Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
108/11.7TTBJA.E1
Relator: JOÃO LUÍS NUNES
Descritores: REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS
ISENÇÃO DE CUSTAS
ESTRUTURA DE RESOLUÇÃO DE LITÍGIOS
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE BEJA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - Constituem condições para a isenção de custas a que se refere o artigo 4.º, n.º 1, alínea h) do Regulamento das Custas processuais: (i) que o sujeito processual seja um trabalhador e que esteja em causa matéria de direito do trabalho; (ii) que o trabalhador seja representado pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do respectivo sindicato, devendo, neste caso, ser gratuitamente patrocinados por advogado que preste serviço jurídico para o sindicato; (iii) que ao tempo da propositura da acção, ou do despedimento, o trabalhador tenha um rendimento ilíquido anual não superior a 200 UC; (iv) que o trabalhador, caso não proponha a acção nos 30 dias subsequentes ao despedimento, tenha recorrido previamente a uma estrutura de resolução de litígios.
II - A condição referida em iii (rendimentos anuais inferior a 200 UC) não tem, necessariamente, que ser provada através da liquidação do imposto em sede de IRS.
III - E a condição referida em iv., até à publicação da portaria a que se refere o n.º 7 do artigo 4.º do RCP, não é exigível, gozando por isso, e até ao presente, a parte de isenção de custas ainda que não recorra à mediação laboral.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
C…, residente na Rua…, intentou em 11 de Junho de 2011, no Tribunal do Trabalho de Beja, a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra:
1. M…, Lda. (com sede e estabelecimento na Rua… e
2. R…, S.A. (com sede na Avenida da República… Lisboa e delegação na Rua…,
Pedindo que seja declarada a ilicitude da cessação do seu contrato de trabalho promovida pela 1.ª Ré e, por via disso, ser condenada a pagar-lhe as remunerações vencidas e vincendas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, bem como a reintegrá-la no posto de trabalho, ou a pagar-lhe a indemnização de antiguidade, caso pela mesma venha a optar.
Subsidiariamente pede a condenação da 2.ª Ré nos referidos pedidos.
Alegou para o efeito, em síntese, ter sido admitida ao serviço da 2.ª Ré em 01-06-2010, ao abrigo de um contrato de trabalho temporário a termo incerto, para prestar a actividade profissional à 1.ª Ré: porém, tal contrato de trabalho é nulo, pelo que se deve considerada trabalhadora “permanente e efectiva” da 1.ª Ré, sendo certo que a 2.ª Ré fez cessar unilateralmente o contrato de trabalho com efeitos a 25 de Março de 2011.
Mais consta da petição inicial: «Consigna-se que a A. está isenta de custas por força do disposto na alínea h), do n.º 1, do art. 4.º, do Regulamento das Custas Processuais, em virtude de nesta acção ser ela representada gratuitamente pelos serviços jurídicos do sindicato (cfr. doc. nº 4] e possuir um rendimento ilíquido até muito inferior a 200 UC, não sendo por ora sequer legalmente exigível o requisito aludido na parte final dessa norma [cfr. art. 46º da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de Abril].
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Conclusos os autos à Exma. Juíza, em 20 de Junho de 2011 pela mesma foi proferido o seguinte despacho:
«Nos presentes autos, a autora não veio proceder ao pagamento da taxa de justiça inicial, alegando do pagamento da mesma estar isenta, nos termos do disposto no artigo 4º, nº 1, alínea h) do regulamento das Custas Judiciais, uma vez que se encontra representada gratuitamente pelos serviços do seu sindicato e possui um rendimento liquido muito inferior a 200 UC, não sendo exigível o cumprimento do requisito constante da última parte dessa norma, nos termos do disposto no artigo 46 da Portaria nº 419-A/2009 de 17 de Abril.
Ora, não assiste qualquer tipo de razão à autora quando invoca que beneficia de isenção de pagamento de custas prevista na alínea h) do nº 1 do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais.
De acordo com o disposto no artigo 4º do Regulamento apenas estão isentos os trabalhadores ou familiares em matéria de trabalho representados pelo sindicato e pelo Ministério Público quando sejam gratuitos para o trabalhador desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da propositura da acção não seja superior a 200 Ucs e quando tenham recorrido previamente a uma estrutura de resolução de litígios.
