Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
341/09.1TBAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
CONTRATO DE RETOMA
GARANTIA
Data do Acordão: 06/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA - AVEIRO - JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INST. CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 149/95, DE 24/6, ARTS.236, 443, 874, 879, 883, 923 CC
Sumário: 1. Na locação financeira, o contrato de retoma de bens celebrado entre o locador e o vendedor, no qual este se compromete, em caso de incumprimento do locatário, a readquirir daquele os bens vendidos, constitui uma garantia adicional do locador, não tipificada, que, apesar de juridicamente distinta do contrato de locação, com este está económico-factualmente conexionado e dele não pode ser desligado para a obtenção dos efeitos e finalidades prosseguidos pelo locador e vendedor.

2. Assim, pode o locador exigir ao vendedor, nos termos do contrato de retoma, a reaquisição dos bens pelo preço que corresponda ao valor do capital em dívida à data do incumprimento e a levantar o equipamento no local onde se encontra, sem que este possa opor, vg., que eles lhe não pertencem, pois que a compra e venda pretérita, atenta a mencionada conexão e interdependência, se pode qualificar como efectuada sob condição suspensiva do cumprimento pelo locatário.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A… – Instituição Financeira de Crédito, S.A., intentou contra S (…) & Irmão, L.da acção declarativa, de condenação, com processo sumário.

 Pediu:

 A condenação da ré:

a) a adquirir à A. o equipamento identificado no artigo 3º da petição inicial, a pronto pagamento, no estado e local em que se encontrar, pelo preço de € 22.356,73;

 b) a pagar à A. a quantia de € 23.967,34, correspondente ao preço convencionado pela aquisição do aludido equipamento e aos juros de mora vencidos, às respectivas taxas legais, desde 30/05/2008 até à presente data (28/01/2009), acrescida dos juros de mora vincendos sobre € 22.356,73 até efectivo e integral pagamento;

c) a pagar à A. a quantia de € 812,62, correspondente aos custos da apreensão, remoção e entrega dos bens locados, e aos juros de mora vencidos, às respectivas taxas legais, até à presente data (28/01/2009), acrescida dos juros de mora vincendos sobre € 771,40 até integral pagamento; d) a proceder ao levantamento dos bens locados na Rua Florbela Espanca, na Zona Industrial dos Pousos, Apartado 185, 2416 – 905 Leiria, local onde actualmente se encontram depositados, com as legais consequências.

Alegou que:

No exercício da sua actividade de locação financeira mobiliária e imobiliária, celebrou com (…), L.da”, um contrato de locação financeira de diverso equipamento que discrimina.

Este equipamento foi adquirido pela A. à Ré com o fim de ser dado em locação financeira à L (...).

Paralelamente, e como condição sine qua non da celebração do contrato de locação financeira, foi celebrado entre A. e R. um contrato de retoma de bens, pelo qual esta, em caso de incumprimento do contrato de locação financeira por parte da locatária, ficou obrigada a adquirir à A. o equipamento em causa.

A locatária não pagou as rendas 28ª a 34ª, o que veio a determinar a resolução do contrato de locação financeira.

 A R., não obstante diversas insistências por parte da A., não adquiriu o mencionado equipamento a pronto pagamento, nem efectuou o pagamento do preço de aquisição do mesmo, no montante de € 22.356,73, acrescido dos respectivos juros de mora.

Contestou a R.

Impugnou os documentos apresentados pela A., por esta apenas ter juntado fotocópias, e veio requerer a junção dos originais, nos termos do nº 3 do art. 544º do CPC.

Disse que o contrato de locação financeira de que tomou conhecimento aquando da celebração do contrato de retoma de bens não é o que foi junto aos autos mas outro, totalmente diferente, com outras cláusulas de garantia. Também nunca teve conhecimento do Anexo III – o mapa de cash flow – antes de ser citada para a presente acção

E o que consta na factura de fls. 19, após Observações, foi acrescentado pela A. depois da assinatura do contrato de retoma de bens.

 Que a A. nunca lhe comunicou a falta de pagamento de duas prestações por parte da locatária, nem o dia em que se venceu a segunda prestação não paga.

Respondeu a autora.

Disse que  o “Contrato de Locação NRº 152056 – Material Instalado na Zona Industrial de Viadores – lote 21 – Mealhada” já constava do documento de fls. 19 na ocasião da celebração do contrato de retoma de bens, uma vez que, quando adquire um bem destinado a locação financeira, apenas procede ao pagamento do respectivo preço ao fornecedor depois de reunidos todos os documentos contratuais necessários, incluindo a factura definitiva. E se, por qualquer motivo, algum desses documentos não lhe for remetido pelo fornecedor devidamente preenchido, assinado ou tratado, devolve-o, de imediato, àquele para que seja corrigido.

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos tendo a final, sido proferida sentença que:

Julgou parcialmente procedente a acção e condenou a R.:

a) - a pagar à A. € (19.048,57+825,12=) 19.873,69, acrescidos de IVA à taxa legal, com juros de mora, à taxa legal, desde 30/04/2008;

b) - a levantar o equipamento no local em que se encontra.

3.

Inconformada recorreu a ré.

Rematando as suas alegações com a s seguintes conclusões:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

(Im)procedência da acção.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1

(…)

5.1.5.

Consequentemente os factos a considerar são os provados na 1ª instancia, a saber:

1 - A A. tem por objecto o exercício da actividade de locação financeira mobiliária e imobiliária (A).

