Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
86/12.5YQSTR.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DA CONCORRÊNCIA
VENDAS COM PREJUÍZO
PREÇO DE COMPRA EFECTIVO
Data do Acordão: 05/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
1. A venda de produtos abaixo do custo, procedimento em princípio ilógico num mercado concorrente, é uma prática que pode estar associada a grandes empresas com objectivo de eliminar os concorrentes mais fracos fazendo com que estes saiam do mercado.

2. A proibição-regra determinada no art. 3º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 370/93 comporta as excepções previstas no nº 4, que identifica, reconhece, e simultaneamente confina, os motivos legalmente atendíveis que podem justificar a venda de produtos abaixo do custo, no mercado.

3. A garantia do funcionamento equilibrado do mercado e a salvaguarda do bem público concorrência explicam também que na determinação do preço de compra efectivo dos produtos transaccionáveis não possa ser contabilizado todo e qualquer desconto de que uma empresa tenha beneficiado na aquisição dos produtos que transacciona, designadamente o desconto que decorra da sua condição de grande empresa grande compradora.

4. Pois a regra é a da proibição de venda de bens por um preço inferior ao seu preço de compra efectivo, e o preço de compra efectivo para os efeitos previstos Decreto-Lei n.º 370/93 é o constante da factura de compra após a dedução dos descontos.

5. Descontos estes que, também para os efeitos previstos no diploma, são apenas os (a) directamente relacionados com a transacção em causa, (b) que se encontrem identificados na própria factura ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preços e (c) que sejam determináveis no momento da respectiva emissão”.

6. Se de outros descontos beneficiou a empresa, sairá ela sempre favorecida, pois obterá um ganho decorrente do aumento do seu lucro. O que não pode é fazê-los repercutir no preço dos produtos, para os efeitos previstos no art. 3º do Decreto-Lei n.º 370/93.

7. A norma prevê um catálogo fechado de descontos elegíveis, com virtualidade de repercussão no preço de compra efectivo dos produtos transaccionáveis, pois a preocupação é a de confinar o desconto lícito, no sentido de “elegível”, separando-o do “não atendível” para os efeitos de determinação do preço de custo efectivo. [1]
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No processo de contra-ordenação nº 86/12.5YQSTR, do 1º juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, foi proferida sentença que, concedendo parcial provimento ao recurso de impugnação de decisão da Autoridade da Concorrência, manteve a condenação da arguida M..., S.A. como autora de cinco contra-ordenações aos arts. 3.º, n.º 1 e 5.º, n.º 2, al. a) do DL 370/93, de 29/10 (na redacção do DL 140/98, de 16/5), reduzindo a coima única inicialmente aplicada para € 19.500 (dezanove mil e quinhentos euros), a qual englobou as parcelares (também reduzidas) de € 10.911,22, € 4.676,22, € 4.676,22, € 4.676,22 e € 8.105,46.

Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguida, concluindo da forma seguinte:

“A. No dia 26 de Julho de 2011, encontravam-se expostos para venda ao público, entre outros, os cinco produtos já identificados nos autos, no estabelecimento da Arguida sito em Vila Nova de Famalicão.

B. Por ter sido entendido que o preço de compra efectivo de tais produtos era superior ao preço de venda praticado, foi levantado o presente processo de contra-ordenação.

C. O Tribunal a quo, resolveu dar apenas procedimento parcial ao recurso apresentado, tendo condenado a Arguida pela prática das contra-ordenações de que vinha acusada tendo, contudo, reduzido aos montantes das coimas aplicadas, bem como, do respectivo cúmulo.

D. No entanto, os fundamentos apresentados na douta sentença de que aqui se recorre, não encontram suporte na lei, nem na própria Constituição.

E. Desde logo, afiança a douta sentença a quo que estando em causa um recurso, o objecto do processo é fixado em função do articulado de impugnação, e mais diz ainda que a arguida aceitou a generalidade dos factos provados.

F. Em primeira linha, de acordo com o art. 62º nº 1 do RGCO, recebido o recurso deve a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministério Público, que os tornará presentes ao Juiz, valendo este acto como acusação.

G. Donde que o que define o objecto dos autos num tal cenário é desde logo a decisão administrativa, então volvida acusação (cfr. referido art. 62º nº 1).

H. Por outro lado, incorrecto é dizer-se que a arguida aceitou os factos constantes da decisão agora volvida acusação.

I. O que a arguida sempre pugnou foi justamente pela inexistência de factos que possibilitassem a inserção da temática “acusada” no quadro legal que ali vinha invocado.

A – Do desconto de Rappel

J. O Tribunal a quo entendeu que o desconto de rappel devidamente alegado e dado por provado pela Arguida não havia de ser considerado no cálculo do preço de compra efectivo dos três produtos em que o mesmo é trazido á colação (“Loção de corpo Fá”, “Rolo Papel Cozinha Colhogar Kilométrico” e “Rolo Papel Higiénico Foxy, 3F”).

K. Justifica esta sua posição, em suma, referindo que se trata de um desconto que se inicia na aquisição de uma só unidade e que, por isso mesmo, está mais relacionado com a pessoa do comprador e não com a transacção em causa.

L. Desde logo, inexistem factos dados por provados que sustentem tal entendimento.

M. Em razão disso, argui-se a nulidade da sentença.

N. De resto, vindo a sentença fundamentada em termos segundo os quais considerou que o desconto de rappel constante do CGF seria um desconto acordado independentemente das transacções concretas realizadas no momento presente (sic), sem que essa afirmação tabelar mostre ressonância nos factos narrados e dados como provados, incorreu-se em manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no art. 410º nº 2 a) do CPP, cujo conhecimento é oficioso.

O. Na verdade, o desconto de rappel é um desconto de quantidade, normalmente estabelecido em escalões e que varia de acordo com o volume de aquisições realizadas durante um determinado período de tempo.

P. Como bem sublinha a doutrina, “Recordemos que as transações se inserem, vulgarmente, no quadro de um contrato de fornecimento, o qual estabelece uma relação jurídica duradoura entre as partes”.

Q. Não existe qualquer razão de ser para que não sejam considerados no cálculo do preço de compra efetivo descontos que estavam já estabelecidos pelas partes.

R. Quanto mais não seja, habitualmente, a compra de uma única unidade do bem dá, desde logo, acesso ao 1º escalão de desconto.

S. A interpretação dos requisitos legalmente impostos para a consideração de descontos no cálculo do preço de compra efetivo deve ser feita em sintonia com a realidade do mercado e dos usos (legítimos) no mesmo instalados, no sentido de permitir tomar em linha de conta no cálculo do preço de compra efetivo os descontos que se encontrassem já previstos ou acordados no momento da emissão da fatura.

T. Assim, não pode haver dúvidas quanto legitimidade da consideração do desconto de rappel no cálculo do preço de compra efetivo dos referidos produtos.

U. A arguida em cumprimento do ónus que sobre si impendia de apresentar prova documental relativamente aos descontos que invocou – art. 3º nº 5 do DL 370/93 revisto –, juntou fatura com nota remissiva para outos contratos com ela relacionados, o dito contrato geral de fornecimento (CGF).

V. Os produtos em causa estão devidamente identificados em tais documentos, como assim o período de vigência do desconto, e os ditos elementos estão relacionados com a transação em causa, por via desde logo da nota remissiva e do acordo que as partes celebraram em vista dessa transação plasmada na fatura dos autos.

W. De resto, na enumeração dos factos provados constam as factura, respectivas nota de remissão, e o rappel escalonado, com quantidade a partir de “1” unidade, ou seja, do 1º escalão.

X. O rappel, como vêm entendendo as instâncias e na linha do que a Arguida há muito vem desenvolvendo, é um desconto relacionado com as quantidades adquiridas pelo cliente em face do volume de compras efetuado durante um dado período de tempo; daí a sua natureza de desconto de quantidade, e o preenchimento, com isso, do primeiro requisito legal.

Y. Por outro lado, esse desconto está escalonado em função do montante das compras, por isso que é fixado em função do volume de vendas imediato tendo como referência a concreta transação, e nessa exata medida é desconto determinável no momento da emissão da fatura.

Z. Aspetos acautelados seriam ainda os que se prendem com a identificação do produto, respetiva quantidade e o período de tempo por que vai vigorar o desconto, tudo consignado no CGF.

AA. Isto mesmo considera a larga maioria da jurisprudência e, de forma inteiramente unânime, toda a doutrina.

