Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
102/16.1GBVNO.E1
Relator: MARTINS SIMÃO
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
TAS
ERRO MÁXIMO ADMISSÍVEL
CONTRAORDENAÇÃO
Data do Acordão: 02/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I – Se, em sede de conhecimento do recurso e em consequência da dedução do EMA o facto ilícito deixar de ser crime e passar a ser punido apenas como contraordenação deve o tribunal da Relação, nos termos do artigo 77.º, n.º1 do RGCO, condenar o arguido, por tal ilícito, na coima que julgar adequada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
Por decisão de 11 de Maio de 2016, proferida no processo sumário da Secção Criminal – J1 da Instância Local de Ourém, Comarca de Santarém, o arguido L, id. a fls. 37, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido no art. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a) do C. Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão, substituída por igual tempo de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz o total de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros) e na pena acessória de proibição de conduzir por 7 (sete) meses.

Inconformado o arguido recorreu, tendo concluído a motivação do seguinte modo:

«l.- Os factos dados como provados que abaixo se reproduzem não têm fundamentação na prova legal produzida na audiência de julgamento.

II.- “3- … de pelo menos 1,216 g/l.

7- Sabia que a sua conduta era proibida e punível pela lei penal.”

III.- Os referidos factos dados como provados têm de ser suprimidos e ser dados como não provados, uma vez que não se provou a TAS de que o arguido era portador.

IV.- Conforme se verifica pela notificação de fls. e pelo talão de fls. dos presentes autos, o teste foi realizado no aparelho Drager Alcotest 7110 MKIII P, ARBM-0160, aprovado pelo IPQ pelo Despacho de aprovação de modelo n.º 211.06.07.3.06, de 24 de Abril de 2007, publicado no Diário da República. II Série, n.º 109, de 6 de Junho de 2007 e cuja utilização na fiscalização rodoviária foi autorizada através do Despacho da ANSR n.0 19684/2009, de 25 de Junho, publicado na II Série, n.º 166, de 27 de Agosto.

V.- Os procedimentos legais para a fiscalização da condução exercida sob o efeito de álcool não foram observados e cumpridos pelos agentes de autoridade.
VI.- Já que tal Verificação Periódica tinha que ter sido efectuada até ao dia 13 de Abril de 2016, o que não ocorreu.

VII.- Nos autos consta que tal aparelho foi submetido à Verificação Periódica no passado dia 13/04/2015, pelo que na data da fiscalização não se encontrava devidamente verificado nos prazos legais.

VIII.- O talão de fls. dos autos, não pode, assim, ser utilizado como meio de prova por o mesmo ter sido emitido por um aparelho que não se encontrava, à data dos factos, aferido, ou seja, há mais de um ano que a Verificação Periódica foi efectuada.

IX.- A última Verificação, como acima já se referiu, foi efectuada em 13 de Abril de 2014 conforme consta no talão emitido pelo referido aparelho e junto a fls.,

X.- Aconteceu que quando o arguido foi fiscalizado em 29 de Abril de 2016 tal verificação ainda não tinha ocorrido, conforme se comprova pelo talão saído do alcoolímetro.

XI.- A legislação geral sobre aparelhos metrológicos, no n.º 2 do Art.º 4 do Decreto-Lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, define como período de validade das verificações periódicas dos aparelhos de medição o último dia do ano posterior ao da última verificação.

XII.- A redacção dessa norma é a seguinte:

"5 — A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário." (sublinhado nosso).

XIII.- Ora, é também verdadeiro que na sequência do supra citado Decreto-Lei n 0 291/90, de 20 Setembro, e por força do disposto do Art.º 15 desse diploma legal, foi no mês seguinte, aprovado o Regulamento Geral do Controlo Metrológico através da Portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro, ou seja, foi aprovada regulamentação específica.

XIV.- Nesse Regulamento já estava previsto no seu ponto 13 que as verificações periódicas — V - Verificação periódica - fossem efectuadas, consoante a periodicidade estabelecida nos regulamentos específicos, entre 1 de Janeiro e 30 de Novembro do ano a que respeite.