2 - No exercício desta sua actividade, celebrou com “L (…)L. da”, um contrato de locação financeira do seguinte equipamento:

- Roller de Picota com Prato de Alimentação, nº de série: 01- R2 – 05;

- Secador Circular a Gás, nº de série: 01-S13-05;

- Cortador de Rodelas Pneumático, nº de Série: 01 – ca. – 10–05;

- Máquina de Acabamentos de Peças Ocas por Esponjamento, nº de Série: 01 – A10 – 05 (B).

3 - “S (…) & Irmão, L. da”, tem o NIPC …, sede na Zona Industrial - Rua da Bela vista – Esgueira – Aveiro, e tem por objecto o fabrico, importação, exportação, representação, comercialização, manutenção e reparação de máquinas e equipamentos industriais e electrodomésticos e suas peças e acessórios (C).

4 - Tem como sócios e gerentes (…) e (…) e obriga-se pela assinatura dos dois gerentes e qualquer deles pode delegar no outro ou em terceira pessoa os seus poderes de gerência (D).

5 - Foi a ora R. a fornecedora à sociedade “L (…), L. DA”, dos materiais identificados em B), tendo recebido da ora A. o preço respectivo (E).

6 - A ora A. e a ora R., respectivamente como 2ª outorgante e 1ª outorgante, outorgaram um contrato de retoma dos bens referidos em B) com as cláusulas de fls. 20/22, cumprindo salientar:

1ª - “S (…) & Irmão, L. da”, conhece e aceita os termos e condições do contrato de locação financeira celebrado entre a “A…, Instituição Financeira de Crédito, SA”, e a empresa locatária “L (…) L. DA”, constantes do ANEXO I.

2ª - Compromete-se, em caso de incumprimento, por parte da locatária L (…) do contrato de locação referido, a adquirir a “A…, SA”, o equipamento referido na factura que constitui o ANEXO II;

3ª - Para efeitos da cláusula antes referida, constitui incumprimento o não pagamento de duas rendas, consecutivas ou não, nos prazos e nos montantes devidos nos termos do contrato.

Nesse sentido, a “A…, SA”, comunicará a “S (…) & Irmão, L. da”, o não pagamento pelo locatário de qualquer das rendas a que se encontre obrigado.

4ª – Verificado o incumprimento, a 1ª Outorgante (S (…)s & Irmão, L. da), compromete-se, mediante simples comunicação escrita da 2ª Outorgante (A…, SA) a:

a) adquirir o equipamento à 2ª Outorgante, a pronto pagamento, no estado e local em que se encontrar;

b) – pagar à 2ª Outorgante um preço de aquisição que será determinado em função do valor do capital que esteja em dívida à data do incumprimento expresso no Mapa de Cash Flow da Operação (ANEXO III), acrescido dos respectivos juros de mora.

5ª – Considera-se “Data de Início de Incumprimento” o dia útil seguinte àquele em que se vence o prazo para o pagamento da segunda renda vencida e não paga.

6ª – A 1ª Outorgante pagará à 2ª Outorgante o montante em dívida após tomar posse do equipamento no prazo de 8 dias, ou de 30 dias úteis após a data do incumprimento, consoante aquela que primeiro ocorrer.

7ª – Por sua vez, a 2ª Outorgante, contra o pagamento acima, procederá à resolução do contrato de locação financeira, se o não tiver feito antes.

8º - O período de vigência do presente contrato é igual ao período de vida do contrato de locação financeira (ANEXO I) (F).

7 - “A…, SA”, propôs, a 29/05/2008, contra L (…), L. DA”, Providência Cautelar de Entrega Judicial de Bens Locados, a qual correu termos, sob o nº 261/08, no Tribunal Judicial da Mealhada (G).

8 - Esta Providência terminou por sentença de 30/05/2008, transitada em julgado, que decretou a imediata apreensão e entrega à Requerente dos bens seguintes: Roller de picota c/ prato de alimentação, secador circular a gás, cortador de rodelas pneumático, máquina de acabamento de peças ocas por esponjamento” (H).

9 - A 30/07/2008, foi realizada, a mando do tribunal da Mealhada, a apreensão e entrega dos bens constantes do “Auto de Apreensão e Entrega” de fls. 33/35, que compreendeu: Roller de picota c/ prato de alimentação, com nº de série 01-R2-05; secador circular a gás, com nº de série 01-S13- 05; cortador de rodelas pneumático, com nº de série 01-ca- 10-5, máquina de acabamento de peças ocas por esponjamento com o nº de série 01- A10-05 (I).

10 - A R., até à presente data, não readquiriu o equipamento, pagando o preço respectivo (J).

11 - O ANEXO I, referido em F) – 1ª, que a R. recebeu, quando outorgou o contrato referido nesta alínea F), foi o Contrato de Locação Financeira nº 152056 constante de fls. 16/18 (1º).

12 - O Mapa de Cash Flow, ANEXO III, referido em F) – 4ª b), é o documento de fls. 27/28 (3º).

13 - A locatária L (…) não pagou, no âmbito do contrato de locação financeira referido que celebrou com a A., nos respectivos vencimentos ou posteriormente, as rendas 28ª a 34ª, vencidas de 15/10/2007 a 15/04/2008, no montante global de € 8.941,82, nem as rendas posteriores (5º).