BB. De resto, não basta afirmar-se, como na pág. 9 da douta sentença, que “nem se diga que o desconto foi negociado em virtude das quantidades de produtos previamente adquiridas pelo comprador, pois tais quantidades não respeitam a esta transacção” (sic),

CC. Quando na mesma peça decisória, mais acima, e ainda na pág. 9, se logrou afirmar textualmente que, “no caso do rappel escalonado há diferenciação da percentagem de desconto a aplicar em virtude da quantidade de produto adquirida” (sic).

DD. É, assim, manifesta a contradição, pois por um lado assenta a sentença a sua fundamentação em que no caso do rappel escalonado há diferenciação da percentagem de desconto a aplicar em virtude da quantidade de produto adquirida, para logo depois se desmentir a si própria e considerar que nem se diga que o desconto foi negociado me virtude das quantidades de produtos previamente adquiridas pelo comprador, pois tais quantidades não respeitam a esta transacção.

EE. Acresce, como dito supra, que estas conclusões além de contraditórias ente si não encontram estofo no probatório dos autos.

FF. Tudo isto sem prejuízo da falada questão prévia, traduzida na (arguida) nulidade, por se ter omitido na sentença a enumeração dos factos não provados e por ali se ter incorrido no vício do art. 410º nº 2 a) do CPP.

GG. O referido desconto cumpre com todos os requisitos constantes do citado preceito legal.

HH. Da mesma forma, além de descabida, é, no mínimo, abusiva a conclusão de que, por se iniciar em “1” unidade o rappel não é um desconto económico.

II. Fica-se sem perceber, então, qual o limite mínimo de aquisições que o Mm. Juiz a quo consideraria suficientes para, no seu entender, já se estar perante “um desconto económico”.

JJ. De resto, não resulta dos autos, como se disse, qualquer referência a este facto.
KK. E, salvo o devido respeito, não vemos como pode o Tribunal a quo tecer considerações daquele tipo, sem qualquer fundamento jurídico ou mesmo económico, que possa justificar tal opinião.

LL. Não esquecendo que nos encontramos numa sede em que o princípio da tipicidade vigora na sua plenitude.

MM. Uma interpretação como a plasmada na douta sentença do disposto no nº 2 e 3 do Art.º 3º do Decreto-Lei 370/93 de 29 de Outubro é, não só ilegal, como inconstitucional, por violar o disposto no Art. 61.º e no Art.º 18º da CRP.

NN. Com efeito, o regime da venda com prejuízo configura uma lei restritiva de um direito fundamental: a liberdade de iniciativa económica privada, consagrada no art. 61º, n.º 1 da CRP, na sua vertente de liberdade de gestão e atividade da empresa.

OO. Esta liberdade possui natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, o que significa que está abrangida pela especial tutela do art. 18º da CRP no que toca à legitimidade material das restrições legais ao seu pleno exercício.

PP. Se levanta já muitas dúvidas que o art. 3º do Decreto-Lei n.º 370/93 respeite inteiramente dois dos pressupostos materiais para a restrição legítima de direitos, liberdades e garantias (ou de direitos fundamentais análogos): a salvaguarda de um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido e (sobretudo) o princípio da proporcionalidade.

QQ. É certo que um entendimento restrito como aquele que se encontra plasmado na douta sentença, se afigura inconstitucional, por manifesta violação do princípio da proporcionalidade.

RR. Dito de modo mais exacto, é absolutamente desproporcionado e excessivo, em face dos fins (alegadamente) visados, impedir a dedução, ao preço constante da factura, de descontos ligados à transacção – sobretudo quando a explicação principal da formulação da lei reside na simplificação da tarefa das autoridades fiscalizadoras.

SS. Pretender restringir a possibilidade de serem abatidos ao preço da factura sem outra justificação plausível que a de facilitar a tarefa às autoridades fiscalizadoras, quando, no outro prato da balança, encontramos a liberdade de iniciativa económica privada, é atentar manifestamente contra o regime constitucional deste direito fundamental.

B - “Gel Duche Nivea for Men Sport”

TT. A arguida adquiriu o produto em questão, à “B..., Lda.”, conforme factura nº xxxx que consta já dos autos.

UU. Compete, porém, explicar que o preço de aquisição constante da factura não é € 7,02 conforme consta da nota de ilicitude notificada.

VV. Na verdade, o preço unitário de € 7,02 constante da factura deve ser dividido por três e multiplicado por dois, por que se trata de um “pack promocional” de duas unidades com oferta de uma terceira.

WW. Isto mesmo esclarece o próprio fornecedor da Arguida no documento que se juntou aos autos na defesa, como Doc1

XX. Porém, incompreensivelmente e sem qualquer explicação digna de assim ser considerada, a AdC e o Tribunal a quo resolveram considerar outro preço de compra.

YY. Sendo que a declaração do próprio fornecedor atesta de que forma foi acordado o preço unitário do produto.

ZZ. Não se chega sequer a perceber porque não foi tomado em consideração tal documento.

AAA. Não são raras as vezes que o preço do produto constante da fatura tem que ser dividido por dizer respeito, não a uma unidade do mesmo, mas antes, a várias.

BBB. Temos, assim, que o preço unitário de cada embalagem do produto agora em análise foi de € 4,68.

CCC. Acrescido do valor do IVA, temos que o preço efectivo de compra era de € 5,75

DDD. O preço a que o mesmo se encontrava exposto para venda era de € 5,99.

C - “Loção de Corpo Fá”

EEE. Com a notificação da nota de ilicitude se apercebeu a Arguida que o Contrato Geral e Fornecimento já junto aos autos apenas entrou em vigor após a data em que ocorreu a inspecção da ASAE que esteve na origem do presente processo.

FFF. O contrato geral de fornecimento que se encontrava em vigor na data de aquisição do produto em causa nos autos é o contrato que junto aos autos na defesa como Doc. 2.

GGG. Tal acordo foi celebrado entre a arguida e o seu fornecedor, supra-descrito, plasmando descontos promocionais e de quantidade vigentes pelo período neles referidos e renováveis por iguais períodos.

HHH. Desde logo, desconsiderou o desconto identificado na fatura por alegadamente não ser possível determinar a sua natureza.

III. No que diz respeito ao primeiro daqueles descontos, o Tribunal a quo não os considera para o cálculo do preço de compra efetivo, uma vez que, não é possível encontrar descriminação desse mesmo desconto na fatura ou em qualquer outro documento que, por remissão da mesma, o pudesse identificar.

JJJ. Na verdade, o desconto concedido pelo fornecedor não é mais do que um desconto de quantidade, dado que foi atribuído pelo mesmo tendo em conta o número de unidades que a Recorrente adquiriu, por aquela fatura.

KKK. A lei não exige que este desconto venha designado como tal.

LLL. Nem se percebe como se pode supor que um documento contabilístico contenha toda a informação que se pretende, pois não é esse o local adequado para tal efeito.

MMM. Por outro lado, pelo contrato geral de fornecimento já junto, beneficia a arguida de um desconto de rappel, no primeiro escalão de 9,85%.

NNN. O Tribunal a quo resolveu não considerar este desconto que, embora o assumindo como de quantidade, considera o mesmo subjetivo.

OOO. A este propósito dá-se por reproduzido o que no ponto A do presente recurso ficou dito quanto à ilegitimidade da não consideração do desconto de rappel no cálculo do preço de compra efetivo.

D – “Skip Líquido Aloé Vera, 2*36D”

PPP. A arguida adquiriu o produto em questão, à “U..., Lda.”, conforme fatura já constante dos autos.

QQQ. Porém, a fatura de aquisição do produto em causa nos autos não é aquela que já havia sido junta aos mesmos, por mero lapso, mas sim o constante da fatura nº 87429043, emitida em 20/07/2011 e junta na defesa como Doc. 3.

RRR. Da análise da fatura junta aos autos na defesa, pode-se constatar que o preço unitário constante da mesma é de € 7,61, uma vez que o preço indicado de € 22,84 se refere ao “pack” de 3 embalagens, conforme resulta igualmente da fatura.
SSS. Não se percebe, uma vez mais, que, faturando o fornecedor da Arguida os produtos vendidos em pack’s de três embalagens e estando aqui em causa apenas uma embalagem, não se aceite dividir o preço constante da fatura por três.

TTT. No entanto, tais menções publicitárias nada têm que ver com a relação entre a Arguida e o seu fornecedor a quem, aquela, paga as 3 unidades que adquiriu.

