Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
432/2001.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
MORA DO DEVEDOR
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 11/27/2007
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 442.º; 762.º,NÃOº 1;798.º; 801.º, N.º 2; 802.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. A mora do devedor não permite, por via de regra, com ressalva da existência de convenção em contrário, a imediata resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo, o que pode acontecer se lhe sobrevier a impossibilidade da prestação, se o credor perder o interesse na prestação, ou, finalmente, em consequência da inobservância do prazo suplementar e peremptório que o credor fixe, razoavelmente, ao devedor relapso.

2. A perda do interesse do credor significa o desaparecimento objectivo da necessidade que a prestação visa satisfazer, o que não acontece, no comum das obrigações pecuniárias, em que a prestação devida, não obstante a mora do devedor, continua a revestir todo o interesse para o credor.

3. Só com a fixação expressa de um termo essencial para o cumprimento, no respectivo contrato-promessa, ou com a alegação desse facto, na petição inicial, a obrigação deve ser, necessariamente, cumprida, no prazo fixado, sob pena de se tratar de um negócio de prazo, geralmente fixo, em que a impossibilidade temporária do cumprimento, na data estabelecida, não vale como impossibilidade definitiva, determinante da extinção da obrigação, sendo a prestação posterior ainda possível, não equivalendo a falta da prestação debitória ao não cumprimento definitivo.

4. A perda do sinal encontra-se, indissoluvelmente, ligada à resolução ou desistência do contrato, ou, pelo menos, ao seu não cumprimento definitivo, e não à mora.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


A... e esposa, B... residentes na Rua (...) , propuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra C...e D..., ambas, então, com residência no (...) , pedindo que, na sua procedência, seja declarado resolvido o contrato promessa celebrado entre os autores e as rés, datado de 13 de Julho de 1999, e referente ao prédio urbano, infradiscriminado, retendo os autores o valor recebido, a título de sinal, no montante 55.200.000$00, e ainda que as rés sejam condenadas a entregar o mesmo imóvel, livre de pessoas e bens, alegando, para tanto, e, em síntese, que são donos do aludido prédio urbano, destinado a comércio, no qual se encontrava instalado um "snack-bar", restaurante e residencial, com o nome " x (...)", estabelecimento este que as rés adquiriram, por trespasse, após o que contactaram os autores com o objectivo de comprarem o edifício em que o mesmo se encontrava.
Assim, em Julho de 1999, os autores acordaram com as rés a
venda do imóvel, celebrando o contrato promessa em causa, fixando o preço do imóvel e de todo o seu recheio, em 120.000.000$00, a pagar, fraccionadamente, sendo 5.000.000$00, no acto do contrato promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, e, posteriormente, acordaram na entrega de seis prestações, considerando cada uma delas como reforço do sinal inicial, estipulando que a marcação da escritura pública do
contrato seria da responsabilidade dos autores, cuja celebração
deveria ter lugar, até ao pagamento da última prestação, situada em 31 de Dezembro de 2001.
As rés já ocupavam o prédio, em virtude do aludido trespasse a seu favor, ao tempo da assinatura do contrato-promessa.
Que as rés cumpriram as quatro primeiras prestações, entregando aos autores um total de 55.200.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, e, posteriormente, um cheque, no valor de 34.800.000$00, datado de 7 de Junho de 2000, que se destinava ao pagamento de parte do remanescente do preço acordado, por forma a ficar, apenas, em dívida 30.000.000$00 do convencionado, mas o mesmo, apresentado a desconto, não veio a ser pago, sendo devolvido, por falta de provisão.
Então, os autores, perante o sucedido, contactaram as rés, que tinham sido detidas, encontrando-se no (...) , revelando a sua impossibilidade de cumprir o acordado, pois que nada mais pagaram, encontrando-se o imóvel encerrado e abandonado, em processo de degradação e objecto de assaltos.
A prestação de 30 de Abril de 2000 venceu-se, pois, sem que as rés cumprissem o seu pagamento ou comunicassem com os autores.
Até ao presente, não foi celebrada a escritura pública, nada
mais foi pago, nem foi dada qualquer explicação pelas rés, as quais nunca
mais velaram pelo prédio, o que causa graves danos aos autores.
Os autores, por carta recebida pelas rés, em 3 de Maio de 2001,
comunicaram aquelas que reputavam não cumprida a obrigação e que
perderiam o interesse na celebração do negócio se a prestação vencida não
fosse paga num prazo que, razoavelmente, estipularam, em cerca de duas semanas, sob pena de considerarem resolvido o contrato-promessa, por culpa imputável às rés, mas estas mantiveram-se em total silêncio, sendo que a prestação a seu cargo perdeu interesse para os autores, devendo considerar-se não cumprida a obrigação, com a consequente resolução do contrato e perda do sinal prestado para os autores.
Na sua contestação, a ré D... alega, em resumo, que as rés adquiriram, não o aludido estabelecimento, mas a sociedade comercial por quotas, com a firma "Residencial x (...), Lda", por sua vez, proprietária do dito estabelecimento.
Que ficou impedida, por factos alheios à sua
vontade, de cumprir o acordado, pois que se viu constituída arguida, em processo crime, no âmbito do qual, em 9 de Junho de 2000, foi ordenada a apreensão de todas as contas bancárias, por si tituladas ou pela sociedade "Residencial x (...), Lda", apreensão essa que desconhecia, por força do segredo de justiça, o que motivou a devolução, sem pagamento, do aludido cheque.
No dia 11 de Junho de 2000, foi detida, e colocada, em prisão preventiva, só sendo restituída à liberdade, a 12 de Julho de 2001, por ter sido absolvida de quase todos os crimes que lhe eram imputados, à excepção do crime de lenocínio simples.
