Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
419/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ESTADO
SEGURANÇA SOCIAL
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Data do Acordão: 06/06/2006
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE NELAS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 589º E SS, 1874º, 1878º Nº1, 1885º, 1905º, 2003º E 2009º DO CC, 2º E 6º Nº3 DA LEI Nº 75/98 E 3º Nº3 E 5º DO DL Nº 164/99
Sumário: I. A sub-rogação do FGADM rege-se especialmente pela Lei nº 75/98 e DL nº 164/99 e, subsidiariamente, pelo disposto no Código Civil.

II. O art. 9º do Código Civil veda tanto o positivismo extremo como o subjectivismo ou arbítrio interpretativo.

III. O art.4º nº5 do dito DL apenas responde à questão de saber quando deve o FGADM iniciar o pagamento, não à de saber quanto deve pagar.

IV. Ao pagamento pelo Estado (através do FGADM) em substituição do devedor de alimentos a favor de menor sujeito ao poder paternal, a Lei e o DL referidos associam-lhe, para qualquer caso a que tais diplomas se apliquem, o direito de sub-rogação do Estado na posição do credor.

V. A sub-rogação pode ser total ou parcial, mas tudo o que o FGADM pague em substituição do devedor fica sujeito à sub-rogação na medida do que seja «devidamente» pago (art. 5º nºs 1 e 3 do DL).

VI. Quanto ao pago indevidamente, os art.ºs 5º e 10º do DL obrigam à sua restituição.

VII. Nenhum preceito legal prevê que alguma parcela do devidamente pago pelo FGADM seja não reembolsável.

VIII. A lei não permite que a substituição do devedor de alimentos pelo FGADM exceda a sub-rogação total. Não se pode transmitir um crédito de 50 por mais de 50.

IX. A fixação a cargo do FGADM de prestações mensais superiores às fixadas a cargo do obrigado a alimento conduz a saídas absurdas face ao regime legal aplicável.

X. A transmissão do crédito de alimentos para o FGADM por via da sub-rogação e outras medidas que rodeiam a sua actuação explicam-se pela exigência de rigor e controlo adequado na afectação de recursos públicos escassos.

XI. O tribunal pode, dentro do máximo mensal de 4 UC, fixar a cargo do FGADM uma prestação mensal de montante igual ou inferir, mas não superior à fixada anteriormente a cargo do obrigado a alimentos, em consequência do requisito do incumprimento e da imposição legal de substituição em termos de sub-rogação “em todos os direitos do credor”.

XII. A cargo do FGADM podem ficar todas as prestações alimentares em dívida ao menor em razão do disposto no art.2006º do CC, desde que não anteriores ao ano de 2000 e desde que o pagamento pelo FGADM não exceda o montante mensal de 4 UC.

XIII. Se a pensão fixada a cargo do progenitor está desajustada, deve ser suscitada a sua alteração. Atentos os princípios convocáveis e o regime da Lei e DL citados, que visam assegurar as condições mínimas de subsistência dos menores, a deficiência de recursos do progenitor obrigado não obsta ao aumento da pensão fixada, dado que se ele não puder pagar o Estado garante o pagamento, substituindo-se-lhe e ficando sub-rogado por tudo quanto pague.

Decisão Texto Integral: Acordam o seguinte neste Tribunal da Relação:


Relatório:

Menor — A..., nascida aos 20/11/1988;
Pais da menor — B..., reformada por invalidez, e C..., de profissão indiferenciada e desempregado.
No processo nº 182/02 do Tribunal de Nelas, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento entre os pais da menor e em 27/9/2002 foi homologado o acordo de regulação do exercício do poder paternal, mediante o qual a menor ficou confiada à guarda da mãe e obrigando-se o pai a pagar a favor da menor a quantia mensal de 50 euros como pensão de alimentos, a depositar até ao dia 10 em conta bancária a indicar pela mãe da menor.
O pai da menor nunca pagou a pensão de alimentos.
A mãe da menor instaurou em 15/5/2003 uma execução especial de alimentos contra o pai da menor (apenso 182-A), mas sem êxito.
Aos 20/4/2005, a mãe da menor instaurou, nos termos do art.181º da OTM, o incidente de incumprimento da decisão quanto a alimentos contra o pai da menor (ap.182-B), alegando, em resumo, que as prestações alimentares em dívida desde Outubro de 2002 até Abril de 2005 já totalizavam 1550 euros, a requerente vive com enormes dificuldades económicas e tem a seu cargo também Tiago (neto menor), a menor tem 16 anos e as suas necessidades são cada vez maiores, o requerido não tem bens nem emprego e estão reunidas as condições para o recurso ao FGADM.
Realizou-se a conferência de pais, mas sem êxito para eventual acordo, porquanto o requerido declarou estar desempregado, já desde antes de Setembro de 2002, e não possuir bens ou fontes de rendimento.
O IRS realizou os inquéritos conforme relatórios sociais de fls.21 a 28.
O Digno Curador de menores emitiu o parecer de fls.31 a 34 concluindo que:
1) Fosse fixada a prestação que o Estado, em substituição do requerido, deveria prestar à menor, sugerindo a manutenção do montante já fixado nos autos, isto é, 50 euros mensais;
2) Fossem dispensadas as diligências a que aludem o art.3º, nº 3, da Lei nº 75/98 de 19-11 e o art.4º, nº 1, do D.L. nº 164/99 de 13-5, por as diligências efectuadas permitirem já claramente estabelecer as necessidades da menor;
3) Fixada a prestação, se demandasse o FGADM (...).
Foi proferida a sentença de 18/11/2005 a fls. 35/42 o FGADM pagar apenas prestações vincendas, decidiu:
o Fixar em 50 euros mensais a quantia que o Estado, através do Fundo, deverá prestar à menor e entregar à mãe desta;
o Ordenar a notificação do IGFSS nos termos e para os efeitos do art.4º, nº3 a 5, do D.L. nº 164/99 de 13-5.
Da sentença recorre a mãe da menor, pretendendo que se fixe em montante superior (não diz quanto) a prestação alimentar a pagar mensalmente pelo Fundo e que se decida dever o Fundo pagar também as prestações vencidas e não pagas desde o início da mora do devedor (Outubro/2002).
O Ministério Público contra-alegou, defendendo que:
· O Fundo deve assegurar o pagamento também das prestações vencidas e não pagas;
· Tendo sido considerado por acordo homologado que 50 euros mensais satisfazem as necessidades básicas da menor, não deve ser fixado (a cargo do Fundo) um montante superior.
O Fundo informou a fl. 105 que iniciou em 21/01/2006, com referência a 1/12/2005, o pagamento da prestação alimentar mensal de 50 euros.
Correram os vistos legais e nada obsta ao conhecimento do objecto do recurso.

