Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
524/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VÍTOR
Descritores: CASO JULGADO
Data do Acordão: 09/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 497.º; 498.º; 500.º; 671.º; 672.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. O caso julgado surge como um dos efeitos da sentença, assumindo o cariz de uma excepção peremptória.
2. Todavia a sentença só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga. Estará assim coberta pelo caso julgado a propositura de uma acção idêntica a outra, i.e. quando é proposta uma acção idêntica sob o ponto de vista dos sujeitos, objecto, pedido e causa de pedir.
3. Tendo o Autor numa acção prévia demandado uma Ré reivindicando um prédio e agora o de novo em acção posterior em que além daquela demanda igualmente a pes-soa que com a mesma vivia maritalmente pelos mesmos factos, tal circunstância não basta para afastar a identidade de sujeitos entre as duas acções e assim também o caso julgado. Não será o facto de entrar na lide outra pessoa que basta para fazer tábua rasa de uma decisão jurídica que regulou uma relação jurídica entre as partes e permitir que caso possa ser de novo apreciado entre quem já o foi.
4. O caso julgado material forma-se sobre a decisão relativa ao objecto da acção, abrangendo também as decisões preliminares e preparatórias que constituam premissas necessárias e indispensáveis à prolação da parte injuntiva da decisão, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado
Decisão Texto Integral: Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.


A..., casado, reformado, residente no Camino dos Pigeiros, Tavarede, Figueira da Foz, veio instaurar a presente acção com processo ordinário contra:
B..., divorciada, residente na Rua da Fonte nº 7 Tavarede, e,
C..., solteiro, pedreiro, residente na Rua da Fonte, nº 7 Tavarede, Figueira da Foz, tendo pedido que se declare ser o Autor o dono da identificada casa nos autos e seu legítimo proprietário e se condenem os RR. no pagamento de uma quantia neces-sária à reposição dessa casa no estado anterior às obras feitas por eles e ainda em todos os prejuízos causados pelos mesmos, dada a sua conduta ilícita, a relegar para a execução de sentença.
Alegou para tanto e em resumo, que o A. é dono e legítimo possuidor de uma casa de habitação sita na Rua da Fonte nº 7 em Tavarede, inscrita na respectiva Repartição de Finanças da Figueira da Foz em nome do Autor com o artigo 478 e descrita na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o nº 1793/011096 e inscrita na mesma também a favor do Autor sob a cota G-2 e que confronta do norte com Rua da Fonte, sul com Vala da Azenha, Nascente com João Seco Oliveira e poen-te com João Oliveira.
Atravessando um período de dificuldades, a Ré dirigiu-se a casa da Autora pedindo-lhe por caridade para lá permanecer até poder arrendar uma, ao que o seu tio acedeu. No entanto, após ter passado a viver com um pedreiro tentou fazer obras na casa, às quais o Autor se opôs, tendo a Ré então referido que iria procurar outra casa.
Contudo, em 1996 chegou às mãos dos AA. o extracto de uma escritura de justificação publicada no Figuei-rense onde a Ré se considerava dona da casa. Com base nessa escritura foi registado o imóvel na Conservatória. Esta escritura de habilitação de herdeiros foi mais tarde anulada. Portanto a posse dos RR., que só existe a partir de 1996, é insubsistente, de má-fé, oculta, sem título e violenta, já que se mantém contra a vontade do legítimo do proprietário.