14 - Em virtude disso, a ora A. remeteu à sociedade L (…), e esta recebeu-a, a carta constante de fls. 23/24, a informar que:

a) - procede à resolução do contrato, por incumprimento, do contrato de locação financeira nº 152056, com o consequente recurso à via judicial para recuperação dos bens e obter o pagamento coercivo das quantias em dívida, juros e indemnizações;

b) – nos termos do art. 16.º/2 do DL nº 149/95, de 24/6, lhe (à L (…)) assiste a faculdade de precludir o direito de resolução do contrato, mediante o pagamento das rendas em atraso, acrescidas de 50%, no prazo de 15 dias, a contar da data da presente notificação;

c) – na falta de pagamento, devem proceder à entrega dos bens de equipamento, objecto do contrato, dentro do mesmo prazo, sem prejuízo da competente acção judicial com vista à cobrança dos valores contratualmente exigíveis (6º).

15 - A ora A. remeteu à ora R., e esta recebeu-a, a carta de fls. 26 a informar que:

a) – o contrato de locação financeira se encontra em incumprimento;

b) considera a locatária em situação de incumprimento definitivo;

c) – solicitar da ora R. a satisfação da garantia prestada ao abrigo da Cláusula 3ª, alínea b), do contrato de retoma de bens;

d) – o valor da mesma garantia ascende a € 22.356,73, cujo pagamento deve ser feita em 30 dias de acordo com a Cláusula 5ª do mesmo contrato de retoma de bens (7º).

16 - A ora R. não disponibilizou à Senhora Solicitadora encarregada da apreensão dos bens, apesar de lhe ter sido pedido, os meios necessários para a preensão, remoção e entrega dos bens locados (8º).

17 - Face à recusa da R., a A. viu-se obrigada a diligenciar pelos meios necessários à apreensão, remoção e apreensão dos bens locados (9º).

18 – Os bens locados encontram-se depositados na Rua Florbela Espanca, na Zona Industrial dos Pousos, Apartado 185, 2416 – 905 Leiria (11º).

19 - Após a apreensão, remoção e entrega do equipamento em causa, a A. solicitou à R. que procedesse à remoção dos bens e à liquidação dos montantes acordados no aludido contrato de retoma de bens (12º).

20 – A A. só comunicou à R. que a locatária B…, L.da, se encontrava em situação de incumprimento com o envio da carta referida no quesito 7.º) (14º).

21 - Habitualmente, a A., quando adquire um bem destinado a locação financeira, apenas procede ao pagamento do respectivo preço ao fornecedor depois de reunidos todos os documentos contratuais necessários, incluindo a factura definitiva (17º).

22 - Habitualmente, a A., se, por qualquer motivo, algum desses documentos não lhe for remetido pelo fornecedor devidamente preenchido, assinado ou tratado, devolve-o, de imediato, àquele para que seja corrigido (18º).

23 – A identificação do contrato de locação na factura é elemento essencial para a concessão do empréstimo (20º).

24 - O documento referido em 3.º) (de fls. 27/28) foi enviado à Ré após o incumprimento da locatária com a carta de fls. 26 (24º).

Para além dos factos antes transcritos, consideram-se, ainda, assentes os seguintes factos, por estarem provados por documento bastante:

25 - Por sentença de 16/03/2009, proferida no Procedimento Cautelar, que correu termos, sob o n.º 261/08, no tribunal judicial da Mealhada, na qual foi requerente a ora A. E requerida a sociedade “L (…), L.da”, foi decidido: “julgo procedente a presente acção e, em consequência, determino a entrega definitiva à requerente dos bens descritos na factura de fls. 12 (doc. n.º 2), que inclui roller de picota om prato de alimentação, secador circular de gás, cortador de rodelas pneumático, máquina de acabamento de peças ocas por esponjamento” - fls. 166 a 172.

26 - O procedimento cautelar havia sido requerido com pedido de resolução definitiva da causa principal ao abrigo do art. 21.° do DL n.º 149/95, de 24/06, na redacção dos D.L. n.º 265/97, de 02/10, e n.º 30/2008, de 25/92 - fls. 122 e 166.

27 - A referida douta sentença transitou em julgado a 30/03/2009 - fls. 165.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

A Sra. Juíza decidiu com base no seguinte discurso argumentativo:

O art. 1.° do DL n.º 149/95, de 24/06, dá a noção de locação financeira. É uma noção descritiva, de cariz (digamos) mais económico que jurídico e da qual podemos retirar os seguintes elementos: a) - a cedência temporária de uma coisa pela sociedade locadora: b) – a aquisição ou construção dessa coisa por indicação do locatário; c) - a retribuição correspondente à cedência; d) - a fixação de um prazo para a cedência; e) - a possibilidade de compra, total ou parcial, por parte do locatário; f) - determinação ou determinabilidade do preço a pagar pela compra, nos termos do contrato.

Não adianta examinar melhor estes elementos. Importa é dizer o seguinte.

Característica do contrato de locação financeira ou leasing financeiro é a existência de uma relação económica triangular ou trilateral - locadora, locatário e fornecedor ou produtor; existem dois contratos: um contrato de compra e venda, entre a sociedade financeira locadora e o fornecedor, e um contrato de leasing entre a locadora e o locatário. Só assim não será no leasing directo (do produtor ou do comerciante), caso em que o próprio produtor ou comerciante dá em locação

No campo estritamente jurídico, a trilateralidade não existe, uma vez que, “por um lado, o consentimento do fornecedor não é necessário para a conclusão do contrato de leasing propriamente dito; por outro lado, não pode afirmar-se que o fornecedor se determine e decida a vender porque a coisa vai ser concedida em leasing pelo adquirente - logo, não pode dizer-se que haja uma coligação negocial em sentido técnico, com a consequência de que a patologia de um contrato acarreta automaticamente a patologia do outro”.