XV.- Neste Regulamento Geral ficou logo afastada a possibilidade de efectuar as verificações periódicas em aparelhos de controlo metrológico em qualquer mês de Dezembro (contrariando assim o afirmado pelo IPQ quando diz que as verificações Periódica serão válidas até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte àquele em foi feita a Verificação Periódica).

XVI.- As regulamentações específicas actualmente em vigor, quer relativas aos alcoolímetros (Portaria n.0 1556/2007, de 10 de Dezembro), quer relativas aos Cinemómetros-Radar (Portaria n.0 714/89, de 23 de Agosto), dispõem que a Verificação Periódica será anual. (sublinhado nosso).

XVII.- A legislação específica para os alcoolímetros consta da supracitada Portaria n.º 1556/2007, que foi aprovada no âmbito do disposto no Art.º 15 do Decreto-Lei n.º 291/90 em conjugação com o disposto no Portaria n.º 962/90, de 9 de Outubro (acima também já citada).

XVIII.- Tal Portaria n.º 1556/2007 revogou a Portaria n.º 748/94, de 13 de Agosto, que no seu ponto 11 também já consagrava a periodicidade anual das Verificações Periódicas (diga-se que esta última portaria já tinha revogado as Portarias n.ºs 110/91, de 6 de Fevereiro, a 735-A/91, de 31 de Julho e 1004-A/92, de 22 de Outubro).

XIX.- É a própria Portaria n.º 110/91, de 6 de Fevereiro, que aprova pela primeira vez o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, e que, no seu ponto 11 consagra a periodicidade anual das Verificações Periódicas. (sublinhado nosso).

XX.- A redacção da norma aplicável actualmente — n.º 2 do Art. º 7 da Portaria n.º 1556/2007, de IO de Dezembro, é a seguinte:

"2 - A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo.

XXI.- No despacho de aprovação do modelo em causa - 211.06.07.3.06 — nada está regulado sobre esta questão, pelo que a Verificação Periódica tem de efectuar-se anualmente.

XXII.- Importa por dever de patrocínio, e com algum excesso de zelo, transcrever pelo menos um dos Dicionários sobre o significado palavra "anual": XXV.- No Dicionário " On Line" de Português a expressão "anual" tem os seguintes significados:
No período de um ano; que tem a duração de um ano, de 365 dias.
-Que se repete ou acontece uma vez por ano: evento anual
- Cujo pagamento é efetuado uma vez ao ano: - que se recebe uma vez por ano: imposto anual; - taxas anuais.

XXIII.- Não há assim prova nos autos em que data foi efectuada a última Verificação do alcoolímetro, pelo que "in dubeo pro reo

XXIV.- Qualquer acto da autoridade pública, ou administrativa ou policial, está sujeita ao princípio da legalidade, logo qualquer acto, neste caso de fiscalização, efectuado fora das condições permitidas por lei, é ilegal.

XXV.- Estamos assim perante a utilização de provas proibidas, que como tal não podem ser utilizadas como prova, sendo o recurso a elas erro de direito e são insanáveis — Ver M. Gonçalves, CPP, 16a es., págs. 303 e 304 e AC. STJ de 5/6/1991, in BMJ n. 0 408, pág. 405.

XXVI.- Foi violado o Art.º 122 do Código de Processo Penal, já que deveria ter sido declarada a nulidade da referida prova e tal nulidade determina a invalidade do acto em que se verificar e bem assim daqueles que dele dependerem e possam afectar, devendo ser declarados inválidos e ordenar, se possível a sua repetição, salvando o que puder ser salvo,

XXVII.- Ora, no caso em apreço a repetição do exame já não é possível, e, uma vez que o arguido foi condenado com base numa prova inválida, que não poderia ser admitida, deve o mesmo ser absolvido

XXVIII.- Assim, e em conclusão, o teste efectuado, ou seja, o talão de fls. dos autos, não poderá ser utilizado como meio de prova, nem tal aparelho poderia ter sido utilizado, uma vez que os procedimentos e o aparelho utilizado, não respeitam os termos legais e regulamentares supracitados e, nos termos do Art.º 125 do C.P.P, só são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.