Ora, em primeiro lugar não é junta qualquer prova do montante dos rendimentos auferidos pela autora, necessariamente a fazer documentalmente através da liquidação do imposto em sede de IRS.
Em segundo lugar, a estrutura da resolução alternativa de litígios laborais já se encontra em funcionamento, Sistema de Mediação Laboral resultante de um protocolo celebrado entre o Ministério da Justiça e as Confederações Sindicais no dia 5 de Maio de 2006 e que entrou em funcionamento alargado a todo o país desde os finais de 2008, vd. Artigo 9º da Portaria nº 10/2008 de 3 de Janeiro, alterada pela Portaria nº 654/2010 de 11 de Agosto, pelo que o disposto no artigo 46 da Portaria 419-A/2009 de 17 de Abril não tem aplicação aos presentes autos.
Assim sendo, não se encontrando a autora isenta do pagamento de custas, deveria, nos termos do disposto nos artigos 150-A nº 1 e 467 nº 3 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 49 nº 2 do Código de Processo do Trabalho e 463 do Código do processo Civil, ter pago o montante devido de taxa de justiça, uma vez que não comprova beneficiar de apoio judiciário.
Não tendo pago a taxa de justiça e não tendo havido recusa da petição pela secretaria, como a lei impõe, verifica-se uma irregularidade processual pelo que, nos termos das supra citadas normas recusa-se o recebimento da petição inicial, sem prejuízo do disposto no artigo 476 do Código do Processo Civil.
Notifique».
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Inconformada com o referido despacho, a Autora dele interpôs recurso para este tribunal, tendo nas respectivas alegações formulado as seguintes conclusões:
«1. - Como alegou e comprovou na petição inicial, a A. é representada gratuitamente nesta acção pelos serviços jurídicos do seu sindicato,
2. - E recebia mensalmente da 2.ª Ré a retribuição base de € 575,00, acrescida dos subsídios de refeição, à razão de € 5,15 por cada dia de trabalho, e de turno de € 44,23 e do chamado prémio de produção de € 51,54 - pelo que o seu rendimento anual ilíquido, à data do despedimento, e agora comprovado com o documento que segue em anexo sob o nº 1, não era assim superior a 200 UC;
3. - A Portaria aludida no n° 7, do artigo 4° do RCP não foi, até ao presente, ainda objecto de publicação;
4. - Por via disso, e nos termos do disposto no artigo. 46° da Portaria n°419-A/2009, de 17 de Abril, o prévio recurso a uma estrutura de resolução alternativa de conflitos não é por enquanto requisito exigível para o trabalhador poder gozar de isenção de custas ao abrigo do artigo 4º, nº 1, alínea h), do RCP;
5. - Por conseguinte, estando para tanto verificados todos os necessários pressupostos previstos na citada alínea h), do nº 1, do artigo 4º do RCP, a A. está, pelo menos por ora, assim isenta de custas nesta acção, não lhe sendo por isso exigível que pague qualquer taxa de justiça;
6. - A listagem publicada em anexo à Portaria n° 10/2008, de 3 de Janeiro e republicada na Portaria n° 654/2010, de 11 de Agosto, define apenas as estruturas de resolução alternativa de litígios em relação às quais se aplica o regime de apoio judiciário, de acordo e em concretização do disposto no artigo17° da Lei n° 34/2004, de 29 de Julho, alterada e republicado na Lei n°-47/2007, de 28 de Agosto, nada tendo, pois, tal listagem a ver com as estruturas de resolução alternativa de litígios referidas na alínea h) do n° 1 e aludidas no n° 7, ambos do artigo 4° do RCP ;
7. - O despacho recorrido, ao decidir nos termos em que o fez, violou, pois, entre outras disposições legais, o artigo 4°, n° 1, alínea h) e n° 7 do RCP e bem assim o artigo 46° da Portaria n° 419-A/2009, de 17 de Abril».
E a rematar as conclusões pede que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida para ser substituída por outra que declare que se encontra isenta do pagamento de custas nos termos previstos no artigo 4º, nº 1, alínea h) do Regulamento das Custas Processuais.
Com o referido recurso, a recorrente juntou cópia da declaração de IRS referente aos rendimentos do ano de 2010.
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Por despacho de 08 de Julho de 2011, o recurso foi admitido, com efeito suspensivo e a subir imediatamente nos próprios autos.