Fundamentos:

Nos termos do disposto no art. 713º nº 6 do CPC, dão-se aqui por reproduzidos os factos provados exarados na sentença.

De direito:
A sentença julgou correctamente verificados os requisitos legais da efectivação da garantia do pagamento pelo Estado, através do FGADM gerido pela Segurança Social, das prestações alimentares devidas à menor pelo seu pai. As duas questões essenciais a apreciar no âmbito deste recurso consistem em saber:
I—Se tal garantia se deve cingir às prestações mensais vincendas após a notificação da decisão ao FGADM ou se deve abranger também as vencidas desde o início da mora;
II—Se a prestação mensal a pagar pelo FGADM pode ser de montante superior ao que compete ao pai da menor pagar.
Antes de se solucionarem estas questões, convém adiantarem-se algumas notas sobre: o cumprimento de obrigação por 3º e a sub-rogação; a «ratio legis» da Lei nº 75/98 de 19-11 e do D.L. nº 164/99 de 13-5 e suas linhas gerais; o princípio da interpretação conforme à Constituição informando o conteúdo do art. 9º do Código Civil.


1.Cumprimento por 3º e sub-rogação:

A obrigação, como vínculo intersubjectivo, tem um lado activo (o crédito) e um lado passivo (o débito ou dívida) – cfr. art. 397º do CC.
O cumprimento é o modo normal de extinção das obrigações e pressupõe a existência e exigibilidade da obrigação civil. O devedor é quem está vinculado ao cumprimento da obrigação, mas o cumprimento pode ser efectuado por terceiro em substituição daquele. Na verdade, a lei permite que um terceiro cumpra a obrigação alheia quando a prestação seja fungível e o terceiro saiba que está a cumprir obrigação alheia, caso em que o interesse do credor é correspondentemente satisfeito (vd. art. 767º nº 1 do CC; cfr. Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, AAFDL, 1975/76, p. 346 s).
O cumprimento da obrigação, pelo devedor ou por 3º, significa sempre satisfação do interesse do credor e daí que, ressalvando casos especiais, mesmo o cumprimento por terceiro em substituição do devedor extingue a obrigação. São casos especiais a cessão do crédito e a sub-rogação, fenómenos diferenciados mas ambos de transmissão do crédito do credor originário para o 3º.
Quando no cumprimento haja substituição do devedor pelo 3º e tal substituição opere em termos de sub-rogação, com esse cumprimento não ocorre a extinção da obrigação. O terceiro que cumpriu fica «investido no próprio direito de crédito que pertencia ao credor» e com as mesmas garantias e demais acessórios desse crédito (cfr. Pessoa Jorge, op. cit., p.352, e Antunes Varela, Das Ob. em Geral,II, 1980, p. 300 e 310). Se se tratar de dívida de alimentos, o terceiro que pagou pode beneficiar de hipoteca legal (vd. art.705º al. d) e 582º ex vi do art. 594º do CC). O crédito transmite-se para o 3º sub-rogado. E a obrigação do devedor permanece intocada, já que deve o mesmo ao seu novo credor como devia ao antigo.
A simples substituição do 3º ao devedor no cumprimento não implica sub-rogação. Só há sub-rogação por declaração do credor ou do devedor (sub-rogação voluntária – art. 589º e 590º do CC) ou por força da lei (sub-rogação legal – art.592º do CC, vg. o solvens é fiador ou dono da coisa dada em garantia), podendo lei especial prever outros casos de sub-rogação.
Mas a sub-rogação, resultante de declaração expressa ou da lei, só opera mediante o prévio cumprimento pelo 3º sub-rogado. E, porque pressupõe verificado o cumprimento (satisfação do interesse do credor), a sub-rogação não ocorre em relação a prestações futuras – ASSENTO do S.T.J. de 9-11-77 no BMJ 271/100 e cfr. RLJ 111/183. O 3º só fica sub-rogado na posição do credor pelo que pagou, não pelo que se vencerá e poderá vir a ser pago.
Notificado o devedor ou tendo ele conhecimento da sub-rogação (a provar pelo sub-rogado), o devedor não pode opor ao solvens o pagamento que ele entretanto tenha efectuado ao credor originário, para evitar o reembolso que o solvens lhe exija (vd. art. 583º e 594º do CC).
Havendo sub-rogação, esta é total se o terceiro solveu todo o débito do devedor ou parcial se solveu apenas parte do débito. Ao sub-rogado só é lícito exigir do devedor aquilo em cuja medida satisfez o interesse do credor, em substituição do devedor (v. art. 593º do CC e A. Varela, op. cit., p. 311 s).
Por natureza, a sub-rogação não pode exceder a medida da sub-rogação total. Se o terceiro paga mais do que ao devedor competia pagar, ele não tem o direito de exigir do devedor o reembolso pelo excesso e só poderá exigir do credor a restituição do que este recebeu indevidamente.
Não pode o 3º, satisfazendo ao credor, aumentar o montante do crédito contra o devedor – Vaz Serra, BMJ 37/56.
O sub-rogado, se pagou 10, tem direito a 10 e só a 10 (cfr. Ribeiro de Faria, Dir. das Ob.,II, p. 550 nota 2). É que o cumprimento pelo sub-rogado, não só é condição para que opere a sub-rogação, como também exprime a medida desta e portanto do direito ao reembolso. Se o 3º pagou mais do que era devido pelo devedor, no excesso não opera a sub-rogação e portanto o direito ao reembolso.
O 3º que paga em substituição do devedor pode ser o Estado, nos termos da lei que o preveja, lei que, permitindo-o, pode, das duas uma: prevê-lo como prestação não reembolsável ou como prestação reembolsável. O reembolso é, em abstracto, possível em termos de direito de regresso ou em termos de sub-rogação, mas o regresso, implicando uma nova obrigação, é mais desfavorável para o solvens, a quem, por se tratar de nova obrigação, podem ser opostos outros meios de defesa pelo devedor relativos à nova obrigação (vg. relativos ao nexo de causalidade ou prescrição) – cfr. Pessoa Jorge, op. cit, p. 352 e Antunes Varela, Das Ob. em Geral, II, 1980, p. 300 e 310.
Ao pagamento pelo Estado em substituição do devedor de alimentos a favor de menor, a Lei nº 75/98 de 19-11 e o D.L. nº 164/99 de 13-5 associam-lhe, para qualquer caso em que tais diplomas se apliquem, o direito de sub-rogação do Estado na posição jurídica do credor.(vd. art. 3º nº 1 e 6º nº 3 da Lei e 5º do D.L.).
Neste âmbito, a sub-rogação em crédito alimentar rege-se especialmente por esses diplomas legais e, por via subsidiária, pelo disposto no Código Civil, em particular nos art. 589º e segs. quanto à sub-rogação e 1874º, 1878º nº 1, 1885º, 1905º e 2003º e segs. quanto a alimentos a favor de menor sujeito à regulação do exercício do poder paternal.

2.A Lei nº 75/98 e o D.L. nº 164/99:

