Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
196/11.6TTPTM.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: FALTA DE PAGAMENTO PONTUAL DA RETRIBUIÇÃO
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURE
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
NEXO DE CAUSALIDADE
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
Data do Acordão: 10/25/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE PORTIMÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
I – Para que se verifique uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato pelo trabalhador exige-se: (i) um requisito objectivo, traduzido num comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador; (ii) um requisito subjectivo, consistente na atribuição desse comportamento ao empregador; (iii) um requisito causal, no sentido de esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
II – Este último requisito deverá apurar-se tendo em conta o alegado pelo trabalhador na resolução do contrato e, dentro dessa, a matéria provada no processo.
III – Verificando-se a violação de um qualquer dever contratual por parte do empregador, designadamente a falta culposa de pagamento pontual da retribuição, vale a regra ínsita no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que a culpa do empregador se presume, havendo de ter-se por verificada, caso não seja por ele ilidida;
IV – Todavia, na situação prevista no artigo 394.º, n.º 5, do Código do Trabalho, em que a lei expressamente qualifica de culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período superior a 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta até ao termo daquele prazo, estabelece-se uma ficção legal de culpa que não admite prova em contrário;
V – Mas, não obstante a referida presunção, inilidível, de culpa do empregador, para que se verifique a justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador é necessário que a falta de pagamento em causa, pela sua gravidade e consequências, torne praticamente impossível a subsistência do contrato;
VI – Na apreciação de justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador o grau de exigência tem de ser menor que o utilizado na apreciação da justa causa de despedimento – uma vez que o trabalhador perante o incumprimento contratual do empregador não tem formas de reacção alternativas à resolução, enquanto este perante o incumprimento contratual do trabalhador pode optar pela aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral, em detrimento da mais gravosa de despedimento.

Sumário do relator
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
M…, residente em…, intentou, no Tribunal do Trabalho de Portimão, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra:
1. F…, residente em…;
2. Z…, residente na Rua…,
pedindo que lhe sejam reconhecidos «(…) todos os direitos emergentes do Contrato de Trabalho existente entre ela e a sociedade “M…, Lda”, e que foi rescindido pela Autora (…)» e a condenação dos Réus no pagamento dos créditos salariais devidos por aquela sociedade no montante de € 12.492,36 acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
Alegou para o efeito, em síntese, que foi admitida ao serviço da referida sociedade em 6 de Abril de 1998, para exercer as funções de empregada de limpeza, que os Réus eram os únicos sócios e gerentes da mesma sociedade, que se encontra dissolvida, e que não lhe foi pago o subsídio de Natal de 2010, bem como as retribuições de Dezembro do mesmo ano e de Janeiro de 2011.
Por este motivo, em 15 de Fevereiro de 2011, através de carta registada com aviso de recepção, enviada à sociedade, resolveu o contrato de trabalho com justa causa: todavia, quer a sociedade, quer os seus dois representantes legais, ora Réus, não procederam ao pagamento das quantias em falta que totalizam € 12.492,36.
A sociedade foi extinta em 26 de Outubro de 2010, tendo aquando da extinção, os Réus, únicos sócios daquela, declarado que a mesma não possuía activo nem passivo a liquidar, quando, é certo, para além de activo a sociedade tinha passivo, pelo menos o resultante de créditos salariais da Autora.
Assim, uma vez que os ora Réus prestaram declarações falsas aquando da extinção da sociedade, são responsáveis pelo pagamento das dívidas peticionadas nos autos.

Frustrada a audiência de partes, contestaram os Réus reconhecendo que a Autora foi admitida ao serviço da sociedade M…, Lda., em 06-04-1998, que devido à crise económica e impossibilidade de cumprimento de obrigações legais a sociedade foi dissolvida, tendo disso previamente sido informada a Autora.
Não procederam à liquidação de importâncias em dívida à Autora pois esta abandonou o posto de trabalho, pretendiam reintegrá-la noutra empresa, a constituir, sem perda de direitos, altura em que seriam pagas as importâncias em falta.
E por considerarem que inexistiram falsas declarações da sua parte e que não são responsáveis pelo pagamento de qualquer valor indemnizatório, pugnam pela improcedência da acção.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar, julgada improcedente uma pretensa excepção dilatória de ilegitimidade passiva, fixado valor à causa (€ 12.492,36), bem como os factos assentes, e elaborada a base instrutória.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à base instrutória, sem reclamação das partes, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor:
«Pelo exposto:
1. Julga-se a acção parcialmente procedente e, em conformidade, condenam-se os réus a pagar à autora:
a. A quantia global de € 2118,54, a título de retribuições referentes aos meses de Dezembro de 2010, Janeiro e Fevereiro de 2011, subsídio de Natal de 2010, férias não gozadas e subsídios de férias de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação do contrato, acrescida de juros, à taxa de 4%, desde data dos respectivos vencimento e até efectivo e integral pagamento;
b. Absolvem-se os réus da restante parte do pedido;
(…)».

Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«A) O presente Recurso é interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, na parte em que considerou que, por não provada a subjacente justa causa, a Autora não tem direito à peticionada indemnização prevista no artigo 396º do Código do Trabalho;
B) Salvo o devido respeito, a Apelante, não concorda com tal decisão pois face à legislação aplicável, e à Jurisprudência, não se fez justiça;
C) Nos termos do disposto na alínea a) do número 2 do artigo 394º, no número 5 desse mesmo artigo e nos artigos 395º e 396º, todos do Código do Trabalho em vigor, desde que se verifique a falta de pagamento pontual da retribuição por um período superior a 60 dias e seja efectuada a comunicação por escrito do propósito do trabalhador em resolver o contrato,
D) Tal comunicação torna-se eficaz conferindo ao trabalhador o direito á indemnização prevista no artigo 396º do Código do Trabalho;
E) Tendo resultado como provado a falta de pagamento pontual da retribuição por período de 60 dias (meses de Dezembro de 2010, Janeiro de 2011 e Subsídio de Natal de 2010), nos termos do disposto no número 5 do artigo 394º do Código do Trabalho, tal falta considera-se culposa;
F) E a alínea a) do número 2 dessa disposição legal – artigo 394º do C.T. dispõe que a falta culposa de pagamento pontual da retribuição constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador;
G) Tendo a Autora, ora Apelante, optado pela resolução do contrato de trabalho com o fundamento da verificada falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongava por período de 60 dias,
H) E tendo observado o disposto no número 1. do artigo 395º do Código do Trabalho quanto à comunicação dessa resolução, com o envio da carta de 15 de Fevereiro de 2011 – k) dos Factos Assentes da Matéria de Facto - ,
I) Assiste o direito à ora Apelante à indemnização a que alude o artigo 396º do Código do Trabalho, sem que esta tenha necessidade de demonstrar ou comprovar que tal falta de pagamento tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho;
J) O douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 2010, a que o Meritíssimo Juiz “a quo” faz referência na sua Sentença, não pode ser invocado pois a questão nele decidida não tem qualquer semelhança com a dos presentes autos;
L) Basta que a resolução do contrato se fundamente em conduta culposa do empregador, como é o caso, para que a trabalhadora tenha direito a uma indemnização;
M) Tanto mais que de acordo com o disposto no artigo 799º do Código Civil a culpa do empregador presume-se, incumbindo a este provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua;
N) De acordo com a lei, não tinha a ora Apelante que alegar que se encontrava perante uma situação de incumprimento da entidade empregadora que, pela sua gravidade e consequências, punha de imediato em causa a subsistência da relação de trabalho;
O) Nesse sentido, entre outros, o douto Acórdão da Relação do Porto de 21 de Fevereiro de 2011, assim como e ainda que referentes ao Código do Trabalho de 2003, mas que se aplicam mutatis mutandis, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Janeiro de 2010 (Procº 44/08.4 TTALM.L1-4), o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1 de Março de 2010 (Procº 425/08.3 TTGDM.P1) e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Maio de 2007 (Procº nº 07S532), de 19 de Novembro de 2008 (Procº nº 08S1871), de 3 de Novembro de 2010 (Procº nº 425/07.0 TTCBR.C1.S1) e de 12 de Outubro de 2011 (Procº nº 2384/07.0 TTLSB.L1.S1);
P) Nos termos do disposto na alínea a) do número 2 e no número 5, do artigo 394º do Código do Trabalho, o comportamento da entidade empregadora foi culposo, pelo que está assim provada a subjacente justa causa para a resolução do contrato de trabalho pela trabalhadora ora Apelante,
Q) Resolvido o Contrato de Trabalho com justa causa, tem a ora Apelante direito á indemnização por antiguidade, prevista no artigo 396º do Código do Trabalho, e que foi peticionada;
R) Que os Réus, ora Apelados, devem ser condenados a pagar àquela;
S) Tal entendimento é perfilhado por vários Autores, ainda que com referência a anterior legislação, tais como Monteiro Fernandes e Pedro Romano Martinez;
T) Ao assim não se decidir, salvo o devido respeito, o douto Tribunal “a quo” não fez a devida aplicação da lei, nomeadamente o disposto no artigo 799º do Código Civil e nos artigos 394º, 395º e 396º do Código do Trabalho, nem valorou os factos».
E a terminar pede que seja concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida, para ser substituída por outra que considere que a Autora resolveu com justa causa o contrato de trabalho e condene os Réus a pagar à Autora o valor de € 9.366,56 a título de indemnização de antiguidade.