XXIX.- Sem condescender, por mera cautela e ainda por dever de patrocínio, sempre se diga, que mesmo que se considere a prova utilizada válida, não foi feito devidamente o desconto da margem de erro admissível, nos da Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, conjugada com a alínea b) do n.º 1 do Art.º 170 do Código da Estrada.

XXX.- Ao valor constante do talão de fls. – 1,28 g/l – deveria ter sido descontado 8%, pelo que o valor correcto seria 1,18 (1,178) g/l e não o valor como consta na douta sentença recorrida (1,21 g/l).

XXXI.- Contrariamente ao afirmado na douta sentença recorrida em lado nenhum dos autos consta que o aparelho utilizado “foi objecto de uma única verificação”

XXXII.- Da notificação efectuada ao arguido só consta que “…verificado pelo IPQ em 13/04/2015”.

XXXIII.- Ora, a ser assim, estávamos perante uma situação que constituiria uma infracção contra-ordenacional,

XXXIV.- E não constituiria qualquer infracção penal.

XXXV.- Assim, deve o arguido ser absolvido do crime pelo qual foi condenado,

XXXVI.- E os autos remetidos à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) para eventual procedimento contraordenacional.

XXXVII.- Ainda sem condescender, por mera cautela e ainda por dever de patrocínio, sempre se diga, que mesmo que se considere a prova utilizada válida, e correctamente feito o desconto da margem de erro admissível, a pena de multa e a sanção acessória são exageradas.

XXXVIII.- Assim, atendendo ao grau de ilicitude, à intensidade do dolo, e ao facto de do arguido se encontrar social, profissional e familiarmente reinserido, e, recorrendo aos princípios da reinserção sócioprofissional e aos objectivos das penas, a pena de multa deve ser reduzida para próximo da metade da moldura da pena de multa, não devendo exceder os 50 dias, a uma taxa diária não superior a 6 euros por dia.

XXXIX.- Tendo em consideração situação actual do arguido. e que a taxa de álcool no sangue — 1,21 g/l — alegadamente detectada, era um pouco superior ao limite a partir do qual é crime o exercício da condução de veículos — 1,19 g/l —, a sanção de inibição de conduzir não deve ultrapassar o período de 4 meses e 15 dias.

Assim, deverá o arguido ser absolvido já que deve ser declarada a nulidade da prova utilizada, não podendo o talão emitido por tal analisador servir de meio de prova.

Se assim não se entender, e sem condescender, e por mero dever de patrocínio, sempre se diga que o desconto da margem de erro admissível é de 8% nos termos da Portaria aplicável, pelo que também o arguido deveria ser absolvido da prática do crime pelo qual foi condenado pela douta sentença recorrida e, em consequência o auto de notícia remetido à autoridade administrativa competente para instauração do competente processo contraordenacional – Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.

Se ainda assim não se entender, e sem condescender, caso se considere que não existe qualquer nulidade ou irregularidade não sanada, e que existe prova nos autos da prática do crime pelo arguido, sempre a douta sentença recorrida deve ser modificada no sentido de aplicar uma pena de multa nunca superior a 50 dias, à taxa diária de € 6,00, acrescido da sanção acessória de inibição de conduzir veículos automóveis por um período não superior a quatro meses e 15 dias, com o que V. Exas. farão, como sempre JUSTICA».

O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo:
I – A sentença fez uma interpretação correcta dos factos submetidos a julgamento e confessados pelo recorrente e, além disso, aplicou uma pena conforme a todos os factos provados, repondo as expectativas contrafácticas na norma violada.

Pelo supra exposto, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, farão V. Exas., como sempre, a costumada e sã JUSTICA”.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do recurso ser julgado improcedente.

O arguido respondeu pugnando pela posição já assumida nos autos.

Procedeu-se ao exame preliminar.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentação
Factos provados

1.No dia 29 de Abril de 2016, pelas 2 horas e 20 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula ---EE, pela Avenida Papa João XXIII, na área de competência deste Tribunal de Ourém, após ter ingerido bebidas alcoólicas, designadamente vinho e aguardente.

