Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3897/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO F. MARTINS
Descritores: TRABALHADOR DOS CTT
INSCRIÇÃO COMO SUBSCRITOR DA CGA
Data do Acordão: 02/02/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1º, Nº 1, DO DL Nº 498/72, DE 9/12 , E DL Nº 87/92, DE 14/5.
Sumário: I – Preceitua o artº 1º, nº1, do DL nº 498/72, na redacção dada pelo DL nº 191-A/79, que “são obrigatoriamente inscritos como subscritores da Caixa Geral de Aposentações, ... , os funcionários e agentes que, vinculados a qualquer título, exerçam funções com subordinação à direcção e disciplina dos respectivos órgãos, na Administração Central, Local e Regional, ... , institutos públicos e outras pessoas colectivas de direito público” .
II – Por sua vez, estabeleceu-se no artº 9º, nºs 1 e 2, do DL nº 87/92, de 14/5, que “os trabalhadores e pensionistas da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal mantêm perante os CTT todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da entrada em vigor do presente diploma, ... “.

III – Encontrando-se o autor contratado a prazo, tal situação era de “assalariado acidental”, conforme expressamente é definida no artº 2º, nº 3, al. a), do Regulamento Geral do Pessoal dos CTT, aprovado pela Portaria 706/71, de 18/12, pelo que tal tipo de relação laboral era regulada, salvo estipulação em contrário, pelo direito comum do trabalhador, o que não lhe configura a qualidade de funcionário ou agente, nos termos do DL nº 427/89, de 7/12 .

IV- Donde que o autor não podia ser inscrito na Caixa Geral de Aposentações, por não poder ser qualificado como funcionário ou agente .

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juizes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO
1. A... instaurou contra B... a presente acção declarativa sob a forma de processo comum [Proc. nº 917/04.3 TTVIS do 2º Juízo do Tribunal de Trabalho de Viseu] pedindo que a R. seja condenada: a reconhecer que a antiguidade do A na empresa se reporta a 30.03.1992; a inscrevê-lo como subscritor da Caixa Geral de Aposentações, com efeitos reportados a tal data, efectuando os descontos que competirem; a pagar-lhe a título de sanção pecuniária compulsória a quantia de € 100,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que lhe vier a ser imposta.
Alega, em resumo, que foi admitido para trabalhar por conta e sob a autoridade, direcção e fiscalização da R., como trabalhador efectivo desde 26.01.93, embora já para ela trabalhasse como contratado a termo desde 04.05.92 e tendo anteriormente feito estágio, com aproveitamento, de 30.03.92 a 29.04.92. Deve reportar-se a esta data de inicio do estágio a antiguidade do A ao serviço da R. e assim, atenta esta data de inicio de funções e independentemente da natureza do contrato, a R deveria tê-lo inscrito como subscritor da Caixa Geral de Aposentações (CGA) e não, como o fez, no Regime Geral da Segurança Social (RGSS).
Contestou a R., excepcionando a prescrição dos créditos do contrato a termo que terminaria terminado por caducidade em 03.11.92, bem como uma errada interpretação do AE/CTT feita pelo A. Impugnando, sustentou não existir fundamento para a inscrição do A na CGA. Termina pedindo a sua absolvição do pedido.
Na resposta à contestação o A propugna pela improcedência das excepções deduzidas e conclui como na p.i.
2. Prosseguindo o processo os seus regulares termos, com saneamento tabelar, mas sem conhecimento das excepções deduzidas e opção pela não fixação da matéria de facto assente e elaboração da base instrutória, veio a realizar-se o julgamento e, após, a ser proferida sentença que julgou a acção integralmente procedente.
3. É desta decisão que, inconformada, a R. vem apelar, pretendendo a sua revogação.