UUU. Pelo que não houve qualquer venda com prejuízo quanto a este produto.

E – “Rolo Papel Cozinha Colhogar Kilométrico

VVV. A arguida adquiriu o produto em questão, à “GP”, conforme factura já constante dos autos, conforme consta da fatura de aquisição do produto em causa, a factura nº.xxxx, emitida em 25/07/2011 e que foi junta aos autos com a defesa como Doc. 4..

WWW. Da referida factura que sustenta a transacção do produto em causa, e que foi junta aos autos, consta a menção que sobre os produtos supra referidos incidem os descontos e outras contrapartidas decorrentes dos Acordos celebrados entre as partes.

XXX. Daí que se tenha igualmente juntado aos autos o Contrato Geral de Fornecimento, celebrado com aquele referido fornecedor.

YYY. Tal acordo foi celebrado entre a arguida e o seu fornecedor, supra-descrito, plasmando descontos promocionais e de quantidade vigentes pelo período neles referidos e renováveis por iguais períodos.

ZZZ. Não aceitou, porém, a AdC e o Tribunal a quo, o desconto plasmado na própria fatura, pelas mesmas razões que já o havia recusado em relação a outros produtos.

AAAA. Dai que de dê aqui por reproduzido o que já acima se referiu para pugnar pela consideração do desconto constante da fatura no cálculo do preço de compra efetivo.

BBBB. Também voltou a não considerar o desconto de rappel no cálculo do preço de compra efetivo, apresentando, para o efeito, a mesma linha de argumentação, vaga e sem fundamento.

CCCC. Razão pela qual, a este propósito, se dá por reproduzido o conteúdo do acima exposto quanto a este desconto.

DDDD. Para além deste, a Arguida beneficiava ainda do desconto promocional em numerário de € 1,80, de acordo com o contrato igualmente junto aos autos e que foi aceite no cálculo do preço de compra efetivo pela AdC.

EEEE. Pelo que não houve qualquer venda com prejuízo quanto a este produto.

F – “Rolo Papel Higiénico Foxy, 3F”

FFFF. A arguida adquiriu o produto em questão, à sociedade “ICT – ..., SL”, conforme factura já constante dos autos.

GGGG. Dai que, agora, tenha junto aos autos na sua defesa fatura nº 11705773, emitida em 19/07/2011.

HHHH. Da referida factura que sustenta a transacção do produto em causa, e que foi junta aos autos, consta a menção que sobre os produtos supra referidos incidem os descontos e outras contrapartidas decorrentes dos Acordos celebrados entre as partes.

IIII. Daí que se tenha igualmente juntado aos autos o Contrato Geral de Fornecimento, celebrado com aquele referido fornecedor.

JJJJ. Tal acordo foi celebrado entre a arguida e o seu fornecedor, supra-descrito, plasmando descontos promocionais e de quantidade vigentes pelo período neles referidos e renováveis por iguais períodos.

KKKK. Tendo sido igualmente junto aos autos um Acordo Promocional, celebrado entre a Arguida e o seu fornecedor, constatou-se igualmente um lapso no envio de tal documentação.

LLLL. É falso que o produto em causa estivesse a ser vendido abaixo do preço efectivo de compra, tendo em consideração os descontos contratados com o respectivo fornecedor.

MMMM. Pela análise dos descontos concedidos, plasmados na factura, no Contrato Geral de Fornecimento e no contrato promocional fácil é concluir que a Arguida não o estava a vender com prejuízo, mesmo considerando o critério legal.

NNNN. Pelo contrato geral de fornecimento já junto, beneficia a arguida de um desconto de rappel, no primeiro escalão de 23,5%.

OOOO. Desconto este que foi desconsiderado indevidamente pelo Tribunal a quo razão pela qual, também agora, se dá por reproduzido o que anteriormente se referiu em relação ao desconto de rappel.

PPPP. O mesmo se passa em relação ao desconto constante das fatura de venda que, uma vez mais não foi aceite pela AdC.

QQQQ. Dando-se, por isso, por reproduzido o que anteriormente se disse a este respeito, por uma questão de economia processual.

RRRR. Para além deste, a Arguida beneficiava ainda do desconto promocional de 46%, de acordo com o contrato igualmente junto aos autos, desconto este, aceite pela AdC e pelo Tribunal a quo.

SSSS. Pelo que, também quanto a este produto, não houve qualquer venda com prejuízo.

Por fim,

TTTT. Entendeu a douta sentença a quo balizar o seguinte comentário na parte em que se dedica a fixar o quantum da coima,

UUUU. Não se provou o benefício económico concreto derivado da actuação da arguida, nem o concreto prejuízo para os consumidores, não obstante, em geral, as vendas com prejuízo acarretarem prejuízo para os concorrentes e em consequência para os consumidores (sic).

VVVV. Ora, à falta de provas que suportem tais suposições veiculadas, como aliás ali mesmo se reconhece, não se logra perceber a utilidade da douta observação aventada em sede da escolha e medida da sanção a aplicar.

Nestes termos, deve ser declarada a inconstitucionalidade do nº 2 e do nº 3 do Art.º 3º do Decreto-Lei 370/93 de 29 de Outubro, quando interpretado no sentido de não admitir a consideração do desconto de rappel, tal como o mesmo consta dos autos, por manifesta violação dos Arts. 18º e 61º da CRP.

Deve, ainda, a douta sentença recorrida ser substituída por douto Acórdão que, em conformidade com o exposto, absolva a Arguida dos factos de que a mesma vem acusada pois, só assim, se fará JUSTIÇA!”

Notificado, o MP respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do decidido e concluindo:

1- A douta sentença recorrida não padece de qualquer nulidade.

2- O Tribunal “a quo” apreciou todas as questões pertinentes, só não o fazendo sobre questões circunstanciais que considerou irrelevantes.

3- Da leitura dos factos provados, resulta que todos os factos invocados com relevo para a decisão da causa foram objecto de conhecimento e apreciação.

4- A matéria de facto provada é suficiente para a decisão de direito.

5- A arguida colocou os produtos à venda por preço inferior ao preço de compra efectivo, sendo manifesto que o preço de venda ao consumidor final era inferior ao preço de compra efectivo.

6- A douta sentença recorrida fez boa apreciação dos factos e do direito, não se mostrando violado qualquer preceito legal.”

Também a Autoridade da Concorrência respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do decidido e concluindo por seu turno:

I. Não merece qualquer reparo a Sentença do Tribunal a quo por ter rejeitado os descontos de rappel invocados pela Arguida.

II. Com efeito, se o primeiro escalão se inicia em “€ 1”, não existe, na realidade, um objectivo quantitativo, um patamar a partir do qual o comprador (in casu, a M) pode beneficiar de um desconto.

III. Se ao comprar apenas uma unidade do produto, a M já beneficiaria de tal desconto, tal significa que, independentemente da designação formal que tenha nos contratos, materialmente, tal desconto não é um desconto de quantidade.

IV. Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao decidir que os descontos de rappel invocados pela Arguida (cujo primeiro escalão se iniciava em “€ 1”) não podiam ser considerados, à luz do disposto no Decreto-Lei n.º 370/93, para cálculo do preço de compra efetivo.

V. Também o desconto “leve 3 pague 2” invocado pela Arguida a propósito do “Gel Duche Nivea for Men Sport” não se enquadra na tipologia e nos requisitos dos descontos exigidos pelo Decreto-Lei n.º 370/93.

VI. No que respeita ao produto “Skip Líquido Aloé Vera, 2*36D”, quer na Decisão condenatória da AdC, quer na Sentença recorrida o preço de compra ao fornecedor é dividido por três. Sucede, porém que o preço de aquisição ao fornecedor pack de 3 embalagens é de € 27,51 (conforme consta da fatura a fls. 79 verso, e tal como se refere na Decisão da AdC, bem como na Sentença recorrida, p. 9) e não € 22,84 como, erradamente, refere a Arguida.

VII. Não merece, pois, qualquer reparo a Sentença recorrida.”

Neste Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência, limitando-se a remeter para a resposta do Ministério Público em 1ª instância e nada acrescentando.

2. Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

Na sentença consignaram-se como provados os factos seguintes:

“1. A arguida é uma sub-holding do Grupo --- na área do retalho, operando em três cadeias de base alimentar - C (hipermercados), M (Mini-hipermercados) e MB (Supermercados) – e em vários formatos de retalho especializado.