Apesar de se encontrar em liberdade, mantém-se a apreensão de todos os seus bens, agora à ordem de outro processo judicial, encontrando-se privada de quaisquer meios, não podendo cumprir para com os autores, o que foi, por várias vezes, comunicado a estes, impossibilidade essa que, sendo, apenas, temporária, não procede de culpa sua, mas de acto de terceiro, e que se manterá, até alteração da ordem de apreensão de todos os seus bens.
Que os autores não alegaram factos consubstanciadores da invocada situação de perda de interesse na prestação.
Finalmente, alega que o pedido de entrega do imóvel não é admissível, porquanto nele está instalado um estabelecimento, no qual está incluído o direito à utilização, não sendo a causa de pedir apresentada adequada a tal efeito.
Contestou, também, a ré C... , alegando, em resumo, que, embora surja no contrato como compradora, tal não corresponde à verdade, pois que nada negociou quanto à compra do imóvel, acontecendo, simplesmente, que a co-ré D... precisava de uma sócia para os seus negócios, o que aquela aceitou.
Que a realização da escritura pública só pode ser efectuada
depois do prédio estar munido de licença de utilização, o que ainda não
acontece, tendo as rés ficado impedidas, por factos alheios
à sua vontade, de cumprir o acordado, pois que se viram constituídas arguidas, em processo crime.
Na réplica, os autores concluem como na petição inicial, afirmando a improcedência da matéria de excepção, alegada em sede de contestação.
Os autores apresentaram articulado superveniente, alegando, em síntese, que as rés já se não encontram detidas, estando, de novo, a explorar o estabelecimento, que está a funcionar, em pleno, tendo o mesmo sido admitido, com a consequente alteração do elenco dos factos assentes e da base instrutória.
A sentença julgou a acção, apenas, parcialmente procedente, por, tão-só, parcialmente provada, e, em consequência, declarou a resolução do contrato-promessa celebrado entre os autores A... e esposa, B... e as rés C...e D..., datado de 13 de Julho de 1999, referente ao prédio urbano, sito em y(...) , freguesia de (...) , concelho da (...) , inscrito na respectiva matriz predial sob o art° (...) , e descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) , sob o n°0 (...) /020600, freguesia de (...) , condenando as rés, ante o incumprimento do contrato-promessa, a reconhecer que os autores têm direito a reter os valores daquelas recebidos, a título de sinal, fazendo-os seus, valores esses que ascendem ao montante global peticionado de 55.200.000$00 – agora o seu contra valor em euros, de 275.336,43 euros (duzentos e setenta e cinco mil, trezentos e trinta e seis euros e quarenta e três cêntimos), no mais julgando a acção improcedente, por não provada, assim absolvendo as rés, em conformidade, do demais contra si peticionado, julgando ainda improcedentes, por não provados, os deduzidos incidentes de litigância de má fé, com a absolvição dos autores e das rés do pedido incidental, nesta sede contra eles formulado.
Desta sentença, a ré D... interpôs recurso de apelação, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, no que à resolução do contrato-promessa e ao reconhecimento do direito de retenção dos valores recebidos, a título de sinal, concerne, formulando as seguintes conclusões:
1ª - O Tribunal recorrido julgou parcialmente procedente o pedido formulado pelos ora apelados, declarando resolvido o contrato-promessa em discussão nestes autos e condenando-a a reconhecer que os autores têm direito à retenção dos valores recebidos a título de sinal.
2ª - Foi acordado, nesse contrato-promessa de compra e venda do imóvel pertencente aos apelados, que o pagamento do preço total, no montante de 120000000$00, seria pago pelas rés em prestações nos moldes supra-descritos.
3ª - De tais entregas acordadas, as rés efectuaram o pagamento das quantias referidas a fls. 491, perfazendo o total de 55 200 000$00.
4ª - Em cheque datado de 07.06.2000, entregaram as rés aos ora apelados a quantia de 34 800 000$00, que se destinava ao pagamento de parte do remanescente do preço que se encontrava em dívida, numa clara iniciativa de antecipação do cumprimento.
5ª - Tal cheque foi devolvido, em 12.06.2000, por falta de provisão, tendo sido a apelante detida e presa preventivamente a 11.06.2000 - ou seja, um dia antes daquela devolução.
6ª - Apesar de provados os contactos mantidos com as rés, não se logrou provar que as mesmas tivessem respondido de forma desinteressada ou negligente às interpelações do autor-marido - sendo que a este cabia certamente provar que tais conversações se revelaram, precisamente infrutíferas -, quer quanto à possibilidade de o contrato-promessa ser cumprido quer no que toca ao pagamento da prestação vencida a 30.04.01.
7ª - Tal dúvida deveria ter sido valorada pela sentença recorrida, em face dos quesitos constantes da base instrutória, em benefício da recorrente, no sentido de que a sua vontade real e ideal seria sempre a de cumprir com o estipulado.
8ª - Por força da detenção da recorrente, esta viu-se colocada numa situação de incumprimento involuntário e estranho à sua vontade.
9ª - Relativamente à carta recebida pela apelante, a 04.05.2001, em que era fixado um prazo de dezasseis dias para a regularização do pagamento da prestação vencida no dia 30.04.01, sempre se deverá conceder que – em virtude do bom senso e de razoabilidade que subjazem ao princípio da boa fé -, ante a situação concreta de reclusão em que a apelante se encontrava, tal margem temporal seria manifestamente irrazoável.
