Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | AZEVEDO MENDES | ||
| Descritores: | EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE ACÇÃO DE CONDENAÇÃO INSOLVÊNCIA ENTIDADE PATRONAL DO TRABALHADOR | ||
| Data do Acordão: | 02/15/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTº 287º, AL. E), DO CPC | ||
| Sumário: | I – O interesse na declaração dos direitos de um trabalhador, emergentes da cessação do seu contrato de trabalho, só cessa quando os ditos já estiverem reconhecidos por outra decisão judicial. II – Tendo o trabalhador reclamado os seus créditos daí resultantes num processo de insolvência movido contra a sua entidade patronal, enquanto não houver decisão judicial a dar como verificados e como reconhecidos tais créditos não é inútil a instauração de uma acção declarativa condenatória por ele instaurada contra a sua entidade patronal, pelo que importa que esta siga os seus regulares termos até ao trânsito em julgado da decisão que neste processo seja proferida. III – Não tem justificação, pois, uma decisão de extinção da instância declarativa, por inutilidade superveniente da lide, enquanto não ocorrer a dita verificação de créditos do trabalhador no processo de insolvência instaurado contra a sua entidade patronal. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. A autora intentou a presente acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo que o contrato de trabalho que mantinha com a ré seja considerado rescindido com justa causa por sua iniciativa do trabalhador e que a ré seja condenada a pagar-lhe as seguintes prestações pecuniárias, deduzidas do montante de € 550,00 já pagos: a) € 1.099,44 (€ 549,72 x 2), referente aos salários dos meses de Novembro e Dezembro de 2004; b) € 1.099,44, para pagamento do subsídio de Natal referente ao ano de 2003, e o subsídio de férias do ano de 2004; c) proporcionais de férias, subsídio de férias no montante de € 1.099,44, relativos ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho; d) proporcionais de subsídio de Natal, no montante de € 549,72, referente ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho; e) indemnização de € 2.198,88 (€ 549,72 x 4); f) ao abrigo do art. 74º do C.P.T. condenar a ré no pagamento de todos os direitos, aqui não peticionados, mas que resultem provados em audiência de discussão e julgamento; g) juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos, até integral pagamento. Para tanto, alegou que a ré a admitiu ao seu serviço desde quinze de Janeiro de 2001, por contrato de trabalho escrito, com duração de sete meses, o qual se renovou automaticamente em 15 de Agosto de 2001 e, posteriormente, em 15 de Março de 2002 e que, desde então, exerceu sob ordens, direcção e fiscalização da ré, as funções de coordenadora de tráfego, auferindo, como contrapartida, o salário mensal de € 500,00, acrescido de € 12,32 de diuturnidades e € 37,40 a título de subsídio de alimentação, tudo num total de € 549,72. E que trabalhou até ao dia 31 de Dezembro de 2004, já que, no dia 20 de Dezembro de 2004, enviou à ré, comunicação escrita para rescisão do contrato de trabalho com justa causa, devido à existência de salários em atraso, designadamente os meses de Novembro e Dezembro de 2004, bem como o subsídio de Natal referente ao ano de 2003, e subsídio de férias referente ao ano de 2004. Que se encontram em dívida os salários referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2004, bem como, o subsídio de Natal referente ao ano de 2003, e o subsídio de férias do ano de 2004 e ainda, os proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal correspondentes ao período de trabalho prestado no ano da cessação do contrato. Que foi verbalmente acordado entre as partes que a ré pagaria o débito com a autora faseadamente. No entanto, em 13 de Setembro de 2005, apenas havia pago € 300,00 em Março e € 250,00 em Julho, nada mais tendo pago. * Convocada audiência de partes, a ré a ela não compareceu. Notificada para contestar, não apresentou contestação. Foi entretanto junta aos autos certidão de sentença transitada em julgado – depois do termo do prazo para a contestação – que declarou a ré em estado de insolvência. Por despacho de fls. 34 foi a autora notificada para esclarecer se já reclamara os seus créditos no processo de insolvência. Respondeu que já o fizera. Perante esta resposta, o Ex.mo juiz da 1ª instância julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. É deste despacho que a requerida vem agora recorrer apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões: “1ª- A recorrente intentou a presente acção declarativa comum emergente de contrato individual de trabalho contra a firma B..., com base na rescisão por iniciativa do trabalhador do seu contrato de trabalho, com justa por falta de pagamento dos seus salários, pedindo: a)- A condenação da Ré a reconhecer a validade da rescisão por justa causa e, ao mesmo tempo, b)- A condenação da Ré nos montantes indemnizatórios peticionados. 