No mesmo despacho consignou-se ainda:
«Em aditamento, ao despacho ora recorrido e que, por mero lapso, não foi incluído na fundamentação do decidido, o tribunal fundamenta também o decidido ao abrigo do disposto na Portaria nº 203/2011 de 20 de Maio, em vigor desde o dia seguinte ao da publicação, o que ora se faz, ao abrigo do disposto nos artigos 666 e 667 nº 1 e 2 do Código do processo Civil».
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A recorrente veio então arguir a nulidade deste despacho, na parte transcrita, «(…) uma vez que com a prolação do despacho recorrido ficou imediatamente esgotado o poder jurisdicional de quem o proferiu (…)».
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No seguimento, foi em 25-07-2011 proferido o seguinte despacho:
«Ao abrigo do disposto no artigo 207 do Código do Processo Civil e tendo em conta não os fundamentos invocados pelo requerente mas o disposto no artigo 267 nº 2 do Código do Processo Civil, o tribunal julga parcialmente procedente as invocação da nulidade arguida e ordena que, ao contrário do decidido no despacho posto em crise, seja cumprido o disposto no nº 3 do artigo 234-A do Código do processo Civil, não se designando desde já a data para a audiência de partes por manifesta inutilidade, tendo em conta o efeito do recurso (…)».
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A Ré R…, S.A. apresentou então contra-alegações, onde formulou as seguintes conclusões:
« i. A A., aqui Recorrente, com base no princípio do dispositivo ou da disponibilidade das partes sobre o objecto, deu o primeiro impulso processual aos presentes autos, através do envio da petição inicial respectiva por transmissão electrónica de dados a 11 de Junho de 2011.
ii. O Meritíssimo Juiz, na ausência de recusa de recebimento da petição inicial por parte da secretaria, decidiu indeferir liminarmente a petição inicial apresentada pela A., com fundamento no não pagamento do montante devido correspondente à taxa de justiça, o que configura uma irregularidade processual.
iii. Acontece que a A. reclama para si o benefício de estar isenta de pagar o montante relativo às custas judiciais invocando a aplicabilidade do artigo 4º, alínea h) do RCP.
iv. Por relevar, in casu, para a questão aqui apreciada reproduz-se o enunciado no artigo 4º, n.º 1, alínea h) do RCP: “estão isentos de custas os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados […] pelos serviços jurídicos do sindicato […] desde que o rendimento ilíquido à data da propositura da acção […] não seja superior a 200 UC, quando tenham recorrido previamente a uma estrutura de resolução de litígios […]”.
v. O douto Tribunal ad quo julgou bem ao ter indeferido liminarmente a petição inicial da A., porquanto não foi junto o documento comprovativo da autoliquidação da taxa de justiça, nem sequer, tendo a Recorrente invocado a isenção de custas, esta cuidou de apresentar comprovativo bastante do preenchimento dos requisitos legalmente exigíveis para aquela isenção, mormente o recurso prévio a uma estrutura de mediação laboral exigida pelo Regulamento das Custas Processuais por forma ao benefício da isenção das custas.
vi. À data da propositura da ação, a A. poderia ter recorrido à estrutura de resolução alternativa de litígios.
vii. Efetivamente, a Portaria n.º 203/2011, de 20 de Março refere no seu artigo 1º que o objecto do diploma visa a estabelecer quais os sistemas de mediação pré-judicial.
viii. Nos termos do artigo 2º da Portaria n.º 203/2011, o benefício da isenção das custas processuais faz-se através do recurso prévio aos “sistemas públicos de mediação já existentes ou a criar; […]”.
ix. A Portaria n.º 203/2011, de 20 de Março entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
x. A Recorrente também não faz prova dos rendimentos obtidos no ano transacto o que, necessariamente, para efeitos do artigo 4º, n.º 1, alínea h) do RCP, deveria ocorrer mediante a anexação ao conteúdo material da peça processual de documento de liquidação em sede de IRS.
xi. A Recorrente admite que não anexou à petição inicial qualquer documento comprovativo de rendimentos, denotando ampla consciência do acto assumido.
xii. O documento destinado a fazer prova de rendimentos não é, e a Recorrida bem o sabe, para provar quaisquer fundamentos da acção ou da defesa, tal como descrito no mencionado artigo 523º do CPC, mas sim, para atestar o preenchimento dos requisitos essenciais exigidos por lei para que a A. possa beneficiar da isenção do pagamento das custas processuais.
