

8- E tal somente sucedeu porque os acusados sabiam que a Recorrente cumpriria com as suas obrigações.

9- Que iria concluir as obras, que iria colocar a UAI a funcionar e ao serviço da comunidade.

10- Nunca em proveito próprio dos acusados!

11- Razão pela qual não se pode verificar a existência de dolo.

12- Todas as verbas públicas foram aplicadas para fins públicos (comunidade).

13- Não havendo à época legislação sobre o efectivo funcionamento das UAI em causa.

14- Não podendo a Recorrente ser condenada no pagamento de uma indemnização pois, como foi provado e dado como tal, todo o subsídio foi utilizado para o fim a que se destinava.

15- Injusto e ilegal (pois o crime de fraude na obtenção de subsídio a título negligente já prescreveu) seria condenar a Recorrente a indemnizar o Estado, por ter utilizado subsídios para fins públicos e interesse da comunidade, ou seja, o fim primário da concessão do subsídio.

O A.,

“1ª Na acusação, de Fls 689 a fls 709, não é indicado qualquer meio de prova.

2ª Em sede de abertura de instrução, invocou o arguido, expressamente, a questão da nulidade da acusação, em virtude de a mesma não conter a indicação de qualquer meio de prova.

3ª Efectivamente, a Douta acusação proferida contra o arguido, refere documentos, que serão volumes inteiros… sem indicar as Fls. a que se encontram, e sem, a final, os indicar como meio de prova.

4ª Só tendo sido indicada prova para o pedido de indemnização civil deduzido contra os arguidos e nenhuma prova relativamente à matéria da acusação.

5ª. Assim, não existe qualquer fundamento de facto, que sustente a acusação formulada contra os Arguidos, não cabem ao despacho de pronúncia, no âmbito de instrução requerida pelos arguidos, indicar a prova que o Ministério Público não indicou.

6ª A falta de indicação dos meios de prova na acusação proferida pelo Ministério Público constitui nulidade, que expressamente e em benefício do Arguido se invoca – artº 283º nº 3 f) do C.P.P..

7ª Tendo a acusação sido proferida sem indicação dos meios de prova, devia ter sido proferido, liminarmente, despacho de não pronuncia, em virtude de, manifestamente, os arguidos deverem vir a ser absolvidos, em fase de audiência de julgamento.

8ª Sobre a nulidade da acusação invocada pelo arguido, foi proferida pelo Tribunal de Instrução Criminal, a decisão de fls 974, de não declaração da nulidade da acusação invocada pelo arguido A..

9ª Desta decisão não podia o arguido recorrer de imediato, nos termos do disposto no artº 310º nº 1 do C.P.P., mas o presente recurso pode ter comum fundamento a inobservância de qualquer requisito cominado sob penal de nulidade que não deva considerar-se sanada, nos termos do disposto no artº 410º nº 3 do C.P.P..

10ª É insanável a nulidade da falta de prova da acusação.

11ª Se, ao deduzir o pedido de indemnização, como peça autónoma e completa que é, o Ministério Público repete a identificação dos demandados, também ao indicar os meios de prova, se queria que os mesmos respeitassem a ambas as peças teria que o ter referido expressamente ou que ter repetido a sua indicação, tal como fez com todos os factos que entendeu relevarem quer para a acusação quer para o pedido de indemnização civil.

12ª O modo, os requisitos e o tempo de indicação das provas para uma e outra peça processual são bem distintas e reguladas por disposições legais também distintas – respectivamente, artºs 77º nº 1 e nº 4 e artº 79º do C.P.P., para o pedido de indemnização civil e 283º nº 3 d), e) e f) para a acusação pelo Ministério Público.

13ª O despacho de Fls. 974 interpretou a vontade do Ministério Público, designadamente o valor atribuído ao asterisco (*) de separação dos meios de prova, confessando que só por interpretação da peça processual decorreria “com mediana clareza”… que a prova é comum à indicação e ao pedido de indemnização.

14ª Ora, em nenhum lugar a lei confere ao Tribunal o poder de interpretar extensivamente peças processuais no sentido de que a prova é comum ou deixa de o ser, competindo antes ás partes observar as regras imperativas de indicação dos meios de prova.

15ª O despacho referido não contém qualquer fundamentação de direito que pudesse justificar este acto de interpretação da vontade do Ministério Público, em violação clara dos direitos de defesa do arguido e das normas legais imperativas relativas à indicação dos meios de prova e nulidade da falta de indicação dos meios de prova na acusação.

16ª Deve, pois, ser declarada a nulidade da acusação, por total omissão da indicação dos meios de prova.

17ª O recorrente faz suas as alegações de recurso apresentadas pelos co-arguidos B. e Santa Casa da Misericórdia de ..., a cujos fundamentos adere.

18ª Em face da prova produzida em audiência de julgamento, deviam ter sido dados como não provados os factos seguintes referidos nas alíneas 56), 57) e 58, que aqui se dão como reproduzidos, uma vez que nenhuma das testemunhas inquiridas os referiu e nenhum documento existe nos autos que os possa suportar.

19ª A respeito destes factos, foi particularmente esclarecedor o depoimento da testemunha JM, profundo conhecedor da organização dos serviços da Santa Casa da Misericórdia de ---, o qual afirmou que não era o arguido A. quem recebia, pagava ou conferia a facturação, não tendo o arguido qualquer contacto com a mesma.

20ª Na fundamentação da matéria dada como provada não consta nenhuma menção de onde possa basear-se a prova de tais factos.

21ª Resultou provado, e bem, que não foi o Arguido quem enviou ao Serviço Sub-Regional da Segurança Social de Santarém a carta nem as facturas a que se faz referencia na acusação e, designadamente, nos seus artºs 31º e 33º.

22ª Antes da assinatura, ilegível, aposta na referida carta, encontra-se manuscrita a indicação de “p’ “ Provedor.

23ª Sendo que essa carta, por se tratar de mero expediente, podia ser assinada por qualquer mesário, nos termos da parte final do artº 51º do Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia..

24ª O certo é que a assinatura constante da carta não é da autoria do arguido, pelo que não foi ele quem praticou o acto pelo qual vem acusado.

25ª O Arguido não só não assinou a referida carta, como também não assinou, nem rubricou, nem conferiu, nem efectuou o pagamento das facturas remetidas ao Serviço Sub-Regional Da Segurança Social De Santarém.

26ª Sendo certo que tais tarefas não faziam parte do normal exercício das funções que lhe competiam, como Provedor da Santa Casa Da Misericórdia ...

27ª Da análise dos factos dados como provados, resulta que o arguido logrou provar os factos essenciais da sua defesa e que parte substancial dos factos pelos quais foi acusado não resultaram provados.

28ª O douto Acórdão recorrido, apesar de ser forçado a reconhecer que o arguido não praticou os factos de que vem acusado, aplicou o direito aos factos, justificando a imputação objectiva e subjectiva ao arguido dos elementos típicos do crime, por omissão.

29ª O arguido não praticou qualquer ilícito criminal e muito menos a título doloso.

30ª Estando a condenação do arguido a título doloso em manifesta contradição com os factos, dados como provados, de que o envio da facturação, por se tratar de acto de mero expediente, poderia ser assinado por qualquer mesário, de que o arguido nunca extravasou as suas competências e não tinha poderes para obrigar a instituição.

31ª Dos autos não consta prova da prática pelo arguido de factos geradores de responsabilidade criminal. Pela distribuição de pelouros entre os mesários, o acompanhamento deste projecto nem sequer tinha ficado a seu cargo.

33ª O arguido foi a julgamento acusado e pronunciado por uma acção que não cometeu e acabou por ser condenado pela omissão de um comportamento…sabe-se lá qual, que em rigor não era de sua responsabilidade, nem consta da acusação.

34ª Dos autos resulta a dimensão da Santa Casa da Misericórdia..., com múltiplas respostas sociais, centenas de utentes e de funcionários, com serviços administrativos profissionalizados e contacto constantes entre os seus técnicos e os técnicos da segurança social e envio muito frequente, para não dizer diário de documentação e facturação à Segurança Social.

35ª Atenta esta dimensão, a experiencia de anos de colaboração entre ambas as instituições e seus respectivos funcionários, nunca o arguido A. poderia sequer imaginar que, neste projecto em particular, pudesse ser enviada documentação incorrecta, que na Segurança Social ninguém se apercebesse e que por via desses factos fosse recebida pela Santa Casa da Misericórdia qualquer quantia a que não tivesse direito.

36ª Sobre o arguido não recaía qualquer especial obrigação de conferir a documentação enviada ou a selecção para esse efeito realizada pelos serviços da instituição.

37ª No direito português não é admissível a condenação por responsabilidade objectiva.

38ª Um membro de um órgão colegial com responsabilidades de gestão de uma instituição não pode ser responsabilizado criminalmente, por omissão de todas as vezes que os serviços não cumpram as instruções recebidas ou ocorra qualquer erro.

39ª O facto de qualquer instituição ter um líder, não pode ser susceptível de sobre o mesmo fazer recair a responsabilidade total e pessoal de qualquer acto praticado pelos vários serviços.

40ª Se um utente fugir, há dolo do Provedor, porque não agiu de modo a evitar essa fuga? Se houver uma intoxicação alimentar o Provedor age com dolo, por não ter evitado o envenenamento?! E se alguém cair no chão molhado, é ele o responsável por não ter dito ao funcionário para o enxugar melhor?! Onde se chegaria com este tipo de criminalização dos actos omissivos?

41ª A nenhum bom pai de família, nenhuma pessoa de normal diligência, colocada na situação em que se encontrava o arguido, era exigível que adoptasse um comportamento diferente daquele que o arguido adoptou, nem que pudesse configurar a hipótese de que daí resultasse a prática de um crime.

42ª Os procedimentos foram descritos pelas testemunhas, estavam estabelecidos, não havia desorganização, tudo foi feito como era usual fazer-se perante as normas à data em vigor e de igual modo ao que era feito pelos serviços diariamente.

43ª Qual era o comportamento, em concreto que o arguido deveria ter adoptado e omitiu? Não o diz o acórdão recorrido.

44ª Assim fica o arguido condenado por uma omissão de um acto… que nunca saberá qual era, e entre o qual e o resultado não existe qualquer nexo de causalidade.

45ª Ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artºs 1º, 3º, 10nº nºs 1 e 2 e 26º do C.P. e artºs 77 nº 1 e nº 4 , 79º, 283 nºs 3 d), e) e f), 374º nº 2 e 379º nº 1 b) do C.P.P., pelo que deve ser declarada a nulidade da acusação, ou, quando assim se não entenda, o Douto Acórdão recorrido declarado nulo, revogado e substituído por outro que absolva o arguido.”

O B.,

“1. O arguido não pode concordar com o douto Acórdão recorrido por entender que o mesmo padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto, contradições entre a de facto dada como provada com a matéria de facto dada como não provada, entre a decisão sobre a matéria de facto e a respectiva motivação e erro de qualificação à qualificação jurídica dos factos, em que avulta a desconsideração do Acórdão STJ (Fixação de Jurisprudência nº 2/2006).

2. Há erro de julgamento quanto à matéria de facto constante do nº 15 quando se dá como provado que o Director decidia o tipo de financiamento, como se tivesse efectivos poderes de escolha das entidades a financiar e respectivos montantes e esquecendo que o processo de decisão para a inscrição das verbas em PIDDAC começava nos Serviços da Sub Região e terminava em Lisboa onde era tomada a decisão final.

3. Face à prova produzida, em especial a que decorre das declarações do arguido e das testemunhas JT e AC, deve ser alterada, dando como provado: O Centro Distrital de Segurança Social seguia também certos procedimentos administrativos, entre outros: - perante a pretensão manifestada por qualquer meio por uma instituição de avançar com um projecto investimento, com base em informação técnica dos serviços que continha uma proposta de despacho já elaborada, o director despachava e, sendo de encaminhar para o PIDDAC remetia para o Gabinete de Apoio Técnico, cabendo a decisão final ao Centro Regional de Lisboa

4. Igualmente se verifica um erro de julgamento relativamente à matéria de facto dada corno provada sob os nºs 28 e 63, quando se diz que o arguido, admitindo que as obras de espaço destinado à UAI poderiam não estar realizadas, alertou o provedor da Casa Misericórdia de ... para a necessidade de apresentar facturação.

5. Não existe qualquer prova que permita uma tal conclusão, a não ser por uma invocação das regras da experiência comum que resultam presunções que redundam numa verdadeira inversão do ónus da prova e na ofensa do princípio da presunção da e das garantias constitucionais de defesa (artº 32º/1 e 2 da C.R.P.).

6. Da prova produzida em audiência, resultante das declarações do arguido e de RF, deve ser suprimida qualquer alusão a que o arguido tenha admitido que as obras poderiam não estar realizadas, pelo que apenas deve ser dado como provado: - Estando a terminar o ano económico de 1999, o arguido B. alertou o provedor da Santa Casa da Misericórdia de ... – A. – para a necessidade de apresentar facturação que documentasse custos relativos à remodelação do espaço da UAI.

7. Também no que respeita aos factos dados como provados sob os nºs 37 e 74, existe erro julgamento quando relativamente à facturação entregue no Serviço Sub Regional de Segurança Social em Dezembro de 1999 que o funcionário responsável por aquela área tenha informado o arguido B. que desconhecia quais eram as obras a que diziam respeito as facturas e o arguido B. nada fez, como funcionalmente lhe competia, para que as facturas que foram apresentadas não fossem consideradas.

8. Para além de contradizer a motivação da própria decisão, esta decisão não possui qualquer suporte na prova produzida em julgamento, acrescendo ainda que o Tribunal, sem qualquer explicação, tanto credibiliza as declarações do arguido (contra as testemunha R.) quando dá como provado que ao arguido foi dado conhecimento por funcionário que as obras não estavam inteiramente realizadas, para logo as descredibilizar, sem fundamentação, quando não dá como provado que ordenou que não efectuado qualquer pagamento (tal como consta da motivação).

9. Assim, a matéria de facto dada como provada sob os nºs 37 e 64, ou deveria, pura e simplesmente, ter sido dada como não provada, com a consequente supressão, ou mantendo-se a mesma, no nº 64 deveria ter sido dado como provado que o arguido ordenou que as facturas não fossem pagas.

10. Deste modo, nesta perspectiva, ainda que se possa aceitar o teor dos factos dados como provados sob o nº 37, relativamente à matéria do nº 64 deve ser considerado o seguinte: - Alertado por um funcionário do Serviço Sub Regional da Segurança sobre o desconhecimento de quais as concretas obras a que diziam respeito as facturas como indicado em 37), o arguido B. ordenou que não fossem pagas.

11. Existe também erro de julgamento no tocante à matéria constante do nº 60 dos factos provados quando se diz que o arguido propôs o financiamento e a inscrição no PIDDAC apesar de não ter elementos sobre a estimativa de custo global da obra.

12. Mais uma vez, a prova produzida não consente que se dê como provados tais factos.

13. A prova produzida, através das declarações do arguido e das testemunhas JT e AC são claros que para despacho do director vinha uma listagem com montantes de financiamento correspondentes, acompanhada já por uma proposta de despacho, elaborada pelos serviços de acção social, mas aquela listagem e informação de suporte não era acompanhada de orçamentos, projectos ou cartas de intenção

14. E mais se demonstrou que o director, ora arguido, tinha natural confiança nas informações dos seus Serviços e que nunca lhe passou pela cabeça, nem aos seus superiores hierárquicos em Lisboa, que não tivessem sido observadas as formalidades de candidatura, como habitualmente sempre tinham sido.

15, Assim, deve excluir-se da matéria dada como provada a expressão "apesar de não ter elementos sobre a estimativa de custo global da obra"; dando-se apenas como provado que o arguido propôs, como base na Informação dos Serviços, o financiamento para a instalação da UAI e a sua inscrição em PIDDAC.

16, De novo, existe erro de julgamento quanto à matéria constante dos nºs 61 e 62 quando neles se dá como provado que o arguido propôs o reforço da verba com mais 20.000.000$00, verba deixada disponível pelo CBESA e que esta proposta foi determinante para a concessão da totalidade do subsídio.

17. Sendo inquestionável o reforço, a única prova produzida sobre a matéria são as declarações do arguido que afirmou que a proposta de reforço partiu Director da Divisão da Acção Social, Dr. G, simultaneamente Presidente do CBESA, e que não viu razões para não concordar e que não teve nenhuma especial iniciativa nessa obra. Aliás, nesse sentido vai o teor da al. g) dos factos não provados que desconsidera qualquer participação do arguido no processo de reformulação do PIDDAC quanto a esta obra.

18. Assim, relativamente à matéria do nº 61 deve dar-se como provado apenas o que consta do nº 20, ou seja, que "na reformulação do PIDDAC foi proposto o reforço dessa verba de 14.000.000$00 com a verba de 20.000.000$00 deixada disponível pelo CBESA.

19. E quanto ao nº 62 deve ser suprimido ou, quanto muito, dar-se apenas como provado que essa proposta foi determinante para a concessão da totalidade do subsídio.

20. Também existe erro de julgamento quanto à matéria dada como provada no nº 65, quando se diz que o arguido admitiu que a sua conduta contribuíra decisivamente para a obtenção ilícita de um subsídio pela Santa Casa da Misericórdia ... e conformou-se com tal resultado.

21. Ainda que esta matéria possa abranger factos relativos à inscrição da verba em PIDDAC e ao seu posterior reforço, está mais directamente associada aos alegados conhecimento pelo arguido de que a obra não estava realizada e à representação da possibilidade de serem apresentadas facturas não condizentes com a obra e nada ter feito para impedir a consideração daquelas facturas.