2. O volume de negócios da M, em 2010, foi de € 3.132.435.417,31 milhões de euros, tendo representado um crescimento de 2,9% face ao ano precedente (fls. 117). Relativamente à rubrica de Resultado Líquido do Exercício, a mesma apresentou um valor de 53.986.064,26 euros em 2010, face a um valor de 29.162.357,39 euros, em 2009.

3. Na ação de fiscalização levada a cabo pela ASAE, foi constatado que no dia 26 de julho de 2011, no HC, situado no Lugar..., Vila Nova de Famalicão, pertencente à Arguida, estavam expostos para venda ao público produtos, dos quais, foram selecionados 5 (cinco) para análise de eventuais vendas com prejuízo:

• “Gel Duche Nivea for Men Sport”;
• “Rolo Papel Cozinha Colhogar Kilométrico”;
• “Rolo Papel Higiénico Foxy, 3F”;
• “Skip Liquido Concentrado Aloé Vera, 2*36D”;
• “Loção de Corpo Fá”.

4. A ASAE adquiriu um exemplar de cada um dos artigos acima identificados, tendo solicitado, no momento da sua compra, o respetivo talão (fls. 9).

“Gel Duche Nivea for Men Sport”

5. O “Gel Duche Nivea for Men Sport” encontrava-se exposto para venda ao público ao preço de € 5,99 (com IVA incluído à taxa de 23%).

6. Para a determinação do preço de compra efetivo foram apresentados como justificativos os seguintes documentos:

a) Fatura n.º xxx, de 18 de julho de 2011 (fls. 15 a 20), emitida pela empresa “B..., Lda.”; e
b) Anexo I ao Contrato n.º 2010 – 41344 (fls. 21 a 23).

7. O preço unitário do “Gel Duche Nivea for Men Sport Leve 3 Pague 2” constante da fatura é de € 7,02 (s/ IVA) (fls. 17).

8. Da fatura consta a seguinte nota remissiva: “Sobre estes produtos incidem ainda descontos e outras contrapartidas decorrentes de todos os contratos e acordos celebrados entre as partes nos termos do Art. 3. do Decreto-Lei n. 370/93, de 29 de Outubro com a nova redacção dada pelo D.L. n.140/98 de 16 de Maio”.

9. No Anexo I referido na alínea b) do n.º 6 constam os seguintes descontos:
- Condições de pagamento:
• 60 dias: 0,00%
• 30 dias: 2,00%

- Descontos de quantidade:
• Tipo QD (Desc.Qtd.s/Devolução): 5,58%
• Tipo QC (Desc. Qtd. Central): 0,25%

- Incentivo p/aumento vendas (tipo Acordo de Cooperação):
• 3,25% de € 1,00 a € 9 999 999 999,99

- Rappel:
• Geral total: 8,04% de € 1,00 a € 25 700 000,00
8,29% de € 25 700 000,01 a € 99 999 999 999,00
• Tipo Animação promocional: 3,75% de € 1,00 a € 99 999 999 999,00
• Tipo Competitividade: 0,82% de 1,00 a € 99 999 999 999,00
• Tipo Desconto cartão:1,00% de 1,00 a € 99 999 999 999,00

Papel Cozinha Colhogar Kilométrico”

10. O “Rolo Papel Cozinha Colhogar Kilométrico” encontrava-se exposto para venda ao público ao preço de € 4,98 (com IVA incluído à taxa de 23%).

11. Para a determinação do preço de compra efetivo foram apresentados como justificativos os seguintes documentos:

a) Fatura n.º 04191666, de 25 de julho de 2011 (fls. 80), emitida pela empresa “G... SPRL”;
b) Contrato Promocional n.º 2011 – 270179 (fls. 25); e
c) Anexo I ao Contrato n.º 2010 – 44148 (fls. 26 a 29).

12. O preço unitário do “Rolo Papel Cozinha Colhogar Kilométrico” constante da fatura é de € 6,195 (s/ IVA).

13. Da fatura consta a seguinte nota remissiva: “Sobre estes produtos incidem ainda descontos e outras contrapartidas decorrentes de todos os contratos e acordos celebrados entre as partes nos termos do Art. 3. do Decreto-Lei n. 370/93, de 29 de Outubro com a nova redacção dada pelo D.L. n.140/98 de 16 de Maio”.

14. No Contrato Promocional mencionado na alínea b) do n.º 11 está indicado um desconto de € 1,8.

15. No Anexo I referido na alínea c) do n.º 11 constam os seguintes descontos:

- Descontos Comerciais:
• Tipo QT (Desc.Qtd.): 26,70%
• Tipo QL (Desc.Qtd. Loja): 2,00%
• Tipo QD (Desc.Qtd.s/Devolução): 1,00%
• Tipo QC (Desc. Qtd. Central): 6,25%

- Outras Condições Comerciais (tipo desconto cartão cliente): 0,50%

- Condições de Pagamento:
• 30 dias: 0,00% (c/Transf.Banc. – 0,5%)

- Incentivo p/aumento vendas (tipo Acordo de Cooperação):
• 2,50% de € 1,00 a € 9 999 999 999,99

- Rappel:
• Tipo Animação promocional: 6,75% de € 1,00 a € 99 999 999 999,00
• Tipo Competitividade: 2,00% de € 1,00 a € 99 999 999 999,00
• Geral total: 10,00% de € 1,00 a € 1 500 000,00
10,25% de € 1 500 000,01 a € 99 999 999 999,00

“Rolo Papel Higiénico Foxy, 3F”

16. O “Rolo Papel Higiénico Foxy, 3F” encontrava-se exposto para venda ao público ao preço de € 3,19 (com IVA incluído à taxa de 23%).

17. Para a determinação do preço de compra efetivo foram apresentados como justificativos os seguintes documentos:

a) Fatura n.º 11705773 RI, de 19 de julho de 2011 (fls. 81), emitida pela empresa “I.C.T. ..., SL”;
b) Contrato Promocional n.º 2011 - 265964 (fls. 31); e
c) Anexo I ao Contrato n.º 2011 – 46538 (fls. 32 a 35).

18. O preço unitário do “Rolo Papel Higiénico Foxy, 3F” constante da fatura é de € 5,775 (s/ IVA).

19. Da fatura consta a seguinte nota remissiva: “Sobre estes produtos incidem ainda descontos e outras contrapartidas decorrentes de todos os contratos e acordos celebrados entre as partes nos termos do Art. 3. do Decreto-Lei n. 370/93, de 29 de Outubro com a nova redacção dada pelo D.L. n.140/98 de 16 de Maio”.

20. Na fatura estão mencionados dois descontos, um de 15% e outro de 46%.

21. No Contrato Promocional mencionado na alínea b) do n.º 17 está indicado um desconto de 46%.

22. No Contrato referido na alínea c) do n.º 17 estão mencionados os seguintes descontos:
- Descontos Comerciais:
• Tipo QT (Desc.Qtd.): 15,00%

- Outras Condições Comerciais:
• Tipo Desconto Cartão Cliente: 2,50%

- Condições de pagamento:
• 45 dias: 1,5% Swift (Estrangeiro)
• 60 dias: 0,0% Swift (Estrangeiro)

- Rappel:
• Tipo Compras Centralizadas: 7,00% de € 1,00 a € 99 999 999 999,00
• Tipo Geral Estrutura: 3,00% de € 1,00 a € 99 999 999 999,00
• Tipo Geral Total: 23,50% de € 1,00 a € 1 300 000,00
23,75% de € 1 300 001,00 a € 99 999 999 999,00

“Skip Liquido Concentrado Aloé Vera, 2*36D”

23. O “Skip Liquido Concentrado Aloé Vera, 2*36D” encontrava-se exposto para venda ao público ao preço de € 9,24 (com IVA incluído à taxa de 23%).

24. Para a determinação do preço de compra efetivo foram apresentados como justificativos os seguintes documentos:

a) Fatura n.º 87429043, de 20 de julho de 2011 (fls. 79, frente e verso), emitida pela empresa “U.., Lda.”;

b) Contrato Promocional n.º 2011 – 270048 (fls. 38); e
c) Anexo I ao Contrato 2011 – 44924 (fls. 39 a 41).

25. O preço unitário do pack “Skip Liquido Concentrado Aloé Vera, 2*36D Leve 2 Pague 1 Com 3” constante da fatura é de € 27,51 (s/ IVA).

