Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3554/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. TÁVORA VITOR
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/10/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A SENTENÇA APELADA
Legislação Nacional: ART. 25.º DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES E 58.º REGULAMENTO GERAL DAS ESTRADAS E CAMINHOS MUNICIPAIS (LEI N.º 2110 DE 19-08-61)
Sumário:

1. A justa indemnização em caso de expropriação por utilidade pública, só pode ser alcan-çada através de uma escrupulosa e transparente fixação dos montantes parcelares que a integram.
2. Apresentando o processo de expropriação um cariz eminentemente téc-nico, o Juiz necessita que lhe sejam fornecidos elemen-tos concretos pelos peritos em ordem a uma cabal funda-mentação do escopo final do pro-cesso, a fixação da indemnização global, que não repre-senta senão o segundo termo do "sinalagma expropria-tivo" desapossa-mento/indemnização objecto do processo em análise.
3. O decidido pelo Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça traz ínsito o dever de fun-damentar a decisão tomada sob o ponto de vista da indemnização a título de localização e ambiental, não sendo já possível justificar a ausência da mesma com o facto de a citada alínea h) do nº 3 do artigo 25º não o exigir.
4. Uma correcta ponderação do item em análise supõe pois o fornecimento de elementos subsumíveis ao conceito da alínea h) por parte dos peritos que o não fizeram, já que só assim será possível a tomada de uma posição criteriosa.
5. O mesmo se poderá dizer da repercussão do artigo 58º do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais (Lei nº 2110 de 19-8-61), quanto a alegada zona non aedificandi que possa repercutir-se no valor da indemnização tendo em linha de conta, desde logo, o disposto no artigo 25º nº 1 do Código das Expropriações (cálculo do valor do solo apto para construção).
6. A ausência destes esclarecimentos é susceptível de repercutir-se na decisão final acabando assim o aresto por não se pronunciar sobre questões que devia apreciar, incorrendo desta forma na prática da nulidade a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
1. RELATÓRIO.
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.
Por despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas nº 8 198/99 e atento o despacho de 22.02.99 do Eng. AA, no uso da competência delegada do presidente da BB de 8.07.98, publicado no DR nº 186, II série, de 13.08.98 que aprovou as planta parcelar e os respectivo mapa de áreas de expropriação relativos ao sublanço Fátima-Lei-ria da Auto-Estrada do Norte, foi declarada a utili-dade pública com carácter de urgência das expropriações das parcelas de terreno necessárias à construção de tal obra, publicada no DR nº 96, II série de 24.04.99 e, atribuída à "DD" a sua responsabilidade.
A parcela nº 162.2 dos autos integra-se no pro-jecto da referida obra.
Efectuou-se a necessária vistoria "ad perpetuam rei memoriam", conforme auto de fls. 26 dos autos.
A expropriante tomou posse de tal parcela, fls. 29 dos autos.
Goradas as possibilidades de acordo sobre o "quan-tum indemnizatório", teve lugar a arbitragem na qual um dos árbitros, julgou em atribuir aos expropriados, CC e mulher EE a indemnização de 1 384 400$00/6.903,36 € e os outros dois decidiram fixar esse mesma indemnização em 413.280000/2.061,43 €, tendo esta última quantia sido depositada à ordem do Juiz desta comarca, através do conhecimento de depósito de fls. 43.
Remetidos os autos a Tribunal, proferiu-se a fls. 48, despacho a adjudicar a propriedade da parcela à expropriante, ordenando-se a notificação das partes nos termos e para os fins legais.
Recorreram os expropriados, atacando o acórdão arbitral de omissão, deficiência e inexactidão, por-quanto na sua óptica os árbitros:
1. Não valorizaram correctamente o valor do ter-reno/m2 de área bruta de construção;
2. Utilizaram um errado índice máximo de utiliza-ção no terreno, não respeitando o que determina o PDM;
3. Não valorizaram a proximidade das infra-estrutu-ras urbanísticas existentes a menos de 50 metros – redes públicas de abastecimento domiciliá-rio de água, de energia eléctrica, de iluminação pública e Rua pavi-mentada;
4. Não valorizaram correctamente a localização e quali-dade ambiental da parcela.
Terminaram pedindo a fixação da indemnização no mon-tante global de mais de 5 000 000$00/24.939,89 €.