2. Foi então o arguido interceptado por agentes da GNR do posto de Fátima, que ali se encontravam no exercício das suas funções de fiscalização do trânsito, que o submeteram ao teste quantitativo de pesquisa de álcool através do ar expirado por intermédio do aparelho “DRAGER ALCOOTEST 7110MKIII”.

3. Nessa ocasião o arguido acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,28 g/l a que corresponde, de acordo com a margem de erro admissível do aparelho onde foi efectuado o teste, de pelo menos 1,21 g/l.

4. Notificado deste resultado, o arguido conformou-se com o mesmo e não requereu a realização de contraprova.

5. O arguido previu e quis, nas circunstâncias de tempo e lugar atrás descritas, conduzir o referido veículo automóvel pela via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que lhe determinava uma taxa de álcool no sangue superior à permitida por lei, como ele sabia em que se encontrava.

6. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.

7. Sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.

8. Confessou integralmente e sem reservas os factos da acusação.

9. O arguido declarou que aufere o vencimento mensal de 510 euros da sua actividade de recepcionista.

10. Não tem companheira, nem filhos a seu cargo.

11. Vive em casa do padrasto.

12. Tem como habilitações literárias o 12º ano.

13. Do certificado do registo criminal do arguido consta:
a)Uma condenação no processo Comum Singular nº --/09.2GTLRA, do Tribunal Judicial da Nazaré, pela prática de um crime de homicídio por negligência, ocorrido em 18-3-2009, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano. A decisão condenatória foi proferida em 19-11-2010.

b) Uma condenação no processo Sumário nº --/13.3GBVNO, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, ocorrido em 15-4-2013, na pena de 100 dias de multa, e na sanção acessória de 4 meses de proibição de conduzir. A decisão condenatória foi proferida em 19-4-2013.

Não existem quaisquer factos relevantes não provados.

MOTIVAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO E EXAME CRÍTICO DAS PROVAS:

O Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos descritos em cima como estando provados, fundamentalmente, nas declarações do arguido em audiência de discussão e julgamento, nos documentos juntos aos autos e na ponderação daí advinda.

De facto, o arguido confessou de forma integral e sem reservas os factos que constavam da acusação. Daí se terem dado como provados todos os factos constantes da acusação.

Para a prova adicional da taxa de álcool no sangue de 1,28 g/l que o arguido acusou ao ser submetido ao exame ao ar expirado o Tribunal levou em consideração ainda o respectivo talão junto aos autos a fls. 17.

O tribunal deu como provada a intenção do arguido em conduzir sob o efeito do álcool com base nas regras da experiência comum, na medida em que sabendo ele que tinha ingerido todas aquelas bebidas alcoólicas, saberia igualmente que poderia acusar a taxa superior ao limite legal para ser considerado crime. Não obstante, o arguido previu e quis conduzir o veículo em causa naquelas condições de embriaguez.

O conhecimento da situação económica e familiar do arguido resultou das suas declarações. O Tribunal não deu, contudo, credibilidade ao valor indicado pelo arguido para o seu vencimento, na medida em que é inferior àquele que em média auferem as pessoas que exercem a mesma actividade.

Para a prova dos antecedentes criminais do arguido utilizou-se o Certificado de Registo Criminal junto aos autos de fls. 5 a 10.

III – Apreciação do recurso
O recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação, artºs 403º, nº 1 e 412ºnº 1 do CPP.

As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito, por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458, 98).

Perante as conclusões do recurso, as questões a decidir são as seguintes: da validade da prova; do desconto da margem de erro admissível e caso estas questões sejam julgadas procedentes, se este tribunal é competente para conhecer da contra-ordenação e aplicar as respectivas sanções.

III -1ª- Da validade da prova.
O recorrente alega que, consta do ponto nº 3 da matéria provada que, ao ser submetido ao teste de alcoolémia apresentava uma TAS de 1,21, o que não se provou.