Alegando, conclui:
A) Contrariamente ao decidido pelo Mmo. Juiz a quo, verificou-se a prescrição relativamente ao contrato a termo celebrado pelo Recorrido, sendo certo que é de aplicar o disposto no artigo 381° do Código do Trabalho, pois o direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações é sem qualquer dúvida um direito de crédito, ainda que não tenha sido definido o “seu valor monetário”;
B) Ainda sem prescindir, do que já se referiu e considerando, como mera hipótese académica, que à Recorrente não assistisse razão, a verdade é que sempre teria que se atender aos momentos em que o Recorrido não esteve efectivamente a trabalhar para a Recorrente. Pois,
C) De outro modo, este seria injustamente beneficiado, pois seriam descontados determinados valores reportados a lapsos de tempo em que o Recorrido nem sequer tinha estado a trabalhar para a ora Recorrente;
D) Assim, ainda que se viesse a defender, como fez o Mmo. Juiz a quo, tese diferente da ora Recorrente, nunca poderia de se deixar consignado que seria necessário descontar os valores respeitantes aos períodos em que o ora Recorrido não trabalhou para a Recorrente;
E) Tendo o Recorrido sido admitido em 26.01.93, é esta data que se tem em consideração para a definição do regime de Segurança Social aplicável ao trabalhador, nos termos do disposto no AE/CTT.
F) O Recorrido não refere qualquer fundamento que permita inferir que tivesse direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações:
- Nem pela via do referido DL n° 36610 de 24/11/1947 que no n° 1 que faz depender da origem das verbas para pagamento do salário o direito à inscrição;
- Nem por via do DL 498/72 (Estatuto da Aposentação), já que não tinha a qualidade de funcionário ou agente, nem qualquer outra de regulamento especial;
G) O citado n° 1 do art. 9º do DL 87/92, diz literalmente que são mantidos os direitos já existentes à data de entrada em vigor, logo a situação laboral da A., está afastada da situação excepcional que a norma configura;
H) O Recorrido nunca manifestou intenção de ser inscrito na Caixa Geral de Aposentações, mesmo após lhe ter sido atribuído número de beneficiário do Regime Geral de Segurança Social dos trabalhadores por conta de outrem;
I) Porque o Recorrido foi admitido após a entrada em vigor do Dec. Lei n° 87/92, de 14 de Maio, não pode o mesmo ser inscrito como subscritor da Caixa - Geral de Aposentações, mas sim no Regime Geral da Segurança Social, como trabalhadora por conta de outrem;
J) Um dos efeitos da retroacção da antiguidade a data anterior à da entrada em vigor do Dec. Lei n° 87/92, de 14.05, não é a inscrição na Caixa Geral de Aposentações;
L) O Recorrido é beneficiário do regime geral da Segurança Social, em virtude de só serem inscritos na Caixa Geral de Aposentações os trabalhadores efectivos admitidos nos CTT enquanto Empresa Pública;
M) Sendo este o entendimento expresso nas decisões que absolveram a ora R., proferidas em casos análogos julgados, nomeadamente, no Processo n° 257/B/95, que correu seus termos no 2° Juízo, 2 Secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa e no Recurso n° 3361/4/99 do Tribunal da Relação de Lisboa;
N) O Recorrido foi admitido em 26 de Janeiro de 1993 para o quadro efectivo da R., conforme consta da matéria de facto provada;
O) Sendo esta a data relevante para efeitos de inscrição na CGA e não qualquer outra;