Pelo contrário, hoje, pela posse do Autor, dos seus irmãos, da D... e dos seus ante-possuidores, e durante um período superior a 100 anos e porque tal posse sempre foi de boa-fé, pública, pacífi-ca e contínua, convencidos de que estavam a usar uma coisa que era deles, tê-la-iam adquirido por usucapião porque cada sucessor é um continuador da posse do de cuius. Mas apesar disso a casa encontra-se registada na Conservatória de Registo Predial sob a ficha 1793 e inscrita em nome do Autor sob a cota G-2.
Os RR. fizeram obras na casa, alterando-a, sendo certo que o Autor não as autorizou, até porque desvir-tuam a sua traça original. Pretende assim que a mesma seja restituída à sua traça original.
Acresce que os RR. estão mensalmente a dar um pre-juízo ao Autor, cuja indemnização se relega para execu-ção de sentença.
Contestaram os RR. por impugnação, excepção e deduzindo reconvenção.
Assim excepcionaram o caso julgado, já que na ver-dade o Autor, conjuntamente com os seus irmãos, moveu a acção ordinária nº 61/97 contra a aqui Ré, B..., que correu termos pelo Tribunal de Círculo da Figueira da Foz. Por outro lado omite o Autor a senten-ça proferida na acção de processo sumário nº 333/2000 que correu termos no 2º Juízo do Tribunal a quo a qual como Autor moveu contra a Ré B... A sentença proferida em tais autos foi confirmada pelos Acórdãos desta Relação e do Supremo Tribunal de Justiça. As sen-tenças e acórdãos supra-referidos de há muito transita-ram em julgado.
Ora a aqui Ré B... figura também como Ré tanto na acção ordinária nº 61/97, como na acção com processo sumário nº 333/2000. Por sua vez o ora A. teve a qualidade de Autor na Acção Ordinária nº 61/97 e a mesma qualidade de Autor na Acção com processo sumário nº 333/2000. Consequentemente, nestas três acções, verifica-se a identidade de sujeitos, já que as partes são as mesmas do ponto de vista da sua identidade jurí-dica, sendo certo que através destas duas acções se pretende obter o mesmo efeito prático, ou seja o reco-nhecimento do direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 1º da Petição inicial.
Mais flagrante ainda o pedido deduzido na acção com processo sumário nº 333/2000, que é o mesmo que se formula através da presente acção, pretendendo-se obter o mesmo efeito jurídico em ambas as acções, pelo que se verifica o caso julgado.
Acresce por outro lado que a falecida irmã do Autor chamava-se D... e era casada com E..., pelo que estes E... e mulher F... não serão os identificados no artigo 21º do articulado e não terá sido o E... casado com D... quem outor-gou a escritura de compra junta com a PI sob o Doc. 3.
Ademais, como se pode ver pelo Doc. 1, a D... não deixou bens.
Por impugnação alegam os RR. factos tendentes a contrariar o aduzido pelos AA. na sua PI.
Reconvindo pede a Ré que seja declarada legítima possuidora do prédio referido no artigo 1º da PI ou como tendo a melhor posse, considerando o já alegado no tocante aos factos conducentes à usucapião.
No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, julgando-se improcedente a excepção de ilegitimidade passiva.
A reconvenção não foi admitida.
Por último, apreciando o caso julgado decidiu o Sr. Juiz tal excepção pela procedência, tendo assim julgado a acção improcedente.
Daí o presente recurso de apelação interposto pelos AA. os quais no termo da sua alegação pediram que se revogue a sentença e julgue a acção procedente nos termos que propugna.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,