Fundamenta a sua pretensão alegando que, a lei dispõe no art. 7º, nº 2 da Portaria nº 1556/2007 de 10-12 que, a verificação periódica dos alcoolímetros é anual e que entre a data da verificação do alcoolímetro em causa nestes, e a data do teste realizado, respectivamente em 13-04-2015 e 29-04-2016 decorreu mais de um ano, pelo que a prova é inválida.

Cumpre decidir.
O DL nº 291/90, de 20-09 estabelece o regime geral do controlo metrológico, de aplicação generalizada aos diversos métodos ou instrumentos de medição, onde se preveem quatro operações de controlo metrológico: a aprovação de modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária.

Este diploma dispõe no seu art. 4º nº 5 que “ a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário”.

Tal regulamentação específica consta da Portaria nº 1556/2007 de 10-12 que aprovou o Regulamento do Controlo Metrológico dos alcoolímetros, que também prevê no seu artº 5º as quatro operações acima referidas e dispõe no art. 7º nº 2 que a verificação periódica é anual.

A questão que se coloca é saber, se se aplica ao caso em apreço, o prazo previsto art. 4º nº 5 do DL nº 291/90 de 20-09, ou o do art. 7º, nº 2 da Portaria nº 1556/2007.

Sobre esta questão já se pronunciaram vários acórdãos, nomeadamente o proferido neste Tribunal da Relação no processo nº 39/10.8GBLSG.E1 datado de 13-11-2012, que perfilhamos e que pela sua clareza, transcrevemos:

”Ora o termo “anual” usado no art. 7º, nº 2 da Portaria 1556/2007 não constitui regulamento específico em contrário ao que estatui o art. 4º, nº 5 do Decreto-Lei nº 291/90, ou seja, no âmbito desta última norma.

Mas concedendo que podia não ser clara a determinação da validade da verificação periódica, nunca a dúvida podia ser superada nem com o recurso ao chamado princípio geral da interpretação mais favorável ao arguido, nem dando primazia à norma inserida em diploma de valor hierarquicamente inferior.

O recurso ao princípio mais favorável não é unanimemente aceite em sede de interpretação da lei.

Mas já o é o repúdio de tal princípio quando interpretado em termos de tal modo amplos que leve ao afastamento do sentido da lei resultante da aplicação das regras gerais de interpretação.

O art. 112º da Constituição da República Portuguesa que versa sobre os » actos normativos», concretiza os princípios da hierarquia das fontes de direito, da tipicidade das leis e da legalidade da administração.

Os actos normativos contemplados são os actos legislativos e os actos regulamentares, sendo actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais.

O principal acto normativo infra- constitucional é, portanto, o acto legislativo.

Quanto à portaria, que não integra o conceito de acto normativo, é um acto administrativo, com hierarquia inferior, cujo conteúdo tem que respeitar as fontes legais de hierarquia superior.

Considerando, portanto, a hierarquia das leis, nunca uma lei de hierarquia inferior pode contrariar lei de hierarquia superior, antes tem de se conformar com ela. Mas se o fizer é a primeira que vale, em sede de aplicação de direito.

Assim, a Portaria nº 1556/2007 não pode prevalecer sobre o sentido que emerge do Decreto-Lei nº 291/90, que aquela visa regulamentar.

Pelo exposto, é seguro no que respeita à verificação periódica dos aparelhos de medição que a sua validade se estende até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização.”

No mesmo sentido, se pronunciaram os acórdãos da Relação do Porto de 27-4-2011, 6-04-2011 e 8-06-2011 e 8-06-2011 consultáveis em www.dgsi.pt.

Deste modo, conclui-se que tendo o alcoolímetro em causa nos autos sido sujeito a verificação no dia 14-04-2015, então a validade do mesmo mantem-se até 31-12-2016. O arguido foi submetido ao teste 29-04-2016, logo taxa de álcool recolhida através do mesmo é válida.

2ª- Do desconto da margem de erro admissível.

