Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARTINHO CARDOSO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO NOTIFICAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 07/12/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Sumário: | 1. O prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um prazo judicial, sendo-lhe, por conseguinte, inaplicáveis as regras do processo civil e do processo penal. 2. Tendo a autoridade administrativa feito constar da notificação que efectuou à arguida que “a decisão é susceptível de impugnação judicial por recurso, que será feito por escrito e apresentado na sede desta Comissão, no prazo de 20 dias úteis, cuja contagem se inicia três dias após o registo dos CTT desta notificação, devendo constar de alegações sumárias e conclusões”, não deve ser rejeitado, por extemporaneidade, o recurso interposto em conformidade com os termos dessa notificação. 3. Os princípios da confiança e da segurança jurídicas impõem que, independentemente de estar correcto ou incorrecto o teor daquela notificação, ela deva ser considerada como o verdadeiro regulador do regime recursal no caso concreto. Tanto mais quanto a dita notificação foi feita a um representante da sociedade arguida e não a qualquer mandatário judicial. | ||
Decisão Texto Integral: | I Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação acima identificados, do Tribunal Judicial de Ourique, a arguida "C & N, Lda." foi condenada pela Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade pela prática de: -- Uma infracção à proibição de fumar fora das áreas ao ar livre ou das áreas para fumadores, p. e p. pelo art.º 4.º, n.º 1 al.ª s), da Lei n.º 37/2007, de 14-8; e -- Falta de tabela de preços de serviços de cafetaria, p. e p. pelo n.º 1 da Portaria n.º 262/2000, de 13-5, e art.º 68.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20-1. A arguida foi notificada desta decisão por carta com registo de correio e aviso de recepção efectuados em 30-6-2010. Que recebeu e assinou a 1-7-2010. Desta notificação, cujo teor está a fls. 27, consta o seguinte, além do mais e realçando a negrito as partes que mais interessam ao caso: Mais fica notificado de que esta decisão é susceptível de impugnação judicial por recurso, que será feito por escrito e apresentado na sede desta Comissão, no prazo de 20 dias úteis, cuja contagem se inicia três dias após o registo dos CTT desta notificação, devendo constar de alegações sumárias e conclusões. Nos termos desta notificação, a arguida podia apresentar a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa até 30-7-2010. Tendo-o efectivamente feito nesta data de 30-7-2010. Acontece que a Senhora Juiz rejeitou-lha por intempestiva, em despacho com o seguinte teor: Compulsados os autos, constata-se que a Arguida ora Recorrente "C & N, Lda." foi notificada da decisão administrativa, da qual vem interpor recurso (impugnação judicial) por carta registada com aviso de recepção que se mostra assinado com data de 1 de Julho de 2010. O prazo de impugnação judicial das decisões administrativas é de 20 (vinte) dias, suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados – cfr. artigos 59.°, n.° 3 e 60 °, n.° 1, ambos do R.G.C.O., aprovado pelo Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro. Assim, o prazo para impugnação da decisão administrativa teve o seu início no dia 2 de Julho de 2010 e o seu termo no dia 29 de Julho de 2010, sendo certo que o requerimento de interposição de recurso foi remetido à autoridade administrativa via fax em 30 de Julho de 2010, ou seja, um dia após o termo do prazo. Ora, conforme tem sido entendimento maioritário da jurisprudência, o prazo de interposição de recurso da decisão administrativa não é um prazo judicial (cfr. a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de Janeiro de 2010, Processo n.° 242/09.3TBCPV.P1, in www.dgsi.pt). Aliás, nesse sentido foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça o Acórdão de fixação de jurisprudência n.° 2/94, de 10 de Março de 1993, publicado no DR- 1.ª Série, de 7 de Maio de 1994, nos termos do qual se decidiu que não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.° 3 do artigo 59.° do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-lei n.° 356189, de 17 de Outubro, e cujos fundamentos se mantêm actuais. Também no mesmo sentido se pronunciam Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa, in Contra-Ordenações – Anotações ao regime Geral, 3.ª Ed., Vislis Editores, pág. 420 a 421, sublinhando que tal prazo não é um prazo judicial "(...) pois decorre antes da entrada do processo no tribunal, quando ainda não existe qualquer processo judicial. Com efeito, o recurso da decisão de aplicação de coima é deduzido num processo contra-ordenacional que tem natureza administrativa e nem sequer dá origem imediatamente à fase judicial, que até pode nem vir a ter lugar se a autoridade administrativa revogar a decisão, até ao envio do processo ao tribunal (…)". Não sendo um prazo judicial, não poderão aplicar-se-lhe as regras privativas dos prazos judiciais, como é a do art. 145., n.