Conclusões.

1) A decisão baseia-se, erradamente, num inexis-tente caso julgado, formado nos processos nsº 61/97 (correu termos no Tribunal de Círculo da Figueira da Foz) e 333/2000 (correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz).
2) Só pode haver caso julgado em duas hipóteses, que a jurisprudência e a doutrina distinguem: excepção de caso julgado formal e força de caso julgado mate-rial.
3) O caso julgado formal é uma excepção dilatória (artº 494º alínea i) do C.P.C.), cujo efeito é a absol-vição da instância (artº 493º, nº 2 do C.P.C.) e o seu conceito vem definido no artº 497 do C.P.C.; só há caso julgado quando existe identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (artº 498º, nº 1 do C.P.C.).
4) Quanto à acção nº 61/97, é o próprio Despacho recorrido que conclui que “não se verifica a execpção de caso julgado formal”.
5) Quanto à Acção nº 333/2000 também não se veri-ficam os requisitos do caso julgado formal.
6) Não há identidade de sujeitos, pois o R. José Manuel Jesus Costa não o foi no Processo nº 333/2000.
7) Não há identidade de pedido, pois nos presentes autos, o Recorrente reivindica uma indemnização, pelos prejuízos sofridos e pelas obras ilícitas realizadas pelos RR., enquanto que no Processo nº 333/2000, o Recorrente pedia o pagamento de uma quantia mensal de 50.000$00, desde 1995 até à entrega efectiva do imóvel. Ora, estão em causa pedidos emergentes de dois institu-tos totalmente distintos: no caso sub iudice, o que está em causa é, claramente, a Responsabilidade Civil; no Processo nº 333/2000, estava em causa o Princípio da Afectação dos Bens (os bens devem produzir as suas uti-lidades, única e exclusivamente, a favor dos seus pro-prietários), figura, inequivocamente, ligada ao Enri-quecimento Sem Causa.
8) Não há identidade de causa de pedir, pelo sim-ples facto de que entre os dois processos decorreram seis anos... mais 6 anos de posse do Recorrente, mais 6 anos de ocupação ilegítima da recorrida; e, no caso concreto, o simples decurso do tempo fortalece o direi-to real do Recorrente e acresce a obrigação indemniza-tória da Recorrida.
9) A lei define, claramente, os critérios para identificar o caso julgado material: “transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele” (artº 671º, nº 1 do C.P.C.) e “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga” (art.º 673º do C.P.C.).
10) No Processo nº 333/2000, não foi proferida qualquer decisão sobre a relação material controverti-da. Assim, no Supremo Tribunal de Justiça, os Mtos. Juízes Conselheiros decidiram “não tomar conhecimento do objecto do recurso” (fls. 69 dos presentes autos). O Tribunal da Relação de Coimbra e o Tribunal de 1ª Ins-tância limitaram-se a remeter para a decisão da Acção nº 61/97, cfr. fls. 68 dos presentes autos: “na acção de reivindicação que A... moveu a B..., foi proferida senten-ça absolutória, confirmada na Relação, baseada na força e autoridade de um julgamento absolutório anterior, em acção debatida entre o mesmo autor e outros, e a mesma ré”.
11) Já no Processo nº 61/97, a decisão proferida em nada afecta os presentes autos.
12) O sentido geral da decisão foi favorável ao Recorrente, não reconhecendo a alegada propriedade da Recorrida: “pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, pelo que: julga-se procedente a impugnação da escritura de justificação de 21 de Agosto de 1996, celebrada no 1º Cartório Nota-rial da Figueira da Foz; declara-se nula e sem nenhum efeito a referida escritura; ordena-se o cancelamento de todos os registos prediais celebrados pela Ré, com base na referida escritura” (fls. 52 dos presentes autos). Só que esta Decisão, não ordenando a entrega dos bens aos herdeiros. deixou algumas questões por resolver, designadamente se o ora Recorrente (então, A.) é dono da casa ou que tipo de direitos tem a Recor-rida (então, R.) sobre a casa.
13) “Os limites do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurí-dica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o objecto e a fonte ou título constitutivo. Por outro lado, é preciso atender aos termos dessa definição (estatuída na sentença). Ela tem autoridade – faz lei – para qualquer processo futuro, mas só em exacta corres-pondência com o seu conteúdo. Não pode, portanto, impe-dir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesma aí definiu”.
14) O caso julgado anterior não cobre a própria matéria das respostas ao questionário (Ac. STJ, de 23/3/1993, in Colectânea de Jurisprudência, t. II, p. 24), quer relativamente à Acção nº 61/97. quer quanto à Acção nº 333/2000. não se verifica a força e autoridade de caso julgado material.
Contra-alegaram os apelados pugnando pela confir-mação da sentença em crise.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. FUNDAMENTOS.