10ª - Em virtude deste circunstancialismo, a sua margem de movimentação estava, naturalmente, diminuída, demorando mais tempo do que o normal para praticar qualquer acto de efectivação de uma sua vontade negocial.
11ª – As contas bancárias da recorrente encontravam-se apreendidas, por despacho datado de 09.06.2000, à ordem do inquérito n°76/00.0 JAAVR, não podendo, obviamente, ser movimentadas.
12ª - Uma suposta perda de interesse dos autores, ora apelados, na celebração do contrato prometido nunca poderia ser analisada, em termos objectivos - porque legalmente prescritos -, sem ter em devida conta tais factos supra-aludidos uma vez que os mesmos são igualmente relevantes para avaliar a situação concreta e particular do caso em apreço.
13ª - De uma situação transitória de prisão preventiva - e de congelamento de contas bancárias como meio de preservação de meios de prova - em que se encontrava a ora apelante, nunca os autores poderiam concluir pela frustração total das suas expectativas na celebração efectiva do negócio.
14ª - Esta transitoriedade inerente à sua reclusão era um facto notório e bem conhecido por todos, tendo sido largamente anunciado e comentado. Assim, não se entrevê necessidade suplementar de convencimento dos autores de que a impossibilidade era mesmo temporária.
15ª - No que diz respeito à ausência de prova da existência de um nexo de causalidade entre a privação do acesso ao património da recorrente e a
impossibilidade de cumprimento cabal do prometido, é claro que quem se vê
privado dos seus meios de subsistência e com a sua liberdade pessoal
severamente coarctada, não é capaz de atender a todos os seus
compromissos, como o faria no pleno gozo do seus status activus civitatis.
16 - Quanto ao silêncio da ré posterior à sua libertação, a 12 de Julho de 2001, este é plenamente justificado já que tinha início à reposição das suas condições económico-financeiras, sem nunca esquecer o que anteriormente havia sido estipulado e não cumprido por causa que não lhe pode ser imputável.
17ª - Além do mais, e salvo o devido respeito, a reiterada irrazoabilidade dos recorridos novamente se fez notar pelo seu comportamento de impulso processual precipitado.
18ª - A petição inicial deu entrada a 10 de Julho de 2001, dois dias antes da libertação daquela, e cinco meses antes do prazo acordado para a marcação da escritura pública e do vencimento da última prestação.
19ª - Mesmo que a recorrente decidisse ter contactado com os autores naquele mesmo mês de Julho, teria sido informada, certamente, da propositura da presente acção, frustrando as expectativas negociais iniciais daquela.
Nas suas contra-alegações, os autores entendem que deve ser mantida a sentença recorrida, nos seus precisos termos.
Na sentença apelada, declararam-se demonstrados, sem impugnação, os seguintes factos, que este Tribunal da Relação aceita, nos termos do estipulado pelo artigo 713º, nº 6, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-lhe, porém, um novo facto, sob a alínea X):
A aquisição, por compra, do direito real de propriedade sobre prédio urbano, sito em (...) , y(...) , descrito como edifício destinado a comércio, composto de sub-cave, cave, rés-do-chão, 1° andar, sótão, terreno anexo e parque para automóveis, com área coberta de 300 m2 e área descoberta de 2.750m2, a confrontar de Norte com herdeiros de (...) , de Sul com (...) , do Nascente com estrada nacional (...) , e de Poente com (...) , inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...) , (...) , sob o art.° (...) , e descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) , sob o n° 0 (...) /020600, de (...) , encontra-se inscrita, desde 01/06/82, a favor de A..., casado com B... na comunhão geral de bens – A).
A... e B... por um lado, e C...e D..., por outro, declararam, por escrito, no dia 13/07/1999, os primeiros serem donos e legítimos proprietários de um prédio urbano, com área coberta de 300 m2, e descoberta de 2.200, a confrontar de Norte com (...) , de Sul com (...) , do Nascente com Estrada Nacional (...) , e de Poente com A..., composto de duas caves, rés-do-chão e dois andares, sito no Lugar de y(...) , freguesia de (...) , (...) , inscrito na respectiva matriz predial, sob o art° (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) e aí registado em seu nome, e prometeram vender, livre de quaisquer ónus ou encargos, às segundas contraentes, que prometeram comprar, para si ou para quem indicarem, o descrito prédio, pelo preço de 120.000.000$00, a ser pago pelas segundas contraentes aos primeiros, da seguinte forma: 5.000.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento, naquela data, que os primeiros declararam já ter recebido e de que davam respectiva quitação, 7.000.000$00, a título de reforço de sinal, em 01/01/2000, 108.000.000$00, a título de reforço de sinal, em cinco prestações de 21.600.000$00 cada uma, nas datas, respectivamente, de 30/06/2000, 31/12/2000, 30/04/2001, 31/08/2001, e 31/12/2001 – B).
(...) Mais declararam que as segundas contraentes, independentemente da posição de arrendatárias do imóvel objecto do contrato celebrado, poderiam utilizar, sem qualquer custo, o prédio em causa, até à celebração da escritura pública do contrato prometido – C).
(...) Que a escritura pública de compra e venda seria
marcada pelos primeiros contraentes, até ao prazo da última prestação, referida em B), devendo avisar as segundas contraentes, por carta registada com aviso de recepção, expedida com, pelo menos, 10 dias de antecedência, do dia, hora e Cartório Notarial em que se realizaria tal escritura – D).
(...) Declararam, ainda, atribuir ao referido contrato os
efeitos da execução específica, previstos no artigo 830°, do Código Civil, o
que as segundas contraentes declararam aceitar – E).
