Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1117/12.4TBVNO.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: FALTA DO ADVOGADO
JUSTO IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: Considera-se justo impedimento, nos termos do art.º 603.º, n.º 1 do CPC, a situação em que é comunicado ao tribunal o facto da mandatária se ter sentido mal durante a noite e por esse motivo não possuir capacidade física para se deslocar ao tribunal, pelo que tal situação é motivo de adiamento audiência de julgamento, até porque as partes não se opuseram ao adiamento e tratava-se da 1.ª marcação, não sendo exigível que com a comunicação fosse exibido atestado médico.
Decisão Texto Integral:





Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:


1- Relatório.

Em 18.08.2012, no então 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca, AA e BB (AA) instauraram acção declarativa, sob forma ordinária, contra CC, DD, EE e FF (RR), pedindo que «se declarem nulos e de nenhum efeito os contratos de compra e venda formalizados pelas escrituras com as legais consequências nomeadamente as do art.º 289º nº 1 do CC. se ordene o cancelamento na respectiva conservatória do registo Predial de Ourém de todos e quaisquer registos que, porventura tenham sido realizados posteriormente sobre os prédios em causa; que os RR. sejam condenados a abrir mão de todos os terrenos acima referidos para que possam ser partilhados na herança aberta por óbito de seus pais e a indemnizar os AA. De todos os prejuízos materiais e morais que se verificarem por força da sua conduta, por valor nunca inferior a € 40.000,00».
Na data agendada para a audiência de julgamento (às 1200 horas, sendo que a audiência estava marcada para as 1400 horas) pela Ilustre Mandatária dos AA foi apresentado requerimento com um pedido de adiamento da audiência de julgamento com base no justo impedimento, apresentado nos termos do art.º 140.º, n.º 2 do CPC, alegando a mesma que “não poderá estar presente na audiência de julgamento marcada para o dia de hoje, em virtude de se ter sentido muito mal durante a noite, não possuindo capacidade física para se deslocar ao tribunal”.
Os restantes mandatários não se opuseram ao adiamento.
Foi proferida decisão gravada no sistema H@bilus, que indeferiu o pedido apresentado pela Ilustre Mandatária dos AA para determinar o adiamento da audiência de julgamento e determinando-se ainda que a audiência de julgamento se iria realizar na ausência daquela, nos seguintes termos (segue-se excerto do despacho que tivemos que passar a escrito através da audição da própria gravação uma vez que não há qualquer suporte escrito nos autos):
«Salvo o devido respeito, considera o tribunal que não existe fundamento para o adiamento da audiência de julgamento, designadamente com base nos argumentos que foram apresentados pela ilustre mandatária dos AA.
De facto, com a alteração trazida ao CPC pela lei nº 41/2013 de 26 de Junho de 2013 os adiamentos passaram a ser possíveis apenas em situações muito restritas que se encontram previstas no art.º. 603º do CPC.
Foi afastada a situação anterior em que havia várias possibilidades de adiamento da audiência de julgamento designadamente com base na simples comunicação dos mandatários das partes de que estariam impedidos por alguma razão de comparecer na audiência tal constituiria anteriormente fundamento para esse adiamento.
Ora, da análise do art.º. 603º nº 1 do CPC o tribunal terá que concluir que não se verifica qualquer das situações que estão previstas para permitir o adiamento da audiência de julgamento, na medida em que está em plenas condições de o fazer. Para além disso, verifica-se que a data que foi marcada para a audiência de julgamento foi com o acordo de tosos os mandatários.
Em relação ao justo impedimento, que será eventualmente o fundamento invocado pela mandatária do A. para justificar a sua falta à presente audiência de julgamento e para fundamentar o seu pedido de adiamento da mesma o tribunal considera que também não estão reunidos os requisitos constituindo este último fundamento para esse adiamento, nos termos do nº 1 do art.º. 603º do CPC, designadamente os fundamentos do justo impedimento são os que se encontram previstos no art.º. 140º do CPC. Ora da análise do requerimento apresentado pela ilustre mandatária do A. verifica-se que a mesma vem alegar muito simplesmente que não possui capacidade física para se deslocar ao tribunal.
Desconhece-se qual essa falta de capacidade física que a impede de comparecer ao tribunal, designadamente desconhece-se se a mesma se encontra doente, ou sofreu alguma lesão ou se sofreu algum acidente que a impede de estar presente neste tribunal.
Nos termos do art.º. 140º nº 2 do CPC a parte ou mandatário que estejam impedidos de comparecer terão que justificar devidamente e esclarecer de forma pormenorizada e em concreto qual o fundamento que os a impede de comparecer a essa audiência, designadamente qual a razão no caso concreto, qual a incapacidade física que a impede de se deslocar a essa audiência.
Deste modo a mesma deveria ter esclarecido em que se traduzia essa incapacidade física para comparecer neste tribunal, nomeadamente se a mesma se encontra doente, se sofreu alguma lesão ou se sofreu algum acidente, o que ela não fez, limitando-se a vir declarar que está numa situação de incapacidade física.