xiii. Do confronto entre a douta decisão do Tribunal ad quo, da prova apresentada pela A., bem como dos demais elementos constantes dos autos, e não se mostrando o conteúdo destas convenientemente infirmado, terá, necessariamente, de se concluir pela correção da decisão de indeferimento liminar proferida pelo Meritíssimo Juiz.
xiv. Em consequência da inexistência de qualquer convicção pelo Tribunal, dada a ausência da correspondente prova escreve Teixeira de Sousa in “As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa” que “perante a dúvida sobre a realidade do facto que é pressuposto da aplicação de uma norma jurídica, o tribunal decide como se estivesse provado o facto contrário”.
xv. A Recorrente sustenta, de forma errónea, que o despacho que adita fundamentação de direito é nulo nos termos do artigo 666º, n.º 1 do CPC, mas bem foi o Meritíssimo Juiz ad quo ao decidir aditar a referência à Portaria n.º 203/2011, que que lapso não constava do despacho recorrido inicial.
xvi. Esse aditamento encontra integral previsão e cabimento no artigo 666º nº 2 e artigo 667º nº 1 e 2, ambos do CPC, constituindo no entender da 2ª R., ora Recorrida, um perfeito desconchavo, dificilmente compreensível aliás, que a Recorrente alegue que se têm por exorbitados os poderes jurisdicionais do Meritíssimo Juiz do Tribunal ad quo.
xvii. O artigo 666º, n.º 1 do CPC é a regra geral, dispondo o n.º 2 do mesmo artigo de uma regra especial, que reflecte uma realidade completamente contrária à veiculada pela Recorrente.
xviii. A Recorrida, tal como relativamente a todos os aspectos anteriores, discorda já que o artigo 666º, n.º 2 do CPC dispõe que “É lícito, porém ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reforma-la, nos termos dos artigos seguintes”, o que faz com que o despacho que se pretende por em crise, encontre fundamento legal pelo estrito cumprimento da lei.
xix. Acresce ainda que o artigo 667º, n.º 1 do CPC dispõe o seguinte: “Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz”.
xx. Resulta do mero exercício da leitura e interpretação da lei que é lícito ao Juiz suprir nulidades ou corrigir erros ou lapsos manifestos, e que por isso, necessariamente terá de se concluir que a Recorrente pretende tão só por em causa a douta decisão, mas sem explicitar convenientemente porque razão entende que não assistia ao Meritíssimo Juiz ad quo o poder jurisdicional para corrigir o lapso manifesto.
xxi. Termos em que deve manter-se a douta decisão do Tribunal ad quo, a qual, ao abrigo do disposto no artigo 234º-A, n.º 1 do CPC indeferiu liminarmente a petição inicial da A. com fundamento em irregularidade processual fundada na falta de pagamento da taxa de justiça.
xxii. A solução ora descrita tem por base a circunstância de que sempre que seja praticado um acto que não é permitido ou seja omitido um acto imposto ou uma formalidade essencial, verifica-se uma nulidade processual (tudo nos termos do conjugadamente disposto nos artigos 467º, n.º 3 e 150º-A, n.º 1, ambos do CPC e do artigo 8º, n.º 1 da Portaria n.º 114/2008, aplicáveis por remissão dos artigos 1º, n.º 2, alínea a) e 49º, n.º 2 do CPT e dos artigos 463º, n.º 1, 467º, n.º 4, 150º-A, n.º 4, 138º-A, n.º 1, e 201º, n. 1, todos do CPC)]”.
Nestes termos e nos mais de Direito, deverá o presente recurso ordinário de apelação ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra o douto despacho recorrido».
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Recebido o recurso neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da sua improcedência.
Ancora-se, para tanto, na circunstância da Autora/recorrente não ter junto à petição inicial o documento comprovativo dos rendimentos que auferia à data da propositura da acção.
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Ao referido parecer respondeu a Autora/recorrente, procurando contrariar o mesmo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso e Factos
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, como resulta do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Assim, tendo em conta as conclusões da recorrente, a única questão a decidir centra-se em saber se existe(iu) fundamento para recusar a petição inicial, por a recorrente não ter demonstrado encontrar-se isenta de custas e não ter pago a taxa de justiça.