Tais diplomas regem a garantia do Estado, através do Fundo (FGADM ) gerido pela Segurança Social, de efectivar a prestação de alimentos devida a menor residente desde que se trate de pensão alimentar incumprida pelo obrigado a alimentos e portanto já fixada, o menor não beneficie de rendimento superior ao SMN e esse incumprimento esteja verificado no próprio processo judicial. O Fundo pagará o montante que o tribunal fixar a seu cargo em substituição do obrigado a alimentos, de acordo com os critérios enunciados nos art. 2º da Lei e 3º nº 3 do D.L., não podendo em qualquer caso esse montante exceder 4 UC, o que ronda o SMN.
Essa garantia legislativa preceptiva constitui uma implementação dos direitos fundamentais das crianças [ Para os efeitos da CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA, assinada em N.I. aos 26/01/1990, criança é todo o ser humano menor de 18 anos (seu art. 1º).] à protecção social e estatal e à vida, consagrada nos art. 69º e 24º da CRP e em decorrência do direito internacional, como vem justificado no relatório do D.L., no que à vertente do direito a alimentos respeita.
Trata-se de assegurar efectivamente o «acesso a condições de subsistência mínimas», através dessa «nova prestação social», a favor dos menores alimentandos, ou seja, através de «prestações existenciais que proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna» (no dito relatório).
Mas não se trata de uma prestação social independente da prestação devida pelo obrigado a alimentos, pois que, pagando através do Fundo, o Estado substitui-se ao obrigado a alimentos, comprovadamente incumpridor (vd. art. 1º e 3º nº 1 da Lei), e fica sub-rogado, com direito ao reembolso. E o Estado apenas assegura o pagamento «até ao início do efectivo cumprimento da obrigação» pelo obrigado a alimentos conforme art. 1º da Lei e 3º nº 1 do D.L. (e enquanto se verificarem os demais pressupostos da prestação social—nº 4 do dito art. 3º), significando aquele inciso legal que o Estado somente se substitui ao obrigado enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação.
Trata-se, por outro lado, de uma prestação social reembolsável, pois que, substituindo-se o Estado ao obrigado no cumprimento, a obrigação alimentar não se extingue na medida do que o Estado pagou, pelo contrário ocorre a sub-rogação do «solvens» ao menor credor, por força do disposto nos art. 6º nº 3 da Lei e 5º do D.L., reforçado aliás pelo art. 7º do D.L. A posição do credor transmite-se para o Estado, na medida de todas as importâncias pagas, com as garantias e outros acessórios do crédito solvido; e a obrigação do devedor dos alimentos mantém-se, mas agora com o dever de reembolsar o Estado por tudo o que este pagou e sem prejuízo de o obrigado dever reassumir o pagamento ao menor do que se for vencendo. O Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor com vista à garantia do reembolso, incluindo o direito de requerer execução judicial para reembolso das importâncias pagas.
Tudo o que o Estado pague através do Fundo em substituição do devedor fica sujeito à sub-rogação, total ou parcial, na medida do que seja «devidamente» pago. Tanto assim é que a lei se refere à sub-rogação.«em todos os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso», podendo o IGFSS vir a «requerer a execução judicial para reembolso das importâncias pagas» (art. 5º nº1 e nº3 do D.L.), sem que haja alguma restrição, ou seja, sem a lei prever – em derrogação do regime geral da sub-rogação – que alguma parcela do que o Estado pagou seja não reembolsável. Evidentemente, o reembolso pode não vir a realizar-se, mesmo por via coerciva, vg. quando não sejam conhecidos bens penhoráveis do devedor, mas isto é uma contingência prática que pode atingir qualquer crédito e não obsta à existência do direito, antes o pressupõe.
A afectação de recursos públicos escassos exige rigor e controlo adequado. Assim se compreendem a mediação do tribunal na verificação dos requisitos para a intervenção do Fundo, a transmissão do crédito por via de sub-rogação, o cruzamento de dados entre as entidades envolvidas, a limitação da intervenção do Fundo ao necessário para assegurar as «condições de subsistência mínimas» (com referência ao SMN, à realização de diligências para aferição dos critérios de fixação e ao limite das 4 UC), a exigência de comprovação anual dos requisitos pelo «accipiens», a responsabilização civil e criminal deste pelo que receba indevidamente do Fundo – como tudo consta dos diplomas em análise.
Os mesmos diplomas pretendem a «plena eficácia e rapidez do procedimento» (vd. relatório do D.L.). Daí que: 1) A fixação da prestação social a cargo do Fundo requeira o incumprimento mas se baste com o inêxito do incidente de descontos a que se refere o art. 189º da OTM (art. 1º da Lei e 3º nº 1 do DL.), deixando-se para momento ulterior a eventual execução judicial para reembolso do que o Fundo tenha pago mas intentada pela Segurança Social (art. 5º do DL.); 2) O Fundo possa actuar mediante decisão provisória (art. 3º nº 2 do DL.); 3) Da decisão final caiba agravo (dito art. 3º nº 5).