Os referidos contratos de compra e venda e de locação financeira propriamente dito, embora conexos, são dois contratos distintos e com distinto regime: na relação que se forma entre o fornecedor e a locadora vale o direito que regula a compra e venda e, na relação entre a locadora e o locatário aplica-se o direito de locação financeira.

Pela celebração do contrato entre a locadora e o fornecedor ou produtor, aquela tornasse proprietária da coisa - compra em nome e por conta própria (não em nome e por conta do locatário). No entanto, como a sua vocação é a de intermediária financeira, de capitalista, de financiadora, a propriedade da coisa dada em leasing financeiro apenas representa uma garantia de pagamento do financiamento que a locadora fez, à semelhança (de algum modo) da compra e venda com reserva de propriedade.

Os contratos de compra e venda (celebrado entre o fornecedor e a locadora) e de locação financeira (celebrado entre a locadora e o locatário) são, como se disse, conexos. A conexão resulta, por um lado, de a locadora ser outorgante em ambos; por outro lado e sobretudo, por o leasing ter interesse: para a locadora, pelo financiamento e proventos que daí retira; para o produtor ou fornecedor, pelo proveito que tem em alienar os bens; para o locatário, pela necessidade que tem no uso e utilização dos bens, que não conseguiria sem o financiamento.

Como se disse, a locadora compra para si a coisa e esta fica no seu património para a propriedade servir de garantia ao financiamento que fez. É esta (releva-se) característica ou função do financiamento que permite distinguir o leasing da locação civil. Por ser assim é que a parte final do n.º 1 do art. 17.° do DL n.º 149/95 afasta a aplicação das normas especiais, constantes da lei civil, relativas à locação.

A locadora pode ser mais exigente em termos de garantia e condicionar a aquisição dos bens e o financiamento a fazer à celebração entre ela e o vendedor (fornecedor ou construtor) de um pacto de (re)aquisição ou acordo de retoma, que vincule este a (re)adquirir a coisa, caso o locatário incumpra a obrigação de pagar as rendas (e demais encargos) estipuladas no contrato de locação financeira. Este condicionamento pode constar de uma simples cláusula do contrato de fornecimento ou, como aconteceu no nosso caso, de um contrato autónomo entre a locadora e o fornecedor da coisa.

Esta exigência é aceite pelo fornecedor/vendedor por duas possíveis razões: a promoção e desenvolvimento do seu comércio com alienação dos seus bens; para evitar a perda de clientes que procurariam outro fornecedor, caso o vendedor não aceitasse a condição exigida pela sociedade financiadora de assegurar o incumprimento do locatário com o pacto de reaquisição ou retoma.

O acordo de reaquisição ou de retoma “impõe que o fornecedor tenha especiais cuidados quanto à escolha da pessoa do locatário (que com ele estabelece uma mera relação de facto)”.

O pacto de reaquisição é uma garantia não tipificada que não pode ser desligada da operação de locação financeira que lhe subjaz – “configura uma garantia pessoal com características próprias”.

No caso vertente, entre a ora R., como fornecedora dos bens de equipamento, e a ora A., como financiadora e adquirente dos bens, foi celebrado o “CONTRATO DE RETOMA DE BENS” constante de fls. 20/22.

Este contrato, como diz o seu proémio, “visou tomar possível o contrato de locação financeira (ANEXO I), pelo que, no interesse de ambas as partes, é celebrado o presente acordo de retoma de equipamento, subordinado às cláusulas seguintes” (fls. 20).

Quer dizer, na intenção das partes, existe uma verdadeira coligação ou união de contratos entre o contrato de fornecimento dos bens, o contrato de locação financeira e o contrato de retoma dos bens. E, por a conclusão dos contratos ter sido conectada pelas partes em função uns dos outros, a união é com dependência bilateral interna. Sendo certo que, na união de contratos, não é imprescindível a unidade de sujeitos, embora o seja a existência de um sujeito comum aos negócios10, como acontece no caso vertente em que a locadora é sujeito comum em todos os contratos.

As cláusulas do “Contrato de Retoma de Bens” (constantes de fls. 21) criam as seguintes obrigações:

A) - para a ora R:

a) - de aquisição do equipamento à locadora em caso de incumprimento do contrato de locação por parte da locatária - Cláusula l.ª;

b) - esta aquisição é a pronto pagamento - primeira parte da alínea a) da Cláusula 3.ª;

c) - os bens são adquiridos no estado e local onde se encontrarem - segunda parte da alínea a) da mesma Cláusula 3.ª;

d) - o preço a pagar é “determinado em função do valor do capital que esteja em dívida à data do incumprimento expresso no Mapa de Cash Flow da operação (Anexo III), acrescidos dos respectivos juros de mora” - alínea b) da Cláusula 3.ª;

e) - o pagamento do montante em dívida será feito no prazo de 8 dias após a ora R. tomar posse do equipamento ou no prazo de 30 dias após a data do incumprimento, consoante aquele que primeiro ocorrer - Cláusula 5.ª;

B) - Para a ora A:

a) - comunicar à ora R. o não pagamento pelo locatário de qualquer das rendas a que se encontra obrigado - segundo parágrafo da Cláusula 2.ª;

b) - a proceder à resolução do contrato de locação financeira contra o pagamento pela ora R. do preço de aquisição, caso o não tenha feito antes – Cláusula 6.ª.