Das entregas acordadas e estipuladas, no contrato referido em A) a E), as rés efectuaram as seguintes entregas aos autores, a título de sinal e princípio de pagamento: a) 5.000.000$00, no acto da assinatura do contrato, referido em B); b) 7.000.000J00, em 01/01/2000; c) 21.600.000$00, correspondente à prestação que se vencia, em 30/06/2000; d) 21.600.000$00, correspondente à prestação que se vencia, em 31/12/2000 – F).
Depois da entrega do pagamento da quarta prestação, as rés entregaram ainda um cheque, aos autores, no valor de
34.800.000$00, sacado sobre a Caixa (...) , da conta n° (...) , do balcão de (...) , com o n° (...) datado de 07/06/2000, no próprio dia da entrega do mesmo, que se destinava ao pagamento de parte do remanescente do preço que se encontrava em dívida – G).
Com o facto, referido em G), as rés pretendiam antecipar o pagamento das prestações previstas no contrato, referido em B) – H).
Apresentado a pagamento o cheque supra referido, foi o mesmo devolvido, pelo Serviço de Compensação do Banco de Portugal, com a declaração aposta no seu verso, em 12/06/2000, de falta de provisão – I).
Após a emissão e entrega aos autores do cheque referido em G), as rés foram detidas, e ficaram presas, preventivamente, no (...) – J).
E, além das quantias, referidas em F), nada mais foi pago pelas rés, ou alguém por elas, aos autores – L).
Os autores enviaram uma carta registada, com aviso de recepção, a cada uma das rés e que por estas foram recebidas, em 03/05/2001, solicitando que, no prazo de oito dias, a contar da data de tal carta, lhe comunicassem se pretendiam fazer o pagamento da prestação vencida, no dia 30/04/2001, e, na afirmativa, que o fizessem, nos oito dias seguintes aqueles primeiros e que, no caso de tal pagamento não ser feito, no prazo referido, se considerava, para todos os efeitos, não cumprida a obrigação e que os autores perdiam todo o interesse na celebração do negócio, recorrendo aos meios judiciais, se necessário fosse, para resolver o contrato promessa de compra e venda, reivindicando os seus direitos, sem mais avisos – M).
E... e F... , por um lado, e C... e D..., por outro, declararam, no dia 21/12/1998, no Cartório Notarial da (...) , os primeiros que, à data, eram únicos e sócios gerentes da sociedade comercial por quotas “Residencial x (...), Limitada", com sede no lugar de y(...) , freguesia de (...) , (...) , que tal sociedade se constituiu por escritura pública de 06/03/1986, exarada a fls. 42 e seguintes, do Livro de notas para escrituras diversas n° 83-A, daquele Cartório, posteriormente alterada, e matriculada na C. R. Comercial da (...) , sob o n° trinta e um/oitenta e seis, zero cinco, treze e capital social de quatrocentos mil escudos, dividido em duas quotas iguais, valor nominal de duzentos mil escudos, cada, pertencente uma a cada um dos sócios e que cediam, pela presente escritura, à segunda outorgante, C... , com todos os correspondentes direitos e obrigações, a quota nominal de duzentos mil escudos, que ele marido detém na sociedade, renunciando o cedente às funções de gerente e que cediam à terceira outorgante, D..., com todos os correspondentes direitos e obrigações, a quota nominal de duzentos mil escudos, que ela mulher detém na sociedade, renunciando a cedente às funções de gerente, que cada uma destas cessões era feita, com reserva de propriedade e pelo preço de doze milhões e quinhentos mil escudos, recebendo naquela data a quantia de um milhão e quatrocentos mil escudos, correspondendo setecentos mil escudos a cada quota, que o pagamento final de ambas as quotas, de valor global de vinte e três milhões e seiscentos mil escudos, seria efectuado, em doze prestações, com início dois meses após a data daquela escritura, por pagamentos sucessivos, titulados através de cheques, sendo onze iguais, no valor de novecentos e oitenta três mil escudos, e o último, no valor de novecentos e oitenta e sete mil escudos, por parte de cada uma das cessionárias, que em nome da sociedade prestavam o consentimento necessário àquelas cessões; o que, as segundas, por seu lado, declararam aceitar, aceitando aquelas cessões nos termos exarados, sendo, então, as únicas sócias, por aquela mesma escritura, e ficando nomeadas gerentes da referida sociedade – N).
Em 28/06/1985, a Câmara Municipal da (...) emitiu a competente licença de habitação ou ocupação do imóvel, referido em A) – O).
No dia 11/06/2000, a ré D... foi detida – P).
Até à presente data, não foi realizada a escritura pública, referida em D) – Q).
No prédio urbano, referido em A), encontrava-se instalado um snack-bar e residencial, com o nome de " x (...)" – R).
Tal snack-bar, restaurante e residencial, com o nome de " x (...)", era explorado por pessoas diferentes dos autores, a quem estes cederam o uso do edifício do estabelecimento, mediante trespasse – S).
Era sua intenção, com a entrega do referido cheque, ficar apenas em dívida a quantia de 30.000.000$00 — correspondente a 149.639,37€ (cento e quarenta e nove mil, seiscentos e trinta e nove euros e trinta e seis cêntimos) – T).
E foram mantendo contactos esporádicos com as rés, interrogando-as sobre a possibilidade do contrato, referido em B) a E), ser cumprido – U).
O estabelecimento funciona e é ali que as rés exercem a sua actividade profissional – V).
A presente acção deu entrada em juízo, no dia 10 de Julho de 2001 – Documento de folhas 2 – X).
No prédio urbano, referido em A), encontrava-se instalado
um snack-bar, restaurante e residencial, com o nome " x (...)" —
1°.