Os Réus, recorridos, não responderam ao recurso.
Este foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata nos autos, e efeito devolutivo.

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da procedência do recurso por, em suma, uma vez que o não pagamento da retribuição se prolongou por período superior a 60 dias, independentemente da culpa do empregador ou da prova da impossibilidade da manutenção da relação laboral, existe justa causa de resolução do contrato de trabalho.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Tendo em conta que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações [cfr. o disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho], a questão essencial a decidir centra-se em saber se se verificou justa causa de resolução do contrato por parte da trabalhadora.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade, que se aceita por não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração:
1. A Autora foi admitida em 6 de Abril de 1998 para exercer as funções de empregada de limpeza para a Sociedade “M…, LDA.” com sede na Rua…, concelho de Silves, com o número de matrícula igual ao de pessoa colectiva 502 962 429;
2. Os Réus eram os únicos sócios e gerentes da sociedade referida em 1;
3. A Sociedade M…, LDA.” tinha como objecto social “mediação imobiliária, gestão e administração de imóveis” e dedicava-se à exploração de vários apartamentos turísticos que arrendava, por curtos períodos de tempo, a turistas;
4. Era nesses apartamentos e na Recepção/Escritório da Sociedade que a Autora, sob a autoridade, direcção e fiscalização de ambos os Réus, como sócios da Sociedade, exercia as funções de empregada de limpeza;
5. A Autora procedia à limpeza e arrumação dos apartamentos destinados a arrendamento, bem como à limpeza da Recepção e do pátio fronteiriço, à lavagem e engomagem das roupas das camas e de banho, e carregava garrafas de gás para os apartamentos;
6. O horário de trabalho da Autora era das 9 horas às 17 horas, com interrupção de menos de uma hora para o almoço, e descanso ao Domingo;
7. Desde o início da relação laboral, a Autora recebia como remuneração mensal o rendimento mensal mínimo garantido, sendo que no ano de 2010 a Autora auferia a remuneração mensal base de 475,00 €, acrescida de subsídio de alimentação no valor de 102,74 € mensais;
8. A Sociedade M…, L.DA” emitiu um cheque a favor da Autora, datado de 23.1.2010, no valor de € 503,24;
9. O 1º Réu emitiu um cheque a favor da Autora, datado de 4 de Janeiro de 2011, no montante de € 525,49;
10. No início de Fevereiro de 2011 a autora e seu marido foram falar com o ora 1º Réu;
11. A autora endereçou à Sociedade M…, LDA.”, carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Fevereiro de 2011, recepcionada pelo 1º Ré a 21 de Fevereiro de 2011, cuja cópia se encontra junto aos autos a fls. 28, sob a designação de documento n.º 9, com o seguinte teor:
«M…
(…)