O contrato de locação financeira não foi cumprido pela locatária a partir da 28.ª prestação. Por isso mesmo, o equipamento foi mandado entregar definitivamente pela douta sentença de 16/03/2009, transitada em julgado a 30/03/2009 - fls. 165/172.

Quanto a isto, não pode haver dúvidas aceitáveis, pelo que é certo e seguro que houve incumprimento pela locatária e que este incumprimento levou à apreensão dos bens e à sua entrega definitiva à ora A., necessariamente que em consequência da resolução do contrato de locação financeira11, pelo menos em consequência da mesma sentença, na qual está implícita…

Tem, por isso, bom fundamento o pedido de condenação da R. na (re)aquisição à A. do equipamento constante de 19, que se encontra apreendido e depositado em Leiria (n.º 18 dos Factos Provados).

A não comunicação imediata, pela ora A., do não pagamento pelo locatário de qualquer das rendas a que se encontra obrigado, em cumprimento do parágrafo segundo da Cláusula 2.ª, oposta pela R. ao procedimento da acção, não pode ter esse mérito, já por a cláusula não fixar o prazo da comunicação e, principalmente, por ser normal que a ora A. tentasse recuperar as rendas e o curso do pagamento das prestações previamente junto da locatária antes de aceitar e colocar em crise definitiva o contrato de locação.

Por que preço?

O preço de aquisição é, já o dissemos, “determinado em função do valor do capital que esteja em dívida à data do incumprimento expresso no Mapa de Cash Flow da operação (Anexo III) acrescido dos respectivos juros”, como as partes convencionaram na alínea b) da Cláusula 3.ª.

Está provado que este Anexo III foi enviado à R. pela A. com a carta de fls. 26 (n.º 24 dos Factos Provados). Está provado, ainda, que a locatária não pagou a renda vencida a 15/10/2007 nem as seguintes (n.° 13 dos factos Provados).

A A. pede a condenação da R. a pagar-lhe € 22.356,73.

Vejamos.

A alínea b) da Cláusula 3.a, que transcrevemos acima, não é muito clara. Menos clara, ainda, é a petição, por ser totalmente omissa sobre a forma como encontrou o preço que pede.

Se atentarmos na forma como a A. encontrou o valor das prestações em dívida na carta de fls. 23/24, vemos que cada prestação não é constituída pelo capital e juros respectivos que constam do Mapa de Cash Flow (de fls. 27), pressupondo, claro, que na coluna “amortização” já está contabilizado o IVA.

Ou seja, se bem vemos, a A. interpreta a alínea b) da Cláusula 3.ª como se, em resultado da resolução do contrato de locação financeira, tivesse o direito a exigir da ora R. o pagamento de todas as rendas vincendas (após ter recebido as rendas vencidas), a partir da mora, acrescentadas dos juros remuneratórios constantes do Mapa de fls. 27/28 e, de certeza, que de outros acréscimos. Isto é, pretende receber o que obteria com o cumprimento integral do contrato de locação e, ainda, juros de mora sobre o montante que encontrou.

Se é isto que pretende, como parece, a cláusula seria nula, por violação dos art.s 12.° e 19.°, alínea c), do DL n.º 446/85, de 25110, como tem decidido com quase uniformidade a jurisprudência; e sê-lo-ia, também, por desconsiderar o regime jurídico da resolução - art.s 433.° e 434.° do C. Civil.

A interpretação que nos parece razoável e correcta da alínea b) da Cláusula 3.ª (tão vaga e imprecisa) do “Contrato de Retoma dos Bens” é a de que o preço da aquisição a pagar pela ora R. é o que esteja em dívida à data do incumprimento (15/10/2007) segundo o Mapa de Cash Flow e que é de € 19.048,57, acrescido do valor residual que é de € 825,00 e do IVA sobre os dois montantes.

Este é o sentido que um declaratário normal retira da dita cláusula - art. 236.º do C. Civil. O contrato de retoma pode qualificar-se, como fez o douto Acórdão do STJ, de 23/09/200413, como um contrato de compra e venda sob condição suspensiva de incumprimento pelo locatário, a que são aplicáveis os art. s 874.° e 879.° e 883.° do C. Civil…

Interpretamos, por conseguinte, a cláusula em causa no sentido de que o preço por que a ora R. responde é constituído pelo capital em dívida à data do incumprimento (l5/l0/2007), segundo o Mapa de fls. 27, de € 19.048,57, o valor residual de € 825,12 e o IVA.

Sobre este montante recaem juros de mora contados desde 30/04/2008, data da interpelação, feita pela carta de fls. 26 (ver fls. 25)…

Pelo que respeita ao pedido de levantamento dos bens.

O levantamento dos bens é uma prestação necessariamente inserida na (re)aquisição do equipamento pela ora R.

Pago, pela R., o preço de (re)aquisição, os bens do equipamento são de sua propriedade e terá de os levantar, como convencionado está na alínea a) da Cláusula 3.ª do Contrato de Retoma, no “local em que se encontrar” (o equipamento).

5.2.2.

Em sede e tese geral mostram-se acertadas e  curiais as asserções plasmadas na sentença e no que à caracterização do contrato de locação financeira concerne.

 Sempre se dirá, em reiteração do alegado e, quiçá, ad abundantiam, e em síntese definidora conclusiva, que: «Um contrato de locação financeira, consiste num acordo pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa, adquirida ou construída por indicação desta e que a mesma pode comprar, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante um preço determinado ou determinável, nos termos do próprio contrato.»- Ac. do STJ de  12.02.2009, dgsi.pt, p. 08A3940.

