Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
509/08.8TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
COMPROPRIEDADE
COISA IMÓVEL
LEGADO
Data do Acordão: 11/03/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1403º, 1412º E 1413º, Nº 1, DO C.CIV.; 1052º DO CPC
Sumário: I – O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária –artº 1326º, nº 1, CPC – e o direito de exigir a partilha está legalmente deferido apenas aos herdeiros ou ao cônjuge meeiro – artº 2101º, nº 1, do C. Civ.-, considerados “interessados directos na partilha” – artº 1327º, nº1, al. a), do CPC.

II – Os legatários, porque sucedem em bens certos e determinados, competindo-lhes apenas reclamar a entrega dos bens legados – artºs 2265º, nº 1, e 2270º, do C.Civ. -, não podem socorrer-se do processo de inventário para lograr obterem a divisão de um bem comum.

III – É o processo de divisão de coisa comum o adequado a pôr termo a uma situação de compropriedade sobre um imóvel, derivada de um legado comum – artºs 1403º, 1412º, 1413º, nº 1, do C.Civ., 1052º e segs. do CPC – e não o processo especial de inventário para partilha.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO

         1.1. - Os Autores – A... e marido B..., C... e marido D... - instauraram (14/5/2008) na Comarca de Cantanhede acção de divisão de coisa comum, com forma de processo especial, contra a Ré - E.....

         Alegaram, em resumo:

         Autores e Ré são comproprietários de um prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, na proporção de uma terça parte para cada.

         Em 24 de Junho de 1996, Albertina Jorge Rodrigues, através de testamento público, fez um legado deste prédio às Autoras e à Ré, em comum, vindo a falecer em 26 de Março de 2006.

         Não sendo viável a divisão em substância, pediram a venda do imóvel.

         Contestou a Ré, impugnando indivisibilidade, por o prédio ser substancialmente divisível em três fracções, mas desde 1984 sempre usou o 1º andar, com entradas independentes, na convicção de usar coisa sua.

         Em reconvenção pediu:

         A declaração de que o prédio é divisível, que se encontra dividido por usucapião em duas fracções, que a Ré reconvinte é a única possuidora e proprietária da fracção correspondente ( 1º andar ), sendo-lhe a mesma adjudicada.

Que a parte do prédio ( rés-do-chão e logradouro) não pertence à Ré.

         Replicaram os Autores.

1.2. - Findos os articulados, foi proferido despacho (fls.72) a anular todo o processado, incluindo a petição inicial, com fundamento em erro na forma do processo ( arts.199 nº1 e 206 nº2 do CPC).

Considerou-se que a forma do processo adequada era o inventário e não a acção de divisão de coisa comum.

         1.3. - Inconformados, os Autores recorreram de apelação, com as seguintes conclusões:

         1º) - O prédio urbano foi legado às Autoras e Ré em comum.

         2º) - O meio processual adequado para se pôr termo à indivisão criada por via da distribuição em legados do imóvel é a acção de divisão de coisa comum.

         3º) - A decisão recorrida violou os arts.1412, 1413 do CC e art.1052 do CPC.

         Não foram apresentadas contra-alegações.


II - FUNDAMENTAÇÃO

         Os Autores alegando uma situação de compropriedade de um prédio urbano, por conjuntamente com a Ré haverem sido instituídos legatários em comum pela testadora Albertina Rodrigues, entretanto falecida, e a sua indivisibilidade, pediram a venda do bem imóvel, através de processo especial de divisão de coisa comum.

         O despacho recorrido anulou todo o processado, com fundamento em erro na forma de processo, dizendo ser apropriado o processo de inventário.

         A questão que se coloca no recurso consiste, portanto, em saber se o meio processual apropriado à pretensão dos Autores é o processo especial de divisão de coisa comum ou o processo de inventário.

         O processo de inventário “destina-se a pôr termo à comunhão hereditária “( art.1326 nº1 CPC) e o direito de exigir a partilha está legalmente deferido apenas aos herdeiros ou cônjuge meeiro (art.2101 nº1 do CC), considerados “interessados directos na partilha” ( art.1327 nº1 a) CPC), mas não aos legatários, pois sucedem em bens certos e determinados, competindo-lhes reclamar a entrega dos bens legados ( art.2265 nº1 e 2270 CC) e cuja intervenção no inventário é incidental ( art.1327 nº2 e 3 CPC).

         O processo de divisão de coisa comum visa pôr termo à compropriedade ( arts. 1403, 1412, 1413 nº1 do CC, art.1052 e segs. do CPC).

         Considerando o pedido dos Autores, uma vez que no caso concreto, face à alegação das partes e documento de fls.14, Autoras e Ré foram instituídas como legatárias, em comum, do prédio urbano cuja divisão agora se requer, o meio processual apropriado é o processo especial de divisão de coisa comum.

         A este propósito, escreve LOPES CARDOSO:

         “ Ainda mesmo que subsista compropriedade entre legatário ( o testador institui A e B como legatários em comum de bens determinados), aos instituídos não fica consentido fazer cessar tal comunhão por via do processo de inventário, que, em regra, é acto da partilha, pois o meio idóneo para o efeito é apenas e tão só o processo de divisão de coisa comum, prescrito nos arts.1059º e seguintes do Cod. Proc. Civil” ( Partilhas Judiciais, vol.I, 4ª ed., pág.71).

         No mesmo sentido, esclarece CAPELO DE SOUSA:

         “ Já os legatários não podem exigir a partilha judicial ou extra-judicial, precisamente porque sucedem em bens certos e determinados e têm apenas que receber esses mesmos bens. O que os legatários podem fazer, quando sucedem com outras pessoas relativamente ao mesmo bem, é pôr fim à divisão porque há então uma situação de compropriedade que eles podem fazer terminar nos termos dos arts.1412º e 1404º do Código Civil e pelo processo regulado nos arts.1413º do Código Civil e 1052º e segs. do Código de Processo Civil” ( Lições de Direito das Sucessões, I, 2ª ed., pág.87).

Também no plano jurisprudencial se segue idêntica orientação ( cf. Ac RP de 21/2/2006 ( proc. nº0523824) ( ALZIRO CARDOSO), Ac RL de 17/4/2007, proc. nº710/2007 ( ESPÍRITO SANTO ), disponíveis em www dgsi.pt ).

Sendo o processo especial de divisão de coisa comum, indicado na petição pelos Autores ( art.467 nº1 c) CPC), o adequado à pretensão deduzida, não se verifica o erro na forma de processo ( arts.199 do CPC), contrariamente ao decidido no despacho impugnado, impondo-se a sua revogação, devendo ser substituído por outro que conheça dos termos da acção.


III – DECISÃO

         Pelo exposto, decidem:


1)

         Julgar procedente a apelação e revogar o despacho recorrido.

2)

         Sem custas.