° 5, do Código de Processo Civil." (cfr. no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Abril de 2002, Processo 2019/02.9, in www.dgsi.pt ). Importa assim concluir que o recurso (impugnação judicial) é intempestivo. Por todo o exposto e ao abrigo do disposto no artigo 63°, n.° 1 do R.G.C.O., rejeita-se a impugnação judicial apresentada pela Arguida/Recorrente, por intempestiva. # Inconformada com o assim decidido, a arguida interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1) Na douta decisão de que ora se recorre, considerou o Tribunal que a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima ao recorrente, foi apresentada extemporaneamente; 2) Sustentou o Tribunal que, mostrando-se o aviso de recepção da notificação assinado em 01 de Julho de 2010, o prazo de 20 dias úteis terminou em 29 de Julho do mesmo ano, tendo-se iniciado em 02 de Julho. 3) No entanto não tem razão o douto tribunal, 4) A notificação da decisão da autoridade administrativa efectuada ao arguido, vem datada de 30 de Junho de 2010; 5) Na referida notificação, vem taxativamente expresso:" (...) Mais fica notificado de que esta decisão é susceptível de impugnação judicial por recurso, que será feito por escrito e apresentado na sede desta Comissão, no prazo de 20 dias úteis, cuja contagem se inicia três dias após o registo dos CTT desta notificação (…)" (itálico e sublinhado nosso); 6) Assim, sendo o registo de correio de dia 30 de Junho de 2010, o prazo para que o recorrente pudesse apresentar a respectiva impugnação, só se iniciou no dia 5 de Julho, uma vez que o 3 ° dia a contar da notificação, foi dia 3 de Julho, sábado, dia não útil. 7) Sendo que o último dia para apresentação da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, terminaria em 30 de Julho de 2010, data do envio, por fax do requerimento de interposição de recurso. 8) Pelo que o mesmo foi tempestivamente apresentado. 9) Mas ainda que da notificação não constasse expressamente a dilação dos 3 dias para inicio de contagem do prazo, sempre haveria que recorrer à regra constante do art.° 113 do CPP, aplicável ex vi art.º 41 do R. G. C. O. 10) Dispõe o n° 2 do art.º 113 do CPP que: "Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3° dia útil posterior ao do envio (…)" 11) Assim, considerou-se o recorrente notificado da respectiva decisão administrativa em 05 de Julho de 2010, sendo dia 6 de Julho o primeiro dia do prazo dos 20 dias úteis concedidos para a respectiva impugnação, cujo término ocorreu em 02 de Agosto de 2010. 12) Pelo que, uma vez mais o requerimento de recurso tem-se por tempestivamente apresentado. 13) O despacho recorrido violou assim o disposto no art.º 59, n ° 3 e 60 n° 1 do R. G. C.O., bem como o disposto no art.° 113 do CPP, aplicável ex vi art.º 41 do RGCO. Termos em que deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e em consequência ser o despacho recorrido revogado e substituída por outro que admita a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa tempestivamente apresentada pelo recorrente. # O M.º P.º junto do tribunal recorrido não respondeu. # Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso. Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicável por força do estatuído no art.º 41.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer. De modo que a única questão posta ao desembargo desta Relação é a de se o recurso de impugnação judicial interposto pela arguida no Tribunal Judicial "a quo" é tempestivo, como pretende a ora recorrente, ou se o mesmo foi interposto fora de prazo, como decidiu aquele tribunal, por dever entender-se que o prazo de 20 dias para a arguida recorrer da decisão administrativa se conta da data em que foi assinado o A/R que acompanhava a notificação da decisão administrativa ou, antes, a partir do 3.º dia posterior ao envio da carta registada, como pretende a recorrente e consta da própria notificação. Vejamos: Estamos inteiramente de acordo com o despacho recorrido quando considera que o prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um prazo judicial. Sobre esta questão diremos até o seguinte: Estabelece o art.º 59.º, n.º 3, do Decreto-Lei 433/82, de 27-10, na redacção conferida pelo Decreto-Lei 244/95, de 14-9, citado apenas na parte que agora interessa ao caso, que «o recurso é ... apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido ...». Este prazo conta-se nos termos do art.º 60.º da mesma lei: Suspende-se aos sábados, domingos e feriados. E quando o seu termo cair em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte. Por outro lado e como resulta do entendimento firmado pelo acórdão para fixação de jurisprudência do STJ n.