À
M…; LDA
Rua…
8365 ARMAÇÃO DE PÊRA
RESGITADA C/A.R.
Armação de Pêra, 15 de Fevereiro de 2011-09-29
Assunto: Resolução do Contrato de Trabalho com justa causa.
Exmmºs Senhores:
Os meus melhores cumprimentos.
Porque até à presente data não fui recebedora das retribuições referentes aos meses de Dezembro de 2010, Janeiro de 2011 e Subsídio de Natal do ano de 2010, venho pela presente, e nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 394º do Código do Trabalho, resolver de imediato com justa causa o Contrato de Trabalho em vigor entre mim e a V/Sociedade.
Assim, pretendo que no prazo máximo de 8 dias a contar da recepção da presente, procedam ao pagamento das referidas três remunerações em dívida nos termos do disposto do artigo 396º do Código do Trabalho, deverão ainda indemnizar-me por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no valor correspondente a 13 meses (€475.00€×13 6.175,00€)
Ficando a aguardar a vossa melhor receptividade à presente, e que seja efectuado o pagamento das quantias a que tenho direito, pois caso contrário recorrerei ao Tribunal do Trabalho, subscrevo-me
Atentamente».
12. Em resposta à carta referida em 11, o 1º Réu, enviou à Autora, que a recepcionou, carta registada com a aviso de recepção datada de 24 de Fevereiro de 2011, junta aos autos a fls. 30, sob a designação de documento n.º 11, com o seguinte teor:
«Exma Sra.
Com os meus melhores cumprimentos;
Na minha qualidade de liquidatário da M…, e após ter recepcionado a sua missiva de 15 de Fevereiro corrente, venho por este meio e ao abrigo do disposto no artigo 395º n.º 4 do CT, requerer A V. Exa reconhecimento presencial da assinatura na declaração ou documento onde tomou a iniciativa de proceder ao seu despedimento.
Posteriormente tomarei outras atitudes e tecerei mais considerações que em nome de sociedade da qual sou liquidatário quer ainda em meu nome pessoal
Sem mais
O liquidatário».
13. Em resposta, a Autora, enviou à ré carta registada com aviso de recepção, datada de 2 de Março de 2011, cuja cópia de encontra junta a fls. 32, sob a designação de documento n.º 13, como seguinte teor:
«Assunto: Resolução do Contrato de Trabalho com justa causa;
Exm.os Senhores:
Os meus melhores cumprimentos.
Com referência ao assunto supra epigrafado, e na sequência da vossa carta datada de 24 de Fevereiro de 2011 mas com data dos correios de 28 de Fevereiro de 2011, junto envio carta com Declaração de Resolução do Contrato de Trabalho com Justa Causa, com a assinatura reconhecida notarialmente.
Sem mais de momento, subscrevo-me
Atentamente».
14. O reconhecimento presencial da assinatura da Autora veio a ter lugar em 2 de Março de 2001, no Cartório Notarial de Armação de Pêra /Silves;
15. A ré, pelo menos, a partir de 28.1.2011, nada mais pagou à autora;
16. A sociedade “M…, LDA.”, foi extinta pelos Réus, em 26 de Outubro de 2010, data de aprovação de contas, através do Procedimento Especial de Extinção Imediata de Entidades Comerciais (artigo 27º do Decreto Lei nº 76 – A/2006, de 29 de Março), entregue em 27 de Outubro de 2010 na Conservatória do Registo Comercial de Portimão, e cuja Decisão de Extinção foi proferida no dia seguinte;
17. Nesse Procedimento Especial de Extinção Imediata de Entidades Comerciais, ambos os Réus, como únicos sócios da sociedade “M…, LDA.”, declararam que aquela Sociedade não possuía activo nem passivo a liquidar e que estavam então reunidos todos os pressupostos para o procedimento de extinção imediata, declarando também aprovadas as contas;
18. O cheque referido em 8 destinou-se ao pagamento da retribuição da autora referente ao mês de Dezembro de 2009;
19. A retribuição de:
a) Janeiro de 2010 foi paga em 9 de Fevereiro de 2010;
b) Fevereiro de 2010 foi paga em 16 de Março de 2010;
c) Março de 2010 foi paga em 11 de Maio de 2010;
d) Abril de 2010 foi paga em 6 de Julho de 2010;
e) Maio de 2010 foi paga em 4 de Agosto de 2010:
f) Junho de 2010 foi paga em 11 de Agosto de 2010;
g) Julho de 2010 foi paga em 7 de Setembro de 2010;
h) Agosto de 2010 foi paga em 11 de Outubro de 2010;
i) Setembro de 2010 foi paga em Novembro de 2010;
j) Outubro de 2010 foi paga em 14 de Dezembro de 2010;
20. O cheque referido em 9 destinou-se ao pagamento da retribuição da Autora referente ao mês de Novembro de 2010;
21. A Autora trabalhou para a ré até ao 15 de Fevereiro de 2011;
22. A autora não gozou férias no ano de 2011;
23. A sociedade “M…, LDA.”, na data referida em 16, era titular, no Escritório/Recepção sito na Rua …, um Computador, um balcão/secretária de atendimento, uma fotocopiadora, uma impressora, um sofá e cadeiras;
24. A sociedade referida em 23 explorava, para efeitos turísticos, número não concretamente apurado de fracções autónomas;
25. A Autora, pelo menos a partir de 15 de Fevereiro de 2001 tomou conhecimento da extinção da sociedade “M…, LDA.”.

