Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOSÉ NOGUEIRA | ||
Descritores: | INJÚRIA | ||
Data do Acordão: | 10/17/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | GUARDA (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE SEIA – J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ART. 181.º DO CP | ||
Sumário: | A expressão “na rua andas em cadeira de rodas mas dentro de casa andas de pé e até vais à cave fazer buracos”, dirigida a quem está impossibilitado de caminhar, tendo de se deslocar com o auxílio do referido meio, embora revele insensibilidade, desrespeito, grosseria, e mereça repulsa social, não atinge o núcleo essencial das qualidades inerentes à dignidade da pessoa humana, e, consequentemente, não justifica tutela jurídico-penal. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do processo comum singular n.º 21/16.1GBSEI do Tribunal Judicial da Guarda, Seia – Juízo C. Genérica – Juiz 1, mediante acusação do assistente A., acompanhada pelo Ministério Público, foi o arguido B., melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, sendo-lhe então imputada a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º do C. Penal. 2. Realizada a audiência de discussão e julgamento o tribunal decidiu [transcrição do dispositivo]: Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal julga a acusação improcedente, por não provada e, em consequência, decide-se: a) Absolver o arguido B. da acusação da prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181.º do Código Penal; b) Julgar improcedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante A. e, em consequência, absolver o demandado B. do pedido; c) Condenar o assistente nas custas da acusação particular, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC – artigo 515.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 1 e 5 do Regulamento das Custas processuais e Tabela III anexa ao referido diploma, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário; d) Condenar o demandante nas ustas do pedido de indemnização civil – artigo 527.º, do C. P. Penal, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário. 3. Inconformada com a decisão recorreu a Exma. Magistrada do Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: 1.º - A expressão proferida pelo arguido “na rua andas de cadeira de rodas mas dentro de casa andas de pé e até vais à cave fazer buracos”, dirigindo-se ao assistente, traduz a imputação de um comportamento desonesto e indigno, por falsear a sua própria incapacidade, insuscetível de ser objetivamente ofensivo da sua honra e consideração. 2.º - O arguido agiu com o intuito de atingir o bom nome, honra e consideração do assistente, sabendo que o assistente é uma pessoa doente, impossibilitada de se deslocar pelo seu próprio pé, tendo de o fazer com o auxílio de uma cadeira de rodas. 3.º) Mobilizando o critério objetivo-individual, há que concluir que qualquer homem médio colocado na posição do assistente, considerando as suas particulares circunstâncias, igualmente se sentiria vexado e humilhado com aquelas expressões, que põem em causa a sua retidão e honorabilidade, afetando sobremaneira a consideração de que é merecedor pela sociedade. 4.º) Assim, em face dos factos provados – que cabalmente integram, objetiva e subjetivamente, o tipo legal de crime em análise -, é indiscutível, pois, que cometeu o arguido, em autoria material e na forma consumada, um crime de injúria, previsto e punível no artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, pelo que, revogando-se a decisão recorrida, deve ser condenado pela prática deste ilícito criminal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 6,00. Porém, V.ªs Exas., Senhores Juízes Desembargadores, decidirão, como sempre, fazendo justiça. 4. Por despacho exarado a 07.05.2018 foi o recurso admitido. 5. Nenhum dos sujeitos processuais interessados respondeu ao recurso. 6. Na Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso. 7. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, não houve reação. 8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, pois, decidir. II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso Tendo presente as conclusões, as quais, independentemente do conhecimento das questões de natureza oficiosa, definem/delimitam o objeto do recurso, no caso em apreço importa decidir se a expressão dirigida pelo arguido ao assistente é idónea a integrar o ilícito típico prevenido no artigo 181.º do C. Penal. 2. A decisão recorrida Ficou a constar da sentença [transcrição parcial]: FACTOS PROVADOS Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a decisão: 1 - No dia 19 de Dezembro de 2016, cerca das 10 horas, o assistente A. encontrava-se à porta da casa onde reside no Bairro das (…), Lote (..), (…). 2 - Estava acompanhado pela testemunha (…) que a seu pedido procedia à instalação de uma chapa metálica, facilitadora da entrada do assistente em sua casa, uma vez que se desloca em cadeira de rodas. 3 - Na casa ao lado da sua, a essa hora, encontrava-se o arguido B.. 4 - O arguido estava ao lado de uma mota que se encontrava a trabalhar e a deitar muito fumo que envolvia o assistente e o Sr. (…). 5 - De seguida, retirou o seu veículo automóvel da garagem e com uma máquina de lavar à pressão, o arguido, começou a lavar o automóvel projetando água em direção ao assistente e ao Sr. (…), molhando-os. 6 - O assistente dirigiu-se ao arguido e pediu-lhe para não os molhar, ser civilizado e respeitar as pessoas que estavam a trabalhar. 7 - O arguido respondeu que “já lá estava”. 8 - Ato contínuo e sem que nada o justificasse ou fizesse prever, o arguido, dirigindo-se ao assistente, em voz alta, começou a proferir as seguintes expressões: “na rua andas em cadeira de rodas mas dentro de casa andas de pé e até vais à cave fazer buracos”, “Tu proibias a tua mulher de falar com a família”. 9 - Estas expressões, proferidas pelo arguido, foram ouvidas pelo Sr. (…). 10 - Ao proferir tais expressões, o arguido pretendeu atingir o bom nome, a honra e consideração do assistente, encontrando-se desavindo com este. 11 - O assistente sentiu-se ofendido e vexado com as expressões proferidas pelo arguido. 12 – O assistente é uma pessoa doente, impossibilitada de se deslocar pelo seu próprio pé, tendo de o fazer com o auxílio de uma cadeira de rodas. 13 - O arguido agiu livre, voluntariamente e conscientemente. 14 - O assistente sentiu-se desgostoso, triste, humilhado e perturbado com as expressões proferidas, sofreu e ainda sofre com as mesmas. 15 - O arguido é cunhado do assistente e conhece a doença do mesmo e sabe que as imputações são falsas. Mais se provou que: 16 - O arguido B. é casado e vive em casa própria com a mulher. 17 - É serralheiro de profissão e aufere um salário de 600,00€ por mês. 18 - A esposa do arguido é assistente num lar e aufere um salário de 580,00€. 19 - O arguido tem como habilitações literárias o 5.º ano de escolaridade. 20 - O arguido não tem antecedentes criminais. FACTOS NÃO PROVADOS Nada mais se provou, designadamente não se provou que: a) Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas na acusação o arguido dirigiu ao arguido as seguintes expressões: “paga a quem deves”, “andas cheio de fome”, “a tua mulher foi vítima de violência doméstica enquanto foi viva”, “tu devias estar numa casa de malucos”. b) O assistente é pessoa séria, considerado e goza de boa reputação no meio em que vive onde é estimado e respeitado. c) O arguido é uma pessoa conflituosa. d) A esposa do assistente faleceu em Maio de 2016, vítima de doença prolongada e a quem, não obstante as suas evidentes dificuldades físicas, aquele prestou todos os cuidados até ao seu falecimento. IV – MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO (…) 3. Apreciação |