Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
71/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VITOR
Descritores: UNIÃO DE FACTO
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
SOBREVIVENTE CASADO
Data do Acordão: 03/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 2020.º DO CÓDIGO CIVIL; LEI N.º 7/2001, DE 11/5: DECRETO-LEI N.º 322/90 DE 18/10
Sumário: O membro sobrevivo da união de facto, sendo casado, não goza da pensão de sobrevivência
Decisão Texto Integral:
Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra.
A..., casado, reformado, residente em Carragosela, freguesia de Espariz, concelho de Tábua, veio intentar contra ISSS – Centro Nacional de Pensões com sede na Av. João Crisóstomo nº 67, 1 050-126 Lisboa, a presente acção com processo ordinário terminado por pedir que na procedência da mesma:
- Se declare que o Autor no momento da morte da beneficiária B..., viúva, vivia com ela há já mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges;
- Se reconheça, declarando-o, que o Autor não pode obter alimentos da herança da falecida beneficiária, B... por a mesma ser inexistente, e assim,
- Reconhecer ao Autor, declarando-o, a qualidade de titular das prestações por morte da beneficiária B....
Alegou para tanto e em resumo, que no dia 2 de Março de 2004 faleceu B... em Carragosela, freguesia de Espariz, concelho de Tábua, no estado civil de viúva, beneficiária do Centro Nacional de Pensões nº 110117447.
Até à data do seu falecimento e durante quarenta anos ininterruptamente, a falecida e o Autor partilharam cama, mesa e habitação como se de marido e mulher se tratassem, havendo dessa união dois filhos. Essa união era pública e notória, conhecida de toda a gente, sendo considerados por amigos, familiares vizinhos e conhecidos como marido e mulher. Com o falecimento desta última, o Autor viu a sua situação económica degradar-se e dificultar-se, dado que a falecida contribuía para as despesas domésticas com cerca de € 325 mensais provenientes da sua reforma.
O Autor conta agora apenas com a sua própria reforma que não ultrapassa os € 238,43, não dispondo de qualquer outro meio de sobrevivência, ou fonte de rendimento, sendo certo que tem de prover ao seu sustento, alimentando-se, vestindo-se e custeando as suas despesas.
O requerente não pode igualmente contar com a ajuda de familiares, uma vez que não tem ascendentes vivos ou outros parentes na linha colateral a quem possa recorrer para garantir a sua subsistência e os restantes não têm condições para o fazer.
Contestou a Ré alegando factos tendentes a contrariar o aduzido pelo Autor na PI.
O Autor respondeu.
No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância; e encontrando-se o Sr. Juiz habilitado a conhecer do pedido, julgou a acção improcedente absolvendo a Ré do pedido.
Daí o presente recurso de Apelação interposto pelo Autor, o qual no termo da sua alegação pediu que se revogue a decisão em causa, decidindo-se de harmonia com o que havia peticionado.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) O recorrente ao intentar a presente acção pretende ver reconhecido e declarado judicialmente o direito a prestações por morte da sua companheira B...;
2) Para tanto juntou certidão de óbito da beneficiária comprovativa de que esta, à data do óbito, não era casada, mas sim viúva;
3) Alegou e pretendia provar que vivia em condições análogas às de cônjuge, com a dita beneficiária há mais de 40 anos na data em que esta faleceu.
4) Mais alegou que vive de uma parca reforma de € 238,43 (duzentos e trinta e oito euros e quarenta e três cêntimos) insuficiente para que possa sobreviver, não podendo pedir alimentos à herança da falecida por inexistirem quaisquer bens;
5) Não podendo igualmente requerer alimentos junto das pessoas enumeradas nas alíneas a) a d) do artº 2 009º do Cód. Civil, por as mesmas carecerem de condições para os prestarem ao recorrente.
6) O recorrente funda a sua pretensão no disposto pelo artº 6º nº 1 da Lei nº 7/2001 que determina que "Beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do artº 3º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artº 2 020º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais cíveis."