Recebido o recurso, a expropriante respondeu refe-rindo que o terreno foi correctamente valorizado no laudo subscrito por um só dos senhores árbitros, já que se trata de uma pequeníssima área de terreno, muito dificilmente vendável, era acessível através de um caminho de terra batida a cerca de 35-50 metros de uma Rua calcetada, pelo que efectivamente não beneficiava de quaisquer infra-estruturas, situava-se junto ao limite da zona urbana da cidade de Leiria, no limite da mancha que o PDM considera como destinado a construção de baixa densidade, pelo que a parcela em causa está bem caracterizada com solo apto para construção, de harmonia com o disposto no artº 25º nºs 1 e 2 do C.Exp. e devidamente valorizada em 413.280$00/2.061,43 €.
Terminou pedindo que o recurso seja julgado improce-dente.
Realizaram-se de seguida as diligências de prova habituais: a inspecção e a avaliação, não tendo as par-tes apresentado quesitos.
Decorrido o prazo concedido, os senhores peritos fizeram juntar aos autos os respectivos laudos e res-postas – fls. 89 a 94 e 99 a 113 que notificados às partes não lhes mereceram quaisquer esclarecimentos.
Três dos senhores peritos atribuíram à parcela a indemnização de 4 203 108$00/20.965 €.
Tudo ponderado, a Sra. Juiz julgou o recurso, par-cialmente procedente por provado e em consequência, fixou a indemnização devida pela expropriante DD aos expropriados CC e mulher EE, nos termos do artº 22º e 23º D.L. 438/91, de 9.11, em € 20.965,02 (vinte mil, novecentos e sessenta e cinco euros e dois cêntimos), a ser actualizada, nesta data, de acordo com a evolução dos índices de preços no consumidor, à excepção da habitação, e verificados nos anos de 1999 (inclusive) a Março de 2003.
Daí o presente recurso de apelação interposto pela Autora Brisa, a qual no termo da sua alegação apresen-tou as seguintes,

Conclusões.

1) A parcela de terreno objecto de expropriação designada no respectivo mapa de áreas de expropriação com o nº 162,62 e com a área de 205 m2 e o prédio base com a área de 540m2 tinham uma natureza rústica pois que não eram servidos por qualquer infra-estrutura urbanística, apenas tendo acesso por um caminho de terra batida distando da rua calcetada entre 35 e 50 m onde apenas nesta existem redes de água e electrici-dade.
2) Porém, em virtude de o PDM de Leiria localizar o terreno em espaço proposto como de construção de baixa densidade, os senhores peritos classificaram o solo como de construção, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 24º do CE.
3) Só que, de harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 25º, no cálculo do valor do solo, tão só e ape-nas podiam considerar a percentagem de 10% como inci-dência do valor do terreno sobre o valor da construção, e não 12% como fizeram os peritos maioritários, com violação deste preceito legal
4) De igual modo estes senhores peritos ao conside-rarem a percentagem de 9% para localização e qualidade ambiental, sem a terem minimamente justifi-cado com os factos previstos na Lei nº 11/87 de 7 de Abril – Lei de Bases do Ambiente, violaram os princí-pios jurídicos constantes do Acórdão nº 1 de 1999 do STJ, que orienta, precisamente, nesse sentido para que possa haver a correspondente decisão de direito.