Para além disso, nos termos do art.º. 140º nº 2 do CPC o mandatário que vier a indicar que está impedido de comparecer na audiência de julgamento tem de apresentar logo prova das razões desse impedimento, conjuntamente com o pedido de adiamento da audiência.
Ora, verifica-se que a ilustre mandatária da A. não veio apresentar qualquer prova dessa situação de incapacidade de incapacidade física limitando-se a vir alegar que estaria nessa situação.
Desta forma, verifica-se que no nosso caso concreto faltará esse requisito essencial para se poder concluir pela existência de justo impedimento consistente na prova de existência do tal impedimento que é exigível nos termos daquele no nº 2 do art.º. 140º do CPC.
Caso se aceitasse que a simples alegação que estamos numa situação de impedimento ou incapacidade para justificar a existência de justo impedimento ou o adimento de audiência de julgamento, voltar-se-ia ao sistema antigo em que tal alegação seria suficiente para o adiamento da audiência conforme se deixou expresso supra.
Ora não foi esse o objectivo do legislador nas alterações que efectuou e que aliás foram indicadas pela própria Ministra da Justiça em entrevistas que deu à Comunicação social designadamente só nessas situações muito excepcionais que se encontram previstas no art.º. 603º e por referência ao art.º. 140º é que será possível adiar a audiência de julgamento.
Em conformidade e pelo exposto e por falta de fundamento, designadamente os que se encontram previstos no artº 603º do CPC o Tribunal decide indeferir o pedido apresentado pela ilustre mandatária da A. de adiamento da audiência, que irá ter lugar ainda que na ausência da ilustre mandatária da A.»
Foi realizada a audiência de julgamento.
Às 1937 horas a Ilustre Mandatária faltosa juntou atestado médico onde consta que se encontrava doente e impedida de comparecer no tribunal a partir de dia 16.04.15 e até 17.04.15.
Da decisão recorreram os AA e formularam as seguintes conclusões (transcrição):
“São quatro as questões, que os recorrentes suscitam por via do presente recurso, a saber:
1 - A injustiça da douta sentença;
2 - A ilegalidade do douto despacho datado de 16 de Abril de 2015;
3 - A nulidade da audiência de julgamento e a consequente nulidade da douta sentença;
4 - A douta sentença é injusta na medida em que foi tomada sem que os recorrentes tivessem a oportunidade de produzir a prova por si arrolada, e assim cumprir com o ónus probatório que sobre si impendia, e de exercer o contraditório relativamente à prova testemunhal produzida pela parte contrária.
Em consequência disso, a matéria de facto que o Tribunal a quo deu como provada, teve por base unicamente o depoimento da testemunha da parte contrária, ou seja, dos RR. e relativamente à qual nem sequer foi exercido o contraditório, o que influiu na decisão da causa, o que consubstancia, por isso, uma nulidade do art.º 201 C.P.C..
Uma das questões suscitadas em sede deste recurso tem cariz prejudicial relativamente às demais, referimo-nos, concretamente, à sindicância da realização da audiência de julgamento, sem a presença da ilustre mandatária dos apelantes, que havia comunicado a respectiva impossibilidade de comparecer devidamente.
Com a audição da prova testemunhal por si arrolada, a recorrente teria logrado fazer prova dos fundamentos da sua pretensão levando a que o tribunal a quo, desse diferente enquadramento jurídico à questão.
Entendemos, com o devido respeito, que uma diligência não judicial, desde que no âmbito pessoal do advogado, constitui impedimento à luz do nosso Código Processo Civil, como de resto, tem sido entendimento da nossa jurisprudência.
Por conseguinte, entendemos que o Tribunal a quo deveria ter considerado o motivo indicado pela mandatária dos recorrentes, designando nova data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
Por conseguinte, ao indeferir o requerimento apresentado pela mandatária dos recorrentes, violou normas legais.
A nosso ver a interpretação e aplicação restritiva que o Tribunal a quo fez, nomeadamente o art.º. 155º do C.P.C., violou princípios e direitos constitucionais, como seja, o princípio da proporcionalidade, o direito à prova, ao contraditório, o direito de acesso aos tribunais, o direito a um processo equitativo e até o direito de estar doente.
Por fim, a própria sentença enferma de nulidade, nos termos do disposto do art.º. 668º n.º 1 do C.P.C., uma vez que não conheceu de todas as questões submetidas para a apreciação ao Tribunal, dado que os recorrentes ficaram privados de poder apresentar a sua prova.
Entre outras, designadamente as normas constitucionais referidas, foram violadas, as normas contidas nos artigos 155º, 517º e 660º do C.P.C.
Tal despacho é claramente violador dos direitos constitucionais dos recorrentes, como vem sendo entendimento da Jurisprudência (p. ex. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21 de Outubro de 2008).
Nestes termos e nos melhores de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido, substituindo-se por outro que designe nova data para a audiência de discussão e julgamento, anulando-se todo o subsequente processado ao despacho que indeferiu o pedido de adiamento da audiência de discussão e julgamento, com o que se fará a mais elevada justiça.”
Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.