7) Ora o recorrente reúne as condições definidas pelo artº 2 020º que dispõe no nº 1: "Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter, nos termos das alíneas a) a d) do artº 2009º."
8) Não resulta do disposto pelo artsº 2 020º do Código Civil qualquer exigência quanto ao facto do companheiro sobrevivo não ser casado, contudo,
9) A sentença recorrida com esse único fundamento julgou improcedente a acção, absolvendo o Centro Nacional de Pensões do pedido, por entender que a possibilidade de um requerente casado beneficiar das pensões por morte de uma sua companheira poderia violar o princípio da igualdade e permitir-lhe que obtivesse o mesmo benefício à morte do seu cônjuge.
10) Baseou-se para a decisão no disposto na alínea c) do artº 2º da Lei nº 7/2001 e considerando que atento o aí referido deveria interpretar-se a remissão do artº 6º nº 1 para o artº 2 020º do Código Civil reduzida a uma remissão do ex-cônjuge, ou seja apagando-se da alínea a) do artº 2009º a palavra "Cônjuge".
11) Salvo o devido respeito tal interpretação não resulta minimamente da letra da lei e por isso desrespeita, desde logo o disposto pelo artº 9 nº 2 do Código Civil relativamente à interpretação das leis.
12) Sendo certo que do teor literal da alínea c) do artº 2º da Lei nº 7/2001 não resulta claramente se a obrigatoriedade de não ser casado impende sobre o companheiro sobrevivo ou falecido;
13) Acresce que o mesmo diploma legal no seu nº 2 do artº 1º, dispõe que "nenhuma norma da presente lei prejudica a aplicação de qualquer outra disposição legal ou regulamentar em vigor tendente à protecção jurídica de uniões de facto ou de situações de economia comum”.
14) A ser como defende a sentença recorrida, a presente lei prejudicaria gravemente o direito já reconhecido no âmbito do Código Civil quanto a uniões de facto, admitindo-as mesmo que o companheiro sobrevivo seja casado e apenas exigindo que o falecido à data do óbito não o fosse, no que tange a direito a alimentos, restringindo, contudo, os requisitos quanto às pensões sociais por morte, à obrigatoriedade do requerente também não ser casado à data do óbito da beneficiária/o.
15) Por outro lado, não se compreenderia que a Lei nº 7/2001 ao remeter expressamente para o artº 2020º quanto aos requisitos da união de facto, não salvaguardasse claramente, como podia que aos requisitos enumerados no artº 2020º acrescentaria um outro: o do companheiro sobrevivo não ser igualmente casado à data do óbito do beneficiário!
16) A interpretação extensiva que o tribunal recorrido faz da lei 7/2001 e da respectiva remissão para o artº 2002º do Código Civil não se funda na letra da lei e a nosso ver é inadmissível,
17) Indo mesmo contra o espírito que determina a atribuição de pensões por morte aos companheiros e cônjuges dos beneficiários falecidos, ou mesmo ex-cônjuges destes simultaneamente e que se pretende com a partilha durante uma vida inteira de uma economia doméstica comum que permitiu ao falecido fazer os respectivos descontos para a segurança social, sendo justo que à sua morte o cônjuge ou companheiro sobrevivo possa beneficiar dessas mesmas prestações que ajudou o companheiro a realizar.
18) Não cremos que fosse fácil verificar-se uma situação de duplo recebimento de prestações por morte da sua companheira e do seu ex-cônjuge, por parte do recorrente, pois o sistema informático sempre rejeitaria uma tal situação, talvez mais facilmente do que quando é necessário fazer cessar as contribuições de cônjuges e ex – cônjuges por estes voltar em a contrair casamento. (cfr. artº 41º do Dec-Lei nº 322/90).