5) Sendo que o perito do expropriante Sr. Engº FF e o perito do tribunal Sr. Engº GG, referiram expressamente que a localização e qualidade ambiental face às condições locais não são boas, pois que o ambiente social face à proximidade de Andrinos e a acessibilidade constante do Auto de Visto-ria, ou seja, o caminho fazendeiro de terra batida, não são bons, razão porque atribuíram apenas a percentagem de 5%
6) Como também consideraram a referida percentagem de 10%, tendo observado o disposto no referido nº 2 do artigo 25º, não obstante terem considerado as percen-ta-gens de 1%+1%, indevidamente, pois que como se disse inexistiam como inexistem as correspondentes infra-estruturas urbanísticas
7) Sendo certo que todos os senhores peritos não tiveram em atenção o disposto no artigo 58 do Regula-mento Geral das Estradas e Caminhos Municipais – Lei nº 2110 de 19/08/1961, ou seja, não levaram em linha de conta que numa profundidade de 8 metros a partir do eixo da via, porque afecta à zona non aedificandi, não é admitida qualquer construção,
8) O que implica que, tendo o caminho a largura de 4 metros, em toda a parte confinante do terreno, pelo menos numa profundidade de 6 metros, vigora esta proi-bição, não podendo a correspondente área ser avaliada como terreno apto para construção.
9) Construção que aliás jamais seria possível con-cretizar no prédio base, pois que apenas tinha a área de 540 m2, mesmo que não tivesse sido expropriada a par-cela com a área de 205 m2
10) Houve pois por parte dos senhores peritos vio-lação das referidas normas legais, o que implicou uma sobreavaliação da parcela expropriada, que não corres-ponde de modo algum ao seu valor real e corrente, ou seja, ao valor de mercado e assim também violação do disposto no artigo 22º do CE, na medida em que pres-creve o pagamento de uma justa indemnização, sendo nula a avaliação.
11) O que tudo implicou que a Meritíssima Juíza tivesse assumido na Sentença, sem se ter aperce-bido, as ilegalidades praticadas pelos senhores peri-tos, tendo também assumido a percentagem de 9% a título de locali-zação e qualidade ambiental sem que tenha tomado conhe-cimento dos factos caracterizadores de tal percentagem, não tendo assim possibilidades de decidir de direito conforme a jurisprudência fixada pelo refe-rido Acórdão do STJ.
12) Enfermando pois a sentença das nulidades pre-vistas nas alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, o que implica a sua anulação e inerente anulação da avaliação, para que os senhores peritos procedam a nova avaliação com observância dos referidos normativos legais que por eles foram violados.
Contra-alegaram os apelados pedindo a confirmação da sentença apelada.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.
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O Tribunal deu como provados os seguintes,
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2.1. Factos.
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2.1.1. Como se vê dos autos, designadamente do auto de vistoria "ad perpetuam rei memoriam" de fls. 26, dos laudos periciais (fls. 35 a 42, 89 a 94 e de 99 a 113), a parcela em causa tem as seguintes caracterís-ticas: tem a área de 250 m2 e situa-se no Lugar de Andrinos, da freguesia de Pousos, concelho de Leiria, a destacar do prédio rústico aí situado, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia, sob o artº 4 488º e não descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria, tal parcela confronta do Norte com caminho fazendeiro, do Sul com restante pré-dio do Nas-cente com terreno já expropriado e do Poente com Bento Esperança;
2.1.2. A parcela situa-se dentro do aglomerado urbano de Leiria.
2.1.3. Tem tal parcela a forma geométrica apro-xi-mada de um trapézio, com solo de natureza areno-argi-loso, sensivelmente plano e de nível, fundo e fér-til, detinha a capacidade que lhe era conferida pelo PDM de Leiria – urbano de baixa densidade – plenamente eficaz, e agrologicamente apresentava boa capacidade de uso para culturas agrícolas;
2.1.4. A parcela situa-se no limite norte do pré-dio de onde é destacada, com área de 540 m2 e da expro-priação resulta uma parcela sobrante, com a forma triangular, com área de cerca de 335 m2, dos quais 28 m2 ficam onerados pela servidão imposta pela via a construir;
2.1.5. A parcela era acessível através de um cami-nho com largura de 4 metros, com piso térreo que deri-vava da Rua Jacinto Barbeiro;
2.1.6. Esta Rua Jacinto Barbeiro está dotada de redes de abastecimento domiciliário de água, de energia eléctrica, de iluminação pública, rede telefónica, sendo o seu pavimento em "calçada à portuguesa”;
2.1.7. Toda a parcela expropriada situa-se entre 35 a 50 metros da dita Rua Jacinto Barbeiro;
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2.2. O Direito.