P) Não tem aplicação ao caso em apreço o Acórdão de Revista junto aos autos, uma vez que nesse caso o trabalhador havia estado a trabalhar ininterruptamente para a Ré, desde a data solicitada para efeitos de antiguidade, nomeadamente para efeitos de inscrição na Caixa Geral de Aposentações. Ora,
Q) No caso vertido nos presentes autos, o Recorrido esteve em determinados momentos, quatro dias seguidos e praticamente 3 meses sem estar a trabalhar na empresa. E,
R) Não se poderá deixar de ter em conta para a boa decisão dos presentes autos duas condições:
O facto de o Recorrido não ter estado ininterruptamente a trabalhar para Ré desde 30.03.92;
E a já referida prescrição, que ocorreu relativamente aos contratos a termo, conforme supra exposto. Ora,
S) Como tal há divergências entre os factos que levaram à decisão do Acórdão junto pelo Recorrido, e que não se podem ultrapassar, sob pena de estarmos a tratar de forma igual, situações desiguais;
T) Assim sempre se dirá que o Recorrido não esteve ininterruptamente a trabalhar para a Recorrente. Assim,
U) A data de admissão, como efectivo, do recorrido na Recorrente, é posterior à entrada em vigor do Dec. Lei n 87/92, de 14 de Maio, pelo que o Recorrido foi devidamente inscrito no Regime Geral de Segurança Social, não havendo qualquer violação do disposto no n ° 1 no artigo 9º do referido Decreto-lei;
V) Além disso, contrariamente ao Acórdão, junto aos autos pelo recorrido, no qual ficou provado que “ ... O Autor em questão esteve sempre disponível para trabalhar para a Ré, mesmo nos dias de interrupção na sequência dos contratos referidos em 7, e só o não fez, porque, ao que lhe disseram na ocasião, os seus superiores hierárquicos, por razões burocráticas da exclusiva responsabilidade da Empresa, houve demora na assinatura dos contratos”, nestes autos não ficou provado qual a razão do Recorrido não ter estado a trabalhar para a recorrente nos períodos de interregno entre os contratos;
X) Importa no entanto, salientar que no entender da Recorrente, a questão em causa é a admissão como efectivo e essa foi em 26.01.93, razão pela qual a Recorrente não inscreveu o Autor na Caixa Geral de Aposentações, mas sim e bem na Segurança Social;
Z) Pelo que ao decidir como decidiu, violou a Douta Sentença a Lei e, em especial, o disposto nas Clªs 26ª, 57ª e segs. e 65ª e segs do AE/CTT, publicado no BTE nº 21, de 08.06.96, bem como o art. 9º do DL 87/92 de 14.05;
AA) Ainda que a ora Recorrente tenha de inscrever o Recorrido como subscritor da Caixa Geral de Aposentações, com efeitos reportados a 30.02.92, nunca teria de ser a Recorrente a efectuar os descontos, pois tais descontos já foram efectuados para a Segurança Social;
BA) No limite, sempre teria de ser a Segurança Social a transferir para a Caixa Geral de Aposentações os descontos que a ora Recorrente foi efectuando ao longo dos anos referente à prestação de trabalho do Recorrido. Pois,
CA) Caso assim não se entendesse, tal significaria que a Recorrente teria, por duas vezes, de proceder a descontos pela mesma e única prestação de trabalho referente ao Recorrido;
DA) Por todo o exposto, deverá também ser revogada a douta sentença na aplicação da sanção pecuniária compulsória, pois o cumprimento da sentença, caso venha a ter de ocorrer não depende só da recorrente, mas também da Segurança Social, pois é esta entidade que tem que fazer as transferências para a CGA;
EA) Além disso, a ora Recorrente discorda do valor da sanção, por julgar que a mesma é desajustada ao pedido e demasiada elevada.