19) A jurisprudência conhecida sobre esta matéria é pacífica quanto aos elementos constitutivos do direito do recorrente, isto é alegar e provar que há mais de dois anos vivia em condições análogas às de cônjuge com o falecido beneficiário, sendo que as últimos decisões dos nossos tribunais superiores vêm mesmo considerando que provada tal união de facto desnecessário se torna demonstrar a carência económica do requerente dos benefícios, não existindo por seu turno qualquer decisão (conhecida) que acrescente a tais elementos constitutivos do direito do recorrente a obrigação deste não ser casado.
20) Sendo, mesmo várias, as decisões nesta matéria que aceitam como pressuposto para a procedência do pedido a prova pelo requerente de que não pode obter alimentos do seu cônjuge, provados que estejam os demais requisitos, dado que o artº 2 020º remete para o artº 2 009º exigindo a prova de que o requerente não pode obter alimentos das pessoas aí enumerados, o que, demonstra ainda que indirectamente, que em nada prejudica o direito do requerente o facto de ele ser casado.
21) A decisão recorrida viola o disposto pelo nº 2 do artigo 6º nº 1 da Lei 7/2001, o disposto pelo artigo 2 020º nº 1, 2 009º nº 1 alínea a) e artigo 9º nº 2, todos do Código Civil.
Contra-alegou a apelada pugnando pela confirmação da sentença.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.

Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes,

2.1. Factos.

2.1.1. No dia 2 de Março de 2004, na freguesia de Esparzi, concelho de Tábua faleceu B... no estado de viúva de C....
2.1.2. O Autor é casado com D....
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2.2. O Direito.

Nos termos do precei-tuado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformi-dade e conside-rando também a natureza jurídica da maté-ria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- A Pensão de Sobrevivência e a sua razão de ser.
- O membro sobrevivo da união de facto não goza da pensão de sobrevivência a partir do momento em que contraiu matrimónio.
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2.2.1. A Pensão de Sobrevivência e a sua razão de ser.

As pensões de sobrevivência surgem na sua actual configuração com o DL 322/90 de 18 de Outubro.
Tratando-se no caso vertente da problemática da atribuição de uma pensão de sobrevivência a um membros sobrevivo de uma união de facto e na falta de Diploma que por si só resolva a questão que nos é colocada, compreende-se que desenvolvamos o nosso raciocínio argumentativo tendo em linha de conta a regulamentação no Diploma reportado ao "lugar paralelo" que lhe está mais próximo, o casamento.
Pretende-se, como vem referido no preâmbulo do mencionado Decreto-Lei, compensar, mediante a concessão de prestações continuadas, o desequilíbrio provocado pela morte de um dos membros do casal.
Este procedimento tem ínsita a ideia que o casamento constitui uma comunhão de vida em que cada um dos cônjuges contribuía com parte substancial dos seus proventos para a comunidade familiar. Essa situação criou expectativas e serviu de base a encargos que o casal assumiu. Compreende-se assim que o decesso de um dos membros crie naturalmente perturbação que deva ser atenuada mediante uma equilibrada compensação ao sobrevivo. É o que o artigo 4º do citado Diploma Legal pretende quando no seu nº 1 estatui que "as pensões de sobrevivência são prestações pecuniárias que têm por objectivo compensar os familiares do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste. E esclarecendo melhor, refere-se no nº 2 que "o subsídio por morte destina-se a compensar o acréscimo dos encargos decorrentes da morte do beneficiário, tendo em vista facilitar a reorganização da vida familiar". Mesmo a este nível, a vocação das prestações sociais não é necessariamente vitalícia, o que é alertado logo no preâmbulo do Diploma e na alínea a) do artigo 41º onde se refere expressamente que "para além das causas gerais de cessação das pensões, o direito às mesmas cessa com o casamento dos pensionistas cônjuges ou ex-cônjuges dos beneficiários".
Este regime que acima traçámos em termos gerais, terá necessariamente de ser tomado em linha de conta com as necessárias adaptações na decisão do caso sub iudice conjugando-o com outros normativos aplicáveis e à luz dos pertinentes conceitos hermenêuticos e interpretativos.