Tal snack-bar, restaurante e residencial, com o nome
" x (...)", era explorado por pessoas diferentes dos autores, a quem estes cederam o uso do edifício e a exploração do estabelecimento - 2°.
As rés adquiriram o snack-bar, restaurante e
residencial, com o nome " x (...)", às pessoas que o estavam a
explorar - 3°.
Depois do facto, referido na resposta ao ponto nº3 da
base instrutória, as rés contactaram com os autores, com o objectivo de
adquirirem o próprio edifício onde estava instalado o snack-bar,
restaurante e residencial, com o nome " x (...)" — 4°.
O montante, referido em B), correspondia ao preço do
imóvel descrito em A), sendo pertença das rés o recheio do mesmo - 5°.
Era sua intenção, com a entrega do referido cheque, ficar
apenas em dívida a quantia de 30.000.000$00 (149.639,37 euros) - 6°.
Após o facto, referido em I), o autor marido contactou as rés, imediatamente - 7°.
O mesmo foi mantendo contactos esporádicos com as rés, interpelando-as sobre a possibilidade de o contrato, referido em B) a
E), ser cumprido - 8°.
Desde a entrega do cheque, referido em G), pelas rés aos autores, o imóvel, mencionado em A), encontrou-se fechado, durante cerca de
dois anos - 9°.
O autor marido fez várias diligências junto das rés, no
sentido de apurar as suas intenções - 10°.
O imóvel, referido em A), apresentou alguns sinais de
degradação, durante aquele período que esteve encerrado, referido na resposta ao ponto 9° - 11°.
Houve, pelo menos, uma porta que foi arrombada - 12°.
O imóvel encontrava-se e encontra-se mobilado -13°.
As rés nunca mais zelaram, por si ou encarregando
alguém de tal tarefa, pelo imóvel, referido cm A), e o estabelecimento nele
instalado — 16°.
Depois de vencida a prestação de 30/04/2001, o autor
marido interpelou, directamente, as rés, verbalmente, no sentido de que tal
prestação seja paga - 17°.
As rés não deram qualquer resposta à carta, mencionada
em M) — 18°.
Quando os autores celebraram com as rés o contrato,
referido em B), deixaram de receber a renda mensal devida pela utilização
do imóvel, referido em A) - 19°.
Renda essa que era a fonte de rendimento que tinham, até
essa data, para prover ao seu sustento — 20°.
E, na altura em que os autores celebraram com as rés o contrato, referido em B), assumiram determinados compromissos financeiros, fazendo negócios para adquirir outro imóvel, na perspectiva da concretização da venda às rés e do recebimento do preço acordado — 21°.
Foram os autores que instalaram no prédio, referido em A), o estabelecimento, referido na resposta ao ponto 1° — 23°.
As rés foram detidas e estiveram presas, preventivamente,
de 13 de Junho de 2000 a 12 de Julho de 2001 - 24°.
Foi ordenada, por despacho de 9 de Junho de 2000, proferido no
inquérito n°76/00.0JAAVR, a apreensão de todas as contas bancárias,
tituladas pelas rés, no Banco (...) , SA, na Caixa (...) , SA, no Banco (...) , SA, e no Banco (...) , SA — 25°.
O parque de estacionamento do estabelecimento, na parte visível, tem frequentemente, viaturas estacionadas, em maior número durante o fim-de-semana, à noite - 31°.

*

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
A questão a decidir, na presente apelação, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3 e 690º, todos do CPC, consiste em saber se a mora das rés se transformou em incumprimento definitivo susceptível de permitir aos autores obter a resolução do contrato-promessa e a consequente indemnização legal, nos termos do estipulado pelos artigos 801º, nº 2 e 442º, nº 2, do Código Civil (CC).

DO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO

Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, com vista à decisão do objecto da apelação, importa reter que, no dia 13 de Julho de 1999, os autores prometerem vender às rés que, por seu turno, lhes prometeram comprar o prédio em discussão, pelo preço de 120.000.000$00, que pagariam, faseadamente, tendo as mesmas entregue, para esse efeito, aos autores, 5.000.000$00, no acto da assinatura do contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, 7.000.000$00, em 1 de Janeiro de 2000, 21.600.000$00, correspondente à prestação que se venceu, em 30 de Junho de 2000, e 21.600.000$00, respeitante à prestação que se venceu, em 31 de Dezembro de 2000.
Depois da satisfação desta quarta prestação, as rés entregaram ainda aos autores, no dia 7 de Junho de 2000, um cheque, no valor de
34.800.000$00, que se destinava ao pagamento de parte
do remanescente do preço que se encontrava em dívida, pretendendo, assim, antecipar o cumprimento das prestações previstas no contrato, mas que foi devolvido, pelo Serviço de Compensação do Banco de Portugal, com a declaração de falta de provisão, no dia 12 de Junho seguinte, a propósito do que o autor marido contactou, imediatamente, as rés, mas que só aconteceu, em virtude de ter sido ordenada, por despacho de 9 de Junho de 2000, a apreensão de todas as contas bancárias tituladas pelas rés, designadamente, na Caixa (...) , SA, sobre a qual o aludido cheque fora sacado.
Após a emissão e entrega aos autores deste último cheque, no referido dia 7 de Junho de 2000, as rés foram detidas e estiveram presas, preventivamente, desde 11 de Junho, no caso da D... , e, desde 13 de Junho de 2000, em relação à C... , até 12 de Julho de 2001.