4. O A não fez uso do direito a contra-alegar.
5. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido da improcedência do recurso.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
É a seguinte a factualidade dada como provada:
1. Para trabalhar por sua conta e sob a sua autoridade, direcção e fiscalização a ré admitiu o autor como trabalhador efectivo dos seus quadros de pessoal, por despacho da sua Direcção de Recursos Humanos (DRH) –DE009193DRH – de 26.01.1993;
2. O A. foi admitido para o Grupo Profissional de carteiro (CRT), com a categoria (nível salarial) “D”, para trabalhar no CARC (Centro de Agrupamento e Reserva Contínuo) Centro de Distribuição Postal (CDP) de Mortágua;
3. Nos termos do referido despacho, tal admissão teve efeitos reportados à data de início de funções;
4. O A. pertence actualmente ao Grupo Profissional de Carteiro (CRT), desempenhando as funções de divisão, separação e distribuição no CDP de Mortágua;
5. Tem, actualmente, a categoria profissional (nível salarial) “H”, auferindo a retribuição mensal ilíquida de 701,10 euros, a que acrescem 3 diuturnidades no montante global de € 82,41 e um subsídio de alimentação no montante de € 8,15, desde que preste pelo menos 3 horas de trabalho efectivo em cada dia;
6. O A. é sócio do Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações;
7. Antes da sua admissão nos quadros de pessoal efectivo da ré, o A. já tinha trabalhado para esta, como contratado a termo, desde 04.05.1992, no âmbito de um contrato a termo, por seis meses, com início naquela data (doc. fls. 9);
8. O A. efectuou estágio com aproveitamento, de 30.03.1992 a 29.04.1992;
9. A ré inscreveu o A. no Regime Geral da Segurança Social;
10. O A. reclamou junto da ré pelo facto de esta não o ter inscrito como subscritor da Caixa Geral de Aposentações.
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2. De direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil [Adiante designado abreviadamente de CPC].
Assim, não vindo colocado em crise naquelas conclusões a decisão da 1ª instância na parte em que condenou a R. a reconhecer que a antiguidade do A na empresa se reporta a 30.03.92, deve entender-se que, nesse segmento da decisão, se formou caso julgado.
Decorre ainda das referidas regras sobre as conclusões das alegações que as questões que importa dilucidar e resolver se podem equacionar da seguinte forma:
- Ocorre a excepção de prescrição?
- O A tem direito à inscrição na CGA?
- A R. não deverá ter de efectuar novos descontos para a Segurança Social, devendo ser a CGA a transferir os descontos que a recorrente efectuou ao longo dos anos?
- Não é de condenar a R. em sanção pecuniária compulsória e, sendo-o, o valor fixado é desajustado e elevado?
Proceder-se-á, de seguida, à análise daquelas questões fazendo-se notar dois aspectos.
O primeiro reporta-se ao facto de a temática das duas primeiras questões ter sido abordada e decidida nesta secção social, em recursos recentes [Recursos de Apelação nºs 2912/05, 3192/05 e 3511/05.] . Acompanharemos quanto a tais questões e quase na íntegra, as razões expendidas no Recurso nº 3511/05, de que também fomos relator.
O segundo aspecto a fazer salientar prende-se com a relação de prejudicialidade que se verifica entre a segunda e a terceira questões, pois caso se conclua que o A não tem direito à inscrição na CGA não há que conhecer da problemática suscitada quanto ao pedido de condenação da R. a efectuar novos descontos para a Segurança Social.
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a) Excepção de prescrição
Invoca a R. a prescrição com base no art. 381º do Código de Trabalho [Aprovado pela L 99/2003 de 27.08.2003] por entender que o contrato a termo celebrado entre o A e a R. terminou por caducidade há mais de um ano, considerando a data de entrada da p.i. em juízo. Argumenta ainda que a inscrição na CGA terá que ser sempre entendida como um crédito, aplicando-se-lhe assim o art. 381º citado.
Afigura-se-nos, ressalvando melhor opinião, que não assiste razão à R., neste particular.
Desde logo porquanto, tal como o A configura a sua pretensão, ela não deriva do contrato a termo invocado, mas antes da consideração de que o contrato sem termo que actualmente o vincula à R. é um desenvolvimento ou consequência do contrato a termo e até do estágio antecedente, tanto assim que a sua antiguidade é de reportar ao inicio de funções, com a realização deste estágio, aliás como resulta de cláusula do contrato colectivo de trabalho.
Assim é de considerar que estamos perante uma relação de trabalho, senão única, pelo menos a tratar e a considerar de forma unitária. Nesta medida, mantendo-se ainda hoje em desenvolvimento a relação laboral entre o A e a R., perde qualquer sentido a alusão ao art. 381º citado.
Depois também não nos convence a argumentação da R. de que a inscrição na CGA tem de ser entendida como um crédito.