2 – Objecto do recurso.

A questão a decidir, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 684.º, n.º 3 do CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso reside em saber se a audiência de julgamento deveria ou não ter sido adiada, face ao requerimento apresentado pela advogada ausente.


3 - Análise do recurso.


Os recorrentes invocam que o julgamento dos autos foi realizada na ausência da sua mandatária mas deveria ter sido adiado por motivo de doença da mesma, uma vez que se tratava do primeiro adiamento.
E têm razão.
Senão vejamos:
Estamos perante a primeira data agendada para a audiência, sem que antes tivesse ocorrido qualquer adiamento.
Na data marcada para a audiência, ainda que tivesse havido acordo quanto à mesma, o tribunal foi informado, antes da hora prevista para a mesma, que a mandatária dos recorrentes “se tinha sentido muito mal durante a noite, não possuindo capacidade física para se deslocar ao tribunal”.
Ou seja, ao contrário do que refere o Mm.º Juiz do tribunal a quo, entendemos que a afirmação de que uma pessoa se sente mal e sem capacidade de deslocação configura uma situação de doença (e não se vê como é que tal não configura justo impedimento).
Nos termos do art.º 603.º (epigrafado “realização da audiência”) n.º 1 do CPC, verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento. De acordo com o respectivo n.º 2, se a audiência for adiada por impedimento do tribunal, deve ficar consignado nos autos o respetivo fundamento; quando o adiamento se dever à realização de outra diligência, deve ainda ser identificado o processo a que respeita. Ainda segundo o seu n.º 3, a falta de qualquer pessoa que deva comparecer é justificada na própria audiência ou nos cinco dias imediatos, salvo tratando-se de pessoa de cuja audição prescinda a parte que a indicou.
Por outro lado, diz o art.º 140.º do CPC, quanto ao conceito de justo impedimento:
“1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.”
Assim, ainda que se diga que possa ter existido com o novo CPC uma intenção de mudança de paradigma, o art.º 603.º continua a prever o adiamento na situação de justo impedimento.
E no caso dos autos, verificou-se ou não justo impedimento?
Entendemos que sim.
O facto da mandatária se ter sentido mal durante a noite e por esse motivo não possuir capacidade física para se deslocar ao tribunal corresponde a um evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários e que obsta à prática atempada do acto.
Apesar do art.º 140.º, n.º 2 do CPC impor que a parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova, deve entender-se que, sendo necessário que a comunicação seja logo efectuada, até à abertura da audiência, não é exigível que prontamente seja exibido atestado médico, pois, se o advogado comunicar prontamente ao tribunal as circunstâncias impeditivas do seu comparecimento e não estiver ainda munido de documento comprovativo do impedimento legítimo, deve convencer o juiz da seriedade do motivo invocado, sem prejuízo de, posteriormente e no mais curto prazo, remeter o documento justificativo da sua ausência (note-se que, não sendo tal documento enviado, o mesmo não evidencie uma causa de doença que impeça o advogado de comparecer ou o juiz duvide da genuinidade do documento, terá o mandatário de suportar as custas devidas pelo desenvolvimento processual anómalo a que deu causa).
Ora, no caso dois autos, nenhum indício apontava para que não houvesse seriedade, quer na comunicação efectuada, quer quanto às circunstâncias invocadas, sendo certo que as partes não se opuseram ao adiamento e tratava-se da 1.ª marcação, pelo que, no nosso entender, a audiência deveria ter sido adiada.
Com efeito, nesse mesmo dia, a Ilustre Mandatária faltosa enviou uma declaração médica, na qual se comprovava que a mesma não podia comparecer na audiência de discussão e julgamento, por motivo de doença.
Ao ter-se realizado o julgamento sem a presença da mandatária dos recorrentes e porque essa falta influi na decisão da causa, o julgamento terá de ser considerado nulo.
Consequentemente, deve ser revogado o despacho recorrido e designado novo dia para a realização da audiência de julgamento.
Procede assim o recurso pelo fundamento relativo à realização da audiência na ausência da mandatária e ficam prejudicadas as restantes questões levantadas no recurso.

Sumário:
Considera-se justo impedimento, nos termos do art.º 603.º, n.º 1 do CPC, a situação em que é comunicado ao tribunal o facto da mandatária se ter sentido mal durante a noite e por esse motivo não possuir capacidade física para se deslocar ao tribunal, pelo que tal situação é motivo de adiamento audiência de julgamento, até porque as partes não se opuseram ao adiamento e tratava-se da 1.ª marcação, não sendo exigível que com a comunicação fosse exibido atestado médico.


4 – Dispositivo.

Pelo exposto, os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora acordam em julgar procedente o recurso de apelação interposto, revogar a decisão proferida e, consequentemente, determinar que seja realizada nova audiência de julgamento nos termos legais.
Sem custas.
Évora, 05.05.2016

Elisabete Valente



Bernardo Domingos


Silva Rato