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Tendo em linha de conta que nos termos do precei-tuado nos artsº 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tribunal e conside-rando a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- A Justa Indemnização na expropriação por utili-dade pública como postulado do Estado de Direito.
- Da fixação do valor do solo à face do estatuído nos nsº 2 do artigo 25º e 3 alíneas a) e h) do DL 438/91 de 9 de Novembro e Lei nº 2 110 de 19/8/1961.
O dever de fundamentação das decisões tomadas, nomeadamente à face do Acórdão Uniformizador de Juris-prudência nº 1/99 e o caso concreto.
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2.2.1. A Justa Indemnização na expropriação por utilidade pública como postulado do Estado de Direito.
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A expropriação por utilidade pública pode definir-se como "a relação jurídica pela qual o Estado conside-rando a conveniência de utilizar determinados bens imó-veis em fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o patri-mónio da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória Cfr. Marcello Caetano "Manual de Direito Administrativo" II Almedina, Coimbra, pags 1 020."
À semelhança do que hoje sucede com o artigo 1º do actual Código das Expropriações, aprovado pelo DL 168/99 de 18 de Setembro, lia-se também no artigo 1º do DL 438/91 de 9 de Novembro – anterior Código aplicável no caso vertente – que "os bens imóveis e direitos a ele inerentes podem ser expropriados por causa de uti-lidade pública, compreendida nas atribuições da enti-dade expropriante mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização".
Constituem princípios da legitimidade do direito de expropriação, os princípios da legalidade, utilidade pública, proporcionalidade e da justa indemnização.
O caso vertente prende-se com último princípio ora enumerado, o da "justa indemnização" com foros de garantia constitucional no artigo 62º da Lei Funda-men-tal ao referir que "a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização". Como refere Alves Correia a justa indemnização sendo pressu-posto do exercício do direito do expropriante é "ele-mento integrante do próprio conceito de expropria-ção" Cfr. A. citado "As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública" pags. 158. . No conceito de justa indemnização deverão incluir-se o princípio de contemporaneidade de indemni-zação e uma justa compensação quanto ao ressarcimento dos prejuízos causados tendo em linha de conta os fac-tores que em tal se repercutem, como sejam os rendimen-tos, as culturas os acessos localização e encargos do prédio. Trata-se no fundo de harmonizar dois imperativos cons-titucio-nais; por um lado a salvaguarda do direito à proprie-dade e por outro a sujeição do mesmo ao inte-resse público – artº 62º da CRP Sobre a questão do conflitos de direitos à face da Constituição e vias para o superar, Cfr. Vieira de Andrade "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", Almedina, 2ª Edição, 2001, pags. 310 ss. .
Mas se o artigo 62º da Constituição e a lei apon-tam para uma justa indemnização em caso de expropriação por utilidade pública, o escopo em vista só pode ser alcan-çado através de uma escrupulosa e transparente fixação dos montantes parcelares que a integram, sendo certo que apresentando o processo de expropriação um cariz eminentemente téc-nico, o Juiz necessita que lhe sejam fornecidos elemen-tos concretos pelos peritos em ordem a uma cabal funda-mentação do escopo final do pro-cesso, a fixação da indemnização global que não repre-senta senão o segundo termo do "sinalagma expropria-tivo" desapossa-mento/indemnização objecto do processo em análise. Ao arbitrar a indemnização cumpre também o Juiz um dos princípios constitucionais, o princípio da igualdade, já que é nesse momento que o expropriado que com o desapossamento havia começado por ser colocado numa posição de desigualdade perante os outros concida-dãos recupera através da indemnização pecuniária a paridade que o desfalque patrimonial lhe havia reti-rado.