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, sendo de realçar o seguinte:
(i) A invocação pela Autora na petição inicial de que gozava de isenção de custas, conforme transcrição supra;
(ii) O despacho (transcrito) da Exma. Juíza a recusar a petição inicial, por a Autora não se encontrar isenta de custas e não ter pago a taxa de justiça;
(iii) O documento junto pela Autora em 28 de Junho de 2011 – fotocópia da declaração de IRS referente ao ano de 2010 – donde decorre que nesse ano auferiu de rendimento ilíquido, de trabalho por conta de outrem, a importância de € 5.566,21 (fls. 29 a 32).
Acrescenta-se ainda, nos termos do documento 4 junto com a petição inicial, que:
(iv) O Sindicato das Indústrias Eléctricas do Sul e Ilhas declarou, para os efeitos indicados na alínea h) do n.º 1 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, que a Autora é sua associada, e nessa qualidade é gratuitamente representada pelos serviços jurídicos do sindicato e patrocinada pelos mandatários com procuração junta aos autos.
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III. Enquadramento jurídico
Estipula o artigo 467.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho] que o Autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.
E nos termos do artigo 150.º-A, n.º 1, do mesmo compêndio legal, quando a prática de um acto exija o pagamento de taxa de justiça, nos termos fixados pelo Regulamento das Custas Processuais, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do beneficio do apoio judiciário.
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual, sendo fixada em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais e é paga, além do mais, pela parte que demande na qualidade de Autor (artigos 447.º, n.º 2 e 447.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil).
O pagamento da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do acto a ela sujeito, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou realizar a comprovação desse pagamento, juntamente com o articulado (artigo 14.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artigo 3.º, n.º 1, do mesmo Regulamento)
No caso em apreço, a Autora/Recorrente não procedeu ao pagamento da taxa de justiça, invocando, para tanto, encontrar-se isenta de custas nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais.
É do seguinte teor este normativo legal:
«1. Estão isentos de custas:
(…)
h) Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da propositura da acção ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC, quando tenham recorrido previamente a uma estrutura de resolução de litígios, salvo no caso previsto no n.º 4 do artigo 437º do Código do Trabalho e situações análogas».
Trata-se, como bem assinala Salvador da Costa (Regulamento das Custas Processuais, Anotado e Comentado, 2011 - 3.ª Edição, pág. 157) de um normativo “assaz complexo, de confusa redacção, e que, por isso, suscita dificuldades na determinação do seu sentido prevalente. No âmbito da mencionada complexidade, têm os trabalhadores que alegar e provar os pressupostos positivos e negativos da referida isenção, o que suscita, naturalmente, decisões judiciais sobre a matéria, porventura despachos liminares ou interlocutórios atípicos”.
É, contudo, possível extrair da aludida norma, e tendo em vista o caso em apreço, as seguintes condições para a isenção de custas:
(i) que o sujeito processual seja um trabalhador e que esteja em causa matéria de direito do trabalho;
(ii) que o trabalhador seja representado pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do respectivo sindicato, devendo, neste caso, ser gratuitamente patrocinado por advogado que preste serviço jurídico para o sindicato;
(iii) que ao tempo da propositura da acção, ou do despedimento, o trabalhador tenha um rendimento ilíquido anual (embora a lei não indique a periodicidade, face ao valor referido e tendo em conta que está em causa uma insuficiência económica, que é reportada habitualmente à anualidade para efeitos de prova, tem de se entender ser este o período em causa) não superior a 200 UC;
(iv) o trabalhador ter recorrido previamente a uma estrutura de resolução de litígios, ou seja, em rectas contas, à mediação laboral e, naturalmente, que esta não tenha tido sucesso.
Porém, esta condição, atenta a remissão que no final da norma é feita para o n.º 4 do artigo 437.º do Código do Trabalho de 2003 (aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), a que corresponde o artigo 390.º, n.º 2, alínea b) do Código do trabalho de 2009 (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro) apenas parece ser aplicável se o trabalhador não propuser a acção nos 30 dias subsequentes ao despedimento.
No caso, alegando a trabalhadora a cessação do contrato em 25 de Março de 2011 (artigo 11.º da petição inicial) e tendo a acção sido proposta em 11-06-2011, conclui-se que (a acção) não foi proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento.