Na verdade, o prazo de prescrição de um ano indicado na citada norma é aí previsto para “os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação” (o itálico é nosso obviamente).
Ora, o eventual direito à inscrição na CGA não só não é etimologicamente um crédito, como nunca seria resultante de um contrato de trabalho já que não tem base jurídica na relação de contrato de trabalho. É evidente que é pressuposto da possibilidade de ser beneficiário do regime da Caixa Geral de Aposentações uma das relações de trabalho previstas no diploma que rege sobre a matéria, como possibilitando ter direito à inscrição na CGA. Mas não é desta relação de trabalho que advém tal direito à inscrição na CGA. Este direito resulta de um conjunto normativo, o Estatuto da Aposentação, previsto no DL 498/72 de 09.12., com as alterações que lhe foram introduzidas pelo DL 191-A/79 de 25.06. e não duma relação laboral.
Conclui-se, assim, que a pretensão da recorrente de ver declarada prescrita a pretensão do A não tem fundamento, improcedendo a conclusão A) das alegações.
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b) Direito à inscrição na CGA
Na decisão recorrida concluiu-se pela procedência da pretensão do A partindo da consideração de que o mesmo, tendo prestado trabalho subordinado numa empresa pública, mediante remuneração, ainda que esse trabalho tivesse sido prestado no âmbito de contratos de trabalho a termo certo, estava sujeito à inscrição obrigatória na CGA, em face do disposto no art. 1º nº 1 do DL 498/72, na redacção dada pelo DL 191-A/79 e art. 9º nº 1 do DL 87/92 de 14.05. Partiu-se ainda da consideração de que nos termos da clausula 25ª nº 3 do AE, publicado no BTE nº 29/81 e do Regulamento de Pessoal dos CTT, aprovado pela Portaria nº 706/71 de 18.12, «a antiguidade do A conta-se desde 25.07.90, ou seja, desde o tempo de “assalariamento”» [Existiu lapso manifesto na indicação desta data, 25.07.90, a fls. 70 da sentença recorrida, pois quis-se concerteza dizer 30.03.92].
Analisando tal argumentação e considerando a tese oposta, expendida nas alegações da recorrente, cremos que a decisão recorrida não fez o melhor e mais correcto enquadramento da questão. Aliás, também ressalvando o devido respeito, cremos que esse mesmo enquadramento se mostra incompleto no Acórdão do STJ junto pelo A aos autos (cfr. fls. 10/16).
Fundamentemos esta conclusão.
Preceitua o art. 1º nº 1 do DL 498/72, na redacção dada pelo DL 191-A/79:
“São obrigatoriamente inscritos como subscritores da Caixa Geral de Aposentações, …, os funcionários e agentes que, vinculados a qualquer titulo, exerçam funções com subordinação à direcção e disciplina dos respectivos órgãos, na Administração Central, Local e Regional, incluindo federações e associações de municípios e serviços municipalizados, institutos públicos e outras pessoas colectivas de direito público e recebam ordenado, salário ou outra remuneração susceptível, pela sua natureza, de pagamento de quota, nos termos do artigo 6º” (o itálico é da nossa autoria).
Por sua vez estabeleceu-se no art. 9º nºs 1 e 2 do DL 87/92 de 14.05 o seguinte:
“1- Os trabalhadores e pensionistas da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal mantêm perante os CTT-S.A., todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da entrada em vigor do presente diploma, ficando esta sociedade obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões do pessoal daquela empresa pública.
2- Os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal vigentes nesta data continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores referidos no número anterior”.
Neste enquadramento legislativo, importa averiguar se a situação do A, à data em que entrou em vigor o DL 87/92, reunia já então os requisitos de inscrição na CGA. Se assim for, o A manteve tal direito e o regime jurídico do Estatuto da Aposentação da CGA deverá continuar a ser-lhe aplicável. Se concluirmos que o A não preenchia aqueles requisitos, ele não tinha direito à inscrição na CGA à data da entrada em vigor do DL 87/92 e, consequentemente, não foi pela sua admissão posterior, em 26.01.93, como trabalhador efectivo dos quadros de pessoal da R. que adquiriu tal direito.