2ª- Foi proferido douto despacho que designou o dia 06 de Março de 2006, às 14 horas para realização da Audiência de Partes, tendo a R. sido citada, e apesar de regularmente citada a R., os seus legais representantes não compareceram nem se fizeram representar por mandatário. 3ª- A Ré foi notificada para contestar mediante o envio de carta registada com A/R, remetida no 10 de Março de 2006, e apesar de regularmente citada, a Ré não apresentou a sua contestação no prazo legal nem posteriormente. 4ª- No dia 22 de Março de 2006, a Ré foi declarada insolvente por sentença proferida no âmbito do processo nº 929/06.2TJCBR, que correu termos no 3° Juízo cível de Coimbra, tendo a mesma sido publicada no dia 23 de Março de 2006. 5ª- Autora, ora recorrente, em cumprimento do despacho que lhe foi notificado, informou a Meritíssima Juiz a quo que, no dia 10 de Abril de 2006, reclamou os seus créditos no âmbito do supra referido processo de insolvência. 6ª- A Meritíssima Juiz a quo decidiu, através do despacho/sentença recorrido datado de 30/05/2006, "Uma vez que a A. foi reclamar os seus créditos no processo de insolvência da aqui Ré, aliás, o lugar próprio para o fazer, julgo extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (artigos 287º, al. e). do C.P.C). Custas a cargo da A. (artigo 447, 1ª parte do C.P.C)” 7ª- Entende a Recorrente que, ao contrário do que é propugnado no Douto despacho recorrido, a declaração de insolvência da sociedade Ré, e a consequente reclamação dos seus créditos no processo de insolvência por parte da Autora, não implica a extinção por inutilidade superveniente da lide da acção declarativa comum emergente de contrato individual de trabalho onde se pretende ver declarado rescindido o contrato de trabalho, com justa causa por iniciativa do trabalhador, com base em salários em atraso. 8ª- Os efeitos da declaração de insolvência previstos nos artigos 81º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não compreendem a inutilidade das acções onde se discute a validade da rescisão com justa causa por iniciativa do trabalhador do contrato de trabalho, com base em salários em atraso, uma vez que a declaração de insolvência da sociedade Ré, não determina a sua extinção, mas, somente, a alteração da sua representação e a impossibilidade de administração e disposição dos bens sociais. 9ª- A Meritíssima Juiz a quo deveria ter ajuizado a questão da utilidade ou inutilidade da presente lide no plano jurídico-prático, concluindo, consequentemente, que a trabalhadora da Ré, ora recorrente, que reagiu contra a falta de pagamento dos seus salários rescindindo o seu contrato de trabalho com justa causa e instaurando posteriormente a presente acção tendente a averiguar da validade dessa mesma rescisão, pode alcançar vantagem com o eventual êxito da mesma. Isto porque, 10ª- Apesar da Autora, ora recorrente, ter reclamado os seus créditos no processo de insolvência da aqui Ré, como lhe competia, na data em que foi proferido do douto despacho recorrido, bem como na presente data, ainda não foi dado cumprimento ao disposto 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, consequentemente, os referidos créditos ainda não foram objecto de verificação e reconhecimento, nem, até à data, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos. 11ª- E mesmo que tal venha eventualmente a suceder, esses mesmos créditos poderão vir a ser objecto de impugnação por qualquer interessado nos termos do artigo 130º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. 12ª- No plano jurídico-prático, verificar-se-ia a inutilidade superveniente da lide, caso os créditos da ora recorrente se encontrassem verificados e graduados por sentença proferida no âmbito do processo de insolvência da Ré, o que in casu, ainda não se verificou, consequentemente, a ora recorrente terá todo o interesse no prosseguimento da presente acção e na obtenção uma sentença que lhe confira o exercício dos seus direitos e lhe permita dela retirar toda a utilidade prática. 