E nos termos do n.º 7 do referido artigo 4.º, as estruturas de resolução alternativa de litígios a que se refere a alínea citada constam de portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça.
Ora, no caso em preço tem-se por incontroverso que se verificam as duas primeiras condições para que a Autora se encontre isenta de custas: com efeito, de acordo com a alegação, está em causa o despedimento perpetrado pela 2.ª Ré, e a Autora/trabalhadora é patrocinada por advogados que prestam serviço jurídico ao sindicato de que é associada.
O cerne da questão coloca-se, porém, em termos de verificação, ou não, das duas condições restantes, rectius, saber se tem um rendimento inferior a 200 UC e se teria, obrigatoriamente, que recorrer previamente à mediação laboral.
Quanto à primeira condição (rendimento anual não superior a 200 UC), o despacho recorrido parece concluir pela sua não verificação, uma vez que de acordo com a sua fundamentação «(..) não é junta qualquer prova do montante dos rendimentos auferidos pela autora, necessariamente a fazer documentalmente através da liquidação do imposto em sede de IRS».
Diga-se, desde já, que não acompanhamos tal conclusão.
Isto porquanto se a parte alega beneficiar da condição em causa e se, face ao articulado apresentado e, com ele, aos rendimentos que afirma ter auferido no ano anterior – donde resulta claramente (!) que nesse ano auferiu rendimentos (muito) inferiores a 200 UC – duas soluções podem ser adoptadas: (a) o tribunal perante tais elementos considerar preenchida a condição (não auferir rendimentos superiores a 200 UC), ou (b) considerar que tais elementos não são suficientes e convidar a parte a apresentar um documento idóneo (seja a liquidação do IRS, seja outro), donde resulte que não auferiu rendimentos anuais superiores a 200 UC.
Não se pode olvidar que está em causa um pressuposto negativo para a referida isenção, o que parece justificar – tendo em conta as dificuldades de prova àquele inerentes – alguma flexibilidade na sua apreciação.
Neste âmbito, entende-se ser uma “sanção” desproporcionada à situação – perante a alegação da parte de que teve rendimentos inferiores a 200 UC, e resultando tal factualidade do pedido e causa de pedir na acção –, o tribunal considerar conditio sine qua non para o preenchimento da condição que com a petição inicial fosse entregue fotocópia da liquidação do imposto em sede de IRS e a sua não entrega nesse momento processual determinar, de imediato e irremediavelmente, a não verificação da condição e, com ela, a não isenção de custas por parte da autora.
Basta, para tanto, constatar que noutras situações, v.g. a descrita no artigo 280.º do Código de Processo Civil, em que o não cumprimento das obrigações tributárias não obsta ao prosseguimento ou recebimento das acções.
Ora, se por qualquer motivo a parte não tivesse cumprido a sua obrigação fiscal (entrega de declaração de IRS junto dos serviços fiscais) estaria impedida de provar a condição em análise?
Face ao que deixamos assinalado, entendemos que não: porventura poderia colocar-se um problema de dificuldade de prova do facto, mas não de absoluta impossibilidade do mesmo.
Assim, não se sufraga o entendimento que parece resultar do despacho recorrido que a não entrega pela Autora da liquidação do imposto em sede de IRS, acarreta o incumprimento da condição em causa (de que não auferiu no ano anterior rendimentos superiores a 200 UC).
Como se afirmou, em tal situação poderia justificar-se o convite à Autora para juntar tal declaração.
Todavia, tendo, entretanto, com as alegações de recurso junto a referida declaração, fica prejudicado aquele convite.
Assim, face ao alegado pela Autora na petição inicial e ao constante do pedido e causa de pedir da mesma, donde resultam rendimentos anuais (muito) inferiores a 200 UC, o que, já posteriormente, foi confirmado através de cópia da declaração de IRS, entende-se que se mostra preenchida a analisada condição.
E quanto à condição de recurso prévio a uma estrutura de resolução de litígios?
Como se assinalou, nos termos do n.º 7 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais, as estruturas de resolução de litígios constam de portaria de membro do Governo responsável pela área da Justiça.
A questão que ora se coloca consiste em saber se tal portaria já se encontra publicada.