Além das quantias, acabadas de referir, nada mais foi pago pelas rés aos autores, sendo certo que, depois de vencida a prestação de 30 de Abril de 2001, o autor marido interpelou, verbalmente, as rés, no sentido do seu pagamento, e, através de carta registada, com aviso de recepção, solicitou que, no prazo de oito dias, a contar da data de tal carta, lhe comunicassem se o pretendiam concretizar, e, na afirmativa, que o fizessem, nos oito dias seguintes aqueles primeiros, e que, no caso de tal pagamento não ser feito, no prazo referido, se considerava, para todos os efeitos, não cumprida a obrigação, perdendo os autores todo o interesse na celebração do negócio, e recorrendo aos meios judiciais, sem mais avisos, para resolver o contrato promessa de compra e venda, não tendo as rés respondido à mesma.
O autor foi mantendo contactos esporádicos com as rés e fez várias diligências junto destas, no sentido de apurar as suas intenções, interpelando-as sobre a possibilidade de cumprimento do contrato.
Acordaram ainda que a escritura pública de compra e venda seria marcada pelos autores, até ao prazo da última prestação, podendo as rés, na qualidade de arrendatárias do imóvel objecto do contrato-promessa, utilizar, gratuitamente, o prédio, até à celebração da escritura pública do contrato prometido.
Com efeito, neste prédio urbano, encontrava-se instalado um snack-bar, restaurante e residencial, com o nome de "Residencial x (...), Ldª", tendo os autores cedido o estabelecimento, mediante trespasse, a E... e F... , que, por seu turno, no dia 21 de Dezembro de 1998, o cederam, onerosamente às rés.
O prédio encontrou-se fechado, durante cerca de dois anos, desde a entrega do cheque, cuja provisão foi recusada, período durante o qual apresentou alguns sinais de degradação, tendo acontecido, pelo menos, o arrombamento de uma porta, deixando, então, as rés de zelar pelo imóvel e pelo estabelecimento nele instalado.
O não cumprimento da obrigação vem a ser a situação objectiva que consiste na falta de realização da prestação debitória, com a consequente insatisfação do interesse do credor, independentemente da causa de onde a omissão procede Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2ª edição, 59..
Por seu turno, no âmbito da responsabilidade contratual, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, tornando-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, desde que falte, culposamente, ao seu cumprimento, nos termos das disposições combinadas dos artigos 762º, nº 1 e 798º, do CC.
A isto acresce que existem três modalidades de não cumprimento das obrigações, quanto ao efeito ou resultado produzido, ou seja, a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora e o cumprimento defeituoso ou imperfeito.
A mora do devedor não permite, por via de regra, com ressalva da existência de convenção em contrário, a imediata resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 801º, 802º e 808º, nº 1, todos do CC, o que pode acontecer se lhe sobrevier a impossibilidade da prestação, se o credor perder o interesse na mesma, que se afere em função da utilidade que a prestação para ele teria, embora atendendo a elementos susceptíveis de valoração pelo comum das pessoas, justificada por um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas Baptista Machado, RLJ, Ano 118º, 55; e Almeida Costa, RLJ, Ano 124º, 95 e 96., ou, finalmente, em consequência da inobservância do prazo suplementar e peremptório que o credor fixe, razoavelmente, ao devedor relapso.
Afastada que está, de todo, face à prova produzida, a hipótese do cumprimento defeituoso, porquanto a prestação debitória continua em falta, resta considerar os termos da alternativa subsistente, isto é, a falta de cumprimento ou a mora, sendo certo que, uma vez definida a modalidade do não cumprimento das obrigações aplicável ao caso, importa ainda averiguar se o devedor actuou com culpa, ou seja, fixar a causa da falta da respectiva prestação.
A falta de cumprimento, também designada como impossibilidade da prestação ou não cumprimento definitivo, tem lugar, tão-só, em três situações tipificadas, encontrando-se a primeira, prevista nos artigos 801º e 802º, que ocorre quando a prestação deixou de ser executada, no devido tempo, e já não pode ser cumprida, por se ter tornado impossível, total ou parcialmente, a segunda, quando a prestação, sendo ainda, materialmente possível, perdeu todo o interesse para o credor, e a terceira, também, como a segunda, no pressuposto da mora, quando a prestação não for realizada dentro do prazo que, razoavelmente, for fixado pelo credor, com consagração no artigo 808º, nº 1, todos do CC.
A primeira situação é, liminarmente, de rejeitar, porquanto a omissão do pagamento parcial do preço correspondente ao valor acordado para a venda do prédio traduz-se, como é óbvio, numa prestação, material e objectivamente, possível.
Relativamente à segunda situação, em conformidade com o disposto pelo artigo 808º, nº 2, do CC, a perda do interesse para o credor, na prestação em mora pelo devedor, é apreciada, objectivamente, não sendo uma mera decorrência do novo prazo resultante da moratória acordada ou concedida entre as partes.
Efectivamente, constituem realidades distintas a perda absoluta, completa, do interesse na prestação, e a mera diminuição ou redução de tal interesse, traduzida, por via de regra, no desaparecimento da necessidade que a prestação visa satisfazer.
A perda do interesse do credor significa que este já não tem o menor interesse em obter a prestação do devedor moroso, entregando, em troca, a sua contraprestação, traduzindo o desaparecimento objectivo da necessidade que a prestação visa satisfazer Antunes Varela, RLJ, Ano 118º, 55 e 56 e nota 3..
Porém, no comum das obrigações pecuniárias, que é a hipótese que aqui interessa considerar, a prestação devida, não obstante a mora do devedor, continua a revestir todo o interesse para o credor STJ, de 21-5-98, BMJ nº 477, 460 e ss., a folhas 469..