22. No tocante às questões mais directamente relacionadas com a inscrição da verba em PIDDAC e respectivo reforço remete-se para as conclusões supra alinhadas (max. 6. a 15.).

23, Da prova produzida resulta que, em momento algum o arguido tivesse admitido a possibilidade de vir a ser concedido o subsídio à Santa Casa da Misericórdia ..., apesar de não estar demonstrado o direito a tal, e que se tenha conformado com esse facto (pois o arguido expressamente disse para não serem efectuados pagamentos) estando esta conclusão suportada apenas na invocação das regras de experiência comum e na inferência, confessadamente feita pelo Tribunal, a partir de meras circunstâncias adjacentes (conhecimento e contacto entre as instituições e os arguidos, localização do edifício das obras, dimensão da cidade) de que ponderaram a possibilidade de a obra não estar feita totalmente e que nada fizeram para evitar a concessão do subsídio.

24. Assim, deve dar-se como totalmente não provada a matéria constante do nº 65 dos factos provados.

25. Não obstante e quando muito, poder-se-ia admitir que o arguido pudesse ter omitido um dever de diligência, quando após ter sido alertado pelo funcionário, se considere que o mero facto de ter dado a ordem para não se pagar e não ter antecipado a possibilidade de as facturas virem a ser (requerente) apresentadas e pagas.

26. Deste modo, e de uma forma genérica, existem erros manifestos na apreciação da prova nos termos previstos na alª c) do nº 2 do art. 410º do CPP, pelo que se impõe a respectiva alteração em conformidade com a prova produzida e com o supra exposto.

27. Padece ainda o douto Acórdão de contradição entre os factos dados como provados sob os nºs 20), 61) e 62) e a alínea g) dos factos dados como não provados.

28. Com efeito, não é compaginável e coerente dar-se como provado que na reformulação do PIDDAC "foi proposto", usando uma forma de indeterminação do sujeito/agente (nº20) para logo de seguida se afirmar que o arguido propôs a reformulação do PIDDAC o que foi determinante para a concessão do subsídio (nºs 61 e 62) e ao mesmo tempo dizer-se que foi provado que tenha sido o arguido a propor a reformulação do PIDDAC.

29. Existe, assim, uma patente contradição entre os factos provados e entre estes e os factos dados como não provados, o que constitui violação do disposto no art. 410º nº2 al. b) e se traduz em nulidade da sentença (artº 379º al. a) e 374º/2 todos do CPP).

30. Sofre ainda o douto Acórdão de contradições entre a matéria de facto provada e a motivação da mesma ou de deficiente motivação da matéria de facto, no que respeita à dada como provada sob os nºs 17, 28, 37, 61, 62, 63, 64 e 65.

31. O Tribunal motivou a decisão relativa à matéria de facto no que considerou de relevantes nas declarações do arguido e das testemunhas (max. a testemunha RF) que transcreveu.

32. Porém, motivando a decisão nessas declarações que transcreve, não pode dar como provado algo completamente diverso, sem qualquer apreciação crítica dessas declarações, expressando as razões porque as valoriza ou desvaloriza, não sendo suficiente um mero apelo às regras de experiência comum para as considerar pouco críveis, pois, nesse caso, deveria, desde logo, ter considerado relevantes e tê-Ias transcrito como motivação da decisão.

33. Deste modo, existe a aludida contradição entre os factos provados e a respectiva motivação, ou se assim se não entender, existe uma deficiente motivação da matéria de facto e que constitui violação aos arts 410º nº 2 alínea b) e 379º al, a) e 374º nº 2 do CPP, o que constitui nulidade da sentença.

34, Por fim, considerando os erros relativos à decisão da matéria de facto conforme conclusões supra, ou seja, que o arguido desconhecia a falta de estimativa de custos das obras da UAI não admitiu a possibilidade de as obras não estarem realizadas, não propôs qualquer reformulação do PIDDAC e não lhe era exigível outro comportamento para prevenir o pagamento do subsídio, tem necessariamente de se concluir pela absolvição do arguido.

35. Considerando os elementos típicos do crime de fraude na obtenção de subsídios p.p. pelo artº 36º do DL 28/84, tem de se concluir que a conduta do arguido em nada concorreu para a obtenção do subsídio, por não estarem preenchidos esses elementos e porque não existe qualquer conduta dolosa que lhe possa ser atribuída.

36. Mas mesmo que se entenda que o arguido B., não tendo agido com dolo terá agido com negligência, tendo em conta a pena abstractamente aplicável, p.p. pelas disposições conjugadas nos nºs 1 al. a), 2 e 5 aI. a) do artº 36º do DL 28/84, não pode o arguido ser condenado por estar prescrita a eventual infracção.

37. Com efeito, remontando os factos a datas cujo início ocorreu algures em 1998 e se prolongou até final de 1999 ou mesmo Fevereiro de 2000 (apesar de o pagamento não ser imputado ao arguido), encontra-se prescrito o procedimento desde Fevereiro de 2005, data anterior à constituição como arguido da prestação de declarações ou da notificação da acusação ou da decisão instrutória, o que implica o arquivamento do processo e a absolvição do arguido.

38. O arguido não autorizou o pagamento do subsídio, acto que foi praticado pelo seu sucessor, conforme resulta dos factos provados sob o nº 41.

39. Apesar de o funcionário saber que a obra não fora realizada, ainda assim elaborou informação propondo o pagamento, faltando ao cumprimento dos seus deveres funcionais.

40. Não existe, pois, nexo causal entre o resultado (pagamento) e a conduta do arguido que não subscreveu a ordem de pagamento, nem elaborou a informação que lhe serviu de base.

41. Violou o Acórdão o disposto no art. 36º nº 4 al. a), 2 e 5 al. a) do Dec. Lei nº 28/84 e art. 26º do CP, pelo que deve o mesmo ser substituído por outro que, reconhecendo-o, revogue o Acórdão recorrido e absolva o arguido.”

O Ministério Público respondeu aos recursos, pugnando pela improcedência e concluindo por seu turno, respectivamente, da forma seguinte:

Quanto ao primeiro,

1ºO tribunal terá tido em devida conta toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

2º Igualmente, terá bem aplicado o direito aos factos.

3º Como, do mesmo modo, terá ponderado e analisado criticamente bem toda essa prova.

4º A recorrente terá sido bem condenada pelo crime em causa, sendo certo que conseguiu e quis realizar o respectivo tipo legal, existindo, naturalmente, dolo eventual, na respectiva actuação.

5º A recorrente limita-se a referir uma sequência de pequenas afirmações / conclusões desprovidas e destituídas de qualquer suporte fáctico probatório, em termos vagos e inconsistentes.

6º O douto acórdão, quer ao nível da motivação de facto, quer ao nível da aplicação do direito, quer ao nível da convicção que foi, fundadamente, formulada, não nos merece qualquer censura relevante e digna de registo.

7º Face ao que foi dado como provado, outra conclusão não se imporia que não fosse a sua condenação, nos termos, fundamentos e extensão em que o foi, verificando-se, pois, todos os requisitos típicos do respectivo crime.

8º Dúvidas não subsistirão que, propositadamente, foram entregues documentos / facturas no Serviço Sub-Regional da Segurança Social de Santarém, que, pela sua qualidade e quantidade, não eram necessários nem compatíveis com os materiais a utilizar para a remodelação onde seria instalada a UAI, tendo por finalidade, óbvia, garantir o recebimento de dinheiro correspondente à comparticipação.

9º Tal é o que decorre da prova produzida, como melhor se alcança dos factos dados como provados, designadamente, sob os itens do n.ºs 28 a 37 do douto acórdão, os quais, com a devida vénia e por comodidade, se dão aqui por reproduzidos.

10º Na verdade, estando a terminar o ano económico de 1999 e sendo de admitir que as obras destinadas à remodelação e adaptação dos espaço destinado à UAI não pudessem estar realizadas, o arguido, B., alertou o Provedor da arguida para a necessidade, premente e urgente, de apresentar a inerente facturação, sob pena de, não ocorrendo, não poder ser recebido o dinheiro correspondente à comparticipação, o que veio a ser cumprido nos moldes supra referidos, ou seja, através de facturação, que, na sua grande maioria, não correspondia às obras em causa.

11º E não se argumente, como o faz a recorrente, que não terá ocorrido dolo, bem pelo contrário.

12º O arguido, A., e por extensão a recorrente, Santa Casa da Misericórdia..., em nome, no interesse e em representação de quem aquele agiu, previu e quis a produção do resultado típico, qual seja a obtenção de subsídio, ficando, assim, prejudicada a prescrição de qualquer procedimento criminal.

13º O que, a ser assim, e como nos parece, também fundamentado se mostra o quantum indemnizatório a pagar, solidariamente, ao Estado (€33.673,48, trinta e três mil seiscentos e setenta e três euros e quarento oito cêntimos, acrescida de juros de mora, calculados à taxa anual de 7% desde a data de 15/02/2000 até 30/04/03 e à taxa anual de 4% desde 1/05/03 até integral pagamento).

14º Em tal contexto, mais se dirá que o interesse protegido pelo art.º 36.º do aludido Dec-Lei 28/84 de 20/01, será a economia no seu todo e a defesa da intervenção polifacetada e poliédrica do estado relativamente à utilização de dinheiros públicos, para além da boa gestão do património público.

15º Quanto à pena arbitrada nada se tem a objectar.

16º No mais, não terá sido desrespeitada qualquer norma legal.

17º Ad latere, o recurso não deixará de merecer um pequeno reparo, qual seja o de a recorrente não ter indicado, como devia e podia, qualquer norma que achasse ou tivesse por violada, conforme dispõe o art.º 412º, n.º 2, al. a), do C. P. Penal, o que, no seu limite, imporia, porventura, a rejeição do recurso de acordo com o prescrito no art.º 417º, n.º 3, do mesmo diploma legal, com a declaração de rectificação n.º 21/2013, de 19/04, que lhe foi conferida, publicada in D.R. I.ª Série, N.º 77, de 19/04/2013, o que, contudo, não nos parece, na medida em que é facilmente perceptível o que a recorrente pretende.

Quanto ao segundo,

a) Conforme decorre do preceituado no art.º 77º, n.º 1, do C. P. Penal, quando apresentado pelo Ministério Público, como é o caso, o pedido de indemnização é deduzido na acusação;

b) O que levará a considerar que, nessas circunstâncias, a dedução da acusação e do pedido de indemnização civil, constituindo, qua tale, uma só e única peça processual, nada impedirá, processualmente, que o Ministério Público possa indicar a prova apenas após a efectivação / dedução de igual pedido, tanto mais que na grande maioria dos casos, quando não sempre, a prova será a mesma;

c) Mesmo que pudesse proceder o invocado pelo recorrente (nulidade da acusação por falta de indicação de prova), sempre a mesma seria de considerar sanável, na medida em que, aquando do despacho proferido nos termos do art.º 311º, do C. P. Penal (saneamento do processo), o tribunal não considerou manifestamente infundada a acusação, despacho, esse, que, naturalmente, foi notificado ao recorrente, nada este havendo dito, anotado ou requerido;

d) Como se expendeu, v.g., no Ac do STJ de 11/02/2010, “mesmo as nulidades insanáveis, que a todo o tempo invalidam o acto em que foram praticadas e os actos subsequentes, ficam cobertas pelo trânsito em julgado pela decisão, o que significa que, transitada em julgado a decisão, jamais podem ser invocadas ou oficiosamente conhecidas quaisquer nulidades, mesmo aquelas que a lei qualifica de insanáveis”;

e) Face à prova conhecida, atendível e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, outra conclusão não se imporia que não fosse a condenação do arguido nos termos, fundamentos e extensão em que o foi;

f) O recorrente, na qualidade de Provedor, sendo-lhe acometida, sobretudo, superintender na administração da Misericórdia, não só era espectável como tinha a estrita obrigação de conhecer e de diligenciar no sentido de evitar que se concretizasse o envio / entrega das facturas em causa ao Serviço Sub-Regional de Santarém da Segurança Social, obtendo-se uma comparticipação estatal indevida, na medida em que igual facturação, como era facilmente visível e detectável, não dizia respeito a despesas efectuadas para a instalação da UAI e, não obstante, nada fez ou mandou fazer;

g) A prova do elemento subjectivo de qualquer tipo legal de infração, seja ele dolo ou negligência, faz-se a partir da matéria factual e objectiva considerada assente, atendendo às regras da experiência comum e mediante presunções naturais, que impõem para o mediano dos cidadãos, não afectado por qualquer causa de inimputabilidade, um conhecimento subjectivo do conteúdo e do resultado das condutas assumidas, bem como do seu carácter penalmente proibido;

h) Uma vez que se está em presença de um crime de resultado, nada impedirá que o seu cometimento se faça por meio do recurso ao disposto no art.º 10º, do C. Penal, sendo irrelevante no preenchimento do crime, a título doloso, que a estrutura interna do agente tenha uma natureza mista, ou seja, que o dolo seja parcialmente omissivo em relação a parte do modo de execução da acção e activo em relação ao modo inicial de intervenção (procedimentos) e ao resultado final da obtenção do subsídio;

i) Verificar-se-ão, pois, todos os requisitos típicos do crime pelo qual o arguido foi condenado, actuando na modalidade de dolo eventual;

j) Quanto à pena cominada encontrar-se-á no ponto ótimo de equilíbrio, o mesmo se afigurando, porque justo e com fundamento, para o quantum indemnizatório a solver, solidariamente, ao Estado;

k) Não terá sido violado qualquer inciso;

l) Por via disso, negando-se provimento ao recurso, será feita justiça.”

Quanto ao terceiro,

a) De acordo com o disposto no art.º 412º, n.º 3, do C. P. Penal, o erro de julgamento ocorrerá quando o tribunal considere provado um certo / determinado facto, sem, contudo, que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido dado como não provado ou quando dá como não provado um facto que deveria ter sido considerado provado, face à prova que foi objecto de produção;

b) Da leitura, atenta, do douto acórdão condenatório, nenhum dos mencionados erros de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada se verificará;

c) O iter percorrido pelo tribunal a quo, para formar a sua convicção e, consequentemente, para fundamentar a decisão recorrida, estará arredado de qualquer reparo;

d) Ouvida, de novo, a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, cremos que o tribunal recorrido terá andado bem ao dar como provado o conjunto factual que o recorrente contesta;

e) Nesse sentido, o tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e imediação, só poderá afastar-se do juízo feito pelo julgador da 1.ª instância naquilo que não tiver origem nesses dois princípios, id est, naqueles casos em que a formulação da convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum;

f) A prova do elemento subjectivo de qualquer tipo legal de infração, seja a título de dolo ou negligência, faz-se a partir da matéria factual e objectiva considerada assente, atendendo às regras da experiência comum e mediante presunções naturais, que impõem para o mediano dos cidadãos, não afectado por qualquer causa de inimputabilidade, um conhecimento subjectivo do conteúdo e do resultado das condutas assumidas, bem como do seu carácter penalmente proibido;

g) Verificar-se-ão, pois, todos os requisitos típicos (subjetivos e objetivos) do crime pelo qual o recorrente foi condenado;

h) Não se verificarão os vícios a que alude o art.º 410º, n.º2, al.s b) e c), do C. P. Penal, na medida em que o vício da contradição ocorre quando há oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados ou até entre a fundamentação probatória da matéria de facto, o que não será o caso, como, do mesmo modo, não será o caso da ocorrência do vicio notório na apreciação da prova, enquanto se trata de uma falha grosseira e ostensiva, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis ou incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inconciliáveis;

i) É patente que o recorrente admite ou suporta a sua motivação e exigência no domínio da apreciação da prova, na possibilidade de a valorar noutro sentido, chegando a concluir pela absolvição, esquecendo-se de que a prova deverá ser avaliada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente;

j) O douto acórdão, afigurando-se condizente com o constante do art.º 374º, n.º2 do C.P. Penal, não padecerá da invocada nulidade (art.º 379º, al. a) do mesmo diploma legal);

k) Existe uma relação de concurso aparente / consumpção entre o crime de fraude na obtenção de subsídio e o crime de desvio de subsídio, sendo certo que para aa prática do crime de fraude na obtenção de subsídio não é indispensável que o arguido tenha função de chefia desde que tenha a possibilidade de influenciar, como técnico superior, a decisão final;

l) O quantum da pena e a sua suspensão não merecerão qualquer censura, como vitupério não merecerá o quantum indemnizatório a pagar, solidariamente, ao estado;

m) Não terá sido violado qualquer inciso;

n) Por via disso, negando-se provimento ao recurso, será feita justiça.

Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta cingiu-se a remeter para a resposta do Ministério Público em 1ª instância.

Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. No acórdão consideraram-se os seguintes factos provados:

“1). A Santa Casa da Misericórdia... é uma associação canónica privada que prossegue fins de solidariedade social e que por isso é considerada de utilidade pública pelo nosso ordenamento jurídico.

2). O arguido A. foi Provedor da Santa Casa da Misericórdia... desde 1995 até Dezembro de 2000.

3). O arguido B. foi Director do Serviço Sub-Regional de Segurança Social ... desde Julho de 1996 até final de Dezembro de 1999.

4). Em 1998 foi lançado a nível nacional o programa “Intervenção Articulada do Apoio Social e dos Cuidados de Saúde Continuados Dirigidos às Pessoas de Situação de Dependência”.

5). Para sua divulgação, o serviço Sub-Regional de Segurança Social ... promoveu em Julho de 1998 um seminário de informação com todas as instituições sociais do Distrito.