IV. Enquadramento Jurídico
Como se afirmou supra (sob n.º II), as questão essencial a decidir centra-se em saber se a Autora/apelante resolveu o contrato de trabalho com justa causa.
A 1.ª instância considerou, em suma, que a Autora resolveu o contrato de trabalho com fundamento em comportamento culposo da empregadora: contudo, tal comportamento não é suficientemente grave que ponha em causa a subsistência da relação de trabalho.
Outro é o entendimento da Autora/recorrente que sustenta que basta que a resolução do contrato de trabalho se funde em conduta culposa do empregador para que exista direito a uma indemnização.

Vejamos.
Constitui facto incontroverso que entre a Autora, apelante, e a sociedade Maevatur, Lda., apelada, vigorou um contrato de trabalho, a que aquela pôs termo através da resolução com invocação de justa causa.
Não vem questionado que a responsabilidade pela indemnização, a existir, é dos Réus/apelados.
Como decorre do disposto no artigo 394.º, do Código do Trabalho/2009 (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, e aqui aplicável tendo em conta a data dos factos), ocorrendo justa causa pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato (n.º 1).
No mesmo preceito procede-se à distinção entre a justa causa subjectiva, ou culposa (n.º 2) e a justa causa objectiva, ou não culposa (n.º 3), sendo que só quando a resolução se fundamenta em conduta culposa do empregador tem o trabalhador direito a uma indemnização.
A justa causa é apreciada nos termos previstos no n.º 3 do artigo 351.º, do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, ou seja, tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Porém, como adverte Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pág. 1011) não poderão apreciar-se tais elementos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar: a dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador assim o impõem.
Isto é, e dito de outro modo: na apreciação de justa causa de resolução pelo trabalhador o grau de exigência tem de ser menor que o utilizado na apreciação de justa causa de despedimento – uma vez que o trabalhador perante o incumprimento contratual do empregador não tem formas de reacção alternativas à resolução, enquanto este perante o incumprimento contratual do trabalhador pode optar pela aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral, em detrimento da mais gravosa de despedimento.