A isto acresce, no sentido da não verificação da situação da perda do interesse do credor, que os autores não alegaram, na petição inicial, e, consequentemente, não se demonstrou, que a observância do prazo fixado no contrato-promessa lhes era essencial e que, portanto, aqueles já não tinham interesse na respectiva prestação retardada.
Efectivamente, há casos em que, não sendo a prestação efectuada, dentro de certo prazo, seja qual for a razão do não cumprimento, a obrigação se considera, definitivamente, não cumprida, o que acontece, em geral, quando a demora no cumprimento faz desaparecer o interesse do credor na prestação, designadamente, nas situações em que, expressa ou tacitamente, neste caso, através da finalidade atribuída à prestação, as partes fixaram um termo essencial para o cumprimento, findo o qual o credor não se considera vinculado a aceitar a prestação, com o fundamento em que esta já lhe não interessa Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2ª edição, 76 e 77. .
No caso em análise, não obstante as partes terem fixado um termo para o cumprimento, o mesmo não pode ser considerado essencial, quer, expressamente, uma vez que nada estipularam, nesse sentido, no respectivo contrato-promessa, nem sequer, como já se referiu, alegaram esse facto, na petição inicial, quer, tacitamente, porquanto tal não se infere, manifestamente, da finalidade que as partes atribuíram à contra-prestação convencionada.
Trata-se, com efeito, não de um negócio de prazo, absolutamente fixo, ou de um negócio fixo, impróprio ou absoluto, em que a obrigação deve ser, necessariamente, cumprida, no prazo fixado, e não mais tarde, e em que a impossibilidade temporária do cumprimento, na data estabelecida, vale como impossibilidade definitiva, determinante da extinção da obrigação, mas antes de um negócio de prazo, geralmente fixo, em que a determinação do prazo, apenas tem o alcance de se convencionar a sua perfeita observância, de modo a que a prestação posterior ainda seja possível, no qual a falta da prestação debitória não equivale ao não cumprimento definitivo, nem a respectiva impossibilidade transitória, no tempo fixado, extingue a obrigação, se não for cumprida nesse prazo Vaz Serra, Impossibilidade Superveniente por Causa não Imputável ao Devedor e Desaparecimento do Interesse do Credor, BMJ nº 46, 63 a 65; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2ª edição, 72, 77 e nota 2. .
Porém, a mora converte-se ainda em não cumprimento definitivo da obrigação, se esta não for realizada dentro do prazo que, razoavelmente, for fixado pelo credor, através da interpelação admonitória, prevista no artigo 808º, nº 1, do CC, tendente á resolução do contrato bilateral.
Esta interpelação deve conter uma intimação formal dirigida ao devedor moroso para que cumpra a sua obrigação, dentro de certo prazo determinado, sob pena de se considerar o seu cumprimento como definitivo Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Estudos em Homenagem ao Prof. Teixeira Ribeiro, 382; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 2ª edição, 109, 110 e 119. .
Revertendo ao caso em análise, ficou demonstrado que o autor solicitou às rés, através de carta registada, com aviso de recepção, que estas receberam, em 3 de Maio de 2001, que, no prazo de oito dias, lhe comunicassem se pretendiam concretizar o pagamento da prestação vencida a 30 de Abril último, e, na afirmativa, que o fizessem, nos oito dias seguintes aqueles primeiros, e que, no caso de tal pagamento não ser feito, no prazo referido, se considerava, para todos os efeitos, não cumprida a obrigação, perdendo os autores todo o interesse na celebração do negócio, recorrendo aos meios judiciais, sem mais avisos, para resolver o contrato-promessa de compra e venda, não tendo as rés dado qualquer resposta à mesma.
Contudo, as rés, nessa ocasião, já tinham efectuado o pagamento dos montantes de 5.000.000$00, no acto da assinatura do contrato, ou seja, a 13 de Julho de 1999, a título de sinal e princípio de pagamento, de 7.000.000$00, em 1 de Janeiro de 2000, de 21.600.000$00, correspondente à prestação que se venceu em 30 de Junho de 2000, e de 21.600.000$00, respeitante à prestação que se venceu, em 31 de Dezembro de 2000, enquanto reforço do aludido sinal.
Quer isto dizer que as rés já haviam realizado a antecipação do pagamento da terceira e da quarta prestações quando, no dia 7 de Junho de 2000, entregaram aos autores o cheque, no valor de
34.800.000$00, que se destinava ao pagamento de parte
do remanescente do preço que se encontrava em dívida, correspondente às quinta e sexta prestações, igualmente, ainda não devidas, de modo que apenas restasse por pagar a quantia de 30000000$00, mas que viria a ser devolvido, por falta de provisão, no dia 12 de Junho seguinte, em consequência da apreensão, por despacho de 9 de Junho de 2000, e consequente congelamento, de todas as contas bancárias tituladas pelas rés, designadamente, na Caixa (...) , SA, sobre a qual o aludido cheque fora sacado.
Entretanto, as rés foram detidas e estiveram presas, preventivamente, desde 11 de Junho, no caso da D... , e, desde 13 de Junho de 2000, no que se refere à C... , até 12 de Julho de 2001.
Assim sendo, em relação à totalidade do preço do prédio urbano objecto do contrato-promessa, no total de 120000000$00, na data em que ao aludido cheque foi recusada a provisão, ou seja, em 12 de Junho de 2000, as rés já tinham entregue aos autores valores na importância de 55200000$00, quando é certo que, até essa altura, apenas estavam obrigadas ao pagamento da quantia de 12000000$00, tendo antecipado 432000000$00, sendo 21600000$00, a mais de seis meses, mas propondo-se antecipar, não fora a apreensão determinada, a importância de 78000000$00, neste caso, com um universo temporal de um ano.