6). No âmbito desse programa o Serviço Sub-Regional de Segurança Social ... planeou a criação de uma rede distrital de Unidades de Apoio Integrado (UAIs), a partir dos antigos hospitais das Misericórdias, os quais, pelas suas condições naturais, constituem uma boa base para a instalação dessa rede distrital de UAIS.

7). Nessas condições encontravam-se as localidades de Tomar, Cartaxo, Santarém, Chamusca, Torres Novas, Alcanena e Benavente.

8). Ainda nesse mês de Julho de 1998, foi proposta para o PIDDAC/99 a orçamentação de verbas para a instalação das UAIs do Distrito.

9). Por razões concretamente não apuradas, foram apenas planeadas as adesões da Santa Casa da Misericórdia ... e do Centro Social de Bem-Estar de Alcanena.

10). Feita a opção preliminar das instituições que integrariam o programa, o arguido B. informou então o arguido A. da possibilidade de financiarem uma UAI gerida pela Santa Casa da Misericórdia..., tendo este manifestado interesse no projecto.

11). O local escolhido para tal foi o 2º andar do edifício sito no ..., em Santarém – onde outrora tinha funcionado o Hospital Jesus Cristo…..por….

12). Segundo o planeado, a Santa Casa da Misericórdia iniciaria as obras de adaptação do edifício e adquiriria o equipamento necessário ao funcionamento da unidade pelo menos até ao mês de Dezembro de 1999.

13). Tendo em vista a sustentabilidade futura da UAI, foi celebrado em Outubro de 1999 um protocolo de cooperação entre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, a Câmara Municipal de Santarém e a Santa Casa da Misericórdia.., no qual se estabeleciam os contributos de cada uma destas entidades para o bom funcionamento da valência.

14). À data dos factos – 1999 – para apresentar uma candidatura a financiamento, a incluir no PIDDAC, das obras para a instalação de equipamentos sociais em Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), cabia a estas, entre outras obrigações, as de:

- Enviar uma exposição ao Director do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social, esclarecendo devidamente a sua pretensão;

- Preencher uma ficha de candidatura e remetê-la ao Gabinete de Apoio Técnico do Centro Distrital;

- Depois de aprovada a candidatura, elaborar e enviar o projecto base de arquitectura;

- Depois de aprovado esse projeto base, promover a elaboração do projecto de execução e submetê-lo à aprovação do Centro Regional de Segurança Social;

- Aprovado pelo Centro Distrital o projecto de execução, desenvolver os procedimentos de adjudicação e executar o empreendimento.

15). O Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social seguia também certos procedimentos administrativos, entre outros:

- Perante a pretensão, manifestada por qualquer meio por uma instituição de avançar com projecto de investimento, o Director decidia o tipo de financiamento e, sendo de encaminhar para o PIDDAC, remetia ao Gabinete de Apoio Técnico;

- O Gabinete de Apoio Técnico verificava se estavam reunidos os formalismos necessários;

- O Departamento de Acção Social elaborava a caracterização social e apoiava a instituição no preenchimento dos formulários.

- Após outros procedimentos, o Grupo de Apoio Técnico elaborava a informação com estimativa do custo global do investimento e comparticipação estimada;

- Caso a candidatura merecesse aprovação, era solicitado à instituição o projecto de arquitectura e restantes especialidades;

- Após vários trâmites e aprovada a proposta do PIDDAC, era celebrado um acordo de execução do projecto;

- No decurso da execução eram analisados os autos de medição de trabalhos e/ou facturas remetidas pela instituição e, apreciada a sua conformidade com o desenvolvimento da obra, por despacho do Director do Serviço Sub-Regional era manifestada a sua concordância para que fosse ordenado o pagamento.

16). A Santa Casa da Misericórdia ..., tendo manifestado desde o início interesse em beneficiar daquele programa para a criação duma UAI nas suas instalações e sob a sua gestão, nunca cumpriu os requisitos legais necessários na totalidade, nunca apresentou no Serviço Sub-Regional da Segurança Social nenhuma exposição sobre a sua pretensão, não remeteu a respectiva ficha de candidatura (embora a tenha apresentado junto da Administração Regional de Saúde), bem como não apresentou nenhum projecto de arquitectura ou de execução, nem qualquer relatório justificativo da necessidade e adequação do equipamento a adquirir.

17). O então Director do Serviço Sub-Regional de Segurança Social..., o arguido B. – remeteu ao Centro Distrital da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, proposta para inscrição no PIDDAC/99 de uma verba destinada ao financiamento da instalação de uma UAI gerida pela Santa Casa da Misericórdia --, sem ter elementos seguros sobre a estimativa do custo global do investimento.

18). A proposta de financiamento para a UAI a instalar pela Santa Casa da Misericórdia, veio a ser contemplada com uma verba inicial de 14.000.000$00 (€ 69.831,70), mais tarde reforçada em mais 20.000.000$00 (€ 99.759,58).

19). O valor total inscrito em PIDDAC/99 para esta área de intervenção social foi, assim, de 34.000.000$00 (€ 169.591,28), sendo a comparticipação relativa à candidatura do Centro Social de Bem Estar de Alcanena de 20.000.000$00 (€99.759,58) e a da Santa Casa da Misericórdia --- de 14.000.000$00 (€ 69.831,70).

20). Porque entretanto o Centro Social de Bem Estar de Alcanena tinha desistido da candidatura que tinha apresentado, na reformulação orçamental do PIDDAC/99 ocorrida em Junho ou Julho de 1999, foi proposto que a verba de 14 mil contos prevista para a comparticipação da UAI da Santa Casa da Misericórdia de --- fosse reforçada com os 20 mil contos inicialmente atribuídos ao projecto do Centro Social de Bem Estar de Alcanena, o que foi aceite.

21). Deste modo, o valo global da comparticipação do PIDDAC/99 para a instalação da UAI pela Santa Casa da Misericórdia --- passou a ser, a partir dessa altura, de 34.000.000$00 (€ 169.591,28), como já referido em 19).

22). No âmbito do programa em causa, a comparticipação correspondia a oitenta por cento (80%) do custo da obra e era paga a título de reembolso mediante a apresentação de comprovativos das despesas efectuadas, nomeadamente facturas.

23). À entidade promotora do programa – no caso o Serviço Sub-Regional da Segurança Social ... – cabia fiscalizar a evolução da obra no sentido de aferir da correspondência entre as despesas declaradas e as efectivamente realizadas.

24). Caso, findo o ano económico, os valores das despesas realizadas não atingissem o total dos montantes estabelecidos para a comparticipação, o excedente seria retido pelo Estado, havendo, então, necessidade de efectuar nova inscrição em PIDDAC no ano seguinte.

25). O edifício sito no Largo ---, escolhido para a instalação da UAI, encontrava-se na altura, ocupado pelo Centro de Saúde, por uma creche e pela Liga Portuguesa Contra o Cancro, sendo necessário proceder previamente à sua desocupação para de seguida efectuar as obras de adaptação necessárias ao funcionamento da UAI.

26). A desocupação total do espaço necessário, devido a litígios com a Liga Portuguesa Contra o Cancro, só veio a ocorrer em Janeiro de 2001.

27). Nos últimos dias do mês de Dezembro de 1999, foi efectuada a compra de equipamento considerado necessário para a instalação da cozinha, que ascendeu ao montante global de 12.870.000$00 (€ 64.195,28).

28). Estando a terminar o ano económico de 1999 e admitindo que as obras de adaptação do espaço destinado à UAI poderiam não estar realizadas, o arguido B. alertou o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de ... – o arguido A. – para a necessidade de apresentar facturação que documentasse custos relativos à remodelação do espaço da UAI sob pena de, não o fazendo, não receber o dinheiro correspondente à comparticipação.

29). Na sequência do alerta feito, referido em 28), para não se perder o apoio inscrito no PIDDAC/99, os serviços da Santa Casa da Misericórdia ... remeteram ao Serviço Sub-Regional da Segurança Social ..., a seguinte facturação:
Nº de FacturaDataValorEntidade Emitente
104.01.1999478.986$00José F.
241627.01.199931.572$00T... – Técn. Protecção Solar, Lda
59031.01.1999398.689$00Henrique R.
10710.02.1999173.745$00B. Flor
1315.02.1999279.876$00José F.
5915.02.1999444.683$00Gilberto B.
43719.02.19991.067.936$00S... e Machado, Lda
59228.02.1999382.090$00Henrique R.
59328.02.1999240.651$00Henrique R.
282004.03.199927.708$00Vidreira Crespo
6004.03.19991.768.661$00Gilberto B.
1515.03.1999373.390$00José F.
59431.03.1999415.411$00Henrique R.
59531.03.1999460.922$00Henrique R.
59631.03.1999385.281$00Henrique R.
2212.04.1999383.510$00José F.
313416.04.19998.534$00F. e Pires, Lda
14320.04.1999260.618$00B. Flor
59930.04.1999394.606$00Henrique R.
114919.05.1999510.001$00José C.
2424.05.19991.203.758$00José F.
2527.05.1999307.158$00José F.
60530.05.1999125.795$00Henrique R.
60630.05.19991.032.736$00Henrique R.
60730.05.19991.722.504$00Henrique R.
1499302.06.199917.645$00V., Lda
6304.06.19991.588.796$00Gilberto B.
33304.06.19991.116.297$00Amílcar P.
99207.06.199984.708$00O..., Lda
298809.06.1999112.573$00Vidreira C.
298909.06.1999119.165$00Vidreira C.
2709.06.1999463.553$00José F.
115615.06.1999829.015$00José C.
6416.06.19993.253.447$00Gilberto B.
151224.06.199928.819$00S. e Machado, Lda
60830.06.199948.955$00Henrique R.
60930.06.199927.250$00Henrique R.
61030.06.1999791.531$00Henrique R.
61130.06.1999690.476$00Henrique R.
6505.07.1999844.136$00Gilberto B.
279205.07.199952.206$00T. – Técn. Protecção Solar, Lda
2912.07.19991.283.256$00José F.
34613.07.199985.527$00Amílcar P.
173019.07.19992.108$00S. e Machado, Lda
173619.07.199983.881$00S. e Machado, Lda
3226.07.1999361.034$00José F.
61431.07.1999473.885$00Henrique R.
61631.07.1999496.677$00Henrique R.
61731.07.1999618.462$00Henrique R.
61815.08.19992.833.711$00Henrique R.
3320.08.1999421.531$00José F.
6924.08.19991.408.341$00Gilberto B.
7002.09.1999302.949$00Gilberto B.
3415.09.1999535.424$00José F.
3520.09.1999262.455$00José F.
3719.10.1999331.730$00José F.
62431.10.1999542.809$00Henrique R.
3931.10.1999256.222$00José F.
8108.11.1999504.393$00Gilberto B.
4022.11.1999411.649$00José F
62630.11.19991.045.573$00Henrique R.
118021.12.1999524.474$00José C.
1090329.12.199910.078.842$00F., Lda
2036131.12.19992.791.158$00F., Lda

30). Aplicando a taxa de 80% fixada como comparticipação, as facturas remetidas ao Serviço Sub-Regional de Segurança Social..., no valor global de 48.603.485$50 (€ 242.433,16), permitiram receber a totalidade do subsídio atribuído – os 34.000.000$00 (€ 169.591,28).

31) No ofício que capeava essa faturação, datado de 13 de Janeiro de 2000, aqueles documentos eram indicados como sendo os comprovativos das despesas efectuadas com as obras de remodelação do espaço destinado à UAI no edifício da Rua ....

32). As facturas nº10903 e nº20361, emitidas pela firma “F., Equipamentos Hoteleiros, Lda.”, eram relativas a equipamento de cozinha adquirido.

33). Parte da demais facturação apresentada dizia respeito a obras realizadas pela Santa Casa da Misericórdia ... noutros espaços que não o destinado à instalação da UAI.

34). Parte delas diziam respeito a materiais aplicados e a trabalhos realizados na creche e jardim-de-infância, no lar de idosos, no lar de S. Domingos, no lar dos rapazes, na Quinta do Poial, na Igreja da Misericórdia, na praça de touros ou na sede da Santa Casa da Misericórdia.

35). Parte dos materiais constantes dessas facturas, quer pela sua qualidade, quer pela sua quantidade, não eram necessários nem compatíveis com os materiais a utilizar para a remodelação do espaço onde seria instalada a UAI.

36). Em concreto, as facturas com os n.ºs 59, 64, 65 emitidas por Gilberto B., as facturas com os n.º 590, 592, 593, 594, 595, 596, 599, 607, 610, 611, 617, 624 e 626 emitidas Henrique R., as facturas com n.º 22, 27, 32, 33, 37 e 39 emitidas por José F., dizem respeito a obras realizadas pela Santa Casa da Misericórdia --- noutros espaços que não o destinado à instalação da UAI, cuja necessidade não resultou da instalação da UAI, designadamente:

- a factura n.º 59 (fls. 27 do apenso I) diz respeito a obras realizadas na Quinta das Fontainhas;
- a factura n.º 64 (fls. 200 e 201 do apenso I) diz respeito a obras realizadas no Lar de S. Domingos (Fontainhas);
- a factura n.º 65 (fls. 206 e 207 do apenso I) diz respeito a obras realizadas no Lar de São Domingos (Fontainhas);
- a factura n.º 590 (fls. 329 dos autos e fls. 15 do apenso I) diz respeito à guia de remessa n.º 091, referente a obras realizadas no Lar de São Domingos;
- a factura n.º 592 (fls. 328 dos autos e fls. 34 do apenso I) diz respeito a obras realizadas na Travessa da Silveira.
- a factura n.º 593 (fls. 324 dos autos e fls. 35 do apenso I) diz respeito, entre outras, à guia de remessa n.º 93 referente a obras realizadas na Igreja da Misericórdia e à guia de remessa n.º 95 referente a obras realizadas no Lar dos Rapazes;
- a factura n.º 594 (fls. 318 dos autos e fls. 49 do apenso I) diz respeito a obras realizadas no Lar de Idosos e na Creche, mas também a obras realizadas na Ortomede e na Igreja do Lar;
- a factura n.º 595 (fls. 317 dos autos e fls. 55 do apenso I) diz respeito a obras realizadas na Travessa da Silveira;
- a factura n.º 596 (fls. 316 dos autos e fls. 56 o apenso I) diz respeito a obras realizadas no Sindicato;
- a factura n.º 599 (fls. dos autos e fls. do apenso I) diz respeito, entre outras, à guia de remessa n.º 101, referente a obras realizadas no Lar dos Rapazes e à guia de remessa n.º 104, referente a obras na Praça de Touros.
- a factura n.º 607 (fls. 304 dos autos e fls. 180 do apenso I) diz respeito a obras realizadas no Lar de São Domingos, Fontainhas;
- a factura n.º 610 (fls. 303 dos autos e fls. 203 do apenso I) diz respeito a obras realizadas no Lar de São Domingos, Fontainhas;
- a factura n.º 611 (fls. 307 dos autos e fls. 80 do apenso I) diz respeito a obras realizadas na Quinta do Poial;
- a factura n.º 617 (fls. 308 dos autos e fls. 100 do apenso I) diz respeito a obras realizadas junto à Igreja de São Nicolau;
- a factura n.º 624 (fls. 306 dos autos e fls. 141 do apenso I) diz respeito a obras realizadas na Travessa da Silveira;
- a factura n.º 626 (fls. 305 dos autos fls. 159 do apenso I) diz respeito a obras realizadas no Lar dos Rapazes;
- a factura n.º 22 (fls. 57 do apenso I) diz respeito, entre outras, à guia de remessa n.º 0084, que é referente a obras realizadas na Praça de Touros;
- a factura n.º 27 (fls. 190 do apenso I) diz respeito às guias de remessa n.º 0102, 0103, 0104, 0105 e 0106, referentes a obras realizadas na e à guia de remessa n.º 0109 referente a obras realizadas na Praça de Touros;
- a factura n.º 32 (fls. 94 do apenso I) diz respeito, entre outras, à guia de remessa n.º 0120 referente a obras realizadas na Praça de Touros;
- a factura n.º 33 (fls. 105 do apenso I) diz respeito, entre outras às guias de remessa n.º 0130, 0131, 0132 referente a obras realizadas no gabinete da Coordenadora, às guias de remessa n.º 0133 e 0134 referente a obras realizadas no Sindicato;
- a factura n.º 37 (fls. 133 do apenso I) diz respeito, entre outras à guia de remessa n.º 0156 referente a obras realizadas no Centro de Acolhimento;
- a factura n.º 39 (fls. 142 do apenso I) diz respeito, entre outras às guias de remessa n.º 0162, 0163 e 0164, referentes a obras realizadas no Lar de São Domingos e à guia de remessa n.º 0166 referente a obras realizadas no Lar de Rapazes.

37). Embora capeada com um ofício datado de 13 de Janeiro de 2000, a facturação foi entregue no Serviço Sub-Regional de Segurança Social... ainda no mês de Dezembro de 1999, tendo o funcionário responsável por aquela área informado o arguido B. que desconhecia quais eram as obras a que diziam respeito aquelas facturas.

38). Depois disso, o aludido funcionário elaborou a informação n.º 305/99 datada de 31 de Dezembro de 1999, assinada pela Coordenadora do Núcleo de Apoio a Equipamentos Sociais e dirigida ao Director do Serviço Sub-Regional.

39). Nela se informava que a Santa Casa da Misericórdia ... tinha remetido as facturas em anexo e propunha-se o pagamento da quantia de 34.000.000$00 (€ 169.591,28) por força do saldo da verba inscrita no PIDDAC/99.

40). No anexo a essa informação e para fundamentar a proposta de pagamento, o mesmo funcionário informava que a obra estava no seu início.