Em suma, na «ratio legis» e no referido regime legal surpreendem-se as seguintes ideias estruturantes: condições mínimas de subsistência do menor, incumprimento do obrigado a alimentos, solidariedade social, afectação de recursos públicos escassos, sub-rogação, rapidez e eficácia do procedimento incidental.
Por outro lado, verifica-se que os mesmos diplomas se referem a dois tipos de prestações: as prestações previamente fixadas ou “quantias em dívida” para significar as prestações incumpridas a cargo do obrigado a alimentos e, de outra banda, as prestações a fixar a cargo do Estado em substituição do devedor e a pagar através do Fundo.
As prestações a cargo do obrigado a alimentos são referidas tendo em mente:
· significar que, para a garantia legal actuar, elas hão-de estar insatisfeitas sem se conseguir o seu cumprimento pelo devedor através dos descontos ( art. 1º da Lei e 3º nº 1 do DL.);
· erigi-las a um dos critérios de fixação das prestações a cargo do Estado (art. 2º nº 2 da Lei e 3º nº 3 do DL.);
· assertar que o reembolso ao Fundo não prejudica a obrigação “principal” de alimentos (art. 7º do DL.).
Enquanto os ditos diplomas nada regem sobre qualquer alteração de montante daquele primeiro tipo de prestações, já a respeito do segundo mandam fixar o montante a cargo do Estado sob determinados critérios. Logo, as prestações mensais a cargo do Estado podem ser de montante diferente das prestações a cargo do obrigado a alimentos, dito obrigado “principal”.
Mas, se em relação a todas as prestações “devidamente” pagas pelo Estado em substituição do devedor a lei impõe a sub-rogação, é forçoso concluir-se que a prestação a cargo Estado pode ser de igual montante à do obrigado a alimentos (desde que não exceda 4 UC), ou inferior, mas nunca superior. Como dissemos no ponto nº 1, a sub-rogação pode ser total ou parcial e a substituição não pode exceder a sub-rogação total. E a lei não prevê que esta prestação social seja não reembolsável ainda que em parte.
Há quem considere que a prestação a cargo do Estado, através do FGADM, pode legalmente fixar-se em montante superior ao da fixada previamente. Na verdade, o relatório do DL anuncia o propósito de o Estado assegurar o “acesso a condições de subsistência mínimas” e o art. 3º nº 3 não o proíbe. Mas os preâmbulos valem o que valem e não se substituem ao articulado dos respectivos diplomas, acrescendo que se deve ter em conta o elemento sistemático da interpretação e ponderar as consequências da decisão na harmonia do sistema.
Suponha-se que o obrigado devia, conforme o previamente fixado, pagar 50 por mês e o tribunal fixa a cargo do FGADM a prestação mensal normal de 120. Mas, se o menor tem o direito apenas aos 50 pré-fixados como é que por via da sub-rogação se pode transmitir do menor para o Estado o crédito por 120?
Não se pode transmitir por 120 um débito de 50. E o Estado só pagará 120 se se puser de parte a imposição normativa da substituição e sub-rogação, por interpretação abrogante, que não se vê justificada, ou por subjectivismo interpretativo, que o art. 9º do CC proíbe. De resto, se a prestação social pudesse ser superior, não se justificaria racionalmente que a lei a fizesse depender do incumprimento pelo obrigado, antes deveria depender apenas das necessidades actuais do menor.
Para além disso, pondo de parte o subjectivismo interpretativo, busque-se uma solução que se harmonize com as soluções legais, no desenvolvimento daquela situação hipotética: o mesmo obrigado cessou o incumprimento e a pensão a seu cargo não foi alterada. Ele deve retomar o pagamento de 50 a favor do menor ou pagar os 120? Se deve pagar os 50 porque a sua prestação não foi alterada, deverá o Fundo deixar de suportar os 120 e nada mais pagar porque cessou o incumprimento ou deverá continuar a pagar agora só 70 porque nesta parte se mantém o incumprimento? Evidentemente, a lei não aprova nenhuma dessas alternativas, antes resulta infringida logo à partida (art. 3º nº 1 e 6º nº 3 da Lei), porque na fixação se foi além do pagamento em substituição do devedor e se extravasou a medida da sub-rogação total, instituindo-se sem apoio normativo uma prestação social em parte não reembolsável e ainda por cima sem que o credor a tenha de restituir como “indevida” no sentido do art. 10º do DL.
Por fim, no conjunto das referidas Lei e D.L., e para além de múltiplas deficiências em termos de legística formal que aí saltam à vista, nota-se a sua incompletude (lacuna), pelo menos quanto a um aspecto que aqui convém apontar, atento o que se referiu no ponto nº1-§ 7º. É que o art. 4º nº 3 do DL. manda notificar a diversas pessoas e entidades a decisão de fixação de prestações a pagar pelo Fundo, sem mencionar o obrigado a alimentos. Todavia, da não notificação deste pode resultar prejuízo, para o próprio ou para o Estado, conforme deriva do já exposto no ponto nº1. Sobretudo quando seja conhecido o paradeiro do obrigado, a notificação há-de realizar-se com base no disposto no art. 229º nº 1- in fine do CPC. A notificação ordenada pelo art. 5º nº2 do DL. não recobre os efeitos que aqueloutra visa acautelar.