26. Da fatura consta ainda a seguinte nota: “Sobre estes produtos incidem ainda os desc. e outras contrapartidas decorrentes todos os contratos e acordos celebrados entre as partes, acordo Dec.Lei n.º 370/93, de 29.10 na red. do Dec.Lei. n.º 140/98 de 16/05”.

27. Na fatura referida na alínea a) do n.º 24 consta um desconto não identificado de € 4,67.

28. No contrato promocional referido na alínea b) do n.º 24 está indicado um desconto de 12,5%.

29. No Contrato referido na alínea c) do n.º 24 estão mencionados os seguintes descontos:

- Descontos Comerciais:
• Tipo QCM (Desc. Qtd. Central Madeira): 0,21%
• Tipo QC (Desc. Qtd. Central): 2,49%
• Tipo QD (Desc. Qtd.s/Devolução): 0,70%
• Tipo QL (Desc. Qtd. Loja): 1,70%

- Outras Condições Comerciais:
• Tipo Desconto Cartão Cliente: 1,00%

- Condições de pagamento:
• 20 dias: 1,50% (c/Transf.Banc. 0,5%)
• 30 dias: 0,00% (c/Transf.Banc. 0,5%)

- Rappel:
• Tipo Geral Total: 15,94% de € 1,00 a € 29 500 000,00
16,19% de € 29 500 001,00 a € 99 999 999 999,00
O preço unitário de aquisição constante da fatura diz respeito a um “pack” de unidades com oferta de uma.

“Loção de Corpo Fá”

30. A “Loção de Corpo Fá” encontrava-se exposta para venda ao público ao preço de € 3,99 (com IVA incluído à taxa de 23%).

31. Para a determinação do preço de compra efetivo foram apresentados como justificativos os seguintes documentos:

a) Fatura n.º 9356105741, de 20 de julho de 2011 (fls. 42 e 43), emitida pela “H.., Lda.”;

b) Contrato Promocional n.º 2011 – 272561 (fls. 44); e

c) Anexo I ao Contrato 2010 - 41274 (fls. 75 a 78).

32. O preço unitário da “Loção de Corpo Fá” constante da fatura é de € 8,26 (s/ IVA).

33. Da fatura consta ainda a seguinte nota: “Sobre estes produtos incidem ainda os descontos e outras contrapartidas decorrentes de todos os contratos e acordos celebrados entre as partes nos termos do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, com nova redação dada pelo Decreto-Lei n.º 140/98 de 16 de Maio”.

34. Na fatura referida na alínea a) do n.º 31 consta um desconto de € 4,9.

35. No contrato promocional referido na alínea b) do n.º 31 está indicado um desconto de 57,7%.

36. No Contrato referido na alínea c) do n.º 31 estão mencionados os seguintes descontos:

- Condições Comerciais:
• Tipo QT (Desc.Qtd.): 2,20%

- Condições de pagamento:
• 30 dias: 0,00% Transf.Banc. c/desc – 0,5%)

- Descontos de Quantidade:
• Tipo QCM (Desc. Qtd. Central Madeira): 0,25%
• Tipo QC (Desc. Qtd. Central): 3,46%
• Tipo QD (Desc. Qtd.s/Devolução): 2,20%
• Tipo QL (Desc. Qtd. Loja): 2,00%

- Incentivo p/aumento vendas
• Tipo Acordo Cooperativo: 2,50% de € 1,00 a € 99 999 999 999,00

- Rappel:
• Tipo APL Estrutura (animação promocional): 5,20% de € 1,00 a € 9 999 999 999,99
• Tipo CPR Estrutura (competitividade): 0,5% de € 1,00 a € 9 999 999 999,99
• Tipo Desconto Cartão Cliente: 1,00% de € 1,00 a € 99 999 999 999,00
• Tipo Geral Estrutura: 9,65% de € 1,00 a € 3 800 000,00
10,15% de € 3 800 001,00 a € 4 150 000,00
10,65% de € 4 150 001,00 a € 99 999 999 999,00

37. Resulta do exposto que a arguida quis colocar e colocou à venda os produtos “Gel Duche Nivea for Men Sport”, “Rolo Papel Cozinha Colhogar Kilométrico”, “Rolo Papel Higiénico Foxy, 3F”, “Skip Liquido Concentrado Aloé Vera, 2*36D” e “Loção de Corpo Fá”, pelos preços por que o fez, bem sabendo ser a sua conduta punida por lei.

38. Assim, a arguida agiu consciente e voluntariamente na prática dos factos que lhe são imputados, ciente da proibição e conformada com o prejuízo ilícito que resultou da sua ação.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar são as seguintes:

- Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão;

- Nulidade da sentença;

- Erro de direito: não determinação do preço de compra efectivo dos bens transaccionados por via do desconto de rappel e não determinação do preço unitário de compra dos bens transaccionados por referência a pack “leve 3 e pague 2”;

- Inconstitucionalidade dos n.ºs 2 e 3 do art.º 3º do Decreto-Lei 370/93 de 29 de Outubro por violação do disposto no art.º 61.º e no art.º 18.º da Constituição da República Portuguesa.

Da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e da nulidade da sentença:

Decorre do art. 75º do Regime Geral das Contra-ordenações que a segunda instância apenas conhecerá da matéria de direito, funcionando o Tribunal da Relação como tribunal de revista, só apreciando questões de direito, e tendo uma “intervenção idêntica à do Supremo Tribunal de Justiça no processo penal” (Beça Pereira, Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, 2009, p. 187).

Daquela norma, no entanto, não resulta que a Relação não possa alterar a matéria de facto e intervir na exposição dos enunciados fácticos efectuada na sentença.

Esta margem de intervenção contém-se no regime da revista ampliada. A segunda instância pode conhecer dos vícios da decisão previstos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, aplicável em processo contra-ordenacional por via do art. 41º, nº1 do Regime Geral das Contra-Ordenações (assim também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Regime Geral das Contra-ordenações à luz da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 2011, p. 313, e doutrina e jurisprudência aí referidas).

A recorrente começa por se insurgir contra a afirmação efectuada na sentença de que “a arguida aceitou a generalidade dos factos provados”. Não especifica, no entanto, que concretos factos foram esses que a sentença indevidamente tratou como “factos admitidos”. Não só não os concretiza, como remata que não aceitou os factos provados uma vez que “sempre pugnou pela inexistência de factos que possibilitassem a inserção da temática acusada no quadro legal que ali vinha invocado”.

Se bem o entendemos, a recorrente confunde matéria de facto e matéria de direito. Considerar que os factos apurados não integram contra-ordenação ou que são insuficientes para realizar um tipo contra-ordenacional é impugnação de direito e não de facto.

Assim, e dentro dos limites de actuação da segunda instância em matéria de facto em processo contra-ordenacional, sempre se dirá que “aceitar a generalidade dos factos” não equivale a “confessar a contra-ordenação”.

De acordo com a posição da recorrente, aqui repetida em recurso, do que se trata é tão só da (in)correcta compreensão dos factos como integrantes (ou não) de um tipo contra-ordenacional. Ou, no reverso, da interpretação do art. 3º do Decreto-Lei nº 370/93, de 29/10 e da sua aplicação ao caso concreto.

Daí não ser errado afirmar, como o faz a sentença, que “a arguida aceitou a generalidade dos factos provados”, referindo-se aqui logicamente aos factos integrantes do tipo contra-ordenacional objectivo.

Já os factos integrantes do tipo subjectivo, atenta a posição da arguida não se poderiam considerar confessados. Nem o foram como tal considerados na sentença. Eles resultaram das ilações que o tribunal terá retirado de um comportamento (objectivo) exteriorizado, revelado pela recorrente, à semelhança do que normalmente sucede relativamente à prova dos factos do tipo subjectivo contra-ordenacional, e mesmo penal.

É certo que a recorrente sempre contestou que os produtos em causa estivessem a ser por si vendidos abaixo do preço de compra efectivo. Mas a sentença nem sequer enuncia tal proposição nos factos provados respeitantes ao tipo objectivo. Antes descreve, em relação a cada produto exposto para venda, os elementos e circunstâncias relevantes para a determinação do preço de venda e do respectivo preço de compra efectivo, incluindo os documentos justificativos, de molde a habilitar à formulação de um juízo conclusivo – o de que os produtos estavam a ser vendidos pela arguida abaixo do preço de compra efectivo.