41). Por despacho do novo Director do Serviço Sub-Regional de Segurança Social ..., que tinha tomado posse no cargo dias antes, o pagamento veio a ser autorizado em Janeiro de 2000, exclusivamente com base na facturação e sem nunca se ter efectuado verificação no terreno se a obra se encontrava ou não realizada.

42). Autorizado o pagamento, a quantia de 34.000.000$00 (€ 169.591,28) foi transferida no dia 15 de Fevereiro de 2000 para a conta da Santa Casa da Misericórdia ---.

43). As facturas nº10903 e nº20361, já referidas em 32), no valor de 12.870.000$00 (€ 64.195,28), respeitavam efectivamente a aquisição de equipamentos de cozinha destinado à UAI.

44). A esta despesa correspondia uma comparticipação de 10.296.000$00 (€ 51.356,23).

45). Embora esse equipamento de cozinha tenha sido adquirido para funcionamento da UAI, não chegou a ser utilizado nessa valência.

46). Em Novembro de 1999 o arguido B. visitou o Centro Paroquial da Serra, tendo na altura sido abordado pelo director daquela instituição no sentido do Serviço Sub-Regional apoiar financeiramente a aquisição de equipamento para a cozinha do lar de idosos que, embora concluído, não podia entrar em funcionamento por falta daquele material.

47). Posteriormente aos factos referidos em 46), em 21 de Fevereiro de 2000, com a anuência do arguido A., foi disponibilizado ao Centro Paroquial da Serra o equipamento de cozinha adquirido para a UAI.

48). Este equipamento, no valor já referido de 12.870.000$00 (€ 64.195,28), ficou até à presente data no Centro Paroquial da Serra.

49). Após o arguido A. ter abandonado o cargo de Provedor da Santa Casa da Misericórdia --- e já com o novo Provedor em funções, a instituição procedeu a obras de remodelação do 2º andar da Rua --- para aí poder instalar a UAI.

50). Essas obras de remodelação foram concluídas no mês de Novembro de 2001.

51). Com base na faturação apresentada, entre a qual a referida em 36), referente a outras obras não comparticipáveis, a Santa Casa da Misericórdia recebeu verbas no valor total já indicado em 42).

52). A Santa Casa da Misericórdia --- nunca devolveu o montante aludido em 51) ou sequer o correspondente à diferença entre o recebido e as quantias que efectivamente despendeu com as obras realizadas para a instalação da UAI e em virtude dessa instalação, nem o Serviço Sub-Regional de Segurança Social diligenciou por essa devolução, não obstante serem verbas que deveriam reverter para o Estado já que não tinham sido devidamente utilizadas.

53). Apesar do 2º andar da Rua --- ter ficado remodelado, equipado e completamente disponível em 1 de Novembro de 2001, a UAI nunca chegou a ser instalada naquele espaço ou noutro qualquer.

54). O novo Provedor e a Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia --- entenderam que, dado o baixo valor da comparticipação por utente estabelecida pela Segurança Social, não era economicamente viável o funcionamento da UAI, pelo que comunicaram ao Serviço Sub-Regional de Segurança Social que não iriam colocar a valência em funcionamento a não ser que fosse firmado um acordo atípico por valores por utente muito superiores aos que estavam previstos.

55). Dada a posição assumida pela Santa Casa da Misericórdia, o espaço inicialmente previsto para a UAI passou a funcionar como Centro de Acolhimento Temporário de Emergência para Idosos, com gestão directa do Centro Distrital de Segurança Social e como Lar de Grandes Dependentes, com gestão da Santa Casa da Misericórdia...

56). O arguido A. sabia que para a Santa Casa da Misericórdia --- receber o subsídio atribuído através do PIDDAC/99 deviam ser entregues as facturas comprovativas das despesas efectuadas nesse ano de 1999 na remodelação do espaço onde seria instalada a UAI, caso contrário essas verbas seriam retidas pelo Estado.

57). Como já referido em 29), para não se perderem tais verbas, os serviços da Santa Casa da Misericórdia entregaram facturação referente a outras obras da Santa Casa da Misericórdia --- que não tinham qualquer comparticipação, fornecendo, dessa forma, documentação e informações não adequadas e que eram determinantes para obter o pagamento do subsídio.

58). O arguido A., admitindo essa possibilidade, nada fez para evitar que os serviços da Santa Casa da Misericórdia agissem do modo descrito em 57), conformando-se com tal ocorrência.

59). O arguido A. agiu sempre como representante da Santa Casa da Misericórdia..., em nome e no interesse desta instituição.

60). O arguido B. propôs o financiamento para a instalação da UAI e a sua inscrição no PIDDAC, apesar de não ter elementos sobre a estimativa do custo global da obra.

61). Na reformulação do PIDDAC em Junho ou Julho de 1999, o arguido B. propôs o reforço dessa verba de 14.000.000$00 (€ 69.831,70) com a verba de 20.000.000$00 (€ 99.759,58) deixada disponível pelo Centro Social de Bem Estar de Alcanena.

62). Essa proposta do então Director do Serviço Sub-Regional de Segurança Social ... foi determinante para a concessão da totalidade do subsídio.

63). O arguido B., apesar de admitir a possibilidade de não terem sido realizadas as obras de adaptação do espaço para a UAI, alertou o então Provedor da Santa Casa da Misericórdia ... quanto à necessidade de serem apresentadas facturas para receber o subsídio, que de outra forma seria retido pelo Estado.

64). E apesar de alertado por um funcionário do Serviço Sub-Regional de Segurança Social sobre o desconhecimento de quais as concretas obras a que diziam respeito tais facturas, como indicado em 37), o arguido B. nada fez, como funcionalmente lhe competia, para que as facturas que foram apresentadas não fossem consideradas.

65). O arguido B., admitindo que a sua conduta contribuía de forma decisiva para a obtenção ilegal de um subsídio e para um benefício para a Santa Casa da Misericórdia ---, em prejuízo do Estado, conformou-se com tal resultado.

66). Os arguidos A. e B. agiram do modo descrito, de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei.

67). A Santa Casa da Misericórdia ---, conforme já referido em 42), recebeu 34.000.000$00 (€ 169.591,28) de verbas do PIDDAC/99, sendo 23.684.000$00 (€ 118.135,29) a título de comparticipação nas obras realizadas na remodelação do espaço para instalação de uma Unidade de Apoio Integrada (UAI) e 10.316.000$00 (€ 51.455,99) a título de comparticipação na aquisição de equipamento a instalar nessa unidade.

68). Contudo, parte das obras de remodelação não foram efectuadas no ano de 1999, ano a que a comparticipação respeitava.

69). A Santa Casa da Misericórdia --- recebeu indevidamente € 33.673,48, verba que legalmente deveria ter revertido de novo para o Estado.

70). O montante para obras de 23.684.000$00 (€ 118.135,29) foi pago através das verbas do PIDDAC/99 porque os Serviços da Santa Casa da Misericórdia --- entregaram faturação respeitante a obras no valor total de 35.733.485$00 (€ 178.237,87), sendo 14.848.852$50 (€ 74.065,76) relativa a obras que nada tinham a ver com a instalação daquela valência, conforme resulta da factualidade já assente em 33) a 36), fazendo crer que respeitavam às despesas realizadas com as obras de adaptação do espaço destinado à UAI.

71). A fim de poder fazer obras no 2º andar do edifício sito no Largo ---, onde iria funcionar a UAI, uma vez que esse espaço estava ocupado pelo Serviço de Saúde – Consultas Médicas e Liga Portuguesa Contra o Cancro, que teriam que ser instalados noutros locais, foi necessário:

- deslocar o Serviço de Saúde – Consultas Médicas para o rés-do-chão, no local onde funcionava a Creche, que tinha na altura capacidade para 20 crianças;

- criar outro espaço onde pudesse funcionar a creche, que foi encontrado num edifício adjacente ao da sede da Santa Casa da Misericórdia de ---, onde tiveram que se efetuar as obras necessárias para que aí passasse a funcionar a Creche-Jardim de Infância, agora com capacidade para 50 crianças, tendo-se aumentado a capacidade de resposta para mais 30 crianças;

- criar um outro espaço para a Liga Portuguesa Contra o Cancro.

72). Este processo de sucessivas deslocações físicas dos espaços destas valências teve um atraso de perto de dois anos.

73). O dinheiro recebido destinou-se à prossecução dos fins de solidariedade social, à prestação de serviços sociais e educativos à comunidade.

74). Nunca foi pedido, solicitado ou sugerido sequer à Santa Casa da Misericórdia --- que devolvesse os montantes recebidos.

75). As obras no 2º andar do edifício do antigo hospital foram realizadas e terminaram em finais de 2001, não o tendo sido antes pelos factos referidos 71) e 72), factos esses que nunca estiveram na disponibilidade da Santa Casa da Misericórdia ...

76). O equipamento de cozinha foi adquirido pela Santa Casa da Misericórdia ... para si mesma.

77). A Santa Casa da Misericórdia.... estava na altura a proceder a várias obras necessárias à desocupação do 2º andar do edifício do antigo hospital, tendo adquirido o dito equipamento mas não o estando a usar, razão porque o cedeu ao Centro Paroquial da Serra, também ele vocacionado para os fins de solidariedade social, por este não ter equipamento para cozinhar as refeições dos seus utentes.

78). O arguido A. não assinou, não conferiu, não viu, não recebeu de nenhum fornecedor, nem procedeu ao envio de nenhuma factura ou recibo supra aludidos.

79). Não foi o mesmo arguido quem escreveu a carta a enviar tais facturas, nem procedeu à análise, conferência e selecção das mesmas.

89). A proposta para a instalação de uma Unidade de Cuidados Continuados foi elaborada pelo Serviço Sub-Regional da Segurança Social ... e convidada a Santa Casa da Misericórdia ... a avançar com o projecto, que era inovador, sendo que à data não existia qualquer unidade em funcionamento, nem em fase de instalação.

81). A legislação relativa a tais unidades ainda não tinha sido publicada, nem integralmente definidos os termos de colaboração das diversas entidades envolvidas, sendo regulada, à data, esta matéria, pelo despacho conjunto do Ministério da Saúde e do Trabalho e Segurança Social nº407/98, de 18/06.

82). Foi o Serviço Sub-Regional da Segurança Social... quem liderou o processo de instalação da Unidade de Apoio Integrado, quem definiu o modo do seu financiamento e quem elaborou e apresentou à Santa Casa da Misericórdia ... o protocolo integralmente preenchido, para assinatura, sendo certo que nem nunca foi assinado pela Santa Casa da Misericórdia ....

83). Foi o Serviço Sub-Regional da Segurança Social ... que aprovou o financiamento para a instalação da Unidade de Apoio Integrado, inscreveu a verba para financiamento e tratou de tudo quanto entendeu ser necessário para o referido fim.

84). Era sabido por todos os parceiros do protocolo celebrado qual o local disponível para a instalação da UAI e que, para tal, era pressuposto essencial, além de realizar obras naquele local propriamente dito, como já referido, a realização de obras que permitissem:

. a instalação da creche e jardim-de-infância noutro local;
. a instalação do Centro de Saúde de Santarém no local de onde sairia a creche e jardim-de-infância;
. a redução do espaço ocupado pela Liga Portuguesa contra o Cancro;
. a instalação da UAI no local onde se encontrava o Centro de Saúde, a nível do segundo andar do edifício;
. a ligação da UAI ao Lar dos Grandes Dependentes, de modo a permitir a utilização de pessoal e serviços comuns àquela valência e outras da Santa Casa da Misericórdia...

85). Só deste modo era possível a instalação da UAI num local que, comprovadamente, se encontrava arrendado à Administração Regional de Saúde..., a qual era também parceira no protocolo de instalação da UAI e que concordou com a transferência dos seus serviços que se encontravam no 2º piso para o rés-do-chão do mesmo edifício.

86). Antes da assinatura, ilegível, aposta na carta remetida à Segurança Social, que acompanhava as supra aludidas facturas, encontra-se manuscrita a indicação de “p’” Provedor, o que constitui menção expressa de que a carta foi assinada por alguém que não por este.

87). Essa carta, por se tratar de mero expediente, podia ser assinada por qualquer mesário, nos termos da parte final de art.51º do Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia ...

88). A assinatura, rubrica, conferência ou pagamentos das facturas remetidas ao Serviço Sub-Regional da Segurança Social ... eram tarefas que não faziam parte do normal exercício das funções que competiam ao arguido A. como Provedor da Santa Casa da Misericórdia ...

89). O mesmo arguido nunca teve poderes para, por si só, obrigar e representar a Santa Casa da Misericórdia... – arts.12º, 13º, 16º, 19º e 20º do DL nº119/83, de 25/02 e arts.48º a 50º do Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia ...

90). A questão da instalação da UAI foi levada ao conhecimento da Mesa Administrativa e na mesma debatida, sendo aprovada por unanimidade dos Mesários que aí se encontravam presentes.

91). A Mesa Administrativa reunia semanalmente, habitualmente às quartas-feiras, sendo lavrada ata de cada uma dessas reuniões.

92). Estavam distribuídos pelouros e poderes de representação pelos diversos Mesários.

93). Nos termos das disposições conjugadas do art.19º do DL nº119/83, de 25/02 e dos arts.48º a 50º do Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia ..., a instituição obriga-se pela assinatura conjunta de, pelo menos, dois membros da Mesa Administrativa.

94). A Mesa Administrativa é composta pelo Provedor, Vice-Provedor, um Secretário, um Tesoureiro, três Vogais efectivos e três suplentes, sendo que a Mesa Administrativa só terá poderes deliberativos quando estiver presente a maioria absoluta dos membros em exercício, tendo o Provedor, ou quem o substitua, voto qualificado.

95). Nunca o arguido A. extravasou o conteúdo das suas funções, previstas no art.51º do Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia ....

96). Desempenhava as suas funções integrado na Mesa Administrativa, órgão ao qual estão atribuídas as funções de administração da Instituição. Todas as questões relativas à gestão e organização da instituição eram submetidas a deliberação da Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia ..., a qual sobre as mesmas decidia.

97). Este modo de organização ainda hoje se mantém, pelo que não é ao actual Provedor, de per si, que compete a representação em juízo e fora dele da instituição, antes fazendo parte de um órgão colectivo, que só delibera validamente na presença da maioria qualificada dos seus membros.

98). Pela distribuição dos pelouros entre os Mesários, o acompanhamento deste projecto nem sequer tinha ficado a cargo do arguido A.

99). No caso a que se reportam os presentes autos, todas as camas que se destinavam inicialmente ao funcionamento da UAI se encontravam totalmente ao dispor e ao serviço da Segurança Social, a qual decide unilateralmente a quem devem ser atribuídas, funcionando a Santa Casa da Misericórdia... como mera prestadora de serviços.

100). A Segurança Social deu o seu consentimento a que tais camas funcionassem como CATEI e não como UAI. Autorização que ainda hoje se mantém.

101). Não foi o arguido A. quem decidiu que aquela valência não iria funcionar como UAI, mas sim a Mesa Administrativa que foi eleita para o triénio de 2001-2003 e por acordo da própria Segurança Social.

102). O arguido A. desempenhou as funções de Provedor da Santa Casa da Misericórdia... desde início de 1995 até ao final de Dezembro de 2000.

103). Pela sua dimensão e modo de organização, a Santa Casa da Misericórdia...por diversas vezes tem vindo a ser convidada pela Segurança Social a fim de ser promotora ou dinamizadora, para o concelho de Santarém, de projectos inovadores, urgentes ou prioritários, ao nível do apoio social à infância e à terceira idade.

104). A Santa Casa da Misericórdia ... sempre procurou dar resposta a essas solicitações, estabelecendo-se diversas parcerias e acordos, típicos e atípicos, com a Segurança Social, à medida das necessidades, conveniência e adequação à finalidade em questão.

105). O modo de cooperação e financiamento não é idêntico, sendo certo que é sempre a Segurança Social a estabelecer os requisitos, a controlar, a fiscalizar e a definir o que pretende que a Santa Casa da Misericórdia... cumpra e qual o modo de financiamento possível e adequado para a valência ou programa em questão.

106). A área da Saúde nunca disponibilizou os meios que a lei previa e sem os quais o funcionamento da UAI se tornava inviável.

107). A Santa Casa da Misericórdia... estabeleceu, enquanto o arguido A. foi Provedor, diversas formas de cooperação com outras Instituições Particulares de Solidariedade Social, as quais revestiram a forma de utilização comum ou partilhada de equipamentos e de desenvolvimento em comum de acções de solidariedade social, sempre com o conhecimento e o apoio explícito da Segurança Social e a seu pedido expresso.

108). Foi deste modo que foi entendida a cedência, a título precário, do equipamento de cozinha adquirido para a UAI, a título meramente devolutivo, ao Centro Paroquial da Serra, enquanto esta não pudesse iniciar o seu funcionamento.

109). Essa cedência foi entendida como um gesto de cooperação, lícito e expressamente permitido entre instituições de solidariedade social.

110). As quantias a que se refere o pedido de indemnização civil foram pagas à Santa Casa da Misericórdia... em 15 de Fevereiro de 2000.

111). O demandado A. foi notificado para contestar o pedido de indemnização civil no dia 3/03/2008.

112). O mesmo demandado não obteve para si qualquer benefício.

113). A questão da instalação da UAI, obras a realizar e modo de as realizar foi debatida e deliberada ao longo de várias reuniões.

114). As obras que foram efectivamente realizadas passaram a fazer parte integrante do património da Santa Casa da Misericórdia....