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2.2.2. O membro sobrevivo da união de facto não goza da pensão de sobrevivência a partir do momento em que contraiu matrimónio.

O Autor formula à segurança social o pedido de atribuição de uma pensão de sobrevivência. Fá-lo ao abrigo do disposto no artigo 6º da Lei 7/2001 de 11 de Maio, em virtude de ter vivido em união de facto com a beneficiária B... cujo decesso provocou a degradação da situação económica do Autor dado que a falecida contribuía para as despesas domésticas com cerca de € 325 mensais provenientes da sua reforma. No seu petitório alegou o Autor preencher os pressupostos a que alude artigo 2 020º do Código Civil, bem como a impossibilidade de obter através do meio que a lei prevê, o necessário à sua subsistência.
O Sr. Juiz invocando desde logo a analogia com o que se verifica com a cessão de pensões em caso de morte para o cônjuge que contrai novas núpcias, julgou a acção improcedente absolvendo a Ré do pedido.
Deverá adiantar-se desde já que a razão cabe à sentença apelada.
O requerente apelante fundamenta o seu pedido essencialmente no facto de o artigo 2º da Lei 7/2001 não ser claro no sentido de que o membro da dissolvida união de facto que contrai casamento perde o direito à pensão que vinha auferindo. No entender do requerente é abusiva a interpretação extensiva que a sentença apelada levou a cabo chamando à colação o regulamentado no DL 322/90 quanto ao divórcio. A decisão em causa extravasa em seu entender de modo inaceitável a letra da lei. Vejamos: Ao sustentar a sua tese, esquece o Apelante que a interpretação literal não é o único meio de apurar o sentido da lei; acima de tudo quando o entendimento do instituto de prende com a apreciação de vários Diplomas Legais. Numa palavra é neste caso necessário perscrutar a ratio legis, pois só assim ficaremos elucidados sobre o verdadeiro intuito do legislador. Nesta tarefa de hermenêutica interpretativa é pois fundamental a consideração do "espírito do sistema". E quando o pretendemos considerar no caso vertente, não podemos esquecer a incompletude dos diplomas reguladores da matéria a regulamentação prevista nos "lugares paralelos". Tocamos aqui, como acima deixámos já entrever a disciplina do único Diploma regulador das pensões de sobrevivência no único caso análogo, o casamento, não podendo a respectiva regulamentação deixar de considerar-se na solução que iremos dar ao caso vertente. E não será despiciendo salientar a diversa regulamentação que o Legislador entendeu conferir respectivamente ao casamento e união de facto e como é óbvio o papel que a segurança social representa no seu âmbito.
O "princípio da igualdade" consagrado no artº 13º da Constituição da República Portuguesa estatui que 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social".
O "princípio da igualdade" não pretende contudo igualar todas as situações; apenas se proíbe trata-mento diferente para aquilo que é igual. E será igual a posi-ção do membro sobrevivo da união de facto e a do côn-juge? Não se nega, que à intensidade afectiva que une os membros do casal seja indiferente a existência ou não do vínculo conjugal; só que na realidade não estamos objecti-vamente a tratar de duas situações iguais; ao decidir-se por uma situação de "união de facto" optou "o casal" por um conjunto de vantagens que valorou em sua óptica acima das desvantagens ine-rentes que constituem o reverso da medalha… e a todo o momento poderia inverter os termos do binómio, casando-se pura e sim-plesmente. O casamento pressupõe, para além dos direi-tos, um conjunto de deveres a que os cônjuges se encon-tram vinculados e que não são extensivos à simples "união de facto"; bastará referir neste último caso, que os membros do "casal" não se encontram aqui vincu-lados pelos deveres de respeito, coabitação, fidelidade, cooperação e assis-tência a que se reporta o artº 1 672º; a vinculação recíproca não existe… e não custa por isso entender que o legislador aceitando muito embora o carácter liberal da "união de facto", que se não se equipara ao casamento, também não valore de igual forma o interesse patrimonial de uma pessoa que à partida queira permanecer completa-mente livre. São pois duas situações diferentes que podem ser tratadas de forma desigual sem qualquer ofensa do "princípio da igualdade"; aliás, essa dife-rença tem consequências ainda a outros níveis até mais can-dentes do direito positivo; basta referir desde logo, que os membros de um casal unido apenas de facto não são herdeiros um do outro; e não se diga que a natureza que se pretende dinâmica do "princípio da igualdade" vise de forma progressiva, igualar tenden-cialmente todas as situações; na verdade, não aten-dendo à desigualdade de estatutos, cair-se-á numa situação extrema de esvazia-mento das próprias insti-tuições, o que também é fonte de situações de fla-grante injustiça; sirva-nos de exemplo o direito matrimonial; a atribuição à "união de facto" de todas as vantagens inerentes ao casamento acabaria por esva-ziar este do seu conteúdo a ponto de o instituto se tornar apenas fonte de problemas que poucos compreen-sivelmente desejariam assumir.