Como resulta do referido artigo 394.º, exigem-se três requisitos para que se verifique uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato com justa causa:
(i) um requisito objectivo, traduzido num comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador;
(ii) um requisito subjectivo, consistente na atribuição desse comportamento ao empregador;
(iii) um requisito causal, no sentido de esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral
Como princípio geral, a culpa do empregador presume-se, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, de acordo com o qual «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o incumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua».
Por isso, quando ocorra a violação de um qualquer dever contratual por parte do empregador, designadamente a falta culposa de pagamento pontual da retribuição, vale a regra ínsita no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que, demonstrados os comportamentos que configuram, na sua materialidade, violação de deveres contratuais imputados ao empregador (cuja prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, compete ao trabalhador), a culpa do mesmo presume-se, havendo de ter-se por verificada, caso a presunção não seja ilidida pelo empregador.
Todavia, a lei expressamente qualifica de culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta até ao termo daquele prazo (n.º 5 do artigo 394.º).
Como assinala Leal Amado (Contrato de Trabalho, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 460), «neste tipo de casos, em que a mora do empregador excede estes marcos temporais, mais do que uma mera presunção juris tantum de culpa, estabelece-se uma ficção legal de culpa patronal na falta de pagamento da retribuição (a qual, portanto, não admite prova em contrário)».
Na verdade, como se afirmou, tendo em conta que de acordo com os princípios gerais se presume a culpa do empregador nos termos do artigo 799.º, do Código Civil, incumbindo, por isso, a este provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua, seria destituído de sentido que no aludido n.º 4 do artigo 394.º do Código Trabalho, designadamente quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongue por período de 60 dias, se estabelecesse novamente um presunção ilidível de culpa.
Considerando que na fixação do sentido e alcance da lei se presume que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), a referência a comportamento culposo no caso de falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias só poderá entender-se como não admitindo prova em contrário, diferentemente do que sucede nas outras situações contempladas no n.º 2 do artigo 394.º, nomeadamente se a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongar por período inferior a 60 dias, situação em que compete ao empregador provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.
Assim sendo, não tendo a sociedade pago o subsídio de Natal de 2010 e a retribuição de Dezembro do mesmo ano, bem como de Janeiro de 2011, em 15 de Fevereiro de 2011 quando a trabalhadora/Autora resolveu o contrato de trabalho a falta de pagamento da retribuição já se prolongava por mais de 60 dias, sendo, por isso, de considerar culposa [cfr. artigos 263.º, n.º 1, 394.º, n.º 1 e 2, alínea a ) e n.º 4, do Código do Trabalho].
Considerando que o período de falta de pagamento da retribuição à Autora se prolongou para além de 60 dias e, por isso, que existe culpa da empregadora e que se verificam os dois primeiros requisitos supra elencados para a resolução com justa causa, impõe-se agora apurar se tal comportamento tornou impossível a subsistência da relação de trabalho (nexo de causalidade).
Isto porquanto, como também já se afirmou, a justa causa de resolução é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações (n.º 4 do artigo em referência); isto é, da existência de culpa no não cumprimento pontual de uma obrigação não decorre, forçosamente, justa causa para a resolução do contrato pelo trabalhador; esta terá de aferir-se nos termos do n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho, por remissão feita pelo n.º 4 do artigo 394.º, pelo que deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e a sua entidade empregadora, aos demais envolvimentos e circunstâncias precedentes e posteriores ao comportamento invocado como constituindo justa causa [neste sentido, e embora no domínio da anterior legislação, podem ver-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02-04-2008 (Proc. n.º 2904/07 – 4.ª Secção) e de 18-02-2009 (Proc. n.º 3442/08 – 4.ª Secção), ambos disponíveis em www.dgsi.pt, e na doutrina, Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Princípia, pág. 537].

Refira-se que na 1.ª instância se entendeu que na comunicação de resolução do contrato a Autora não invocou factos donde se possa extrair a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.
Ora, salvo o devido respeito por diferente entendimento, a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho deverá aferir-se em função da diversa factualidade invocada e apurada, como seja as retribuições em falta, o montante das mesmas, a situação económica do trabalhador, etc.: é perante esses factos que terá que se apurar se a falta de pagamento em causa, pela sua gravidade e consequências, tornou praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
No caso, como resulta do n.º 11 dos factos provados, a Autora invocou como fundamento para a resolução do contrato de trabalho a falta de pagamento do subsídio de Natal de 2010 e da retribuições de Dezembro de 2010 e de Janeiro de 2011.
Mais invocou também para fundamentar a resolução do contrato o disposto no artigo 394.º, n.º 2, alínea a), do Código do Trabalho, ou seja, a justa causa de resolução do contrato por falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
E invocou também o disposto no artigo 396.º, do mesmo diploma legal, o mesmo é dizer o direito a uma indemnização por essa resolução.
Em tal situação, ainda que a trabalhadora não o tenha afirmado expressamente, está presente a alegação de impossibilidade de subsistência da relação de trabalho.
E é perante os referidos factos invocados, e provados, que terá que se aferir da existência ou não de justa causa de resolução.