115). Tais obras encontram-se, desde a data da sua realização, colocadas ao serviço da comunidade, através dos serviços prestados pela Santa Casa da Misericórdia ... à população, sendo que para as valências da Santa Casa da Misericórdia ... existem em vigor, desde tal data, acordos com a Segurança Social, nos termos dos quais o Estado tem, designadamente, o poder de determinar quais os utentes que deverão beneficiar ou usufruir das vagas disponíveis.

Provou-se ainda que:

116). O arguido A. e a arguida Santa Casa da Misericórdia... não têm antecedentes criminais.

117). O arguido A. cresceu no seio duma família organizada, integrada socialmente, embora detentora dum nível socioeconómico modesto.

118). Concluiu o 7º ano de escolaridade, vindo a concluir um curso de pós-graduação de Direito Fiscal da Faculdade de Direito de Lisboa, há aproximadamente 6 anos atrás, curso para o qual foi seleccionado em razão do seu curriculum.

119). Iniciou a sua actividade profissional aos 20 anos de idade como escriturário na “Sociedade de Combustíveis de Santarém”.

120). Há cerca de 27 anos constituiu a sua própria empresa “J.M. ..., Lda” que se dedica à comercialização de combustíveis na área do retalho e exploração de bombas de gasolina, em representação da GALP, actividade que manteve até muito recentemente.

121). O arguido foi Vereador da Câmara Municipal de Santarém, deputado da Assembleia da República, mesário da Santa Casa da Misericórdia..., membro da Direcção dos Bombeiros Voluntários de ..., membro da Direcção do Lar de Santo António da Cidade de Santarém, presidente da Associação de Revendedores de Combustíveis de Santarém, membro da Direcção do Nersant e Presidente da Fundação Rotária Portuguesa, participando em diversas actividades de carácter social, gratuitamente, em prol do desenvolvimento e bem-estar das pessoas menos favorecidas.

122). Reside com a sua esposa, de 71 anos de idade, tendo duas filhas que já constituíram agregado próprio, com quem mantém relações de proximidade.

123). Actualmente está reformado, auferindo uma pensão de reforma no valor mensal de cerca de € 3.000.

124) Tendo-se mantido profissionalmente activo, prestando apoio na Administração da sua empresa, cuja gerência é assumida actualmente pela sua filha mais nova, tal actividade foi interrompida recentemente por motivos de saúde grave, com problema de foro oncológico, padecendo ainda de problemas de foro cardiovascular, sendo portador de Pace-maker.

125). Manifestou perante os técnicos de reinserção social algum constrangimento emocional relativamente ao presente processo, por o mesmo não corresponder ao empenhamento que tem dedicado às causas sociais.

126). É uma pessoa de honra e dignidade, conhecida e respeitada na sociedade em que se insere.

127). O arguido B. foi já condenado por sentença transitada em julgado em 29/05/2006, no âmbito do Processo Comum Singular ---/03.5TASTR do 1º Juízo Criminal de Santarém, na pena de admoestação, pela prática, no ano de 2002, de um crime de peculato de uso.

128). O arguido B. cresceu desde tenra idade a cargo dos avós maternos, estes de condição sócio económica humilde, exercendo a actividade de trabalhadores rurais.

129). Aos oito anos de idade ingressou no Lar dos Rapazes da Santa Casa da Misericórdia ---, na sequência do falecimento da avó materna, ficando vinculado a esta instituição até aos 20 anos de idade, decorrendo a sua vivência na mesma instituição dentro da normalidade.

130). Completou o ensino secundário com 19 anos de idade e, após o serviço militar, conclui a licenciatura em História na Faculdade de Letras de Lisboa, tendo feito, posteriormente algumas pós-graduações na área das ciências da informação e de gestão da ciência e tecnologia.

131). Foi Presidente da Casa da Cultura da Juventude de ---, Director Distrital do Fundo de Apoio a Organismos Juvenis, Chefe de Divisão de Formação Pós-Graduada da Estação Zootécnica Nacional e a partir de Dezembro de 1999, Vogal do Conselho Directivo da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, cargo onde se manteve durante cerca de ano e meio.

132). Actualmente, exerce as funções de Técnico Superior no Centro Distrital de Segurança Social...

133). À data da prática dos factos vivia com a esposa, que faleceu pouco tempo depois, e com duas filhas.

134). Actualmente reside apenas com a filha mais nova, estudante universitária.

135). Perante os técnicos de reinserção social revelou juízo crítico em relação aos factos que deram origem a presente processo, desvalorizando, no entanto, a sua gravidade, denotando algum desgaste emocional face ao tempo em que tem decorrido o presente processo e alguma preocupação quanto às consequências negativas que daí possam advir.

136). É também uma pessoa bem inserida socialmente e considerada e respeitada no meio onde vive.

137) A instituição arguida Santa Casa da Misericórdia não regista antecedentes criminais.”

A matéria de facto encontra-se motivada no acórdão do modo seguinte:

“A convicção do Tribunal na determinação da matéria factual dada por provada e por não provada formou-se pela valoração conjunta e crítica, segundo as regras da experiência comum, dos elementos de prova seguintes:

. cópia de ofício que acompanhou as facturas remetidas ao Centro Regional de Segurança Social, de fls.299/ 496;

. relação de facturas, cópia de facturas e guias de remessa emitidas por Henrique R., de fls.302 a 332;
. cópia de orçamentos e guias de remessa emitidas por José F., de fls.335 a 437-A;

. print do site da Assembleia da República, referente à biografia do arguido A. enquanto deputado, de fls.444;

. cópia de carta subscrita pelo arguido A., remetida á Liga Portuguesa contra o Cancro, com vista a acordo para cedência de espaço, de fls.453;

. cópia de ofício e formulário de candidatura para instalação da UAI, de fls.454 a 457;

. cópia de documentação vária trocada entre a Santa Casa da Misericórdia... e outras entidades, referente à alteração da data de abertura da UAI, de fls.458 a 471/ 66 a 78 do Apenso 5;

. cópia de documento de plano de execução do Despacho 407/98, de fls.480 a 493;

. mapa de facturas entregues na Segurança Social, de fls.494 e 495/ 619 e 620;

. quadro de faturas relativas à UAI, de fls.519;

. cópia de extractos de conta e documentos contabilísticos, de fls.616 a 618 e 621 e 622;

. acordo de cooperação referente à UAI, de fls.629 a 637;

. cópia de auto de posse dos titulares dos órgãos sociais da Santa Casa da Misericórdia ..., de fls.804 e 805;

. cópia autenticada dos estatutos da Santa Casa da Misericórdia ..., de fls.841 a 857;

. cópia de ata de reunião extraordinária da Direção do Lar da Nossa Senhora da Purificação da Serra, de fls.943 e 944;

. expediente de notificação do pedido cível ao demandado A. e p.d. de fls.1046 e 1047 e 1068;

. C.R.C. do arguido A., de fls.1062/ 1408/ 1472/ 2032;
. C.R.C. do arguido B., de fls.1069 e 1070/ 1413 e 1414;

. informação da Segurança Social quanto a acordos de cooperação com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para desenvolvimento de determinadas respostas sociais, de fls.1259 a 1302;

. auto de recolha de autógrafos ao arguido A., de fls.1328 a 1341;

. relatório de exame pericial grafológico, de fls.1348 a 1358;

. C.R.C. da arguida Santa Casa da Misericórdia ..., de fls.1431/ 1476;

. relatórios sociais para determinação de sanção, referente ao arguido B., de fls.1499 a 1503/ 2053 a 2057;

. relatórios sociais para determinação de sanção, referente ao arguido A., de fls.1504 a 1508/ 2059 a 2063;

. certidão de auto de posse dos órgãos sociais da Santa Casa da Misericórdia... para o triénio 2010/2012, de fls.1513 a 1515;

. elementos clínicos referentes às acuais condições de saúde do arguido A., de fls.2068, 2069, 2136, 2157 e 2174;

. listagem de facturas, facturas, guias de remessa e orçamentos, constantes de pasta identificada como Doc.2;

. cópia certificada de projeto de remodelação e ampliação da creche e jardim-de-infância da Santa Casa da Misericórdia ..., em pasta identificada como Doc.3;

. cópias certificadas de atas de reuniões da Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia ... referentes à movimentação das contas bancárias, à distribuição de pelouros (entre outros assuntos), de acordo de cooperação relativo à UAI, de ofício de envio de formulário de candidatura e formulário, cópia de listagem de facturas, facturas, orçamentos e guias de remessa, constantes de pasta identificada como Doc.5;

. comprovativos de transferência de verbas do PIDDAC (cópia de ofício do Serviço Sub-Regional da Segurança Social ...e cópia de recibo emitido pela Santa Casa, de fls.1 e 2 do Apenso 1;

. cópia de informação da Divisão de Ação Social para o Diretor do Serviço Sub-Regional informando da remessa de facturas pela Santa Casa, com proposta de autorização do pagamento da verba em causa, assinatura da Coordenadora do Núcleo de Apoio de Equipamentos Sociais e autorização de pagamento pelo novo Diretor do referido Serviço, de fls.4 do Apenso 1;

. cópia de anexo à referida informação, onde consta que a obra referente à Santa Casa está no seu início, de fls.4 do Apenso 1;

. cópia de facturas e guias de remessa remetidas à Segurança Social pela Santa Casa da Misericórdia de ..., de fls.6 a 209 do Apenso 1;

. documentação referente à definição do circuito de desenvolvimento administrativo dos investimentos em ação social integrados no PIDDAC, de formulários e de informação remetida às IPSS para instrução das candidaturas a financiamento para realização de equipamentos sociais, de fls.21 a 30 do Apenso 5;

. listagem de instituições inscritas no PIDDAC/99, de fls.60 do Apenso 5;

. extractos de conta, de fls.137 a 141 do Apenso 5;

. declarações prestadas pelo actual Provedor da Santa Casa da Misericórdia ..., Mário R., que, no essencial: reportou-se essencialmente às funções desenvolvidas pela instituição e modo de funcionamento; sublinhou não ter sido solicitada à Santa Casa qualquer devolução de valores; confirmou que a cedência de equipamento ao Lar da Serra foi a título de empréstimo, sendo comum a existência de protocolos para utilização de bens por parte das IPSS;

. declarações prestadas pelo arguido B., que, em síntese: depôs circunstanciadamente sobre a matéria dos autos; salientou, designadamente, que fez visita ao Centro Paroquial da Serra e que sugeriu que contactasse a Misericórdia..., porque sabia que tinham equipamento de cozinha disponível; referiu que apenas manifestava a sua concordância para aprovação do projeto em causa de forma genérica, perante o processo apresentado pelos serviços, que tinham competências próprias, sendo o Centro Regional de Lisboa e Vale do Tejo que tinha competência para tal aprovação; disse ter sido contactado pelo funcionário no sentido de não estarem realizadas as obras em causa e que fora apresentada faturação, tendo-lhe respondido expressamente que então não se pagavam, tendo o mesmo funcionário dado uma informação desconforme à sua superior hierárquica, tendo sido o pagamento subsequente já autorizado pelo substituto do ora declarante; referiu também não recordar ter conhecimento do lugar exato das obras a realizar, tendo sabido pelo jornal, já no ano seguinte, do conflito existente com a Liga Portuguesa contra o Cancro; disse também ter sido o Dr. R quem lhe deu conhecimento verbal que o Centro de Alcanena não avançaria com o projeto, tendo sido os serviços que elaboraram a proposta de reforço do PIDDAC e transferência da verba respectiva; admitiu também, no entanto, ter alertado o arguido A. para os prazos de apresentação de faturação;

. depoimentos prestados pelas testemunhas:

- José F., canalizador, Gilberto B., empreiteiro de construção civil, Henrique R., também empreiteiro da construção civil, que, no essencial: pronunciaram-se sobre os diversos trabalhos por cada um realizados, em lugares distintos, prestando esclarecimentos relativos a facturas, orçamentos ou guias de remessa por si subscritos e juntos aos autos, com os quais foram confrontados;

- RF, funcionário administrativo da Segurança Social, com função de apoio às IPSS, que, em suma: reportou-se às funções desempenhadas por diversos funcionários; confirmou a recepção das facturas, não sabendo onde eram as obras a que as mesmas respeitavam, que entregou à sua superior que validou a documentação, esclarecendo que a indicação por si aposta quanto a tratarem-se de obras iniciadas tinha a ver com a questão do cabimento orçamental, dizendo não recordar que o arguido José Brilhante tenha tido intervenção nesse sentido;

- JM, técnico contabilista principal, exercendo funções na Santa Casa da Misericórdia ..., que, em síntese: referiu ao modo de funcionamento da Santa Casa; reportou-se às facturas apresentadas, referindo que mesmo obras do segundo piso do edifício não seriam para instalação da UAI, mas que se reportariam a deslocalização de serviços, entendendo ser contabilisticamente válido o seu lançamento como obras relacionadas com a UAI;

- MC, funcionária da Santa Casa, que, no essencial: referiu-se às características do edifício e à necessidade de deslocação e ou reparação de serviços referentes a outras valências para que na prática pudesse ser instalada a UAI; reportou-se ao funcionamento da instituição; referiu-se ainda à passagem das instalações da UAI para CATEI;

- AB, funcionário da Segurança Social, que, em suma: reportou-se à sua intervenção na investigação, essencialmente relacionada com situação relativa à Quinta do Poial;

- Maria F., também funcionária da Segurança Social e superior hierárquica de RF, que, em suma: reportou-se às suas próprias funções, dizendo ter a sua intervenção se limitado a conferir os valores e percentagens indicados na informação exarada no processo por aquele funcionário;

- António C., Diretor do Serviço Sub-Regional da Segurança Social..., que veio a substituir em tais funções o arguido B., que, em síntese: confirmou a autorização de pagamento das verbas em causa, com base na informação com indicação para esse efeito; reportou-se a quem exercia funções na Segurança Social à data e à auditoria realizada no final do seu mandato em que foram detectadas situações de anomalia de procedimentos anteriores;

- JG, professor do arguido B., tendo também exercido funções como Presidente da Câmara de ---, que, no essencial, depôs abonatoriamente relativamente a este arguido;

- Adelino C., em 1999 Vice-Provedor da Santa Casa da Misericórdia ..., que, em síntese: referiu-se aos diversos serviços e valências existentes no edifício sede da Santa Casa e intervenção nos mesmos com vista à instalação da UAI de forma relativamente detalhada; aludiu ainda à intervenção que o Provedor teria no caso;

- António D., Membro do Conselho Fiscal da Santa Casa da Misericórdia ..., que, em suma: referiu-se às funções desempenhadas por cada membro da instituição, em especial às que caberiam ao Provedor; prestou também declarações sobre os documentos que analisou posteriormente, fazendo um enquadramento quanto ao que seriam os comportamentos habituais na época, sem grandes preocupações de rigor técnico; esclareceu que a UAI não chegou a funcionar, referindo-se aos outros serviços que vieram a ser instalados; depôs abonatoriamente relativamente ao arguido A.;

- João P., Irmão da Santa Casa, que, no essencial: prestou esclarecimentos quanto às atribuições dos diferentes membros da instituição; quanto à situação trazida a juízo o que transmitiu foi por consulta que fez de jornais da época; referiu-se também de forma abonatória à pessoa do arguido A.;

- Maria C., que, em suma: depôs também abonatoriamente quanto ao arguido A.;

- António C., Diretor do Serviço de Segurança Social ... entre 2002 e Maio de 2005, que, no essencial: referiu-se abonatoriamente quanto ao arguido A.; afirmou não ter já memória de factos relacionados com o processo da UAI;

- José P., Mesário da Santa Casa da Misericórdia até princípios do ano de 1999, que, em síntese: reportou-se igualmente ao modo de funcionamento e tomada de decisões na Santa Casa, bem como ao relacionamento existente com a Segurança Social;

- João T, Vice-Presidente na Segurança Social...de meados de 2002 a 2006, que, no essencial: pronunciou-se sobre o funcionamento dos serviços; referiu-se também de forma abonatória à pessoa do arguido A;

- José G., engenheiro civil, que, em suma: referiu apenas ter prestado serviços para a Santa Casa em projeto de reabilitação da creche e jardim-de-infância;

Não foi produzida outra prova em julgamento.

A determinação da factualidade assente resultou da análise ponderada da prova documental constante dos autos, conjugada com os depoimentos prestados em audiência.

Salienta-se em especial ter sido entendimento do tribunal que a proximidade entre as duas instituições, o conhecimento e contacto também próximo entre os dois arguidos, desde logo pelas funções por cada um desempenhadas, a localização central do edifício da Santa Casa da Misericórdia ... e sua projecção no meio local, sendo este um meio relativamente pequeno, a experiência de cada um dos arguidos nas funções que exerciam, a própria circunstância do arguido B, como admitiu, ter alertado o arguido A. para os prazos de apresentação da facturação, tudo isto são circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, tornam pouco crível que ambos os arguidos não estivessem cientes, ou pelo menos ponderassem a possibilidade de que as obras então iniciadas fossem insuficientes para justificar o pagamento de verbas já inscritas no PIDDAC e que, consequentemente, as facturas que viessem a ser apresentadas para sustentar o pagamento de tais verbas não correspondessem todas elas a obras valoráveis para esse efeito. Daí ter o tribunal inferido que, porventura imbuídos de algum voluntarismo ou sentimento de menor ilicitude de tal procedimento, visto as verbas em apreço reverterem para aplicação ou pagamento de encargos tidos no desenvolvimento de obras de carácter social, agiram os arguidos conformando-se com aquela possibilidade, que ambos aceitaram, nada fazendo para a sua não verificação, como lhes competia.