O recorrente vem alegar que, não foi feito devidamente o desconto da margem de erro admissível, nos termos da Portaria nº 1556/2007 de 10 de Dezembro, uma vez que ao valor constante do talão deveria ter sido descontado 8% (1,178 g/l) e não 5% (1,21g/l) que consta da sentença recorrida, já que em lado nenhum dos autos consta que o aparelho utilizado “foi objecto de uma única verificação”.

Vejamos.
Dispõe o art. 170º nº 1 al. b) do Código da Estrada na redacção que lhe foi dada pela Lei 72/2013, de 3.09, que o auto de notícia deve conter “o valor registado e o valor apurado após a dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infracção for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares”.

O legislador veio assim a consagrar na lei que os aparelhos são falíveis, que são susceptíveis de erro e, por isso, ao valor registado deve ser deduzido a margem de erro prevista na Portaria nº 1556/2007, de 20-12 (Regulamento do Controlo Metrológico dos alcoolímetros).

O art. 8 desta Portaria estabelece que os erros máximos admissíveis – EMA, variáveis em função do álcool no ar expirado – TAE, são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma.

Deste resulta que, existem duas margens de erro aplicáveis, uma na sequência da primeira verificação do aparelho, outra na sequência de verificação periódica/verificação extraordinária.

Importa pois saber se, à data em que o aparelho foi utilizado se tinha sido sujeito a uma primeira verificação ou a uma verificação periódica.

Ora, do auto de notícia de fls. 15, bem como da notificação que foi feita ao arguido a fls. 16 apenas consta que o aparelho tinha sido verificado pelo IPQ em 13/04/2015

Deste modo, fica-se sem saber se o aparelho tinha sido sujeito a uma primeira verificação ou a uma verificação periódica, pelo que há que fazer apelo ao princípio do in dúbio pro reo e aplicar a taxa mais favorável, que é de 8% e não de 5%, que foi aplicada.

O arguido conduzia com uma taxa de álcool de 1,28g/l, pelo que aplicando a taxa de 8% a taxa de álcool normativamente relevante é de 1,18g/l.

Assim, importa alterar o facto nº 3 da matéria provada substituindo-se a taxa de “1,21g/l” por 1,18g/l”.

Impõe-se, pois a absolvição do arguido quanto ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, uma vez que este só existe quando se conduz um veículo com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2g/l.

O arguido incorreu na contra-ordenação por condução sob o efeito do álcool, prevista no art. 81º nº 1 e e 2 e 6 al. b), 146º al. j), 138º nº 1 e 147º nº 1 e 2 do Código da Estrada.

3ª- Da competência deste Tribunal para conhecer da contra-ordenação.

Dispõe o art. 77º do RGCO sob a epígrafe, conhecimento da contra-ordenação no processo criminal:

«1- O tribunal poderá apreciar como contra-ordenação uma infracção que foi acusada como crime.

2- Se o tribunal só aceitar a acusação a título contra-ordenacional, o processo passará a obedecer aos preceitos desta lei».

Do elemento literal do nº 1 deste preceito resulta que, compete ao Tribunal Criminal a aplicação da coima, nos casos em que tenha havido acusação pela prática de um crime, mas o Tribunal entende que não se verifica o crime, mas apenas uma contra-ordenação, por isso, não vemos neste caso motivos para enviar o processo à autoridade Nacional da Segurança Rodoviária.

Neste sentido, se pronunciaram na doutrina Sérgio Passos em Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral – 2ª Edição, pág. 524, Manuel Simas Santos e Jorge Lopes Sousa em “Contra-Ordenações- Anotações ao Regime Geral” 2ª edição págs. 441 e 442 e António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, “Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, 2ª edição, pág. 205 e na Jurisprudência, os Acórdãos da Relação do Porto de 14-04-2010, procº nº 659/09.3GBAMT.P1 e de 27-10-2010 procº 741/10.4GBVNG.P1, consultáveis em www.dgsi.pt.

Nesta sequência surge a questão de saber, qual o tribunal competente para conhecer da convolação do crime em contra-ordenação, se é o tribunal da 1ª instância ou este Tribunal.