Impõe-se pois começar por averiguar se o A, à data em que entrou em vigor o DL 87/92, reunia os requisitos para inscrição na CGA.
Analisando o citado preceito, art. 1º nº 1 do Estatuto da Aposentação, encontramos como primeiro requisito ou pressuposto a necessidade de estarmos perante “funcionários” ou “agentes”.
Ora, à data da entrada em vigor do DL 87/92, o A encontrava-se vinculado com a R. por um contrato de trabalho a termo.
Encontrando-se contratado a prazo, o A encontrava-se na situação de “assalariado acidental” conforme expressamente era definida tal situação no art. 2º nº 3 al. a) do Regulamento Geral do Pessoal dos CTT, aprovado pela Portaria 706/71 de 18.12. Assim, tal tipo de relação laboral era regulada, salvo estipulação em contrário, pelo direito comum do trabalhador – v. art. 4º do Anexo àquele Regulamento.
Tal contrato de trabalho a termo conferia ao A a qualidade de funcionário ou agente?
Afigura-se-nos que não.
À época o regime jurídico de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública era estabelecido no DL 427/89 de 07.12, como determinava o seu art. 1º, sendo o mesmo aplicável aos “institutos públicos nas modalidades de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos”, por força do nº 1 do art. 2º daquele diploma legal.
Dúvidas não existem, cremos, que sendo então os CTT uma empresa pública, com personalidade jurídica de direito público, criada pelo DL 49 368 de 10.11.69, a mesma era de qualificar como pessoa colectiva de direito público, dado que as empresas públicas, de direito público, são uma das categorias em que se podem dividir os institutos públicos [V. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, Vol. I, págs. 187/190 e 372 e segs.] . Eram-lhe assim aplicáveis, consequentemente, as referidas normas do DL 427/89.
Com a entrada em vigor do DL 87/92, os CTT foram convertidos em sociedade anónima, embora de capitais exclusivamente públicos, tendo pois o estatuto de pessoa colectiva de direito privado – v. art. 1º nº 1 do DL 87/92. A partir desta transformação em sociedade anónima também temos como seguro que às relações de trabalho que estabeleceu com novos trabalhadores é-lhe aplicável o regime jurídico do contrato individual de trabalho.
Voltando atrás, ou seja, ao período anterior à vigência do DL 87/92, parece-nos inquestionável que o A não é qualificar como funcionário pois não foi nomeado para preencher um lugar do quadro e com as demais características previstas no art. 4º do DL 427/89, nomeadamente para assegurar de modo profissionalizado e com carácter de permanência as funções próprias do serviço público.
Por sua vez no art. 14º nº 1 do referido DL 427/89 prevêem-se como modalidades de contratação de pessoal, o contrato administrativo de provimento e o contrato de trabalho a termo certo. Aquele confere ao particular a qualidade de agente administrativo mas este não, estabelecendo-se que o seu regime é a lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo – v. nºs 2 e 3 do art. 14º citado.
Assim, não sendo de qualificar o contrato celebrado entre o A e a R., vigente antes da entrada em vigor do DL 87/92, como um contrato administrativo de provimento, dado que não preenche os pressupostos exigidos pelos artºs 15º e 16º do DL 427/89, é de concluir que ao A não é conferida a qualidade de agente administrativo, devendo o seu contrato a prazo ser regido pela lei geral sobre os contratos de trabalho a termo.
Aqui chegados encontramo-nos em condições de afirmar que a relação de trabalho que o A tinha com a R., quer antes da entrada em vigor do DL 87/92, quer quando este diploma iniciou vigência, não permitia qualificá-lo como funcionário ou agente, pelo que não reunia as condições necessárias para poder ser inscrito na Caixa Geral de Aposentações. Como atrás se salientou, o primeiro dos pressupostos necessários a tal possibilidade de inscrição era ser “funcionário ou agente”.