Não foram expressamente valorados os seguintes documentos, referentes a obras e situações alheias ao objecto dos presentes autos:

. documentação constante do Apenso 2, relativa a remodelação da Quinta do Poial;
. documentação constante do Apenso 3, também relativa a remodelação da Quinta do Poial;
. documentação constante do Apenso 4, igualmente referente a remodelação da Quinta do Poial;
. documentação constante do Apenso 6, relativa ao Programa Operacional Integrar em que foi proposto financiamento para a referida remodelação da Quinta do Poial;
. documentação constante do Apenso 7, referente ao período compreendido entre 1994-1997.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar são as seguintes:

3.1. Recurso do arguido A.
3.1.1. Nulidade da acusação por falta de indicação das provas
3.1.2. Impugnação da matéria de facto
3.1.3. Erro de subsunção

3.2. Recurso do arguido B.
3.2.1. Contradições entre factos provados, factos não provados e a motivação
3.2.2. Impugnação da matéria de facto
3.2.3. Erro de subsunção

3.3. Recurso da arguida Santa Casa da Misericórdia
3.3.1. Erro de subsunção

3.1. Do recurso do arguido A.

3.1.1. Da nulidade da acusação por falta de indicação das provas
Alega o recorrente que na acusação de fls 689 a fls 709, não é indicado qualquer meio de prova e que na falta de indicação dos meios de prova a acusação do Ministério Público é nula (artº 283º nº 3 f) do Código de Processo Penal).

O arguido invocou a questão da nulidade da acusação em instrução, mas esta não mereceu acolhimento.

Face à irrecorribilidade da decisão (artº 310º nº 1 do Código de Processo Penal), e podendo o presente recurso ter como fundamento a inobservância de qualquer requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (art. 410º nº 3 do Código de Processo Penal), mostra-se tempestiva a arguição.

A questão suscitada foi decidida em decisão instrutória no sentido do indeferimento, por se ter considerado que “da interpretação da peça processual em causa decorre, com mediana clareza, que a prova a produzir é comum à acusação e ao pedido de indemnização cível, e por isso, seguramente por questão de ordem pragmática, a opção formal foi a de indicar a prova por uma só vez, no final de ambas as peças processuais”.

Concluiu-se, então, que a acusação continha todos os elementos elencados no art. 383º, nº 3 do Código de Processo Penal, decisão que não merece reparo. A evidência da conclusão justificaria até uma simples remissão para os seus fundamentos.

Na verdade, a asserção de que a acusação proferida nos autos não contém a indicação das provas mostra-se indefensável. A argumentação, assente na simples circunstância da indicação das provas ter sido, afinal, no caso, mediatizada por um pedido cível, é falaciosa.

Com efeito, nada na lei obriga o Ministério Público, quando acusa e (simultaneamente) deduz pedido cível, a duplicar a indicação das provas, ou seja, a repetir o mesmo enunciado por duas vezes, numa mesma peça processual.

Nos termos do art. 283º, nº 3 alíneas d) a f) do Código de Processo Penal, o Ministério Público tem de proceder à indicação das provas na acusação. O art. 77º, nº 1 do Código de Processo Penal obriga-o a deduzir o pedido cível (quando for caso disso) “na acusação”.

A prolação da acusação cumpre essencialmente três funções: uma função processual, de introdução do feito em juízo, de acordo com uma estrutura acusatória do processo penal (art. 32º, nº 5 do Constituição da República Portuguesa); uma função informativa, ao arguido, dos factos imputados e das provas que os fundamentam, de modo assegurar o contraditório (art. 32º, nº 5 do Constituição da República Portuguesa e art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos); uma função delimitativa, de fixação/delimitação do objecto do processo (na ordenação de Conde Correia, em Questões Práticas Relativas ao Arquivamento e à Acusação e à sua Impugnação, 200, p. 102).

A dedução do pedido cível no processo-crime decorre, por seu turno, do princípio da adesão (art. 71º do Código de Processo Penal). No caso de indemnização fundada na prática de crime, o lesado não é livre de optar pela jurisdição e processo civis, mesmo que considere serem os que melhor servem o seu direito. Acha-se obrigado à disciplina do processo penal e a aceitar este desvio às regras da competência do juiz penal que pode, então, conhecer também da causa cível.

E embora a causa crime e a causa cível se revistam de alguma autonomia material, que não perdem pela circunstância de terem de ser conhecidas e tratadas num mesmo processo, este tratamento formal unitário impõe-se por razões de economia de meios e de rentabilização de esforços, servindo ainda a uniformização de decisões sobre uma mesma situação de facto.

As regras processuais penais afirmam-se então na tramitação de um processo conjunto – sendo a acção cível que é recebida no processo penal e não o inverso –, o que sucede por conhecidas razões decorrentes do estatuto de demandado/arguido, do exercício e reconhecimento das garantias de defesa, das diferenças existentes nos direitos probatórios penal e civil, particularmente nos princípios de prova na vertente da apreciação (in dúbio pro reo, presunção de inocência, inexistência de repartição de ónus de prova).

Assim, as nuances formais no conhecimento da causa cível enxertada justificam-se na medida em que a forma civil se deve compatibilizar, respeitando-o, com o estatuto do demandado/arguido.

Mantendo a causa crime e a causa cível uma relativa autonomia substantiva, como se disse, o objecto da causa cível fundada na prática do crime não deixa no entanto de ser o mesmo facto ilícito, a imputação do facto ao agente, o dano e o nexo causal. Assim, a responsabilidade civil por facto ilícito inclui o conhecimento – de facto e de direito – dos pressupostos acabados de enunciar.

Nessa medida, a identidade do facto ilícito implica uma identidade de provas e, logo, a indicação de provas única, sem qualquer necessidade de repetições.

Nos casos em que o pedido cível é deduzido pelo Ministério Público contra um demandado que é simultaneamente arguido, o oferecimento de prova pode fazer-se em indicação única, após dedução da acusação e do pedido cível.

Nada na lei processual ou constitucional obriga a que o Ministério Público tenha que apresentar dois róis de testemunhas ou tenha que duplicar a indicação das outras provas. Só assim deverá proceder se o considerar como o mais adequado a uma estratégia de demandante e à melhor prossecução do pedido que deduz.

Mas do lado do arguido/demandado inexiste, nestes casos, qualquer razão elegível, qualquer direito preterível por via desse procedimento, nada obrigando por isso, de acordo com a lei e os princípios legais e constitucionais, a que assim se proceda. Uma duplicação da indicação de provas, num caso como o presente, contrariaria até as regras de boa prática processual.

Não tem pois valia a tese do recorrente, de que o Ministério Público devia ter indicado as provas logo de seguida à acusação e de novo após a dedução do pedido de indemnização civil. Esta lógica puramente formal não serve qualquer finalidade atendível e não fundamenta a pretensão.

É que, contrariamente ao que o recorrente alega, a acusação contem a indicação das provas. Elas encontram-se em recenseamento único após dedução da acusação e do pedido cível, como aliás deve fazer-se em casos como o presente, em que os arguidos ocupam simultaneamente a posição de demandados civis, e outros (demandados civis não arguidos) inexistem.

Não sendo lícita a prática processual de actos inúteis, e não resultando da pretendida duplicação ipsis verbis qualquer benefício ou vantagem para o arguido (ou para outro sujeito processual), para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, a repetição de indicação de provas na mesma peça processual seria sempre de considerar como uma prática dispensável.

Consigne-se, por último, que todo o iter processual revela que o recorrente sempre compreendeu muito bem a acusação e as suas provas, tendo exercido activa e amplamente os direitos de defesa, na fase da instrução, na fase de julgamento e agora em recurso.

Por tudo, inocorre nulidade da acusação.

3.1.2. Da impugnação da matéria de facto
O arguido impugna os factos provados descritos nos pontos 56, 57 e 58 da matéria de facto do acórdão, alegando que nenhuma testemunha os referiu, que não resultam de qualquer documento, e que na motivação não consta nenhuma menção de onde possa basear-se a prova destes factos. Apela ainda ao depoimento de JM, “profundo conhecedor da organização dos serviços da Santa Casa”, fazendo-o em termos genéricos e sem mínimo cumprimento do ónus de especificação das provas.

Pretende referir-se aos factos seguintes: “56). O arguido A. sabia que para a Santa Casa da Misericórdia ... receber o subsídio atribuído através do PIDDAC/99 deviam ser entregues as facturas comprovativas das despesas efectuadas nesse ano de 1999 na remodelação do espaço onde seria instalada a UAI, caso contrário essas verbas seriam retidas pelo Estado. 57). Como já referido em 29), para não se perderem tais verbas, os serviços da Santa Casa da Misericórdia entregaram facturação referente a outras obras da Santa Casa da Misericórdia ... que não tinham qualquer comparticipação, fornecendo, dessa forma, documentação e informações não adequadas e que eram determinantes para obter o pagamento do subsídio. 58). O arguido A., admitindo essa possibilidade, nada fez para evitar que os serviços da Santa Casa da Misericórdia agissem do modo descrito em 57), conformando-se com tal ocorrência.”

O ponto especificado pelo recorrente respeita aos factos integrantes do tipo subjectivo de crime. Mas o incumprimento dos ónus de especificação, concretamente no que respeita à indicação das “concretas provas”, como se evidencia, frustra o conhecimento do recurso por esta via.

Na verdade, o art. 412º, nº3 do Código de Processo Penal impõe que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ser renovadas.

Esta especificação deve fazer-se por referência ao consignado na acta indicando o recorrente concretamente as passagens em que se funda a impugnação (nº4). Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012). E assim também será de considerar cumprido o ónus de especificação das concretas provas, na ausência de uma referência às especificações (ausentes) da acta.

O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º nº 3, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto. Mais do que de uma penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se de uma verdadeira impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso (da matéria de facto).

No caso, o recorrente não procedeu à indicação das concretas passagens por referência ao consignado na acta. Mas, nesta parte, o incumprimento decorreria da constatada omissão em acta da consignação dessas especificações, devendo considerar-se justificado. Só que também não procedeu à transcrição das concretas provas em que funda a impugnação, como no mínimo se imporia, de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (AFJ nº 3/2012). Pelo que não podem deixar de ter-se como incumpridas as exigências formais de impugnação de facto.

E como a omissão atravessa toda a peça processual, não poderá o recurso ser aperfeiçoado, já que de uma omissão total se trata. Embora o incumprimento das exigências formais prejudique o conhecimento do recurso da matéria de facto – pois os ónus de impugnação “concretos factos” e “concretas provas” visam viabilizar o próprio recurso – a possibilidade de intervenção da Relação é ainda possível por via da sindicância sobre os eventuais vícios da decisão (vícios previstos no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal), que são de conhecimento oficioso.

No caso, o recorrente pretende sindicar a convicção do juiz de julgamento, insurge-se contra a leitura que as provas mereceram pretendendo que a segunda instância reveja o percurso efectuado na sentença.

É aqui que se situa a alegação de que “na motivação não consta nenhuma menção de onde possa basear-se a prova destes factos”.
Mas esta alegação não corresponde à realidade. O acórdão é muito explícito na justificação dos factos atacados, ou seja, aqueles que realizam o tipo subjectivo.

Senão, releia-se: “Salienta-se em especial ter sido entendimento do tribunal que a proximidade entre as duas instituições, o conhecimento e contacto também próximo entre os dois arguidos, desde logo pelas funções por cada um desempenhadas, a localização central do edifício da Santa Casa da Misericórdia ... e sua projecção no meio local, sendo este um meio relativamente pequeno, a experiência de cada um dos arguidos nas funções que exerciam, a própria circunstância do arguido B., como admitiu, ter alertado o arguido A. para os prazos de apresentação da facturação, tudo isto são circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, tornam pouco crível que ambos os arguidos não estivessem cientes, ou pelo menos ponderassem a possibilidade de que as obras então iniciadas fossem insuficientes para justificar o pagamento de verbas já inscritas no PIDDAC e que, consequentemente, as facturas que viessem a ser apresentadas para sustentar o pagamento de tais verbas não correspondessem todas elas a obras valoráveis para esse efeito. Daí ter o tribunal inferido que, porventura imbuídos de algum voluntarismo ou sentimento de menor ilicitude de tal procedimento, visto as verbas em apreço reverterem para aplicação ou pagamento de encargos tidos no desenvolvimento de obras de carácter social, agiram os arguidos conformando-se com aquela possibilidade, que ambos aceitaram, nada fazendo para a sua não verificação, como lhes competia.”

Os factos impugnados, que vieram a ser considerados como provados, resultaram naturalmente de todos os restantes factos provados, particularmente os referentes ao tipo objectivo de crime. O juízo de “provado” não revela violação de regra da experiência comum, impondo-se até face às explicações complementadas e concretizadas no exame da prova.

Estas explicitações dão coerência ao texto do acórdão na sua unidade de tratamento do facto, desdobrada na articulação dos factos provados e não provados e na explicação destes no exame crítico das provas.

Como se sabe, os factos do tipo subjectivo resultam naturalmente dos factos externos, assim não podendo deixar de ser quando inexiste confissão. Eles constituem até um exemplo de demonstração por prova indirecta. Os factos que integram o dolo, os actos interiores ou internos, por respeitarem à vida psíquica raramente se provam directamente. Na ausência de confissão, em que o agente reconhece ter sabido e querido os factos do tipo objectivo, a prova do dolo far-se-á por ilações, a partir de indícios, através de deduções retiráveis de um comportamento exterior e visível do agente.

Nestes casos, o julgador resolverá a questão de facto apreciando se o agente agiu internamente da forma como o terá revelado externamente. Nessa demonstração, deve proceder sem “descontinuidade ou incongruências” (acórdão do STJ de 06-10-2010, Henriques Gaspar). As dificuldades e as vicissitudes da prova da intenção são comuns à generalidade dos crimes.

Dizer que os factos integrantes do tipo subjectivo de crime resultam frequentemente dos factos externos, não significa afirmar que assim o seja necessariamente. O dolo não se presume e a prova é “particularística sempre”. “O caso concreto pode ficar fora do caso típico” (Paulo de Sousa Mendes, A prova penal e as Regras da experiência, Estudos em Homenagem ao prof. Figueiredo Dias, III). No entanto, reportando-se aos factos do tipo objectivo, como conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo, é natural que os factos integrantes do dolo possam resultar daqueles, como terá sucedido no caso presente.

Na verdade, no acórdão explica-se, de modo racional e lógico, porque razão se concluiu que o arguido sabia que para a Santa Casa da Misericórdia ... receber o subsídio deviam ser entregues determinadas facturas, que para não se perderem tais verbas os serviços da Santa Casa forneceram documentação e informações não adequadas que eram determinantes para obter o pagamento do subsídio e que, admitindo essa possibilidade, o arguido nada fez para evitar que os serviços da Santa Casa da Misericórdia agissem do modo descrito, conformando-se com tal ocorrência.

E tais conclusões não são incompatíveis com a circunstância de o arguido não ter procedido pessoalmente à selecção e envio da facturação ou aos demais procedimentos de execução material do processo de recebimento do subsídio. Pois o conhecimento destes factos, ainda para mais numa modalidade de previsão com conformação, não o pressupunha obrigatória e indispensavelmente.

O concreto episódio de vida tratado no acórdão, na sua ampla complexidade que o tribunal revela ter apreendido, não se esgotava nessa linearidade. Os factos objectiva e subjectivamente praticados inseriram-se num quadro de vida que o tribunal adequadamente apreendeu e tratou, sempre nos limites do caso processualizado, mas ainda na dimensão que o concreto “pedaço de vida” exigia.

Donde se conclui que o acórdão não revela qualquer erro notório de facto, contradição ou outra insuficiência prevista como vício da decisão, mostrando-se os factos provados, particularmente os que interessam ao tipo subjectivo de ilícito, como adequadamente justificados.

3.1.3. Do erro de subsunção
O recorrente pugna pela absolvição, invocando também o erro de direito.

Embora o faça aqui como decorrência da impugnação de facto, de cuja improcedência resultaria assim a confirmação do acórdão também em matéria de direito, cumpre aditar algo mais face à argumentação que ainda assim desenvolve.

O arguido mantém que não foi a pessoa que enviou ao Serviço Sub-Regional da Segurança Social... a carta nem as facturas (e assim consta efectivamente da matéria de facto). Acrescenta que tais tarefas não faziam parte do normal exercício das funções que lhe competiam como Provedor, que sobre si não recaía qualquer especial obrigação de seleccionar ou conferir a documentação enviada pelos serviços da instituição, que um membro de um órgão colegial com responsabilidades de gestão não pode ser responsabilizado criminalmente por omissão sempre que os serviços não cumpram as instruções recebidas ou ocorra um erro, que não é mencionado em concreto qual o comportamento omitido, e que em processo penal inexiste condenação por responsabilidade objectiva.

No acórdão discorreu-se, na parte com interesse para aqui: “… Estão, assim, verificados os elementos típicos objectivos do crime apreciando, nos termos supra referidos. E deverão ser imputados objectiva e subjectivamente ao arguido A., não obstante não ter sido o próprio a remeter as facturas em causa aos serviços da Segurança Social.

Com efeito, este arguido estava ciente da necessidade de enviar as facturas comprovativas dos custos relativos à remodelação do espaço da UAI, sob pena de, não o fazendo, não receber o dinheiro correspondente à comparticipação, para tal tendo sido alertado pelo co-arguido B.

Enquanto responsável máximo da entidade beneficiária, representou essa possibilidade de virem a ser apresentadas indevidamente facturas respeitantes a obras não comparticipáveis, junto do Serviço Sub-Regional da Segurança Social ..., nada tendo feito para o evitar, conformando-se com tal ocorrência e aceitando o resultado daí adveniente, duma atribuição não justificada, porque não devidamente suportada documentalmente e não sendo contrapartida de obras efectivamente realizadas para a instalação da valência social em causa, da verba inscrita no PIDDAC/99, tendo agido com dolo, nos termos supra definidos.