Ora, na apreciação de tal questão não poderá deixar de ponderar-se que a retribuição constitui um importante, ou até a única fonte de rendimentos do trabalhador.
A Autora auferia a remuneração mensal de € 475,00, precisamente a correspondente à retribuição mínima mensal garantida (salário mínimo nacional).
As funções que desempenhava eram de empregada de limpeza.
Pois bem: face a tal retribuição, que é de considerar modesta, e não resultando dos autos que tivesse outros rendimentos, indicia-se que gastaria nas despesas do dia-a-dia, ao menos a maior parte dos rendimentos que iam auferindo mensalmente; por isso, o ter estado sem receber a retribuição, lato sensu, durante mais de 60 dias, significa que esteve nesse período de tempo sem poder dispor dos rendimentos do trabalho para fazer face às despesas diárias normais.
As funções exercidas pela Autora – de empregada de limpeza – indiciam também um quadro sócio-económico modesto.
Perante tal circunstancialismo, sendo legítimo presumir que a trabalhadora vivia dos rendimentos do trabalho e sendo, pois, em função deles que tinha que fazer face às despesas do dia-a-dia e organizar e manter seja a sua vida pessoal, seja a sua vida familiar, entende-se que para um trabalhador médio, no concreto circunstancialismo, não era possível manter o contrato de trabalho e, por consequência, pela existência de justa causa de resolução do mesmo.

Concluindo pela existência de justa causa de resolução do contrato por parte da trabalhadora, importa agora determinar o quantum indemnizatório.
Como decorre do disposto no artigo 396.º, n.ºs 1 e 2, conjugado com o n.º 2 do artigo 394.º, ambos do Código do Trabalho, em caso de resolução do contrato por falta culposa de pagamento pontual da retribuição, o trabalhador tem direito a indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, «(…) atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador (…)», sendo que em caso de fracção de ano de antiguidade, o valor da indemnização é calculado proporcionalmente.
Isto é, nos termos da lei o trabalhador deve ser indemnizado pelos danos sofridos, sendo que a quantificação dos dias de indemnização deverá ter em conta:
(i) o valor da retribuição do trabalhador;
(ii) o grau de ilicitude do comportamento do empregador, o mesmo é dizer, a antijuricidade da conduta do empregador que desencadeou a resolução do contrato pelo trabalhador.
No caso que nos ocupa, a resolução do contrato teve o seu fundamento na falta de pagamento pontual da retribuição, sendo certo que constitui dever do empregador pagar pontualmente aquela [cfr. artigo 127.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho].
Essa falta de pagamento pontual da retribuição, que se prolongou por período superior a 60 dias, é de considerar culposa (n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho).
Como já se deixou afirmado supra, o valor da retribuição auferido pela Autora é de considerar modesto.
Além disso, não poderá olvidar-se que colocando a trabalhadora à disposição da empregadora a disponibilidade para trabalhar e não pagando esta a contrapartida devida, rectius retribuição (cfr. artigo 11.º do Código do Trabalho), isso constitui uma situação gravosa para aquela na medida em que deixou de obter o rendimento para fazer face às despesas do dia-a-dia, sendo que tal se verificou durante mais de 60 dias.
Importa ainda relevar que a empregadora foi extinta, facto de que a Autora não tinha conhecimento até à resolução do contrato.
Ponderados estes factos, e considerando que a indemnização é fixada entre 15 e 45 dias por cada ano de antiguidade, julga-se adequado fixar o quantitativo dos dias no seu ponto médio, ou seja, em 30 dias.
Assim, considerando a retribuição da Autora (€ 475,00) e a antiguidade da mesma (admitida em 6 de Abril de 1998, termo do contrato em 15 Fevereiro de 2011), obtém-se o valor indemnizatório de € 6.109,93 [€ 5.700,00 (€ 475,00 x 12) + 409,93 (€ 475,00 : 365 x 315)].
Procedem, por isso, parcialmente, as conclusões das alegações de recurso, pelo que deve revogar-se a sentença recorrida na parte em que absolveu os Réus do pedido de indemnização, devendo ser substituída pela condenação destes a pagar à Autora, a tal título, o valor de € 6.109,93.

Vencidos parcialmente no recurso, apelante e apelados deverão suportar o pagamento das custas respectivas, na proporção do decaimento (artigo 446.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso interposto por M… e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida na parte em que absolveu os Réus do pedido de pagamento da indemnização prevista no artigo 396.º, do Código do Trabalho, que se substitui pela condenação dos mesmos Réus a pagar à Autora, a tal título, a quantia de € 6.109,93.
No mais mantém-se a sentença recorrida.
Custas pela Apelante e apelados, na proporção do respectivo decaimento.
Évora, 25 de Outubro de 2012
(João Luís Nunes)
(Paula Maria Videira do Paço)
(José António Santos Feteira)