No despacho recorrido afirma-se que a estrutura de resolução alternativa de conflitos se encontra em funcionamento, baseando-se no disposto no artigo 9.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de Janeiro, alterada pela Portaria n.º 654/2010, de 11 de Agosto, e concluindo-se, por consequência, que o estatuído no artigo 46.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril não tem aplicação aos presentes autos.
Vejamos.
A referida portaria 10/2008 procede à regulamentação da lei de acesso ao direito e aos tribunais (Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto).
E no seu artigo 9.º estabelece que para efeitos do disposto no artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, as estruturas de resolução alternativa de litígios em que se aplica o regime do apoio judiciário são as constantes do anexo à mesma portaria.
O referido artigo 17.º, n.º 1, estatui: «O regime do apoio judiciário aplica-se a todos os tribunais, qualquer que seja a forma do processo, nos julgados de paz e noutras estruturas de resolução alternativa de litígios a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça».
Ora, se a Lei n.º 34/2004 se destina a regular o regime do apoio judiciário e se a portaria n.º 10/2008, regulamenta aquele, não se vê como possa ser aplicável ao regime de resolução alternativa de litígios para efeitos de isenção de custas.
Estamos no âmbito de realidades jurídicas distintas: (i) num caso – o ora em apreciação nos autos – de isenção de custas; (ii) no outro – o previsto na Lei n.º 34/2004, e respectiva portaria de regulamentação –, de concessão de apoio judiciário.
Não pode, por isso, afirmar-se que o regime de mediação laboral, para efeitos de isenção de custas, se encontra previsto naqueles diplomas legais.
Haverá então que convocar para os autos a portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, que veio regulamentar o modo de elaboração, contabilização, liquidação, pagamento, processamento e destino das custas processuais, multas e outras penalidades (cfr. artigo 1.º) e que no seu artigo 46.º prescreve que até à publicação da portaria prevista no n.º 5 do artigo 477.º-D do Código de Processo Civil e no n.º 7 do artigo 4.º do Regulamento das Custas Processuais são garantidas as isenções previstas na lei, independentemente do recurso a qualquer estrutura de resolução alternativa de litígios.
Daqui decorre, pois, que até à publicação da portaria a que se refere o n.º 7 do artigo 4.º do RCP, a parte goza de isenção de custas ainda que não recorra à mediação laboral.
Neste mesmo sentido se pronuncia Salvador da Costa, quando afirma (Obra citada, pág. 159) que «(…) até ser publicada a portaria a que alude o n.º 7 […], funciona plenamente esta isenção, independentemente do recurso a alguma estrutura de resolução alternativa de litígios […]».
Esta conclusão não é afastada com a publicação da portaria n.º 203/2011, de 20 de Maio, uma vez que esta veio apenas definir os sistemas de mediação pré-judicial cuja utilização suspende os prazos de caducidade e prescrição dos direitos e proceder à regulamentação do seu regime e os sistemas de mediação judicial que suspendem a instância, não criando estruturas de resolução alternativas de litígios.
Assim, não resultando dos normativos legais invocados no despacho recorrido a obrigatoriedade de prévio recurso da parte à mediação laboral, e não se vislumbrando a existência de qualquer(isquer) outro(s) que determine(m) essa obrigatoriedade, tal significa que a (eventual) isenção de custas por parte da Autora/Recorrente funciona independentemente de ter recorrido à aludida mediação laboral.
E, tendo-se afirmado supra que se verificam as restantes condições para a Autora beneficiar da isenção de custas, urge concluir que a Autora goza de isenção de custas, nos termos previstos no artigo 4.º, n.º 1, alínea h) do Regulamento das Custas Processuais.
Procedem, por consequência, as conclusões das alegações de recurso, pelo que deve ser revogado o despacho recorrido, a fim de ser substituído por outro que, se qualquer fundamento não objecto do recurso a tal não obstar, determine o prosseguimento dos autos.
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Vencida no recurso, atenta a oposição deduzida ao mesmo, deverá a recorrida R…, S.A., suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 446.º, do Código de Processo Civil).
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IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em julgar procedente o recurso interposto por C…, e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, a fim de ser substituída por outra que, se fundamento não objecto do recurso a tal não obstar, determine o prosseguimento dos autos.
Custas pela recorrida Randstad, S.A..
Évora, 06 de Dezembro de 2011
(João Luís Nunes)
(Acácio André Proença)
(Joaquim Manuel Correia Pinto)