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2.2.2. Da incorrecta fixação do valor do solo à face do estatuído nos nsº 2 do artigo 25º e 3 alíneas a) e h) do DL 438/91 de 9 de Novembro e Lei nº 2 110 de 19/8/1961.
O dever de fundamentação das decisões tomadas, nomeadamente à face do Acórdão Uniformizador de Juris-prudência nº 1/99 e o caso concreto.
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A sentença apelada julgou o recurso da decisão arbitral parcialmente procedente e fixou a indemnização devida pela expropriante aos expropriados CC e mulher ao abrigo do preceituado nos artigos 22º e 23 do DL 438/91 de 9/11 em € 20.965,02 a ser actualizada, a partir da prolação da sentença, de acordo com a evo-lução dos índices de preços no consumi-dor, à excepção da habitação, e verificados nos anos de 1999 (inclu-sive) a Março de 2003.
A Brisa, entidade expropriante, não se conformou com o decidido e apelando da decisão vem levantar o problema da inobservância de determinados aspectos a ter em linha de conta em ordem a que a Sra. Juiz possa proferir uma decisão plenamente esclarecida.
Assente que a parcela expropriada constitui ter-reno apto para a construção desde logo por se situar dentro do aglomerado urbano de Leiria e o PDM desta cidade localizar o terreno em espaço proposto como de construção de baixa densidade – artigo 24º alínea c) do Código das Expropriações – DL 438/91 – Diploma ao qual pertencerão doravante os restantes normativos a citar sem menção de origem – é o artigo 25º que enuncia os critérios a seguir para calcular o respectivo valor.
Estatui o citado normativo legal que "1. O valor do solo apto para a construção calcula-se em função do valor da construção nele existente, ou quando for caso disso do valor provável daquela que nele seja possível efectuar de acordo com as leis e regulamentos em vigor num aproveitamento economicamente normal à data da declaração de utilidade pública, devendo ter-se em conta a localização e a qualidade ambiental.
2. Num ambiente economicamente normal o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a 10% do valor da construção, no caso de dispor apenas de acesso rodoviário sem pavimento em calçada, betuminoso ou equivalente".
3. A percentagem a que se refere o número anterior será acrescida nos termos seguintes:
a) Pavimentação em calçada betuminosa ou equiva-lente junto da parcela – 1%;
b) Rede de abastecimento domiciliário de água com serviço junto da parcela – 1%
(…)
h) Localização e qualidade ambiental – 15%.
(…)".
Começa a Brisa por se insurgir contra a fixação do valor apto à construção do solo em 12% entendendo ter havido violação do nº 2 do citado Diploma Legal que fixa esse valor em 10% do valor da construção.
Opõem os AA. à posição da expropriante o facto de o acréscimo de 2% se ficar a dever ao preenchimento do condicionalismo a que se reportam as alíneas a) e b) do normativo supra-enumerado pelo que está correcto o pro-cedimento dos Srs. Peritos e assim também a sentença que no respectivo laudo se fundou.
A Brisa carece de razão neste particular; na ver-dade, quer a vistoria Ad perpetuam rei memoriam a fls. 26 ss, quer os documentos produzidos pelos peritos na fase arbitral são unânimes no reconhecimento da exis-tência de infra-estruturas urbanísticas que se integram naquelas alíneas.
O decidido não merece nesta matéria qualquer cen-sura.
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Mais delicada é a questão ventilada a propósito da atribuição da percentagem de 9% para a localização e qualidade ambiental da parcela expropriada sem ter sido objecto de fundamentação cabal por parte dos Srs. Peri-tos da Expropriada e do Tribunal e que acabou de igual forma por ser adoptada pela sentença apelada.