Claro que não tendo o A aquele direito à inscrição na Caixa Geral de Aposentações antes da entrada em vigor do DL 87/92, o art. 9º deste diploma não lho pode conferir, pois neste normativo apenas se estatui a manutenção de direitos de que os trabalhadores e pensionistas já fossem titulares.
Assim, não estando preenchido o referido pressuposto, bem andou a R. em ter inscrito o A no regime geral da segurança social e procedido aos descontos para tal regime, com base nos contratos de trabalho a termo que foi celebrando com o mesmo.
Nem se invoque que o A estava abrangido pelo regime da CGA por força do art. 25º do DL 36610 de 24.11.47.
Com efeito, o que prevê em tal normativo é que as relações entre os CTT e a CGA seguem determinado procedimento “enquanto subsistir o actual regime de aposentações do pessoal dos CTT”. Ora, não se duvida que a determinados trabalhadores dos CTT, contratados em determinadas condições, era aplicável o regime de aposentação da CGA. Ao A não, porém, porque não estava contratado nessas condições. Aliás, do nº 4 daquele art. 25º até se retira argumento contrário a esta tese pois ali se exige que seja feita “prova de efectividade nos CTT” (o sublinhado é nosso, evidentemente, para contrapor que a situação do A. não era de efectividade mas de temporariedade).
Igualmente cremos que os pareceres da Procuradoria Geral da República de 22.11.79 e 22.03.90, publicados no BMJ nº 296, pág. 33 e segs e BMJ nº 395, pág. 43 e segs, respectivamente, não podem abonar a tese do A.
Em primeiro lugar o segundo deles refere-se a situação muito específica, contratos a prazo celebrados pelo Ministério do Plano e da Administração do Território ao abrigo do DL 2/87 de 03.01, não transponível para a situação em apreço.
Em segundo lugar, e talvez mais relevante, foram tirados tendo por base situações factuais a que ainda não era aplicável o DL 427/89, pelo que cremos que a sua doutrina se encontra hoje desactualizada.
Aliás, no parecer de 22.03.90 expressamente se afirma a inaplicabilidade do DL 427/89, por o regime definido neste só se aplicar a partir da sua entrada em vigor (art. 43º nº 1), não afectando os efeitos jurídicos resultantes dos contratos celebrados à luz do DL 2/87. Também aí se deixa implícito que seria outra a solução se fosse aplicável o DL 427/89, pois no mesmo contêm-se uma norma, o art. 14º nº 3, «de sentido análogo à do nº 5 do art. 3º do DL 280/85. Segundo ela, “o contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo” [V. BMJ nº 395, pág. 57]. ».
Este tribunal não deixou de atentar na argumentação do Ac. do STJ junto aos autos por fotocópia (fls. 10/16) e na saliência que aí é feita para os termos do preâmbulo do DL 191-A/79, em que se indica como inovação de relevo o “Alargamento do âmbito pessoal em termos que praticamente só não permitirão a inscrição na Caixa Geral de Aposentação às pessoas que prestem serviços em regime de autonomia profissional”.
Até se admite que o propósito do legislador de 1979 fosse esse, o de permitir a inscrição na Caixa Geral de Aposentação a todos os que exercessem funções laborais com subordinação jurídica às entidades elencadas no referido art. 1º nº 1, independentemente do vinculo ser efectivo ou temporário. Aliás, parece que tal posição seria coerente com os princípios de justiça social que então apontavam, segundo o legislador, para um sistema de segurança social unificado (v. ainda o preâmbulo do diploma em causa).
Porém, não podemos alhear-nos de que o legislador de 1989, ao estabelecer no DL 427/89 as condições em que se adquiria a condição de funcionário e agente administrativo não podia desconhecer que tal iria ter repercussões em vários domínios da relação contratual assim definida, incluindo na situação de aposentação. No fundo, o legislador de 1989 não podia desconhecer que ao estabelecer que o contrato de trabalho a termo não confere ao trabalhador a qualidade de agente administrativo, tal implicaria uma restrição do âmbito de aplicação do Estatuto da Aposentação.