Assim, a asserção de que a venda se processava abaixo do preço de compra efectivo é já uma conclusão com um determinado conteúdo normativo, a retirar (ou não) dos factos previamente descritos como tal na sentença.

A formulação deste juízo conclusivo, que parte dos factos provados, assenta ou pressupõe, por seu turno, uma determinada interpretação do art. 3º do Decreto-Lei nº 370/93.

Mais uma vez a conhecida lição de Castanheira Neves (in Metodologia da Ciência do Direito), de que o puro facto e o puro direito inexistem na ordem jurídica e de que “uma questão de facto é sempre uma questão de facto de uma certa questão de direito e uma questão de direito é sempre uma questão de direito de uma certa questão de facto” se mantém presente, justificando, também aqui, alguma diluição da fronteira entre matéria de facto e matéria de direito.

Não tem, pois, fundamento o ataque à sentença na parte em que se diz que nela se considerou, indevidamente, que a arguida aceitou os factos.

Também o texto da sentença não revela vício do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal. Não mostra o vício invocado – insuficiência da matéria de facto provada – nem qualquer outro.

O vício invocado ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. Só existe quando o tribunal deixa de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insusceptível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa. Traduz-se numa “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito” (Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 2007, p. 69). Este vício não se detecta, nem na própria argumentação do recurso.

O que a recorrente defende é a sua absolvição por considerar que os factos provados não realizam o tipo contra-ordenacional. E assim o propugna, por partir de uma interpretação da norma contra-ordenacional em causa que não é a que o tribunal seguiu. O que nada tem a ver com o vício do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, mas sim com um erro de direito, assente numa supostamente imperfeita aplicação do direito ao caso.

Inexiste igualmente a nulidade de sentença que a recorrente nomeia. Na sua alegação, o vício situar-se-ia no juízo de “ineficácia do desconto rappel para a matéria dos autos” que a decisão formula. Mais uma vez, do que se trata é de uma divergência relativamente ao conteúdo da decisão e não de um vício da decisão.

Da determinação do preço de compra efectivo dos bens transaccionados por via do desconto de rappel e por referência a pack “leve 3 e pague 2”:

O recurso centra-se na defesa de que nenhuma das vendas em causa, contrariamente ao considerado na sentença, se processava ou processaria efectivamente abaixo do preço de custo.

Esta posição assenta na tese de que os cinco produtos em causa beneficiaram de descontos legalmente atendíveis, pelo que o(s) preço(s) a considerar para este efeito não são os constante das facturas, como preço de compra, devendo antes deduzir descontos, que são, no caso, de duas ordens – o “desconto rappel” e o “desconto oferta”.

O cálculo da arguida é, então, apresentado no recurso, mantendo as contas defendidas nos dois momentos prévios de exercício da defesa em processo contra-ordenacional, sempre divergindo do cálculo efectuado na sentença, a qual aceitou nessa parte a decisão da Autoridade da Concorrência.

Assim, a questão reside em saber como deve determinar-se o preço de compra efectivo do(s) produto(s) transaccionado(s), elemento essencial da integração do conceito de “venda com prejuízo”.

A arguida foi condenada como autora material de cinco contra-ordenações aos arts 3º, nº 1 e 5º, n.º 2, al. a), do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio), diploma que proíbe determinadas práticas individuais restritivas de comércio.

No mercado concorrente, a regra é a de que as empresas podem comportar-se de uma forma livre. “A liberdade é decerto o mais marcante dos aspectos distintivos do mercado face a outras instituições sociais” (Fernando Araújo, Introdução à Economia, 2005, p. 144). Mas, nessa liberdade, devem agir dentro de determinado quadro que protege e salvaguarda a concorrência, enquanto bem público.

Nas práticas proibidas inclui-se a venda de produtos abaixo do custo.

Trata-se de um procedimento normalmente associado a grandes empresas, detentoras de um poder económico compatível com uma prática que não pode deixar de se apresentar, à partida, como ilógica no funcionamento do mercado. Pois “em caso algum é racional produzir um bem cujo preço seja inferior ao seu custo marginal” (Fernando Araújo, loc. cit., p. 148).

A venda de produtos abaixo do custo associa-se a objectivos predatórios. Visa eliminar os concorrentes das empresas poderosas, os concorrentes mais fracos, fazendo com que saiam do mercado, de molde a deixar que a grande empresa passe a praticar, posteriormente, preços elevados, já sem o controlo da concorrência (dos concorrentes eliminados). É uma prática de exclusão, prejudicial ao eficiente funcionamento do mercado e à livre iniciativa, e que se repercute em prejuízo para o consumidor. Também não beneficia o fornecedor, pois acaba por provocar uma descida do preço dos seus produtos no mercado. O mercado é, assim, condicionado e alterado, perdendo em eficiência.

Mas a venda com prejuízo nem sempre ocorre por motivos censuráveis, razão pela qual a proibição-regra comporta excepções. Estas excepções identificam, reconhecem, e simultaneamente confinam, os motivos legalmente atendíveis que podem justificar a venda de produtos abaixo do custo no mercado.

Daí que o nº 4 do art. 3º do Decreto-Lei n.º 370/93 preveja que o disposto no n.º 1 (a proibição) não seja aplicável a bens perecíveis, a bens cujo valor comercial esteja afectado, a bens cujo reaprovisionamento se efectue a preço inferior, a bens cujo preço se encontre alinhado pelo preço praticado para os mesmos bens por um outro agente económico do mesmo ramo de actividade que se encontre temporal e espacialmente em situação de concorrência efectiva com o autor do alinhamento e a bens vendidos em saldo ou liquidação.

A livre iniciativa inclui a permissão de concessão de descontos nas práticas comerciais. O desconto é livre e repercute-se na formação do preço, o qual é, por sua vez, o determinante no funcionamento do mercado.

“Na concorrência perfeita o objecto das negociações e das transacções é sempre o mesmo, é indiferenciado, pelo que o vendedor que vence na competição não é aquele que apresenta o melhor produto – dado não haver, também por definição, produtos melhores ou piores –, mas aquele que faz o melhor preço; ou seja, aquele que, naquelas condições de ausência de possibilidade de escolhas qualitativas, mais favorece o consumidor” (Fernando Araújo, loc. cit., p. 147).

O vendedor que vence é aquele que faz o melhor preço.

Para garantir o eficiente funcionamento do mercado e salvaguardar o bem público concorrência e os seus beneficiários – os consumidores – interessa salvaguardar que este preço se forme no são encontro da oferta-procura, o que justifica que na determinação do preço de compra efectivo dos produtos transaccionáveis não possa ser contabilizado todo e qualquer desconto de que a empresa tenha beneficiado. Designadamente, que não o possa ser aquele que decorra da sua condição de grande empresa, grande compradora, ou seja, descontos que o produtor se vê compelido a conceder para poder escoar os seus produtos, para garantir o escoamento, de forma a não ficar excluído das principais linhas de escoamento de bens.

Daí que o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93 (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio) preceitue que “é proibido oferecer para venda ou vender um bem a um agente económico ou a um consumidor por um preço inferior ao seu preço de compra efectivo, acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda e, se for caso disso, dos encargos relacionados com o transporte” (nº 1); e que “entende-se por preço de compra efectivo o preço constante da factura de compra, após a dedução dos descontos directamente relacionados com a transacção em causa que se encontrem identificados na própria factura ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preços e que sejam determináveis no momento da respectiva emissão” (nº 2); e que “entende-se por descontos directamente relacionados com a transacção em causa os descontos de quantidade, os descontos financeiros e os descontos promocionais desde que identificáveis quanto ao produto, respectiva quantidade e período por que vão vigorar” (n.º 3).

Assim, repete-se, a regra é a da proibição de venda de bens por um preço inferior ao seu preço de compra efectivo. E o preço de compra efectivo, para os efeitos previstos no diploma, é o preço constante da factura de compra após a dedução dos descontos. Descontos estes que, também para os efeitos previstos no diploma, são apenas os (a) directamente relacionados com a transacção em causa, (b) que se encontrem identificados na própria factura ou, por remissão desta, em contratos de fornecimento ou tabelas de preços e (c) que sejam determináveis no momento da respectiva emissão”.

São exclusivamente estes os descontos elegíveis para determinação/quantificação do preço de compra efectivo, no âmbito e para os efeitos regulados pelo Decreto-Lei n.º 370/93.

Se de outros descontos beneficiou a empresa, sairá esta sempre favorecida, pois obterá um ganho decorrente do aumento do seu lucro. O que não pode é fazê-los repercutir no preço de compra dos produtos, para os efeitos previstos no art. 3º.