Aliás, sendo à data desses factos Provedor da Santa Casa da Misericórdia..., competindo-lhe, entre outras funções, superintender na administração da Misericórdia e, consequentemente, orientar e fiscalizar as diversas actividades e serviços da Instituição – artigo 51.º, n.º 1, al. b) do Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia... – tinha não apenas a obrigação de conhecer esses factos, como de diligenciar no sentido de evitar que se concretizassem, isto é, podia e devia ter evitado que fossem entregues no Serviço Sub-Regional de...da Segurança Social, como documentos justificativos do direito ao subsídio, documentos que na realidade não justificavam esse direito, porquanto não diziam respeito ao investimento em causa. Não obstante, este arguido não actuou da forma devida, nada fazendo para impedir a apresentação de facturação indiciadora de informação incorrecta, actuação essa que se lhe impunha, não como mero cumprimento de um dever geral de cuidado, mas porque titular duma posição de garante, adstrito a um dever de agir por forma a evitar o resultado que se veio a verificar, de acordo com o disposto no art.10º, nºs.1 e 2 do C.Penal.”

De acordo com a delimitação do objecto do recurso, como questão sobrante e após decaimento da impugnação de facto, restaria a apreciação da imputação objectiva, que o recorrente questiona por não ter sido ele a proceder pessoalmente à remessa da facturação e informação inexactas, e por não ser especificado no acórdão qual afinal o dever por si omitido.

O acórdão responde adequadamente à problematização do recorrente, dispensando-nos de repetir o que afinal se acabou de transcrever. Aliás, esta impugnação perde sentido face ao decaimento da impugnação dos factos do tipo subjectivo. Pois, comprovada que o arguido A. sabia que para a Santa Casa da Misericórdia...receber o subsídio atribuído através do PIDDAC/99 deviam ser entregues facturas comprovativas das despesas Que foi alertado pelo co-arguido para os riscos da perda do subsídio e para a essencialidade da comprovação dessas despesas, não podendo desconhecer da não realização de tais obras (logo insusceptíveis de justificar a referida despesa, tudo possibilidades que admitiu, nada fazendo para evitar que os serviços da Santa Casa da Misericórdia agissem do modo descrito em 57), conformando-se com tal ocorrência, não se compreende a incompreensão sobre os deveres omitidos.”

Como se sinaliza no acórdão, como Provedor da Santa Casa da Misericórdia..., competia ao recorrente superintender na administração da Misericórdia e, consequentemente, orientar e fiscalizar as diversas actividades e serviços da Instituição – artigo 51.º, n.º 1, al. b) do Compromisso da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia ...

Este arguido ocupava uma posição de garante. E se é certo que a responsabilidade penal não derivará apenas e automaticamente da posição de dirigente (inexiste responsabilidade penal objectiva), e que os meros deveres funcionais não podem justificar a responsabilidade penal, ficou demonstrado que o recorrente tinha conhecimento e acompanhava o projecto de subvenção em causa, que isto não foi algo que decorreu às ocultas, sem conhecimento ou contra a vontade dele. Pelo contrário, provou-se que o Provedor se envolveu pessoalmente no projecto, como seria co-natural às suas funções, tendo chegado mesmo a ser avisado (pelo Director dos Serviços de Segurança Social) das vicissitudes decorrentes dos atrasos e incumprimentos verificados na execução.

O domínio do facto não exige a execução corporalda acção típica (Teresa Quintela de Brito, Autoria e Comparticipação em Organizações Empresariais Complexas, http://elearning.cej.mj.pt/mod/resource/view.php? inpopup=true&id=2316).

No caso de quem exerce poderes de direcção, a omissão pode ser a “condição do sucesso dos actos ilícitos praticados” (loc. cit.)

Como discorre Teresa Quintela de Brito, citando Frederico da Costa Pinto, “nas estruturas societárias, o momento omissivo revela-se fundamental para o domínio positivo da acção do agente material por parte do dirigente e para a ligação do facto cometido à pessoa colectiva. O superior, pela esfera de competência que possui, exerce um domínio, real ou potencial, sobre o comportamento dos seus subordinados e a sua omissão é condição do sucesso dos actos ilícitos praticados. O seu poder de intervir, decorrente da posição hierárquica ou da posição de domínio social, faz-se sentir independentemente da sua intervenção activa” Conclui a autora que “o dirigente intervém no facto do subalterno, mesmo quando se limita a não intervir, contrariamente ao seu poder-dever”.

No caso, o recorrente ocupava a posição de garante, ou seja, os concretos actos praticados compreenderam-se no âmbito da sua posição de garantia de acordo com os poderes e competências que detinha no seio da organização (Santa Casa). E a esta posição de garante – condição imprescindível mas ainda não suficiente para a conformação da autoria do dirigente – acresceu a possibilidade de poder ter cumprido com as suas obrigações, por via do exercício de um controlo efectivo, impedindo a prática dos factos. Factos que, em grande parte, não executou materialmente e por sua mão, é certo, mas que foram nesse trecho executados por seus subalternos.

O acórdão não merece, também nesta parte, censura.

3.2. Do recurso do arguido B.

3.2.1. Das contradições entre factos provados, factos não provados e motivação

O recorrente imputa ao acórdão o vício da contradição insanável, previsto no art. 410º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal, em todas as suas modalidades.

A contradição insanável da fundamentação e da fundamentação e da decisão ocorre quando a fundamentação da decisão recorrida aponta no sentido de decisão oposta à tomada, ou no sentido da colisão entre os fundamentos invocados. É uma “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a decisão probatória e a decisão. Ou seja, há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os factos provados e os não provados se contradigam entre si ou de forma a excluírem-se mutuamente” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 71).

Consistiria, em suma, na afirmação simultânea de algo e do seu contrário, de um modo inultrapassável. Antecipa-se que tal não sucede na decisão recorrida.

O recorrente defende que os factos provados descritos em 20. contradizem os factos provados descritos em 61. e 62., ou seja, que dar como provado que “o arguido B. propôs” (o reforço da verba de 14.000.000$00 (€ 69.831,70) com a verba de 20.000.000$00 (€ 99.759,58) deixada disponível pelo Centro Social de Bem Estar de Alcanena”) contradiz o facto de se ter considerado provado que “foi proposto” (que essa verba fosse reforçada daquele modo).

Mas a aparente oposição, decorrente de uma apreciação truncada da descrição do desenrolar do acontecimento, não consubstancia contradição insanável. Na verdade, o primeiro enunciado linguístico – de “foi proposto” – não é incompatível com o segundo – de “o arguido propôs” – pois reportam-se a perspectivas diferentes. O primeiro, trata do que foi proposto (20). Porque entretanto o Centro Social de Bem Estar de Alcanena tinha desistido da candidatura que tinha apresentado, na reformulação orçamental do PIDDAC/99 ocorrida em Junho ou Julho de 1999, foi proposto que a verba de 14 mil contos prevista para a comparticipação da UAI da Santa Casa da Misericórdia... fosse reforçada com os 20 mil contos inicialmente atribuídos ao projecto do Centro Social de Bem Estar de Alcanena, o que foi aceite), enquanto que o segundo trata de quem é que propôs (61). Na reformulação do PIDDAC em Junho ou Julho de 1999, o arguido B. propôs o reforço dessa verba de 14.000.000$00 (€ 69.831,70) com a verba de 20.000.000$00 (€ 99.759,58) deixada disponível pelo Centro Social de Bem Estar de Alcanena. 62). Essa proposta do então Director do Serviço Sub-Regional de Segurança Social... foi determinante para a concessão da totalidade do subsídio).

O recorrente defende também que os factos provados descritos em 17., 28., 37., e 61. a 65. entram em contradição com a motivação da matéria de facto.

Essa contradição consistiria em o Tribunal ter motivado a decisão relativa à matéria de facto nas declarações do arguido e das testemunhas, maximae da testemunha RF, mas dando simultaneamente como provado algo diverso, ainda sem apreciação crítica dessas declarações, não tendo expressado as razões porque as valoriza ou desvaloriza, não sendo suficiente um mero apelo às regras de experiência comum para as ter considerado pouco críveis.

Situa aí a contradição entre os factos provados e a motivação, e se assim se não entender, defende ainda que existe uma deficiente motivação da matéria de facto e nulidade da sentença.

O recorrente volta a esta em questão em sede de impugnação da matéria de facto, pelo que se apreciará aqui apenas a suficiência da decisão de facto em termos de sustentabilidade do próprio texto do acórdão.

Os factos descritos nos enunciados nºs 61. a 65. respeitam ao tipo subjectivo e valem aqui todas as considerações efectuadas supra (v. pp 29 e 30 do presente acórdão), para as quais se remete sem necessidade de repetição.

Em suma, a convicção sobre o “saber” e “querer” do arguido, embora numa modalidade de “previsão com conformação” encontra-se suficientemente explicada no acórdão, sob o ponto de vista formal, pelas razões que desenvolvemos.

Nada obsta a que estes factos do tipo subjectivo, no caso presente, pudessem ter derivado como consequência racional e lógica dos factos do tipo objectivo.

Mas, destes (factos do tipo objectivo), o recorrente impugna também os enunciados nºs 17., 28. e 37. (agora como vício da decisão). Estes exigem aqui uma análise autónoma, desde logo porque a prova dos restantes factos ora questionados resulta em grande medida da demonstração deles.

Assim, no acórdão considerou-se provado que “17). O arguido B. – remeteu ao Centro Distrital da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, proposta para inscrição no PIDDAC/99 de uma verba destinada ao financiamento da instalação de uma UAI gerida pela Santa Casa da Misericórdia..., sem ter elementos seguros sobre a estimativa do custo global do investimento. 28). Estando a terminar o ano económico de 1999 e admitindo que as obras de adaptação do espaço destinado à UAI poderiam não estar realizadas, o arguido B. alertou o Provedor da Santa Casa da Misericórdia ... – o arguido A. – para a necessidade de apresentar facturação que documentasse custos relativos à remodelação do espaço da UAI sob pena de, não o fazendo, não receber o dinheiro correspondente à comparticipação. 37). Embora capeada com um ofício datado de 13 de Janeiro de 2000, a facturação foi entregue no Serviço Sub-Regional de Segurança Social de Santarém ainda no mês de Dezembro de 1999, tendo o funcionário responsável por aquela área informado o arguido B. que desconhecia quais eram as obras a que diziam respeito aquelas facturas.”

Situa o arguido o vício da contradição entre os factos provados e a motivação alegando que da transcrição que o tribunal fez do depoimento do funcionário em causa e que refere ter valorado não resulta a prova destes factos.

Na verdade, na motivação refere-se expressamente que se atendeu ao depoimento de “RF, funcionário administrativo da Segurança Social, com função de apoio às IPSS, que, em suma: reportou-se às funções desempenhadas por diversos funcionários; confirmou a recepção das facturas, não sabendo onde eram as obras a que as mesmas respeitavam, que entregou à sua superior que validou a documentação, esclarecendo que a indicação por si aposta quanto a tratarem-se de obras iniciadas tinha a ver com a questão do cabimento orçamental, dizendo não recordar que o arguido B. tenha tido intervenção nesse sentido”.

Se a motivação dos factos em causa se reduzisse a este depoimento, o acórdão padeceria realmente de vício do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal. No entanto, lendo a motivação na parte referente às declarações do recorrente (o outro interlocutor da conversa em causa), já ali se refere que o arguido “disse ter sido contactado pelo funcionário no sentido de não estarem realizadas as obras em causa e que fora apresentada facturação”.

Completando-a, por último, com o segmento final explicativo já transcrito e analisado supra (em 3.1.2.), conclui-se pela não detecção de qualquer vício previsto do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal.

E sendo compreensível e perceptível o acórdão na parte em que decidiu de facto – considerando-se que a decisão de facto engloba o conjunto dos enunciados fácticos transcritos como provados, os transcritos como não provados e a motivação da matéria de facto –, improcede também a arguida nulidade de sentença por falta de fundamentação (art. 374º, nº2 e 379º, al. a) do Código de Processo Penal).

3.2.2. Da impugnação da matéria de facto
O recorrente pretende impugnar a matéria de facto, fazendo-o agora ao abrigo do disposto no art. 412º, nº3 do Código de Processo Penal.

Procedeu à transcrição das passagens em que funda a impugnação, como se imporia de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça (AFJ nº 3/2012). Também procedeu à individualização dos pontos de facto, pelo que são de considerar como cumpridas as exigência formais de impugnação da matéria de facto.

Antes de avançar, e como reiteradamente e sem discordância se tem afirmado (na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, das Relações e em artigos doutrinários), reitera-se que o recurso efectivo da matéria de facto visa apenas a detecção do erro de facto e não é, nem pode ser, um segundo julgamento. Este erro de facto tem de ser correctamente situado – no(s) concreto(s) facto(s) ou no ponto de facto – e acompanhado das concretas provas que alegadamente imponham decisão oposta à tomada na sentença.

A exigência de demarcação/confinamento do objecto do recurso não significa que a Relação esteja impedida de vir a apreciar todas as provas, ou mesmo que todas as provas possam ser, no caso, as concretas provas indicadas pelo recorrente, sempre de acordo com o objecto do recurso por ele definido. Só que, mesmo nestas situações em que o recorrente indica como concretas provas todas as provas – e sempre com a exigência (ónus) de especificação – a segunda instância não as reaprecia na exacta medida em que o fez o juiz de julgamento, ou seja, não procede a um segundo julgamento.

Assim sucede, desde logo porque o objecto do recurso não coincide com o objecto da decisão do tribunal de julgamento – este decide sobre uma acusação, aquele decide sobre a (correcção da) sentença (de facto), mas também porque a segunda instância não se encontra na mesma posição do juiz de julgamento perante as provas. A Relação não dispõe de imediação total (embora tenha uma imediação parcial, relativamente a provas reais e à componente voz da prova pessoal) e está impedida de interagir com a prova (ou seja, de questionar a prova pessoal).

Assim, e sempre de acordo com o modelo de recurso de facto do Código de Processo Penal, à 2ª instância só pode pedir-se que efectue um controlo do julgamento, e não que repita ou reproduza o julgamento. Os seus poderes de decisão de facto estão direccionados para a (sindicância da) sentença de facto (e sempre de acordo com o objecto do recurso definido pelo recorrente). É-lhe permitido proceder ao confronto e análise das concretas provas, nada impedindo até que as “concretas provas” possam ser todas as provas, ou consistam na transcrição integral de depoimentos, desde que tal se revele necessário para demonstrar o erro de facto e viabilizar a detecção deste.

É dentro do mandato assim definido, restrito à detecção do erro de facto nos moldes expostos, que se passa a conhecer das razões do recurso.

O recorrente impugna os factos provados descritos nos pontos 15., 28., 63., 37., 60., 61., 62., 64. e 65º da matéria de facto do acórdão.

Alega ter ocorrido erro de julgamento relativamente à matéria de facto dada como provada sob os nºs 28 e 63, quando se diz que o arguido, admitindo que as obras de espaço destinado à UAI poderiam não estar realizadas, alertou o provedor da Casa Misericórdia... para a necessidade de apresentar facturação por inexistir qualquer prova que permita uma tal conclusão, a não ser por uma invocação das regras da experiência comum. E, sendo assim, ocorreria inversão do ónus da prova e ofensa do princípio da presunção e das garantias constitucionais de defesa.

Defende que apenas deve ser dado como provado que “estando a terminar o ano económico de 1999, o arguido B. alertou o provedor da Santa Casa da Misericórdia... – A. – para a necessidade de apresentar facturação que documentasse custos relativos à remodelação do espaço da UAI”, que será apenas o que resulta das declarações do arguido e da testemunha RF.

Aceita-se que se a prova produzida em julgamento se tivesse circunscrito às declarações do arguido e ao depoimento desta testemunha, a decisão de facto (na parte relativa ao segmento impugnado) quedaria por explicar - esse segmento não foi confessado e a testemunha também não o relatou.

Só que não foram apenas os excertos ora destacados em recurso a única prova produzida em julgamento, razão pela qual o resultado a que o colectivo chegou, em termos de formação da convicção, foi diferente do agora pretendido pelo recorrente. Este secciona aqui a prova, separando os excertos que interessam à defesa, dos que não interessam, e pretendendo que o tribunal de recurso julgue com base apenas naqueles.

Ora o juízo sobre a prova é necessariamente um juízo global, no sentido de a convicção se formar do escrutínio rigoroso e cuidado de cada uma das provas individualmente consideradas, mas também de todas elas no seu conjunto. A convicção formar-se-á apenas a final, ou seja, avaliada cada prova e todas as provas. Uma análise secta, fragmentada e descontextualizada das provas pode conduzir a resultados diferentes dos alcançados, mas inevitavelmente desacertados.

No acórdão explicita-se bem como o colectivo de juízes chegou ao convencimento de que o arguido agiu da forma descrita (e nesta parte aceite pelo recorrente em recurso) – alertando o co-arguido para a necessidade de apresentar facturação que documentasse custos relativos à remodelação do espaço da UAI – admitindo a possibilidade de não terem sido realizadas as obras de adaptação.

E esse convencimento não resultou da circunstância do tribunal ter ouvido algo que não tenha sido dito, não sendo aliás apontada desconformidade entre o que foi dito e aquilo que o tribunal ouviu e referiu ter ouvido, Também nenhuma das provas é proibida ou foi produzida fora das normas procedimentais que regem a prova. Por último, o tribunal mostra ter justificado adequadamente as opções que fez relativamente à escolha e graduação dos contributos probatórios, com apelo à lógica e à experiência comum, sempre no respeito do princípio do in dúbio, tudo amplamente explicado no acórdão.