3.A interpretação conforme à Constituição:

A respeito da interpretação da lei ordinária, o artigo 9º do Código Civil preceitua que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1) e que não pode, porém, ser considerado intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2). Além disso, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).
Esse art. 9º ilegitima o exagero dos objectivistas, que se cingem apenas à letra da lei, tal como condena igualmente o excesso dos subjectivistas, que prescindem da letra da lei para atender apenas a uma presumida vontade do legislador. Aí se proíbe tanto o positivismo extremo como o arbítrio interpretativo (cfr. P. Lima e A. Varela, CC Anotado, em anotação ao art. 9º).
No preceito pode ver-se consagrado o princípio holístico ou da interpretação sistemática ( intra e extra-sistemática), pois que se deve ter em conta a «unidade do sistema jurídico», bem como o princípio actualista, pois que se terão em conta ainda «as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada».
E, na decorrência desses princípios, o Código Civil de 1966 deve interpretar-se – ainda por efeito do princípio da hierarquia normativa – de harmonia com a actual Constituição e com o seu desenvolvimento legislativo, v. g. os referidos diplomas legais de 1998 e 1999. O princípio da interpretação conforme à Constituição está ínsito no superpreceito[2. Rectius: norma sobre normas.] do art. 9º do CC e deve actuar não só na interpretação dessoutros diplomas legais, mas também na de outro normativo, o do art. 2004º do CC referente à proporcionalidade, que iremos chamar à colação no ponto 5.
Entretanto, convém dizer-se que, genericamente, a interpretação conforme à Constituição traduz-se antes de mais em conceder todo o relevo, dentro do elemento sistemático da interpretação, à CRP: «cada disposição legal não tem somente de ser captada no conjunto das disposições da mesma lei e no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional» ( Jorge Miranda, Manual de Dir. Const., II, 3ª ed., p. 263). Pode ter-se de adoptar uma interpretação mais restritiva ou mais extensiva de modo que o sentido da letra da lei conduza à compatibilidade com a lei fundamental (vd. Karl Engish, Introd. ao Pens. Jur., 6ª ed., Lx., p. 147, e Parecer da PGR nº 94/01 de 23-11), ou, conforme o caso, com a «mens legis» ( vd. Karl Larenz, Metodologia..., 3ª ed., Lx., p. 500).
Como as referidas Lei 75/98 e DL 164/99 desenvolvem o conteúdo das normas dos art. 69º e 24º da CRP quanto ao direito de protecção das crianças ou jovens menores no que respeita a alimentos, compreende-se que o preceituado no art. 2004º citado seja interpretado em conformidade, sempre que esteja em causa a fixação da medida de alimentos a favor de menor.
Por outro lado, tratando-se de uma prestação social agora a cargo do FGADM, é pertinente sublinhar-se que no âmbito dos direitos sociais a competência do legislador ordinário é a de garantir as prestações integradoras desses direitos, dentro das reservas orçamentais, dos planos económico-financeiros e das condições sociais do país ( Jorge Miranda, Constituição Dirigente..., 1989, p. 369). Esses direitos efectivam-se dentro de uma «reserva do possível», já que eles dependem dos recursos económicos ( Gomes Canotilho, Dir. Const., 6ª ed., p. 545).
Assim se compreende mais facilmente que:
· As «prestações existenciais», a cargo do FGADM, «que proporcionem as condições essenciais ao desenvolvimento e a uma vida digna» do menor se cinjam a alimentandos e agregados com menores recursos (referência ao SMN);
· A prestação mensal a cargo do FGADM não tenha de ser de montante igual à do obrigado a alimentos, antes a sua fixação concreta deva obedecer a determinados critérios legais recondutíveis às condições de subsistência mínimas e sem exceder em qualquer caso 4 UC (cerca do SMN);
· O FGADM tenha o direito de sub-rogação, que inclui mas não esgota o direito de reembolso, por tudo quanto haja pago (salvo o caso de impossibilidade de reembolso), bem como o direito de restituição pelo que haja sido pago indevidamente;[ O reembolso efectiva-se contra o obrigado a alimentos, enquanto a restituição se efectiva contra quem recebeu a prestação indevida (cfr.5º e 10º do DL).]
· O FGADM só assegure prestações devidas desde o OGE de 2000 (art. 8º da Lei e 11º do D.L.).



4.Solução da 1ª questão:

Convém recordarmos que com a substituição do obrigado a alimentos pelo FGADM o devedor mantém-se como tal, porque, operando a sub-rogação do FGADM na posição do credor (o menor), a obrigação inicial subsiste. E, também por força da sub-rogação imposta por lei, apenas o crédito se transmite para o FGADM, na medida do que este tenha efectivamente pago em substituição do devedor. Pela actuação garantística através do FGADM, o Estado não se transforma em obrigado a alimentos, qualidade esta que pertence exclusivamente, no caso, ao pai da menor.
Estando em causa o pagamento de prestações pelo FGADM em substituição do obrigado a alimentos, e podendo as prestações a cargo do FGADM ser fixadas em montante igual ou inferior às devidas pelo obrigado como expusemos acima, importa apurar:
1º Se devem ser fixadas prestações a cargo do FGADM;
2º Se sim, em que montante;
3º Desde quando deve o FGADM pagar;
4º Até quando.
O 1º ponto está resolvido na sentença no sentido positivo e não vem questionado no recurso.
O 3º ponto não suscita dúvidas, face ao disposto no art. 4º nº 5 do dito DL. Em relação às prestações fixadas a cargo do FGADM, deve a Segurança Social iniciar o seu pagamento no mês seguinte ao da notificação da respectiva decisão judicial. Isto claramente respeita ao termo a quo do pagamento e nada tem a ver com a fixação do montante ou do número de prestações a solver em substituição do devedor.
O 4º ponto também não suscita dúvidas na lei, pese embora a dispersão da matéria por diversos preceitos. O Fundo deve pagar até o obrigado iniciar ou reiniciar o pagamento a favor do menor, até cessar a obrigação alimentar, enquanto se mantiverem os requisitos da intervenção do Fundo e se não cessar a prestação social em consequência da falta da renovação anual da prova dessa manutenção (vd. art. 1º e 3º nº 4 da Lei, 3º nº1 e 9º nº1 do DL. e com alguma assintonia os art.3º da Lei e 9º nos 4 e 5 do DL.). Tal não vem questionado e também não interfere com o tratamento do 2º ponto.
O 2º ponto engloba as duas questões essenciais do recurso e de imediato debruçamo-nos apenas sobre a primeira.
Entendemos que a garantia de alimentos devidos a menores (expressão à qual aliás o Fundo deve a sua designação) não se deve cingir às prestações mensais normais vincendas após a notificação da decisão à Segurança Social, antes deve abranger também as vencidas desde o início da mora. Alinhamos pois com a corrente jurisprudencial representada pelos acórdãos do STJ de 31/01/02 (Revista nº 4152/01-7ª), e da Relação do Porto de 21/9/04 e de 22/11/04 (na net).
Na verdade, é o incumprimento de prestações alimentares que suscita a actuação, que a lei pretende rápida e eficaz, da Segurança Social através do Fundo, em substituição do devedor relapso. A lei não restringe tal substituição às prestações vincendas e por outro lado os requisitos do art. 3º do DL mostram-se preenchidos também quanto às vencidas. E por umas e outras haverá sub-rogação, na medida de tudo o que venha a mostrar-se pago em substituição do pai da menor (art. 6º nº 3 da Lei).
Tanto em relação às vencidas como às vincendas hão-de verificar-se os requisitos do art. 3º do DL.e no caso verificam-se. Ponto é que no total mensal e até ficarem pagas as atrasadas se não exceda o montante de 4 UC.
Não desconhecemos a existência de uma corrente jurisprudencial divergente. O ac. R.E. de 16/12/03 (C.J. 2003-t.5-p.268) decidiu que o Fundo só tem que pagar as devidas desde a formulação do pedido. E o ac. R.P. de 15/6/04 (C.J. 2004-t.3-p.200) aplicou o art. 4º nº 5 do DL para fixar as devidas desde apenas a notificação da decisão.
Só que este preceito apenas responde à questão de saber quando deve o FGADM iniciar o pagamento, não à de saber quanto deve pagar.
De resto, consideramos que a prestação a cargo do FGADM não tem de cingir-se à norma do art. 2006º do CC segundo a qual os alimentos são devidos desde a “proposição da acção” (de alimentos). Não pode menosprezar-se a outra norma contida no mesmo artigo, segundo a qual os alimentos «estando já fixados pelo tribunal ou por acordo», são devidos «desde o momento em que o devedor se constituiu em mora». Este preceito é aplicável ao caso porque não afastado pelo regime das ditas Lei e DL e porque o Estado se substitui ao devedor no cumprimento de obrigação de alimentos.
No caso concreto, o pai da menor está em mora desde Outubro de 2002 inclusive, nunca tendo cumprido qualquer parcela da obrigação alimentar, decerto por falta de bens ou rendimentos para o efeito. Note-se que a mera «difficultas praestandi», ou impossibilidade subjectiva de pagar, não extingue a obrigação pecuniária (“genus nunquam perit”) nem afasta a mora “debitoris”. E porque se mantém incumprida e portanto existente tal obrigação é que se concebe a substituição pelo Estado no cumprimento com a subsequente sub-rogação em tudo o que for pago.
Não é em relação às prestações vencidas desde o início da mora que teria mais pertinência a colocação da questão do cumprimento por 3º em substituição do devedor, mas sim em relação às vincendas após a notificação da decisão. É que quanto àquelas não há dúvida nenhuma que a respectiva obrigação está incumprida e portanto existe e é exigível. Já quanto às vincendas o incumprimento é apenas esperado e presumido e daí que a lei venha dizer que «o montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto...» (art. 9º do DL) e rodeie o seu pagamento de especiais cautelas.
Face ao provado, não há razões legais para se alterar o montante mensal de 50 euros, incluindo o que respeita ao atrasado.

5.Solução da 2ª questão:

Pretende a recorrente que se fixe em montante superior a 50 euros a prestação mensal (normal) a cargo do Fundo.
O Ministério Público tem razão na sua discordância, pelos motivos que já expusemos nos pontos nos 1 e 2.
Estamos com o entendimento do acórdão desta Relação de 25/5/2004 (Pº 70/04 – relator:Des. António Piçarra): o Fundo é apenas um substituto do devedor de alimentos, pelo que a sua prestação não pode exceder a fixada ao devedor; de outro modo, o Fundo não servia de garantia, antes seria mero pagador de prestação social não reembolsável.
Se a prestação fixada a cargo do pai da menor se mantém adequada, pois não foi objecto de alteração pelos meios próprios, e porque não excede as 4 UC/ mês, então é em não mais desse montante que deve ocorrer a substituição do devedor pelo Estado.
Além disso, vêm elencados no art. 2009º do CC outros possíveis obrigados a alimentos.
É possível, todavia, que nenhum familiar da menor possa suprir as necessidades alimentares mínimas da menor, supondo que estas requeriam um montante superior. É possível que os 50 euros mensais tenham sido fixados em consonância com determinado entendimento dos critérios do art. 2004º do CC sobre a medida dos alimentos.
Radicou-se o entendimento de que, segundo os critérios da actualidade, e da proporcionalidade entre os meios do alimentante e as necessidades do alimentando, os alimentos não deveriam fixar-se em medida superior àquela que é expressão da possibilidade de o obrigado os pagar ainda que as necessidades do alimentando requeressem uma medida superior. Até por uma razão pragmática: seria inútil fixar uma prestação em montante que já se sabia o devedor não ir pagar porque não podia; e se acaso o devedor viesse adquirir melhor fortuna, a pensão sempre poderia ser alterada. E esse entendimento era comum, e ainda vinga, nos casos de regulação do poder paternal em que, geralmente, a única pessoa a aparecer como devendo assegurar a prestação alimentar é o progenitor sem custódia do menor.
Por vezes, um ou outro tribunal, atendendo àqueles critérios, até se abstinha de nessas condições fixar pensão alimentar. Porém, correcta é a jurisprudência segundo a qual deverão sempre fixar-se os alimentos e a forma de os prestar mesmo que seja precária a situação económica do progenitor a quem o menor não fique confiado (vg. Ac. R. Lx. 23/10/2003).
Aquele entendimento deve ser corrigido em face do disposto nos art. 1878º e 1905º do CC e 174º e 177º da OTM que impõem sempre a fixação de alimentos a cargo do progenitor não custo diante do menor com prevalência dos interesses deste e deve sofrer um “aggiornamento”, justificado face ao princípio holístico (deve ter-se «em conta a unidade do sistema jurídico», na interpretação da proporcionalidade consignada no art. 2004º nº 1 do CC e da actualidade ínsita em vários preceitos sobre alimentos) e face ao princípio actualista da interpretação (devem ter-se em conta «as condições específicas do tempo em que é aplicada» a norma desses preceitos do Código Civil de 1966), consagrados no art. 9º nº 1 do CC, e sem olvidar o princípio da interpretação conforme à Constituição actual.
E esse “aggiornamento” deve ser feito à luz dos princípios constitucionais da dignidade humana, da solidariedade social visada pelo Estado de direito social, da protecção da infância/ menoridade e do direito à vida (vd. art. 1º, 26º, 63º nº 5, 69º e 24º da CRP), tendo em conta que com os ditos diplomas legais – Lei nº 75/98 e DL nº 164/99 – o legislador visou proporcionar uma protecção efectiva dos visados, assegurando o «acesso a condições de subsistência mínimas», através do FGADM, que pagará aos menores os alimentos que os obrigados não podem ou não querem pagar.