13ª- A utilidade prática da presente acção poderá igualmente verificar-se caso se venha a revelar a insuficiência do produto da massa insolvente da Ré para pagamento dos seus créditos, podendo nesse caso a ora recorrente, caso disponha de uma sentença que lhe permita tal desiderato, socorrer-se do disposto no artigo 317º e seguintes do Regulamento do Código do Trabalho aprovado pelo D.L. nº 35/2004, de 29 de Julho. 14ª- A Ré, não compareceu na Audiência de Partes designada para o dia 06 de Março de 2006, nem se fez representar, e apesar de ter sido regularmente citada para tal, em data anterior à sentença proferida no âmbito do processo nº 929/06.2TJCBR que a declarou insolvente, não apresentou a sua contestação no prazo legal. 15ª- Verificou-se assim o condicionalismo previsto no artigo 57º do Código de Processo do Trabalho, pelo que a Meritíssima Juiz a quo deveria ter aplicado o referido comando legal e julgar a causa conforme de direito, ao invés de julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. 16ª- O Douto despacho/sentença recorrido ao não aplicar no caso sub judice o artigo 57° do Código de Processo de Trabalho, julgando a causa conforme de direito, e ao julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide não acautelou, no plano jurídico-prático, a vantagem que a ora recorrente poderá alcançar com o êxito da acção, violando não só o disposto nesse mesmo comando legal, como também, o disposto nos artigos 2°, nº 1, 660°, nº 2, e 668°, nº 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo l°, nº 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho.” A ré não fez apresentação de contra-alegações, tendo, no entanto, o Sr. administrador da massa insolvente da ré vindo esclarecer que os créditos da ré tinham sido reclamados no processo de insolvência, não tendo sido impugnados, tendo passado a constar da relação de créditos reconhecidos. A autora notificada desta declaração, veio dizer manter o interesse no recurso (fls. 58). O Sr. Juiz do Tribunal recorrido, sustentou tabelarmente a sua decisão. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-Geral Adjunto, defendendo que o recurso deve merecer provimento. Não houve resposta a este parecer. * III. As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso (arts. 684° nº 3 e 690° nº 1 do C. P. Civil), não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso. Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver, o objecto do recurso, é de saber se estavam preenchidos os pressupostos legais que permitiam julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em face da reclamação dos créditos peticionados no processo de insolvência da ré. Vejamos, então, a questão que se nos afigura relativamente simples: 1. Conforme ficou dito a recorrente intentou a presente acção para peticionar créditos emergentes da resolução do contrato de trabalho, bem como pela falta de pagamento de prestações salariais. Citada, a ré não contestou no prazo legal. Verificou-se assim o condicionalismo previsto no artigo 57º do Código de Processo do Trabalho, pelo que deveria ter sido de imediato proferida sentença a julgar a causa conforme de direito. Tal sentença não foi proferida. Depois desse momento temporal (termo de prazo de contestação), ocorreu um facto superveniente: outro tribunal proferiu sentença - transitada em julgado depois do termo do prazo para a contestação – que declarou a ré em estado de insolvência. A autora reclamou, depois disso, os mesmos créditos nesse processo de insolvência, como sempre o teria que fazer mesmo que nestes autos tivesse havido decisão definitiva sobre os mesmos (artigo 128º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas, aprovado pelo DL º 53/2004, de 18 de Março). Todavia nesse processo não foi, ainda, proferida decisão judicial a verificar tais créditos ou, pelo menos, nestes autos não há ainda notícia dessa decisão – seguramente não tinha sido proferida tal decisão quando foi proferido o despacho sob recurso. Ora, uma vez que, como refere a recorrente, o interesse na declaração dos direitos que a autora pretende fazer valer nesta acção só cessaria quando os mesmos já estivessem reconhecidos por outra decisão judicial, não tendo ela tido lugar, a presente acção não se tornou inútil – a utilidade de decisão definitiva nesta acção continua a ter interesse, não só para