Colocados perante a crítica da Brisa, os apelados em sede de contra-alegações desvalorizam a questão referindo que o DL 438/91 de 9 de Novembro – aplicável in casu – apenas refere no nº 1 do artigo 25º que deverá ter-se em conta a localização e a qualidade ambiental sem estabelecer qualquer exigência de justi-ficação do valor para o efeito adoptado.
Os apelados carecem de razão neste aspecto; efecti-vamente o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do STJ nº 1/99 veio por termo à divergência jurispru-dencial quanto a saber-se se a percentagem de 15% a atribuir ao expropriado a título de qualidade ambiental do prédio e referida na alínea h) do mencionado artigo é fixa ou gradativa; pronunciou-se o aresto em causa pela natureza gradativa da aludida percentagem; nesta conformidade, e ao contrário do que alguma Doutrina e Jurisprudência vinham defendendo Cfr. Osvaldo Gomes "Expropriações por Utilidade Pública" Texto Editora 1997 pags 197 s. Perestrelo de Oliveira Código das Expropriações 1992 pags. 93 em comentário ao artigo 25º do referido Código. Na Jurisprudência a favor da fixidez da percentagem de 15% a atribuir à alínea h) do nº 3 do artigo 25º do Código das Expropriações Acs. RP 3 de Dezembro de 1996 Proc. Nº 991/96 de 13 de Janeiro de 1997 Proc nº 1 067/97.
o valor de 15% signi-fica tão só o montante máximo a atribuir reportado ao item da alínea h) do nº 3 do artigo 25º. Como funda-mento da posição assumida invoca a hermenêutica inter-pretativa que tem de subjazer ao preceito legal em causa de molde a que a interpretação não se quede ape-nas no teor literal da norma procurando a justiça do caso concreto só possível através de uma valoração que considere cada caso de per si na sua especificidade; desta forma a percentagem em causa terá que ser variá-vel, tendo em linha de conta até a unidade do sistema jurídico que pressupõe o tratamento do igual e desigual como tais. Como se refere no texto daquele a todos os títulos douto Acórdão "é o valor da justiça – justiça comutativa pautada pelos princípios constitucionais de proporcionalidade e igualdade que fundamenta a inter-pretação da alínea h) em apreço no sentido da sua elas-ticidade, atentas as características específicas de cada caso concreto, visando a adequada reconstituição da lesão patrimonial infligida ao expropriado; e daí "justa".
Perdendo a percentagem de 15% referida no artigo em causa a sua rigidez, passa a funcionar como o máximo atribuído a título de localização e qualidade ambiental do prédio;
O decidido pelo Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça traz ínsito o dever de fundamenta-ção da decisão tomada sob este aspecto, não sendo já possível justificar a ausência da mesma com o facto de a citada alínea h) do nº 3 do artigo 25º não o exigir; só após considerar os elementos que estão na base da localização e qualidade ambiental do prédio expropriado é que poderá ser atribuído um índice percentual de valorização àquele título; tal importa desde logo o recurso a outros subsídios hermenêuticos de qualifica-ção como seja a Lei de Bases do Ambiente (L 11/87 de 7 de Abril) tendo em conta a sua repercussão no caso ver-tente e considerando desde logo "o conceito de ambiente" inserto no artigo 5º nº 2 alínea a) e respec-tivos componentes a que se reporta o artigo 6º da citada lei.
Sob este aspecto pronunciaram-se os Srs. Peritos da Brisa, sendo certo que os dos expropriados e do Tri-bunal não o fizeram tendo sido aliás nestes últimos que a sentença se louvou para fixar a percentagem de 9%. Uma correcta ponderação do item em análise supõe pois o fornecimento de elementos subsumíveis ao conceito da alínea h) supra-referida por parte dos peritos que o não fizeram, já que só assim será possível à Sra. Juiz a tomada de uma posição criteriosa.
O mesmo se poderá dizer da repercussão do artigo 58º do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Muni-cipais (Lei nº 2110 de 19-8-61), desde logo quanto a alegada zona non aedificandi que possa repercutir-se no valor da indemnização tendo em linha de conta desde logo o disposto no artigo 25º nº 1 do Código das Expro-priações (cálculo do valor do solo apto para constru-ção).