Nesta sequência, conclui-se que, quando se trate de fixar a obrigação alimentar a favor de menor, a proporcionalidade erigida como critério de medida pelo art. 2004º do CC tem como limite (obstando à fixação abaixo de) um montante que assegure as condições de “subsistência” mínimas do menor. Ainda que por uma proporcionalidade matemática se houvesse de fixar um montante inferior por força da deficiente situação económica ou patrimonial do obrigado a alimentos. E claro que por subsistência do menor não se deve entender apenas o que respeite ao sustento, mas também o mais que integra o conceito legal de alimentos, incluindo o necessário à educação, formação e desenvolvimento, com prevalência dos interesses do menor sobre os dos progenitores (art. 2004º, 1905º, 1878º do CC e 174º e 177º da OTM). Se o progenitor incumprir a obrigação alimentar a seu cargo, o Estado assegura o pagamento, preenchidos os requisitos legais. A bem do menor e da sociedade, assegurando-se àquele um mínimo que propicie uma vida humanamente digna e um desenvolvimento harmonioso em ordem à plena realização pessoal (no caso a menor parece frequentar aulas complementares de inglês) e à plena cidadania, com inserção social normal.
Portanto, se 50 euros por mês é um montante diminuto ou até irrisório atendendo aos interesses e necessidades da menor, a solução legal não está em fixar-se a cargo do FGADM uma prestação mensal normal superior à anteriormente fixada a cargo do seu pai, mas sim em instaurar o procedimento adequado para alteração da obrigação alimentar. Só depois de decidida a alteração, e verificados os requisitos legais , será possível modificar correspondentemente a prestação a cargo do Fundo.

Conclusivamente:
1º A sub-rogação pelo FGADM abrange todas as prestações alimentares em dívida ao menor, desde que não anteriores ao ano de 2000.
2º No pagamento do devido ao menor pelo FGADM não deve ser excedido o montante mensal de 4 UC.
3º Nos termos da Lei nº 75/98 e do DL nº 164/99, o Tribunal pode, dentro do máximo mensal de 4 UC, fixar a cargo do FGADM uma prestação mensal de montante igual ou inferior mas não superior à fixada anteriormente a cargo do obrigado a alimentos.
4º Se a pensão fixada está desajustada, deve ser suscitada a sua alteração pelo meio adequado, a tal não obstando a deficiência de recursos do obrigado a alimentos, porque este é progenitor do alimentando.
5º O requisito do incumprimento e a imposição legal da substituição e da sub-rogação em todos os direitos do credor implicam que a prestação a cargo do FGADM não deve ser de montante superior à que vigora para o obrigado a alimentos.

Em aplicação:
O FGADM deve pagar à mãe da menor e a favor desta, em substituição do pai da menor, as prestações da pensão alimentar no valor de 50 euros por mês, incluindo as prestações atrasadas em dívida.
Tais prestações atrasadas reportam-se aos meses de Outubro/2002 até Novembro/ 2005 (inclusive), no total de 1900 euros, pois o Fundo começou a pagar com referência a Dezembro.
As prestações normais devem ser pagas em cumulação com as atrasadas, sem exceder o total máximo de 4UC por mês até se esgotar a dívida em atraso. O valor da UC é o vigente à data do pagamento.
O recurso merece provimento no que respeita à dívida acumulada.

Decisão:

Pelo exposto, concede-se parcial provimento ao recurso e altera-se a decisão impugnada, devendo o FGADM pagar a favor da menor A... também as prestações atrasadas que totalizam 1900 (mil novecentos) euros, nos termos sobreditos.
A 1ª instância notificará a decisão ao pai da menor.
Custas do recurso: vale a isenção legal.