Sobre esta questão debruçou-se o Tribunal da Relação do Porto de 14-4-2010 já citado, com o qual concordamos sustentando neste caso que é este Tribunal o competente para aplicação das sanções aplicáveis à contra-ordenação praticada pelo arguido.

Na verdade, nos termos do art. 428º nº 1 do CPPenal este Tribunal conhece de facto e de direito e se na Relação se verificar uma alteração não substancial dos factos constantes da acusação e da qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias.

Ora, no caso em apreço a alteração da qualificação jurídica dos factos foi defendida pelo arguido no recurso interposto, logo não há necessidade de o ouvir de novo e o processo contém todos os elementos necessários para a decisão.

Impõe-se, assim, aplicar ao arguido a coima e a sanção acessória correspondente à contra-ordenação em que incorreu, a que corresponde em abstracto a coima de € 500,00 a € 2.500,00 e a sanção acessória de inibição de conduzir de dois meses a dois anos.

Estabelece o art. 139º nº 1 que “ A medida e o regime de execução da sanção determinam-se em função da gravidade da contra-ordenação e da culpa, tendo ainda em conta os antecedentes do infractor relativamente ao diploma legal infringido ou aos seus regulamentos”.

Quanto à fixação do montante da coima, para além das circunstâncias referidas no número anterior deve ainda ser tida em conta a situação económica do infractor, quando for conhecida (nº 2), e se a contra-ordenação for praticada no exercício da condução, além dos critérios referidos no número anterior, deve atender-se, como circunstância agravante, os especiais deveres de cuidado que recaem sobre o condutor.

O arguido era portador de uma taxa de alcoolémia de 1,18g/l quando conduzia o veículo ligeiro de passageiros no dia e hora constante da matéria provada, o que constitui uma contra-ordenação muito grave, a sua conduta é-lhe assacada a titulo de dolo directo, sofreu uma condenação, por decisão proferida em 19-11-2010, por crime de homicídio por negligência e outra por condução de veículo em estado de embriaguez, por decisão de 19-04-2013, confessou integralmente e sem reservas os factos, o que não assume grande relevância já que foi detido em flagrante delito, exerce a profissão de recepcionista auferindo o vencimento mensal de € 510,00, não tem companheira, nem filhos a cargo, vive em casa do padrasto.

As exigências de prevenção geral são prementes face à sinistralidade que ocorre nas nossas estradas devido à condução sob o efeito do álcool e as de prevenção especial também assumem relevo, já que o arguido já havia sofrido uma condenação por condução sob o efeito do álcool em 19-04-2013.

Ponderando estes factos e que a situação económica do arguido é modesta considera-se justo e adequado fixar a coima no mínimo, em € 500,00.

Pelos motivos referidos considera-se adequada e proporcional à culpa do arguido a aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de quatro meses e quinze dias.

IV- Decisão

Nestes termos os Juízes da 1ª secção do tribunal da Relação de Évora acordam:

a) Conceder provimento ao recurso do arguido e em consequência, modificar o nº 3 da matéria provada, substituindo a taxa de “1,28g/l” por “1,18g/l”.

b) Revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou o arguido como autor material de um crime previsto no art. 292º, nº 1 do C.Penal e nas penas que lhe foram aplicadas.

c) Condenar o arguido como autor material de uma contra-ordenação muito grave, de condução sob o efeito do álcool, prevista e punida nos arts. 81º nº 1 e 2 e 5 al. b), 146, al. j), 138º nº 1 e 147º nº 1 e 2 do Código da Estrada na coima de € e 500,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de quatro meses e quinze dias.

d) Ordenar que se proceda à comunicação para efeitos do registo previsto no art. 144º do Código da Estrada.

Após trânsito, remeta os autos ao Tribunal da 1ª instância onde se deverá proceder à entrega da carta de condução e demais tramitação que aludem os arts 69º do C.Penal e 500º do CPPenal

Sem custas.

Notifique.

Évora,7 de Fevereiro de 2017

(texto elaborado e revisto pelo relator)

José Maria Martins Simão
Maria Onélia Vicente Neves Madaleno