A norma é explícita, no sentido de estabelecer um catálogo fechado de descontos elegíveis, com virtualidade de repercussão no preço de compra efectivo. Não faria sentido considerar tal enumeração como meramente exemplificativa (como nos parece defender Carolina Cunha, em sentido contrário ao nosso, em Estudo sobre o Regime da Venda com Prejuízo, 2005). Literalmente, não resulta da norma (não se mostram empregues as expressões legais usuais “nomeadamente” ou “designadamente”). E, uma enumeração de tipos de desconto em sentido meramente exemplificativo, sempre equivaleria à admissibilidade de todos os descontos, o que transmutaria a norma, e o próprio diploma em que se insere, num perfeito absurdo.

O n.º 3 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93 vem especificar que: “entende-se por descontos directamente relacionados com a transacção em causa os descontos de quantidade, os descontos financeiros e os descontos promocionais desde que identificáveis quanto ao produto, respectiva quantidade e período por que vão vigorar”.

Mais uma vez, a preocupação é a de confinar o desconto lícito, no sentido de “elegível”, separando-o do “não atendível” para os efeitos de determinação preço de custo.

É neste contexto que deve ser sindicada a sentença e, mediatamente, a decisão da Autoridade da Concorrência.

E esta(s) decisão(ões) revela(m) uma correcta interpretação do direito do caso.

Assim, pertinentemente se considerou na sentença:

“Assim, temos de entender que apenas são relevantes para esta noção de venda com prejuízo os descontos de natureza meramente económica que se repercutem diretamente no preço da fatura.

Uma das questões que se coloca neste processo consiste em saber se o cálculo do preço unitário de aquisição de um produto com a menção leve 3 e pague 2 deve ser calculado através da multiplicação do preço por três e divisão por dois.

O “leve 3 e pague 2” é afinal num desconto promocional que consiste na oferta de um dos produtos do pack. Ora os descontos promocionais apenas são considerados por lei desde que identificado o período por que vão vigorar. Neste caso, desconhece-se o período por que tal desconto promocional de oferta de uma unidade vai vigorar. Assim, o preço unitário não poderá ser calculado da forma invocada pela Recorrente.

No caso do gel nivea o preço unitário a considerar deverá ser o preço unitário indicado de 7,02, sem prejuízo de a arguida beneficiar da referida promoção e poder adquirir 3 produtos pelo preço de dois.

No caso do skip, e apesar de promoção semelhante, uma vez que o preço de aquisição inclui 3 produtos (repare-se na menção “C/3”), o preço de € 27,51 deve ser dividido por 3, sendo pois o preço unitário a considerar de € 9,17.

Outra questão que se suscita neste caso consiste em saber se um desconto de “rappel”, cujo primeiro escalão se inicia em “1”, deve ser considerado um desconto de quantidade ou antes um desconto em função da pessoa do comprador, não diretamente relacionado com a transação em causa.

No caso de um “rappel” escalonado, há diferenciação da percentagem de desconto a aplicar em virtude da quantidade de produtos adquirida. Assim, poder-se-ia, prima facie, ver aqui um desconto de quantidade, uma vez que o desconto a aplicar variaria em função da quantidade de produtos adquirida.

Por outro lado, poder-se-ia argumentar que estes descontos são negociados em função do volume de compras efetuado pelo comprador, o que, numa primeira abordagem nos remeteria também para o conceito de desconto de quantidade.

Porém, numa análise mais aprofundada da matéria, verifica-se que a aquisição de uma única unidade do produto é suficiente para preencher o primeiro escalão, ou seja, para que a entidade beneficie do desconto. Ora, não existe uma transação em quantidade tal que justifique um tratamento diferenciado, em função da própria transação. Por outras palavras, o desconto não é justificado pela quantidade de produtos adquirida mas pela pessoa do comprador.

Nem se diga que o desconto foi negociado em virtude das quantidades de produtos previamente adquiridas pelo comprador, pois tais quantidades não respeitam a esta transação, o desconto não é diretamente relacionado com a concreta transação em causa.

Assim, um desconto de “rappel” cujo primeiro escalão se inicia em “1” unidade não é um desconto económico, diretamente relacionado com a transação e objetivamente justificado em função daquela transação. Trata-se, antes, de um desconto com cariz subjetivo, negociado com determinados agentes económicos em virtude do seu historial de negócios, independentemente das transações concretas realizadas no momento presente.

Assim, os descontos fixos e incondicionais, aplicáveis sempre a um determinado agente económico, em virtude do seu historial de aquisições, não são aceitáveis para efeitos de cálculo do preço de custo efetivo.

In casu, resultou provado, relativamente ao produto “Gel Duche Nivea for Men Sport”, que o preço unitário de aquisição do produto é de € 7,02.

Não é de aceitar o desconto financeiro para o cálculo do preço de compra efetivo por se desconhecer de qual das condições a arguida usufruiu.

Não se aceitam os demais descontos por serem descontos fixos, incondicionais, e não diretamente ligados à transação em causa.

Assim, sendo o preço unitário constante da fatura de € 7,02 (s/ IVA) e o IVA de 23%, o preço de compra efetivo é de € 8,63 (c/ IVA).

O facto de o preço de compra efetivo ser de € 8,63 e o de venda ao público ser de € 5,99, ambos com IVA incluído, significa que existe uma venda com prejuízo.

Quanto ao produto “Loção de Corpo Fá”, há que considerar o desconto promocional constante do referido acordo, porque preenche os requisitos necessários para que seja imputado no cálculo do preço de compra efetivo.

Não se aceitam os demais descontos por não preencherem os requisitos legais, desconhecendo-se a sua natureza, ou sendo descontos fixos/ incondicionais e não diretamente ligados com a transação.

Assim, sendo o preço unitário constante da fatura de € 8,26 (s/ IVA), o desconto promocional de 57,7%, e o IVA de 23%, o preço de compra efetivo é de € 4,29 (c/ IVA).

Ora, sendo o preço de compra efetivo de € 4,29 e o de venda ao público de € 3,99, ambos com IVA incluído, existe uma venda com prejuízo.

No que concerne ao “Skip Liquido Concentrado Aloé Vera, 2*36D”, há que considerar que o preço unitário deste produto é de € 9,17, conforme já explicado acima.

Aceita-se o desconto promocional de 12,5% constante do acordo promocional, não se aceitando os demais descontos fixos, incondicionais e não diretamente relacionados com a transação.

Não se considera o desconto financeiro por se desconhecer os termos da sua concreta aplicação.

Assim, sendo o preço unitário constante da fatura de € 9,17 (s/ IVA), o desconto promocional de 12,5% e o IVA de 23%, o preço de compra efetivo é de € 9,87 (c/ IVA).

O facto de o preço de compra efetivo ser de € 9,87 e o de venda ao público ser de € 9,24, ambos com IVA incluído, significa a existência de uma venda com prejuízo.

Relativamente ao produto “Rolo Papel Cozinha Colhogar Kilométrico” aceita-se igualmente o desconto promocional.

Não se têm em conta os demais descontos por não preencherem os pressupostos legais, desconhecendo-se a sua natureza, sendo descontos fixos/ incondicionais ou não diretamente relacionados com a transação.

Assim, o preço unitário constante da fatura é de € 6,195 (s/ IVA), o desconto promocional de € 1,8, o IVA de 23%, logo o preço de compra efetivo é de € 5,41 (c/ IVA).

O facto de o preço de compra efetivo ser de € 5,41 e o de venda ao público ser de € 4,98, ambos com IVA incluído, constitui uma venda com prejuízo.

Também quanto ao produto “Rolo Papel Higiénico Foxy, 3F” se aceita apenas o desconto promocional e não os demais, por se desconhecer a sua natureza ou serem descontos fixos/incondicionais e não diretamente relacionados com a transação.

Assim, sendo o preço unitário constante da fatura de € 5,775 (s/ IVA), o desconto promocional de 46%, o IVA de 23%, o preço de compra efetivo é de € 3,84 (c/ IVA).

Sendo o preço de compra efetivo de € 3,84 e o de venda ao público de € 3,19, ambos com IVA incluído, existe uma venda com prejuízo.”