E que a trilateralidade, a interdependência e a conexão dos  interesses, direitos e deveres dos seus normais e principais intervenientes, o locador, locatário e vendedor ,emergem, vg., do facto de:

- O locatário ter legitimidade para exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado, incluindo o direito de anulação ou de resolução do contrato de compra e venda, nomeadamente, no caso do bem não satisfizer as características que haviam sido exigidas pelo locatário e garantidas pelo vendedor à data do contrato de compra e venda e que eram essenciais ao fim a que o bem se destinava.

-A declaração de nulidade do contrato de compra e venda ser oponível ao locador e acarretar, consequencialmente, a nulidade do contrato de locação financeira.

- Os efeitos, para este contrato - consequência da declaração de nulidade do contrato de compra e venda – se produzirem, em relação ao locador, afectando as próprias “prestações e rendas recebidas”, devendo, mutuamente, ser restituído tudo o que houver sido prestado; os seus efeitos são, pois, retroactivos -  cfr. Ac. do STJ de  15.05.2008, dgsi.pt, p. 08B332.

De igual sorte  é admissível  que qualquer dos sujeitos da tríade, em homenagem à  autonomia da vontade em sede de direitos disponíveis - e sem prejuízo da aplicação de magnas figuras do direito, como seja o seu exercício abusivo, ou, se for o caso,  com salvaguarda das disposições atinentes às clausulas contratuais gerais -, exija a fixação ou outorga de instrumentos garantísticos da sua posição.

É o que, p.ex., acontece quando as partes anuem a fixação de um seguro caução o qual tem por função e finalidade indemnizar o beneficiário e não de exonerar o tomador do seguro das responsabilidades obrigacionais por si contraídas, pelo que o locatário, no caso de incumprimento do contrato de locação financeira, é o principal responsável pela satisfação da indemnização à locadora, enquanto a seguradora surge, concorrentemente com o locatário, como responsável perante a locadora pelo pagamento da indemnização quando aquele incumpre o respectivo contrato.  – cfr. Acs. Do STJ de 13.03.2008 e de  03.04.2008, dgsi.pt, ps. 08A355   e 08B470.

Ou, ainda e com maior acuidade, o que se verifica com a chamada garantia autónoma a qual é «uma medida de protecção mais forte do que a fiança, na medida em que arreda da sua disciplina o princípio da acessoriedade, que constitui o traço característico desta; a garantia autónoma acha-se inteiramente desligada da relação principal, não podendo o garante opor ao beneficiário as excepções a esta respeitantes.

 Na garantia autónoma a obrigação assumida pelo garante funda-se na responsabilidade objectiva, é autónoma e independente, e não se molda sobre a obrigação de prestar ou de indemnizar do devedor do contrato base, nem quanto ao objecto nem quanto aos pressupostos da sua exigibilidade.

 Há garantias autónomas simples e garantias autónomas automáticas, nestas últimas se inserindo a garantia de pagamento à primeira interpelação («on first demand»), em que o garante é, em princípio, ao primeiro pedido do beneficiário, obrigado a pagar imediatamente, sem contestação, sem poder exigir a prova da inadimplência do devedor garantido e mesmo com a eventual oposição deste»  - Ac. do STJ de 23.09.2008, dgsi.pt, p. 08B1718.

5.2.3.

No caso sub judice.

Para garantia adicional dos créditos da locadora, as partes anuíram a celebração de um contrato de retoma dos bens locados por parte da vendedora, ora ré, ao qual e como se viu, em princípio e à partida, nada há a obstar.

Vejamos, porém, as falências da sentença apontadas pela recorrente.

5.2.3.1.

Quanto à primeira.

 Clama ela que a prova da referência feita ao contrato de locação no documento de fls.19 em sede do item “observações” competia à autora.

A recorrente, já em sede da questão de direito, continua ainda, ilógica e descontextualizadamente, a colocar questões respeitantes à decisão de facto.

No fundo tal prova reporta-se à ligação do contrato de locação ao contrato de retoma.

Parece a recorrente querer significar que a autora não logrou operar tal prova.

Mas a demandante cumpriu tal ónus.

Na verdade e como meridianamente ressumbra do provado nos pontos 1 a 12 da matéria assente, a ligação e interdependência dos  dois contratos, o inicio do seu despoletamento e produção de efeitos, bem como o teor da responsabilidade dos outorgantes no âmbito dos mesmos, está perfeita e cabalmemte definida no acervo factual apurado.

5.2.3.2.

No atinente à segunda.

Por um lado diz a recorrente que as partes não escreveram data do início da mora, mas antes data do início do incumprimento ou seja, teria de haver uma interpelação, neste momento, o que não houve.

Mas não é assim.

 A questão do incumprimento coloca-se na relação entre a autora, como locadora e a L (…), como locatária.

E no contrato de retoma dos bens as partes não fizeram depender o fundamento causal da obrigação da ré perante a autora de um incumprimento definitivo da L (…). Antes pelo contrário pois que, como bem expende a recorrente, no contrato Retoma de bens estipulou-se que: Considera-se data de início de incumprimento o dia útil seguinte àquele em que se vence o prazo para o pagamento da segunda renda vencida e não paga (Cl. 4º).

Assim  é defensável que o  não pagamento de algumas prestações consubstancia um incumprimento, lato sensu - com inclusão da simples mora – para aquele efeito.