Senão, releia-se a passagem esclarecedora, que já supra se transcreveu: “Salienta-se em especial ter sido entendimento do tribunal que a proximidade entre as duas instituições, o conhecimento e contacto também próximo entre os dois arguidos, desde logo pelas funções por cada um desempenhadas, a localização central do edifício da Santa Casa da Misericórdia... e sua projecção no meio local, sendo este um meio relativamente pequeno, a experiência de cada um dos arguidos nas funções que exerciam, a própria circunstância do arguido B., como admitiu, ter alertado o arguido A. para os prazos de apresentação da facturação, tudo isto são circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, tornam pouco crível que ambos os arguidos não estivessem cientes, ou pelo menos ponderassem a possibilidade de que as obras então iniciadas fossem insuficientes para justificar o pagamento de verbas já inscritas no PIDDAC e que, consequentemente, as facturas que viessem a ser apresentadas para sustentar o pagamento de tais verbas não correspondessem todas elas a obras valoráveis para esse efeito. Daí ter o tribunal inferido que, porventura imbuídos de algum voluntarismo ou sentimento de menor ilicitude de tal procedimento, visto as verbas em apreço reverterem para aplicação ou pagamento de encargos tidos no desenvolvimento de obras de carácter social, agiram os arguidos conformando-se com aquela possibilidade, que ambos aceitaram, nada fazendo para a sua não verificação, como lhes competia.”

É pois inexacto dizer-se que o Tribunal tanto credibiliza as declarações do arguido (quando dá como provado que ao arguido foi dado conhecimento por funcionário que as obras não estavam inteiramente realizadas), como as descredibiliza (quando não dá como provado que ordenou que não fosse efectuado qualquer pagamento) sem qualquer explicação. Essa explicação está na motivação, esclarecendo-se no acórdão porque razão a versão do arguido nessa parte não convenceu.

Dentro da margem de apreciação consentida ao tribunal de recurso, não é detectável o erro de facto. E as mesmas considerações valem para todos restantes pontos de facto especificados.

Com efeito, o recorrente mantém como linha impugnatória o não ter sido produzida prova bastante de que tenha admitido a possibilidade de vir a ser concedido o subsídio à Santa Casa da Misericórdia ... apesar de não estar demonstrado o direito a tal, e de que se tenha conformado com esse facto, uma vez que declarou em julgamento ter expressamente dito para não serem efectuados esses pagamentos, e que esta sua declaração não foi (indevidamente) valorada.

Mas esta declaração foi apreciada pelo tribunal, só que não no sentido pretendido pelo recorrente. Ela foi insuficiente para criar uma dúvida razoável sobre a verdade pratico-jurídica (e é sempre e só desta verdade que se trata) dos factos considerados demonstrados.

E a afirmação do recorrente de que a prova dos factos impugnados resultou da “invocação das regras de experiência comum e da inferência, confessadamente feita pelo Tribunal” é exacta, mas também não denuncia qualquer ilegalidade de procedimento.

É com base nas regras da experiência comum que o tribunal deve julgar. Como esclarece Paulo de Sousa Mendes, “na maior parte das vezes o juiz historiador terá de lançar mão de um procedimento indiciário, recorrendo à percepção de meros factos probatórios através dos quais procurará provar o facto principal. Como se sabe, a prova indiciária é aquela que permite a passagem do facto conhecido ao facto desconhecido. É neste campo que as regras da experiência se tornam necessárias, na medida em que ajudam à realização dessa passagem. Seja como for, a apreensão do facto principal terá, no final, de ser feita de um modo totalizante, pois o juiz historiador nunca pode perder de vista que lhe cabe fazer um juízo objectivo, concreto e atípico acerca do caso decidendo.” (Paulo de Sousa Mendes, A prova penal e as Regras da experiência, Estudos em Homenagem ao prof. Figueiredo Dias, III, p.1002).

Neste interessante estudo, o autor discorre sobre a importância das regras da experiência na apreciação da prova, mas chama ainda a atenção para as especificidades e as particularidades da prova, advertindo que as regras da experiência não se podem transformar em “meras ficções de prova”, o que a verificar-se constituiria, “de forma encapotada”, um regresso ao “sistema da prova legal”.

Insistindo em que “a prova é particularística sempre”, esclarece que “as regras da experiência servem para produzir prova de primeira aparência, na medida em que desencadeiam presunções judiciais simples, naturais, de homem, de facto ou de experiência, que são aquelas que não são estabelecidas pela lei, mas se baseiam apenas na experiência de vida” e que ficam sujeitas à livre apreciação do juiz”.

Ainda nas palavras do autor, as regras da experiência são “argumentos que ajudam a explicar o caso particular como instância daquilo que é normal acontecer, já se sabendo porém que o caso particular pode ficar fora do caso típico”. Daí que o juiz não deva “confiar nas regras da experiência mais do que na própria averiguação do real concreto” e que possa vir a decidir contra as regras da experiência.

Como se disse no acórdão do TRC de 15.5.2013 (Rel. Jorge Jacob), “a lógica resultante da experiência comum não pode valer só por si, sobretudo se conduz a um resultado que é desmentido por uma prova credível. A realidade do quotidiano desmente muitas vezes os padrões de normalidade, que não constituem regras absolutas; são apenas reacções, eventos ou comportamentos normais ou previsíveis, mas que contra razoáveis expectativas, podem não se verificar”.

Ora, caso no presente, o apelo e uso destas regras não evidencia utilização indevida nem violação de qualquer princípio de prova na vertente da apreciação – livre apreciação e in dubio pro reo.

Os argumentos que ajudaram a explicar o caso mostram-se retirados da própria averiguação do real concreto, ou seja, de outros factos conhecidos através de prova directa e dos quais se mostra como racional e lógico retirar então as conclusões probatórias relativamente aos factos impugnados. Pois nenhum outro facto ou circunstância que apontasse em sentido contrário se demonstrou, na intensidade mínima de ter suscitado alguma dúvida razoável sobre ele.

É certo que o arguido os negou, na parte agora aqui impugnada, mas essa negação não se apresentou como suficientemente convincente para criar uma dúvida razoável sobre a verdade prático-jurídica dos factos que já resultavam de toda a restante prova. Prova esta que, repete-se, não pode deixar de ser valorada na sua globalidade e no seu conjunto.

Refira-se, por último, que parte das alterações pretendidas na matéria de facto (veja-se, por exemplo, o mencionado nas conclusões 2ª e 3ª), mais não são do que apuramentos juridicamente inconsequentes. Pois o que se afirma nos factos provados não é que a palavra final e última sobre os financiamentos coubesse ao arguido mas que a sua actuação no modo comprovado, designadamente manifestando a sua concordância, foi determinante para a concessão do subsídio.

Por tudo se conclui que as razões do recurso não fragilizam a consistência da decisão de facto emanada do colectivo de juízes, que da análise das declarações, dos depoimentos e das provas reais era possível retirar um núcleo de factos manifestamente mais consistente e, como tal, juridicamente verdadeiro.

Esse núcleo equivale ao que no acórdão se consignou como “factos provados”. A dúvida de facto em que, segundo o recorrente, o tribunal deveria ter ficado, não se evidencia.

3.2.3. Do erro de subsunção

A impugnação da decisão em matéria de direito decorria em grande medida da impugnação da matéria de facto e, nessa medida, não justificaria aqui maior desenvolvimento. Da improcedência da primeira derivaria a confirmação da condenação.

No entanto, o recorrente adita dois argumentos que justificam análise própria.

Refere que não autorizou o pagamento do subsídio, acto que foi já praticado pelo seu sucessor, (conforme resulta efectivamente dos factos provados sob o nº 41.) e que foi um funcionário quem elaborou a informação propondo o pagamento, apesar de saber que a obra não fora realizada (conforme resulta do facto provado sob o nº 39). Conclui por tanto inexistir nexo causal entre o resultado (pagamento) e a conduta do recorrente, o qual não subscreveu a ordem de pagamento nem elaborou a informação que lhe serviu de base.

Diz-se a este propósito, no acórdão: “Por seu turno, foi o próprio arguido B, na qualidade de Diretor do Serviço Sub-Regional de Segurança Social... quem remeteu ao Centro Distrital da Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo proposta para inscrição no PIDDAC/99 de verba destinada ao financiamento da instalação de uma UAI gerida pela Santa Casa da Misericórdia ..., sem ter qualquer informação sobre a estimativa do custo global do investimento, propondo também o reforço dessa verba de 14.000.000$00 (€ 69.831,70), com a verba de 20.000.000$00 (€ 99.759,58) deixada disponível pelo Centro Social de Bem Estar de Alcanena, na reformulação do PIDDAC em Julho de 1999. Posteriormente, alertou o arguido A., então Provedor da Santa Casa da Misericórdia... para a necessidade de apresentação da facturas comprovativas de obras realizadas no ano que estava prestes a findar, admitindo a possibilidade de tais obras poderem não estar realizadas. E, tendo sido alertado por um funcionário do Serviço Sub-Regional de Segurança Social relativamente à desconformidade da facturação que veio a ser apresentada, nada fez, como lhe competia, para assegurar que tais facturas não fossem consideradas, sabendo que ao assim agir possibilitava a obtenção por parte da Santa Casa da Misericórdia... de um benefício que não lhe era legítimo receber naqueles moldes, conformando a sua vontade a tal resultado. Parece, assim, inequívoco o concurso da actuação deste arguido para a atribuição do subsídio à Santa Casa da Misericórdia, nos moldes em que o mesmo veio a ser atribuído. Deve também, pelo exposto, e em termos análogos, ser responsabilizado penalmente pelo ilícito previsto no art.36º, nº1, al.a) do DL nº28/84, de 20/01”.

Valem aqui as considerações efectuadas supra, em 3.1.3.

Também este arguido problematiza a imputação objectiva, pretendendo afastá-la por não ter procedido por sua mão à prática de determinados factos que interessavam à causalidade.

Mas também aqui o acórdão respondeu adequadamente à questão, do modo que se acabou de transcrever. E esta problematização perde igualmente sentido face ao decaimento da impugnação dos factos do tipo subjectivo.

Em suma, comprovou-se que “o arguido B. propôs o financiamento para a instalação da UAI e a sua inscrição no PIDDAC, propôs o reforço dessa verba de 14.000.000$00 (€ 69.831,70) com a verba de 20.000.000$00 (€ 99.759,58), que essa proposta do então Director do Serviço Sub-Regional de Segurança Social... foi determinante para a concessão da totalidade do subsídio, que o arguido B., apesar de admitir a possibilidade de não terem sido realizadas as obras de adaptação do espaço para a UAI, alertou o então Provedor da Santa Casa da Misericórdia... para a necessidade de serem apresentadas facturas para receber o subsídio, que de outra forma seria retido pelo Estado, que apesar de alertado por um funcionário do Serviço Sub-Regional de Segurança Social sobre o desconhecimento de quais as concretas obras a que diziam respeito tais facturas, o arguido B. nada fez, como funcionalmente lhe competia, para que as facturas que foram apresentadas não fossem consideradas, que o arguido B., admitindo que a sua conduta contribuía de forma decisiva para a obtenção ilegal de um subsídio e para um benefício para a Santa Casa da Misericórdia..., em prejuízo do Estado, conformou-se com tal resultado.

Também este arguido ocupava posição de garante. E se é certo que, como dissemos supra, a responsabilidade penal não deriva exclusiva e automaticamente da posição de dirigente, e que os meros deveres funcionais não podem justificar por si só a responsabilidade penal, ficou também demonstrado aqui que o recorrente tinha conhecimento e acompanhava o projecto em causa, que isto não foi algo que tenha decorrido às suas ocultas, sem o seu conhecimento ou contra a sua vontade. Pelo contrário, provou-se que se envolveu pessoalmente no projecto, como seria co-natural às suas funções, e que praticou actos e omissões que foram determinantes do resultado.

Mais uma vez se recorda que o domínio do facto não exige a execução corporal da acção típica. No caso de quem exerce poderes de direcção, a omissão pode ser mesmo “a condição do sucesso dos actos ilícitos praticados” (Teresa Quintela de Brito, Autoria e Comparticipação em Organizações Empresariais Complexas, whttp://elearning.cej.mj.pt/mod/resource/view.php? inpopup=true&id=2316).

Dão-se aqui, de novo, por reproduzidas as considerações efectuadas supra, em 3.1.3..

O recorrente ocupava a posição de garante, ou seja, os concretos actos praticados compreenderam-se no âmbito da sua posição de garantia, de acordo com os poderes e competências que detinha no seio da organização (Serviços da Segurança Social). E a esta posição de garante – condição imprescindível mas ainda não suficiente para a conformação da autoria do dirigente – acresceu a possibilidade de poder ter cumprido com as suas obrigações, por via do exercício de um controlo efectivo, impedindo a prática dos factos. Factos que nalgumas partes não executou materialmente e por sua mão, é certo, mas que foram executados por seu subalterno.

Não determinante para o afastamento da causalidade é ainda a circunstância da autorização do pagamento ter vindo a final a ser assinada já pelo sucessor do arguido no cargo (que tomara posse apenas “alguns dias antes”). Esta assinatura revela-se como um acto de execução meramente material, que surge como corolário automático de toda uma antecedente actuação do arguido. O “senhorio” do facto típico mantém-se afinal o arguido, dada a posição de domínio do contexto organizacional que ocupou, e que foi determinante do erro em que este último executor material afinal actuou.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte.

3.3. Do recurso da arguida Santa Casa da Misericórdia – do erro de subsunção

A recorrente Santa Casa da Misericórdia ... foi também condenada pela prática do crime de fraude na obtenção de subsídio (arts. 36º, nº1, al.a), nº2 e nº5, al.a), 7º, nº1, al.b) e nº4 e 3º, nº1 do DL nº28/84, de 20/01). Impugna a decisão em matéria de direito defendendo que os factos provados não integram, quanto a ela, a autoria do crime da condenação.

Defende duas linhas de argumentação: (a) não foram prestadas informações incorrectas com o fim de criar aparência de uma realidade inexistente pois a entidade promotora (Segurança Social/Estado) tinha conhecimento de todo o processo e do estado em que as obras se encontravam; e (b) todas as verbas públicas foram aplicadas em fins públicos (na comunidade), não podendo a Santa Casa ser condenada no pagamento de indemnização quando todo o subsídio foi utilizado para o fim público a que se destinava.

O primeiro argumento assenta numa premissa não demonstrada, ou seja, que a Segurança Social/Estado tivesse tido conhecimento de todo o processo delituoso e da situação em que as obras se encontravam. Na verdade, não pode considerar-se que assim tenha sucedido. Uma coisa é o conhecimento do arguido A., outra bem diferente, o conhecimento da Segurança Social e do Estado. O Director Regional da segurança Social e a Segurança Social são (duas) pessoas jurídicas distintas cujas personalidades não se confundem.

A realidade a subsumir juridicamente é a oposta à agora propugnada – ou seja, foi criado um engano, o qual foi determinante para a concessão do subsídio ou subvenção –, pelo que se mantêm acertadas as conclusões subsuntivas do acórdão, no sentido de que “tendo o arguido A. agido como representante da Santa Casa da Misericórdia..., em nome e no interesse desta instituição, deve esta ser igualmente responsabilizada criminalmente pelo ilícito em análise, de acordo com o disposto no art.3º, nº1 do Decreto-Lei nº 28/84.”

Também falece o argumento de que as verbas tenham vindo, afinal, a ser utilizadas em fim público.

Não porque tal asserção seja inexacta, mas por essa circunstância não relevar para a ilicitude e para a existência de culpa. Ela pode tão só influir na aferição do grau de culpa.

É certo que ficou provado que o dinheiro recebido se destinou à prossecução dos fins de solidariedade social, a prestação de serviços sociais e educativos, que os arguidos pessoas singulares não obtiveram benefício para si, que as obras realizadas passaram a fazer parte do património da Santa Casa da Misericórdia..., que estão colocadas ao serviço da comunidade.

Mas tudo isto é facto ou circunstância que ocorre após a consumação do crime, a qual se verifica com a disponibilização ou entrega do subsídio ou subvenção (Acórdão de fixação de jurisprudência nº 22006). Releva, mas apenas em sede de (medida da) culpa, não podendo deixar de influir então (atenuantemente) no processo de determinação da pena. Como sucedeu no caso concreto.

Comprovado o facto penalmente ilícito, mostram-se justificadas as consequências civis que no acórdão se extraem, uma vez que se verificam também os pressupostos da responsabilidade civil (art.483º, nº1 do Código Civil): o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante (culpa), a existência de um dano e um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Mostra-se acertada a decisão cível, justificando-se nomeadamente as conclusões de que a diferença de € 33.673,48 indevidamente paga corresponde ao prejuízo patrimonial a atender, que nos termos do art.483º, nº1 do Código Civil são os demandados B. e A. responsáveis pelo ressarcimento desse dano, e que tal responsabilidade deverá ser estendida à demandada Santa Casa da Misericórdia..., beneficiária da actuação em causa em representação e no interesse de quem o demandado A. agiu (art.500º, nº1 do Código Civil), respondendo todos os demandados civilmente, solidariamente (art.497º, nº1 do Código Civil).

4. Face ao exposto, acordam as juízas da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedentes todos os recursos, confirmando-se o acórdão.

Custas pelos recorrentes, que se fixam em 5UC a A. e a B., e em 4UC a Santa casa da Misericórdia.

Évora, 03.12.2013

(Ana Maria Barata de Brito)

(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)

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[1] - Sumariado pela relatora