Em suma, a sentença não incorreu em erro de direito pois, tal como a Autoridade da Concorrência concluiu também na resposta, em relação aos descontos rappel, “se o primeiro escalão se inicia em “€ 1”, não existe um objectivo quantitativo, ou seja, um patamar a partir do qual o comprador pode beneficiar de um desconto; se ao comprar apenas uma unidade do produto, a M já beneficiaria de tal desconto, tal significa que, independentemente da designação formal que tenha nos contratos, materialmente, tal desconto não é um desconto de quantidade; também o desconto “leve 3 pague 2” não se enquadra na tipologia e nos requisitos dos descontos exigidos pelo Decreto-Lei n.º 370/93” e em relação ao produto Skip Líquido Aloé Vera, “ o preço de compra ao fornecedor é dividido por três. Sucede, porém que o preço de aquisição ao fornecedor pack de 3 embalagens é de € 27,51 (conforme consta da fatura a fls. 79 verso, e tal como se refere na Decisão da AdC, bem como na Sentença recorrida, p. 9) e não € 22,84 como, erradamente, refere a Arguida”.

Os descontos que a recorrente pretende fazer repercutir no preço de compra dos produtos em causa não se enquadram no catálogo previsto no art. 3º do Decreto-Lei nº 370/93.

Não queremos deixar de consignar que se aceita que o preceito legal aplicado possa ser criticável, na óptica do direito a constituir. Não compete, porém, ao intérprete/aplicador do direito divergir das opções de política legislativa (de concorrência).

A interpretação que seguimos constitui, aliás, jurisprudência estabilizada e quase uniforme, sendo de considerar como integradora do sentido da norma. Na verdade, da vasta jurisprudência publicada (que em boa parte o estudo de Carolina Cunha analisa e critica), oriunda dos tribunais de 1ª instância e das Relações e toda no sentido que propugnamos, conhecemos em sentido parcialmente divergente apenas o acórdão TRL de 08-11-2011 (Agostinho Torres), que contou, mesmo assim, com um voto de vencido (Luís Gominho).

Não se discute a arguição expendida por Carolina Cunha, já em 2005, no seu Estudo sobre o Regime Jurídico da Venda com Prejuízo, Análise do art. 3º do Decreto-Lei nº 370/93, Avaliação Crítica da sua Aplicação Concreta e Proposta de Reformulação da Norma, a que temos feito referência.

Analisando criticamente a jurisprudência e as decisões da Autoridade da Concorrência, a autora pronuncia-se abertamente no sentido da revogação do regime da proibição da venda com prejuízo.

Considera-o “ineficaz” e “contraproducente”, no que toca à protecção dos interesses invocados para a justificar, interesses que já dispõem, ainda na sua perspectiva, de adequada tutela proporcionada por outros dispositivos legais.

Conclui afirmando que “caso o legislador não enverede pela radical revogação do art. 3º do Decreto-Lei nº 370/93, torna-se incontornável uma profunda modificação da fórmula que traça o limiar da conduta proibida, de modo a adequar o comando contra-ordenacional à realidade jurídico-económica da distribuição hodierna. Só assim a proibição encontrará um mínimo de legitimação em face da tutela constitucional da liberdade de iniciativa económica”.

A atendibilidade das razões da recorrente exigiria, como se disse, norma diversa daquela que vigora, ou seja, que o legislador entendeu por bem vigorar.

Finalizando, recorda-se que, diversamente do que sucede nos tipos penais, no ilícito de mera ordenação social a conduta, independentemente da sua proibição legal, pode ser axiologico-socialmente neutra. Apenas não o é a conduta associada à proibição legal.

Como refere Figueiredo Dias, embora todos os ilícitos pressuponham a realização da valoração legal, não havendo por isso ilícitos ético-socialmente indiferentes, no ilícito de mera ordenação social a conduta que integra o ilícito pode não corresponder um mais amplo desvalor moral, social ou cultural.

O que no direito de mera ordenação social é axiologico-socialmente neutro não é, porém, o ilícito, mas a conduta em si mesma, divorciada da proibição legal; uma vez conexionada com a proibição, passa a constituir substrato idóneo de um desvalor ético-social (Direito Penal, Parte Geral, I, 2004, p. 150).
E, antecipando a abordagem da última das questões suscitadas em recurso, o tipo contra-ordenacional é ainda constitucionalmente compatível.

Da inconstitucionalidade dos nºs 2 e 3 do art.º 3º do Decreto-Lei 370/93 de 29 de Outubro por violação do disposto no art.º 61.º e no art.º 18.º da Constituição da República Portuguesa:

Invoca a recorrente a inconstitucionalidade do nº 2 e do nº 3 do art.º 3º do Decreto-Lei 370/93 de 29 de Outubro, quando interpretado no sentido de não admitir a consideração do desconto de rappel, tal como o mesmo consta dos autos, por manifesta violação dos arts. 18º e 61º da Constituição da República Portuguesa.

Refere-se ao nº 1 do art. 61 que preceitua que “a iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral”

De todo o exposto resulta já não se considerar que ocorra a arguida inconstitucionalidade.

De outro modo, ter-se-ia procedido à recusa de aplicação e afastamento da norma, quando interpretada no sentido adoptado na sentença.

Mas assim foi também entendido pelo próprio Tribunal Constitucional.

No acórdão nº 234/2002, em que se suscitou a inconstitucionalidade dos nºs 2 e 3 do artigo 3º do Decreto-Lei 370/93 por alegada violação da liberdade constitucional de iniciativa económica privada, o Tribunal Constitucional, após afirmar que «não compete ao Tribunal Constitucional decidir se a interpretação que as instâncias fizeram do direito infra-constitucional é ou não a melhor, mas apenas decidir se a norma que aplicam na sequência da interpretação que é feita do preceito é ou não inconstitucional”, pronunciou-se no sentido de que “manifestamente não o é”.

Para o demonstrar bastará recordar – como, muito bem, se faz na decisão recorrida – que não só é o próprio nº 1 do art. 61º da Constituição a evidenciar que a liberdade de iniciativa económica privada não é um valor absoluto, mas um valor que deve ser exercido "nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral" como, fundamentalmente, que constitui também uma das "incumbências prioritárias do Estado" no âmbito económico – a poder, portanto, justificar uma limitação à liberdade de iniciativa económica privada – nos termos da alínea e) do artigo 81º da Constituição, o "assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral", valores que, nos dizeres do próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 140/98, de 16 de Maio, aquele diploma (e, concretamente, as alterações introduzidas ao seu artigo 3º, agora em causa) visam precisamente realizar».

E decidiu o recurso no parágrafo seguinte: « não só é o próprio nº 1 do art. 61º da Constituição a evidenciar que a liberdade de iniciativa económica privada não é um valor absoluto, mas um valor que deve ser exercido "nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral" como, fundamentalmente, que constitui também uma das "incumbências prioritárias do Estado" no âmbito económico – a poder, portanto, justificar uma limitação à liberdade de iniciativa económica privada – nos termos da alínea e) do artigo 81º da Constituição, o "assegurar o funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equilibrada concorrência entre as empresas, a contrariar as formas de organização monopolistas e a reprimir os abusos de posição dominante e outras práticas lesivas do interesse geral", valores que, nos dizeres do próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 140/98, de 16 de Maio, aquele diploma (e, concretamente, as alterações introduzidas ao seu artigo 3º, agora em causa) visam precisamente realizar».

Consigna-se, para terminar, que a arguida não recorre da coima.

Cinge-se a verbalizar, na motivação e nas conclusões, que “não se logra perceber a utilidade da douta observação aventada em sede da escolha e medida da sanção a aplicar”. Refere-se aqui ao excerto da sentença, que também transcreve, de que “não se provou o benefício económico concreto derivado da actuação da arguida, nem o concreto prejuízo para os consumidores, não obstante, em geral, as vendas com prejuízo acarretarem prejuízo para os concorrentes e em consequência para os consumidores”.

E é tudo.

Aquela singela asserção não pode ser entendida como recurso da coima, pois nem na motivação nem nas conclusões é minimamente especificado a norma jurídica violada, o sentido em que o tribunal recorrido a interpretou ou aplicou, e o sentido em que ela deveria ter sido interpretada ou aplicada (art. 412º, nº 2 do Código de Processo Penal e art. 74º, nº4 do Regime Geral das Contra-ordenações).

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

Julgar improcedente o recurso confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente que se fixam em 4UC

Évora, 07.05.2013

(Ana Maria Barata de Brito)

(António João Casebre Latas)

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[1] - Sumariado pela relatora.