Verificado este, a obrigação da ré, perante o contrato de retoma dos bens, emerge.

Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda, os factos provados, bem interpretados clamam a conclusão que a L (…) incumpriu definitivamente pois que no ponto 14 apurou-se que a autora declarou o contrato de locação resolvido e, sequencialmente, comunicou à ré que considerava a locatária em situação de incumprimento definitivo.

E não se apurou – com ónus a cargo da ré - que à autora faltassem razões ou fundamentos para assim actuar.

Por outro lado  e quanto ao valor da indemnização, alega que Seria necessário avaliar os bens neste momento (o que não foi feito) e calcular que os bens novos valiam x1 e faltaria pagar x2, ora valem y1 e teria a R. de pagar y2 (Não é quem estraga velho paga novo!), sendo que – por outro lado – nunca se provou que a R. tenha recebido o Anexo III.

Mas é obvio que também aqui a ré analisa deficientemente.

Primus porque se provou que ela recebeu e teve conhecimento  do anexo III respeitante ao mapa de cash flow.

Secundus porque conforme, adrede e inequivocamente, ressumbra do contrato de retoma, as partes acordaram – clausula 4ª b) – que em caso de incumprimento o valor a pagar seria o preço de aquisição  determinado em função do valor do capital que esteja em dívida à data do incumprimento expresso no Mapa de Cash Flow da Operação (ANEXO III), acrescido dos respectivos juros de mora.

E foi este, e apenas este, valor, ou seja  19.048,57 euros acrescido do valor residual de € 825,00 e do IVA sobre os dois montantes, que a sentença condenou e já não nos mais de 22 mil euros peticionados pela autora.

E bem andou a julgadora pois que, como ela expende, a autora  é omissa – ou, pelo menos, diremos nós, inconclusiva - sobre a forma como encontrou o preço que pede.

Quer pois em função da melhor interpretação das clausulas do contrato, quer perante os factos provados, o montante indemnizatório fixado é o que se revela adequado e legal.

5.2.3.3.

No concernente à terceira.

Pretende a recorrente que a Julgadora deveria ter decretado a nulidade da clausula 3 b) do contrato de retoma supra referida.

Mas não lhe assiste razão.

Efectivamente a julgadora colocou tal nulidade apenas em termos hipotéticos, condicionais e de mera aparência,  pois que ela referiu que: «…se bem vemos, a A. interpreta a alínea b) da Cláusula 3.ª como se, em resultado da resolução do contrato de locação financeira, tivesse o direito a exigir da ora R. o pagamento de todas as rendas vincendas (após ter recebido as rendas vencidas), a partir da mora, acrescentadas dos juros remuneratórios constantes do Mapa de fls. 27/28 e, de certeza, que de outros acréscimos. Isto é, pretende receber o que obteria com o cumprimento integral do contrato de locação e, ainda, juros de mora sobre o montante que encontrou.

Se é isto que pretende, como parece, a cláusula seria nula, por violação dos art.s 12.° e 19.°, alínea c), do DL n.º 446/85, de 25110, como tem decidido com quase uniformidade a jurisprudência; e sê-lo-ia, também, por desconsiderar o regime jurídico da resolução - art.s 433.° e 434.° do C. Civil.».

Ou seja, ela não se pronunciou conclusiva e definitivamente sobre o teor, significado da clausula e a vontade das partes  e a finalidade que elas pretenderam com a mesma, mas antes alvitrou uma interpretação de tal clausula que se lhe afigurou possível.

Mas tal não basta para sobre ela efectivar a cominação de nulidade prevista nas  normas pertinentes invocadas.

E tanto assim foi que a Sra. Juíza acabou por fixar um valor indemnizatório que resultou da melhor  interpretação que de tal clausula deve ser feita e que tem a ver apenas com uma indemnização reportada ao capital que esteja em dívida à data do incumprimento expresso no Mapa de Cash Flow.

Ora nesta perspectiva interpretativa, que se tem por adequada e legal, tal clausula já não pode ser taxada de abusiva e, logo, nula.

5.2.3.4.

No que tange à quarta falência.

Diz a ré que. A A. ao não informá-la das rendas em mora a partir do momento que estas entraram em mora e de acordo com o estipulado no contrato e negociado inter partes, contribuiu para o aumento da mora, pois até a R. poderia naquele momento, ter diligenciado pelo cumprimento do devedor e sempre teria tido a possibilidade de – naquele momento – ficar com os bens, que – naquele momento – tinham valor comercial e assim, realizar dinheiro, anulando a mora do devedor.

Em primeiro lugar cumpre dizer que tem pleno cabimento a asserção plasmada na sentença de que: a cláusula – 2ª do contrato de retoma - não fixar qualquer prazo para a comunicação e por ser normal que a ora A. tentasse recuperar as rendas e o curso do pagamento das prestações previamente junto da locatária antes de aceitar e colocar em crise definitiva o contrato de locação.

E de facto assim é.

Na verdade é suposto que no ínterim que medeou entre o incumprimento da locatária e a comunicação deste à ré, a autora tenha diligenciado pelo pagamento das rendas.

Tal é lógico, compreensível e, até certo ponto, era exigível à autora.

Pois que tanto ela como a própria ré teriam todo o interesse em que a locatária cumprisse. Se tal a autora conseguisse não apenas era para si benéfico, como, outrossim o era para a ré.