Aliás, importa não subestimar o facto de que a declaração de falta de provisão, aposta no rosto do cheque, em toda a sua crueza, não pode escamotear a circunstância singular de que tal aconteceu, no quadro processual do congelamento imposto à respectiva conta bancária, o que esvazia, sobremaneira, tornando mesmo questionável a substância da declaração de ausência de cobertura do cheque.
Como assim, é, de todo, irrazoável que os autores pretendessem fixar às rés um prazo de dezasseis dias (8+8) para que estas satisfizessem a prestação em falta, na quantia de 21600000$00, sob pena de se considerar não cumprida a obrigação e de aqueles perderem todo o interesse na celebração do negócio, e de resolverem o contrato-promessa de compra e venda, numa altura em que as rés se encontravam presas, preventivamente, com todas as suas contas congeladas, com as inerentes dificuldades de acesso ao exterior do estabelecimento prisional, sobejamente, conhecidas, sem condições logísticas de, facilmente, e, em prazo útil, recorrerem aos serviços de um Advogado, nem meios de angariar outros fundos patrimoniais capazes de solver as suas responsabilidades.
A isto acresce que, tendo ficado acordado que a escritura pública de compra e venda seria marcada pelos autores, até ao prazo da última prestação, ou seja, em 31 de Dezembro de 2001, aqueles não só a não promoveram, o que deveriam fazer com, pelo menos, dez dias de antecedência, como ainda propuseram a presente acção, antes do prazo do vencimento da penúltima e da última prestações acordadas, a cerca de seis meses da realização da escritura pública respeitante ao contrato prometido, numa altura singular em que ambas as rés ainda se encontravam, na situação de prisão preventiva.
Efectivamente, com a propositura desta acção e sua procedência, sustentando o incumprimento do contrato-promessa, os autores alcançariam uma vantagem patrimonial muito superior, em relação aquela que ainda podem esperar com o seu cumprimento, em conformidade com a pretensão das rés.
Assim sendo, não se verifica qualquer uma das modalidades possíveis de não cumprimento definitivo da obrigação.
Por outro lado, a simples mora, atraso ou retardamento da prestação, constitui-se quando o devedor, por causa que lhe seja imputável, não efectuou a prestação, no tempo devido, sendo ainda possível, por continuar, no essencial, a corresponder ao interesse do credor, nos termos do estipulado pelo artigo 804º, nº 2, do CC.
Ora, sendo ainda, materialmente possível, o pagamento integral do preço acordado, como já se demonstrou e as rés pretendem, e correspondendo, também, a prestação ao interesse dos autores, que nada alegaram em contrário, não obstante a propositura desta acção, configura a hipótese em causa uma situação de mora da prestação debitória.
Assim sendo, não se verifica, no caso em apreço, qualquer uma das situações que permitem ao credor transformar a mora em incumprimento definitivo e, consequentemente, resolver o contrato-promessa e exigir das rés as quantias por estas entregues, a título de sinal e seu reforço.
Efectivamente, a perda do sinal encontra-se, indissoluvelmente, ligada à resolução ou desistência do contrato, ou, pelo menos, ao seu não cumprimento definitivo, e não à mora.
Na verdade, o artigo 442º, nº 2, do CC, continua a associar a perda do sinal ao facto de a pessoa que o constitui ter deixado de cumprir a obrigação, como decorre, igualmente, embora com recurso a fórmulas afins, tais como “falta de cumprimento” e “não cumprimento da obrigação”, do texto dos artigos 798º, 799º, 804º, nº 2 e 808º, nº 1, todos do CC, que apontam para o não cumprimento definitivo e não para o simples retardamento no cumprimento da obrigação.
Portanto, a mora no cumprimento contratual não envolve a perda do sinal, embora possa arrastar consigo outras consequências Antunes Varela, RLJ, Ano 119º, 215 a 217..
Procedem, pois, as conclusões constantes das alegações da ré D... .

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CONCLUSÕES:

I - A mora do devedor não permite, por via de regra, com ressalva da existência de convenção em contrário, a imediata resolução do contrato, a menos que se transforme em incumprimento definitivo, o que pode acontecer se lhe sobrevier a impossibilidade da prestação, se o credor perder o interesse na prestação, ou, finalmente, em consequência da inobservância do prazo suplementar e peremptório que o credor fixe, razoavelmente, ao devedor relapso.
II - A perda do interesse do credor significa o desaparecimento objectivo da necessidade que a prestação visa satisfazer, o que não acontece, no comum das obrigações pecuniárias, em que a prestação devida, não obstante a mora do devedor, continua a revestir todo o interesse para o credor.
III - Só com a fixação expressa de um termo essencial para o cumprimento, no respectivo contrato-promessa, ou com a alegação desse facto, na petição inicial, a obrigação deve ser, necessariamente, cumprida, no prazo fixado, sob pena de se tratar de um negócio de prazo, geralmente fixo, em que a impossibilidade temporária do cumprimento, na data estabelecida, não vale como impossibilidade definitiva, determinante da extinção da obrigação, sendo a prestação posterior ainda possível, não equivalendo a falta da prestação debitória ao não cumprimento definitivo.
IV – A perda do sinal encontra-se, indissoluvelmente, ligada à resolução ou desistência do contrato, ou, pelo menos, ao seu não cumprimento definitivo, e não à mora.

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DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que compõem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam, nesta parte, a sentença recorrida, que confirmam quanto ao demais, absolvendo as rés do pedido contra si formulado.

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Custas, em ambas as instâncias, a cargo dos autores