A ausência destes esclarecimentos é susceptível de repercutir-se na decisão final, pelo que o aresto ape-lado acaba assim por não se pronunciar sobre questões que devia apreciar, incorrendo desta forma na prática da nulidade a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
Nos termos do preceituado no artigo 712º nº 3 do Código de Processo Civil, "pode a Relação anular mesmo oficiosamente a decisão proferida na 1ª instância sobre pontos determinados da matéria de facto quando (…) con-sidere indispensável a ampliação desta.
A ampliação não abrange a parte da decisão que não estiver viciada, podendo no entanto o Tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da maté-ria de facto com o fim exclusivo de evitar conflitos na decisão.
Nesta medida a sentença será anulada devendo os autos baixar ao Tribunal de 1ª instância para que sejam esclarecidos os pontos em análise ou seja fundamentação da atribuição da percentagem de 9% ao item de localiza-ção e qualidade ambiental" pelos peritos dos expropria-dos e Tribunal e eventual repercussão do artigo 58º do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais (Lei nº 2110 de 19-8-61) quanto a alegada zona non aedificandi com reflexos no valor da indemnização, tendo em linha de conta desde logo o disposto no artigo 25º nº 1 do Código das Expropriações (cálculo do valor do solo apto para construção.

Do exposto poderá concluir-se o seguinte:

1) A justa indemnização em caso de expropriação por utilidade pública, só pode ser alcan-çada através de uma escrupulosa e transparente fixação dos montantes parcelares que a integram.
2) Apresentando o processo de expropriação um cariz eminentemente téc-nico, o Juiz necessita que lhe sejam fornecidos elemen-tos concretos pelos peritos em ordem a uma cabal funda-mentação do escopo final do pro-cesso, a fixação da indemnização global, que não repre-senta senão o segundo termo do "sinalagma expropria-tivo" desapossa-mento/indemnização objecto do processo em análise.
3) O decidido pelo Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça traz ínsito o dever de fun-damentar a decisão tomada sob o ponto de vista da indemnização a título de localização e ambiental, não sendo já possível justificar a ausência da mesma com o facto de a citada alínea h) do nº 3 do artigo 25º não o exigir.
4) Uma correcta ponderação do item em análise supõe pois o fornecimento de elementos subsumíveis ao conceito da alínea h) por parte dos peritos que o não fizeram, já que só assim será possível a tomada de uma posição criteriosa.
5) O mesmo se poderá dizer da repercussão do artigo 58º do Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais (Lei nº 2110 de 19-8-61), quanto a alegada zona non aedificandi que possa repercutir-se no valor da indemnização tendo em linha de conta, desde logo, o disposto no artigo 25º nº 1 do Código das Expropriações (cálculo do valor do solo apto para construção).
6) A ausência destes esclarecimentos é susceptível de repercutir-se na decisão final acabando assim o aresto por não se pronunciar sobre questões que devia apreciar, incorrendo desta forma na prática da nulidade a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
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3. DECISÃO.
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Pelo exposto decide-se o seguinte :
Anula-se a sentença apelada devendo os autos bai-xar ao Tribunal de 1ª instância para que sejam esclare-cidos os pontos em análise ou seja fundamentação da atribuição da percentagem de 9% ao item de localização e qualidade ambiental" pelos peritos dos expropriados e Tribunal e eventual repercussão do artigo 58º do Regu-lamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais (Lei nº 2110 de 19-8-61) desde logo quanto a alegada zona non aedificandi com reflexos no valor da indemnização, tendo em linha de conta desde logo o disposto no artigo 25º nº 1 do Código das Expropriações (cálculo do valor do solo apto para construção).
Esclarecidas as aludidas questões deverá ser profe-rida a decisão que se entenda pertinente.
Custas pelo vencido a final.