Não pode pois esta invocar uma actuação da ré que se presume tendente a sanar o incumprimento da locatária com os inerentes cómodos para as aqui partes, maxime para ela própria o que, numa certa perspectiva e até certo ponto, revela ingratidão.

Ademais, mesmo que fosse alertada mais cedo pela autora para o incumprimento da locatária,  não podia nem devia, ela própria, diligenciar pelo cumprimento da locatária perante a autora.

Até porque, tanto quanto se alcança, não alegou nem provou

Quer porque os efeitos directos do contrato de locação financeira apenas se repercutem inter partes, seja a autora e a L (...).

 Quer porque é suposto que quando a autora a notificasse do incumprimento da locatária, já considerasse ter esta incumprido definitivamente e, assim, já tivesse o contrato por resolvido.

Enfim, mesmo que no lapso de tempo que decorreu entre o incumprimento e a  sua notificação  do mesmo,  não se provou a recorrente que os bens se tenham deteriorado e perdido valor comercial e, assim, que tal lhe tenha causado um concreto e mensurável prejuízo.

5.2.3.5.

Quanto à quinta falência.

Clama, mais uma vez a recorrente que: a testemunha (…), não se recorda de ter recebido o mapa de cash flow, logo, o ónus probatório da comunicação a fls. 26 caberia à A.

Evidentemente que este argumento quadra no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, o qual já foi analisado supra, pelo que ele se encontra aqui repetida e sistematicamente mal enquadrada.

5.2.3.6.

Finalmente a sexta falência.

Expende a recorrente que A presente sentença chega mesmo – com o devido respeito – a não fazer sentido, sendo ela própria não exequível, pois condena a R. “a levantar o equipamento no local onde se encontra”, ora: 1º) Onde é exactamente o local?; 2º) Como levantar o equipamento em propriedade privada?; 3º) Qual a legitimidade para levantar um bem de que não é proprietário?

E que: a presente sentença não decide que os bens são da propriedade da R. e mesmo que nesse sentido decidisse, não era exequível, pois os bens são da propriedade do A. e essa sim, pode fazer valer todos os seus direitos sobre eles.

Quanto ao primeiro aspecto já supra nos pronunciámos  em sede de recurso da decisão sobre a matéria de facto, no ponto 5.1.4.1. a fls. 6/7, não se impondo considerações adicionais.

Quanto ao segundo há que dizer ser desnecessário - e até não curial - que a sentença decidisse que os bens são propriedade da ré.

Certo  é que, numa primeira aparência, os bens são formalmente propriedade da autora pois que os adquiriu à ré mediante um preço supostamente já pago.

Mas tal tem de ser hábil e sagazmente interpretado e valorado no âmbito e âmago dos contratos em causa e em função do pedido formulado pela autora.

Na verdade a autora  não pretendeu adquirir os bens para si, para, ela própria, os usar e fruir, mas apenas para os  entregar à Locatária L (…) e, concomitantemente, os utilizar perante a ré como garantia adicional do bom cumprimento do contrato de locação através da outorga de contrato de retoma dos mesmos com a ré.

E esta, ao aceitar as cláusulas de tal contrato, bem sabia, ou era suposto que soubesse, que assim era.

Assim e tal como bem se expende na sentença, o contrato de retoma pode qualificar-se, como um contrato de compra e venda sob condição suspensiva de incumprimento (melhor seria cumprimento) pelo locatário, a que são aplicáveis os art. s 874.° e 879.° e 883.° do C. Civil.

Ou, diremos nós, e mutatis mutandis, pode equiparar-se às modalidades de venda contento, ou de venda sujeita a prova, nos termos do artº 923º e segs.

Destarte, dada a intima conexão e relação de dependência, entre os contratos em causa - rectius de garantia do de retoma em relação ao de locação -, na economia das finalidades  com os mesmos visadas pelas partes e, bem assim, atento o pedido da demandante, tem a ré legitimidade para proceder ao levantamento e tomar posse dos bens –  ex vi da força da sentença, a qual se coaduna e respeita o que consta e dimana do teor da clausula 5ª do contrato de retoma – independentemente de não ser a nua proprietária dos mesmos.

6.

Sumariando.

I -Considerando os princípios da imediação e da oralidade que permitem uma valoração ética dos depoimentos das testemunhas, falha ao tribunal ad quem, a decisão sobre a matéria de facto, se impugnada apenas ou essencialmente com base em tais depoimentos, apenas pode ser censurada perante a constatação de erro crasso e evidente ou se outros elementos probatórios inequivocamente o impuserem.

II – Na locação financeira, o contrato de retoma de bens celebrado entre o locador e o vendedor no qual este se compromete, em caso de incumprimento do locatário, a  readquirir aquele os bens vendidos,  constituiu uma garantia adicional do locador, não tipificada, que, apesar de juridicamente distinta do contrato de locação, com este está económico-factualmente conexionado e dele não pode ser desligado para a obtenção dos efeitos e finalidades prosseguidos pelo locador e vendedor.

III- Assim, pode o locador exigir ao vendedor, nos termos do contrato de retoma, a reaquisição dos bens  pelo preço que corresponda ao valor do capital em dívida à data do incumprimento e a levantar o equipamento no local onde se encontra, sem que este possa opor, vg., que eles lhe não pertencem, pois que a compra e venda pretérita, atenta a mencionada conexão e interdependência, se pode qualificar como efectuada sob condição suspensiva do cumprimento pelo locatário.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a, aliás douta, sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2011.06.21

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Alberto Ruço