Por outro lado, a evolução legislativa posterior vem ao encontro desta argumentação. Com efeito, considerando a redacção dada ao art. 14º do DL 427/89 pelo art. 29º da Lei 23/2004 de 22.06, temos que hoje o contrato de trabalho, em qualquer das suas modalidades, quer portanto a termo certo ou incerto, “não confere a qualidade de funcionário público ou agente administrativo e rege-se pelo Código do Trabalho, com as especialidades constantes de diploma especial sobre contrato de trabalho na Administração Pública” – citámos o nº 3 do art. 14º, na redacção dada por aquele art. 29º, sendo o itálico e sublinhado obviamente da nossa autoria.
Cremos assim que em Maio de 1992, altura em que se questiona se o A tem ou não direito à inscrição na CGA em virtude da relação de contrato de trabalho a termo certo que tinha com a R. quando entrou em vigor o DL 87/92, se impõe uma interpretação jurídica do art. 1º nº 1 do Estatuto da Aposentação que tenha em consideração a globalidade do sistema jurídico, nomeadamente as novas regras estabelecidas pelo legislador de 1989 para se adquirir a condição de funcionário ou agente administrativo.
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3. À luz deste enquadramento normativo e respectiva teleologia, não pode subsistir o entendimento sustentado pelo tribunal "a quo" na parte em que condenou a R. a inscrever o A como subscritor da CGA. Igualmente falece fundamento fáctico e legal na parte em que a R. foi condenada a pagar uma sanção pecuniária compulsória diária enquanto tal inscrição não se efectivasse, procedendo assim, no essencial, a reacção do recorrente, nomeadamente a conclusão Z), quanto à violação do art. 9º do DL 87/92 e a parte inicial da conclusão DA).
Admite-se que a solução assim encontrada seja questionável e não querendo desculpar-nos, caso tenhamos errado ao procurar a solução certa, não podemos deixar de recordar que de algum modo o filosofo e matemático francês René Descartes era já bem avisado quando afirmava que “a multiplicidade das leis frequentemente desculpa as falhas” [In Direito, As melhores citações, Colecção Citações Jurídicas, pág. 103. ].
Por outro lado, face à solução dada à segunda questão enunciada, ou seja, que o A não tem direito à inscrição na CGA, resulta que o conhecimento da terceira questão levantada pela apelante carece de qualquer utilidade, pois tinha como pressuposto que o A. tinha o direito que se arrogava, estando assim numa relação de prejudicialidade relativamente àquela.
Em consequência, não deve este Tribunal de recurso pronunciar-se sobre tal questão, que fica prejudicada, sob pena de prática de acto inútil, o que é vedado por lei - cfr. artºs 660 nº 2, 713º nº 2 e 137º, todos do CPC.
No mais decidido, ou seja, na parte em que a R. vinha condenada a reconhecer que a antiguidade do A na empresa se reporta a 30.03.92, não tendo sido tal questão impugnada pela via do recurso, já que não foi levada às conclusões das alegações e até a R. parece aceitar contar a antiguidade assim (v. nº 27 das suas alegações), é de concluir que se formou caso julgado.
Não existe qualquer incoerência em se contar a antiguidade do trabalhador reportando-a ao tempo do inicio de estágio, 30.03.92, com base na clausula 25ª nº 3 do AE/CTT, publicado no BTE nº 21 de 08.06.96 e Regulamento do Pessoal dos CTT, aprovado pela Portaria 706/71, e isso não lhe conferir o direito à inscrição na CGA mas tão só no RGSS.
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III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos delibera-se revogar a decisão recorrida, julgando-se procedente a apelação e, consequentemente, absolve-se a R. dos pedidos de condenação à inscrição do A como subscritor da CGA e na sanção pecuniária compulsória.
Custas a cargo do apelado.
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Coimbra,
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(António F. Martins)
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(Bordalo Lema)
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(Fernandes da Silva)