º 2/94, de 10-3-1994, publicado no DR, I Série de 7-5-1994, o prazo para impugnação judicial da decisão administrativa proferida em processo de contra-ordenação tem natureza administrativa e não judicial. Apesar deste acórdão ter sido proferido ao abrigo de normas anteriores à actual redacção do n.º 3 do art.º 59.º e do art.º 60.º do RGCC, tendo sido alargado, por via dessas alterações, o prazo para apresentação do recurso, passando de 8 para 20 dias e sido expressamente consignado que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados e que se o respectivo termo final cair em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso se transfere para o 1º dia útil seguinte, ainda assim a fundamentação utilizada naquele acórdão continua válida na parte referente à definição do prazo previsto no art.º 59.º, n.º 3, como de natureza administrativa e não de natureza judicial, pois o acto de interposição de recurso de impugnação judicial não deixou de ter a natureza administrativa que tinha anteriormente. Assim, não se aplicam ao dies a quo do prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa as regras do processo civil nem do processo penal, pelo que a notificação da decisão da autoridade administrativa não se presume efectuada no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja (regra prevista no n.º 3 do art.º 254.º do Cód. Proc. Civil, aplicável aos prazos judiciais), mas sim no próprio dia da recepção da carta. Sendo que, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 67.º do Código de Procedimento Administrativo, os prazos cuja contagem se iniciem com a notificação começam a correr no dia seguinte ao da prática do acto (no mesmo sentido: acórdão da Relação de Lisboa de 30-5-2011, processo 301/09.2TFLSB.L1-5, in www.dgsi.pt ). E relativamente à contagem desse prazo, também não é aplicável o disposto no art.º 107.º, n.º 5, do Código de Processo Penal e, por consequência, o acto de interposição do recurso não pode ser praticado de acordo com o estatuído no art.º 145.º, nºs 5 e 6, do Código de Processo Civil, ou seja, nos três dias úteis subsequentes ao termo final do respectivo prazo, ainda que a validade ficasse condicionada ao pagamento da multa respectiva prevista nesse preceito (neste sentido, Ac. RP de 18-02-1998, BMJ 474-552, Ac. RP de 07-01-1998, BMJ 473-565 e Ac. RL de 18-04-2002, com sumário disponível em www.dgsi.pt ). Contudo, no específico caso dos autos, o formulário usado pela Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade para a notificação da sua decisão à arguida, que está a fls. 27, refere expressamente, além do mais e realçando a negrito as partes que mais interessam ao caso: Mais fica notificado de que esta decisão é susceptível de impugnação judicial por recurso, que será feito por escrito e apresentado na sede desta Comissão, no prazo de 20 dias úteis, cuja contagem se inicia três dias após o registo dos CTT desta notificação, devendo constar de alegações sumárias e conclusões. Ou seja, pelo despacho da Senhora Juiz recorrida, que adopta a jurisprudência que nos parece a irrecusavelmente mais correcta, a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa apresentada pela arguida não o foi em tempo. Pelo teor da notificação, aquela impugnação foi apresentada em tempo. Ora neste conflito, o Estado de Direito deve ser uma pessoa de bem e agir como tal – e o Juiz um dos expoentes e guardiões desse bem-fazer. O Estado não pode ser tomado por um mentiroso que diz ao cidadão que pode impugnar a decisão da autoridade administrativa no prazo de 20 dias úteis, cuja contagem se inicia três dias após o registo dos CTT desta notificação, e depois, porque o cidadão assim fez, dizer-lhe que afinal não podia ter feito como lhe disse para fazer. Tal como muito sensatamente opina o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu ao abrigo do art.º 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, os princípios da confiança e da segurança jurídicas impõem que, independentemente de estar correcto ou incorrecto o teor daquela notificação, ela deva ser considerada como o verdadeiro regulador do regime recursal no caso concreto. Tanto mais quanto a dita notificação foi feita a um representante da sociedade arguida e não a qualquer mandatário judicial. E será, pois, assim que se fará. III Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Criminal em dar provimento ao recurso e em consequência revogar o despacho de fls. 48-49 dos autos, pelo qual o tribunal a quo não admitiu à requerente e ora recorrente a impugnação da decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade por a considerar extemporânea, despacho que deverá ser substituído por outro que admita aquela impugnação. Sem custas. # Évora, 2012-07-12 (elaborado e revisto pelo relator, que escreve com a ortografia antiga) JOÃO MARTINHO DE SOUSA CARDOSO ANA BARATA BRITO |