Assim se entende que também o legislador ordinário tenha avançado com muita cautela ao conformar as situações de "união de facto", que aliás não pretende incentivar, mas apenas contemplar nos seus aspectos mais gravosos. No entanto, na hipótese vertente, e para além do que dissemos quanto à ausência de paridade entre a união de facto e o casamento, também o regulamentado quanto a este não pode deixar de constituir padrão para o caso que apreciamos, levando necessariamente à exclusão da pensão de sobrevivência e não à respectiva atribuição, ao contrário do que pretende o Autor apelante.
Efectivamente no caso de segundas núpcias ulterior à dissolução do casamento por morte, prevê-se a cessação da pensão de sobrevivência. Compreende-se como referimos, considerando as razões que estão na base desta disposição. Na verdade, o desfalque patrimonial que esteve na base da ausência da contribuição para a economia comum do membro do casal cujo decesso se verificou, entende-se compensado com a constituição de um novo casal através de nova união conjugal. Mas sendo assim, caso pensado, o termo do direito à pensão de sobrevivência numa hipótese de segundas núpcias em que preexistia um casamento anterior, melhor se compreende que pelo "argumento da maioria de razão" o mesmo seja observado quando a fonte da pensão de sobrevivência era uma simples "união de facto" que a lei trata justificadamente com desfavor em relação ao matrimónio. É que os benefícios concedidos em função da união de facto traduzem-se essencialmente em concessões à margem do direito matrimonial, que não infirmam a tese de quem vê na "união de facto" mera relação parafamiliar. O direito de família coloca a sua tónica na relação jurídico-matrimonial, surgindo a "união de facto" como um instituto que se reconhece apenas para determinados efeitos.
Nesta medida só poderá con-cluir-se que o "princípio da unidade do sistema jurídico" não conceda o benefício social ao membro de uma dissolvida união de facto que contraia casamento ulterior.
Dispõe o artigo 9º nº 3 que "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legisla-dor consagrou as soluções mais acertadas e soube expri-mir o seu pensamento em termos adequados".
Para além da solução apontada se nos antolhar como óbvia, ainda aqui há a considerar que é compreensível num país em que o Estado não é rico e que aliás se vem debatendo com sérias dificuldades, nomeadamente a nível de fundos da segurança social, os respectivos serviços pretendam administrar escrupulosamente os meios relativamente escassos que o orçamento coloca à sua disposição. Dotada de recursos limitados, a função primeira da segurança social é atender aos casos que efectivamente carecem da sua intervenção, a apurar casuisticamente com as necessárias cautelas. Aliás se assim não fosse, e como bem se observa na 1ª instância, assistir-se-ia a breve trecho a um aproveitamento oportunístico com o aparecimento abusivo de situações de "união de facto" cuja consistência seria pouco credível.
A apelação terá assim que improceder.
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3. DECISÃO:

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença apelada.
Custas pelo apelante.