a consolidação da reclamação da autora no processo de insolvência (no caso de ali ocorrer impugnação, o que é possível mesmo que haja notícia nos autos que os créditos foram reconhecidos no âmbito da lista preliminar a que se refere o artigo 129º do C.I.R.E.), mas também para que a autora, com base nela, possa activar os mecanismos de protecção social existentes e apoiar-se em decisão judicial (tal como refere no recurso). Na espessura de utilidades que se podem retirar de uma acção judicial, basta que algumas delas, com consistência jurídica, continuem a subsistir para que, em termos práticos, o prosseguimento da acção não se torne inútil. Pelo que, pelo exposto, não entendemos como justificado o motivo para a decisão da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, proferida ao abrigo do artigo 287 al. e) do C.P.Civil. 2. Aqui chegados, importa concluir que a decisão agravada terá que ser objecto de revogação. Neste caso, impõe o artigo 753º do Código de Processo Civil que este tribunal, se julgar que nenhum motivo obsta a que se conheça do mérito da causa, conheça desse mérito, no acórdão que decida revogar a decisão da 1ª instância. É uma situação de desvio da normal distribuição de poderes entre as instâncias, como refere Amâncio Ferreira, in Manual de Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pag. 332. Determinada pelas razões de celeridade e economia processual. Ora, como a ré não contestou a acção, os efeitos dessa revelia determinam que se considerem confessados os factos articulados pela autora, proferindo-se logo sentença a julgar a causa conforme de direito (57º do Código de Processo do Trabalho). Não há obstáculos a que esta Relação conheça, assim, do mérito da causa. É inútil ouvir de novo as partes sobre a questão de mérito, uma vez que a autora já sobre a mesma se pronunciou, a ré não apresentou contestação e o sr. Administrador da massa insolvente da ré veio aos autos dizer que reconheceu o crédito da autora. Assim, sendo, considerando os factos articulados pela autora confessados, entendemos que a causa se reveste de simplicidade e os mesmos conduzem, parcialmente, à procedência da acção, o que justifica a adesão simplificadora aos fundamentos da acção, nos termos do disposto no artigo 57º nº 2 do C. P. Trabalho, com excepção das correcções no cálculo dos valores peticionados que se dirão adiante. Deste modo, visto o disposto no artigo 441 nº1 e 2 al. a) e e) do Código do Trabalho deve considerar-se válida a resolução do contrato declarada pela autora, justificando-se a condenação da ré a pagar-lhe as seguintes prestações pecuniárias, deduzidas do montante de € 550,00 já pagos: a) € 1.099,44 (€ 549,72 x 2), referente aos salários dos meses de Novembro e Dezembro de 2004; b) € 1.024,64, para pagamento do subsídio de Natal referente ao ano de 2003, e o subsídio de férias do ano de 2004, já que o subsídio de alimentação, como se sabe, não deve ser imputado nestas prestações, ao contrário do que a autora contabiliza; c) proporcionais de férias, subsídio de férias no montante de € 1.024,64, relativos ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho (também não se contabilizando aqui os valores do subsídio de alimentação); d) proporcionais de subsídio de Natal, no montante de € 512,32, referente ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato de trabalho; e) indemnização de € 2.027,92, nos termos previstos no artigo 443 nº1 e 2 do Código do Trabalho, considerando-se o valor da um mês de retribuição base e diuturnidades (€ 512,32), por cada ano completo de antiguidade e proporcionais da fracção do último ano de serviço incompleto (3 anos, 11 meses e 15 dias); f) juros de mora à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos, até integral pagamento. No valor total de € 5.133,96. * III- DECISÃO Pelos fundamentos expostos, e sem necessidade de outros considerandos, delibera-se: a) julgar procedente o agravo e, em consequência, revogar a decisão recorrida; b) Julgar do mérito da causa e, em consequência, julgando parcialmente procedente a acção, considerar válida a resolução do contrato com justa causa e condenar a ré a pagar à autora a quantia total de € 5.133,96, referente aos créditos parcelares acima indicados, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data dos vencimento das correspondentes prestações e até integral pagamento. Custas da acção pela ré. Sem custas no recurso (artigo 2º nº 1 al. g) do C.C.J). |