O Tribunal deu como provados os seguintes,

2.1. Factos.

2.1.1. Na 1ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz encontra-se descrito sob o nº 1793 da freguesia de Tavarede um prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão sito na Rua da Fonte a con-frontar do norte com caminho público, do sul com Vala da Azenha, nascente com José Seco de Oliveira e do poente com João de Oliveira, aí estando inscrita a aquisição do direito de propriedade a favor do autor, por sucessão hereditária deferida em inventário por óbito de Maria Batista Zambujo, pela Ap. 40/24022000 – inscrição G-2.
2.1.2. O Autor e seus irmãos, Assunção Pereira Zambujo e António Pereira Zambujo, instauraram contra a Ré Maria Fernanda Batista Zambujo, acção de rectifica-ção judicial, cumulada com acção de reivindicação, que correu termos sob o nº 61/97 do extinto Tribunal de Círculo da Figueira da Foz, aí alegando serem herdeiros de Maria Batista Zambujo que, ao falecer, deixou a casa identificada no artº 8º da p.i., por si adquirida por escritura de compra e venda havia cerca de 25 anos, nela tendo sempre desde então vivido até à sua morte, possuindo-o como coisa sua, sem oposição de ninguém, ininterruptamente, à vista de toda a gente, nas mesmas condições a possuindo os Autores desde o óbito daquela sua irmã, tendo um deles permitido que a Ré vivesse nessa casa até comprar outra para si, até que, passados alguns anos, constataram a publicação da escritura de justificação tendo por objecto aquele prédio, e com tais fundamentos concluem pedindo que o prédio identi-ficado no artigo 8º da p.i. seja declarado como único bem da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Maria Batista Zambujo, condenando-se a reconhecer que a referida casa pertence a essa herança e, ainda, julgar procedente a escritura de justificação declarando-a nula e ordenando-se o cancelamento de todos os registos prediais celebrados pela ré com base na escritura impugnada.
2.1.3. Nessa acção foi proferido acórdão, transi-tado em julgado em 22 de Junho de 1998, que julgou a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, julgando procedente a impugnação da escritura de justi-ficação de 21 de Agosto de 1996, celebrada no 1º Cartó-rio Notarial da Figueira da Foz, declarando-a nula e de nenhum efeito e ordenando o cancelamento de todos os registos prediais pela Ré com base na referida escritu-ra de justificação.
2.1.4. O Autor instaurou contra a ré Maria Fernan-da Batista Zambujo acção declarativa na forma de pro-cesso sumário, que correu termos sob o nº 333/2000 do 2º Juízo do Tribunal da Figueira da Foz, aí alegando que é dono do prédio que identifica no artigo 1º da p.i., por o mesmo lhe ter sido adjudicado em inventário instaurado por óbito de Maria Batista Zambujo, sua irmã, que o comprara cerca de 25 anos antes da sua mor-te e que nesse período de tempo nele viveu à vista de toda a gente, sem oposição, na convicção de que tal prédio lhe pertencia, sucedendo que a Ré, sua sobrinha, o ocupa sem qualquer título que o legitime apesar de em Janeiro de 1995 ter sido instada para o desocupar, e com tais fundamentos conclui pedindo o reconhecimento do seu direito de propriedade sobe o dito prédio, e a condenação da ré a restituir-lho e a pagar-lhe a quan-tia mensal de Esc. 50.000$00 desde Janeiro de 1995 até à sua efectiva entrega.
2.1.5. Nessa acção foi proferido saneador / sen-tença na qual se decidiu julgar improcedente a acção e, consequentemente, absolver a ré do pedido, com funda-mento na existência de caso julgado material formado pela decisão proferida pelo extinto Tribunal de Círcu-lo.
2.1.6. Tal sentença foi confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, transi-tado em julgado em 04.07.2002.
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A matéria de facto supradescrita não foi impugna-da, nem tão pouco se nos oferece alterá-la, razão pela qual a aceitamos.
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2.2. O Direito.

Nos termos do preceituado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformi-dade e considerando também a natureza jurídica da maté-ria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- Sinopse dos termos da questão.
- O caso julgado; pressupostos e limites.
- O caso vertente.

2.2.1. Sinopse dos termos da questão.

Na 1ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz encontra-se descrito sob o nº 1793 da freguesia de Tavarede um prédio urbano composto de casa de habi-tação de rés-do-chão sito na Rua da Fonte, a confrontar do norte com caminho público, do sul com Vala da Aze-nha, nascente com José Seco de Oliveira e do poente com João de Oliveira, aí estando inscrita a aquisição do direito de propriedade a favor do Autor, por sucessão hereditária deferida em inventário por óbito de Maria Batista Zambujo, pela Ap. 40/24022000 – inscrição G-2.
Estando o dito prédio ocupado pelos RR., os AA. arrogando-se à propriedade do mesmo intentaram acção de revindicação contra aqueles, que na óptica dos impe-trantes vêm ocupando o prédio sem autorização e sem título.
A Ré opôs-se à pretensão dos AA. excepcionando o caso julgado referindo que os termos desta acção foram reproduzidos dos termos da acção ordinária nº 61/97 que correu termos no já extinto Tribunal de Círculo da Figueira da Foz e da Acção ordinária nº 333/2000, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Figueira da Foz cujas decisões já transita-ram em julgado mais impugnando directa e indirectamente a pretensão jurídica deduzida pelo Autor, batendo-se pela improcedência dos pedidos contra si deduzidos.
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2.2.2. O Caso Julgado: pressupostos e limites.

O caso julgado surge como um dos efeitos da senten-ça, assumindo o cariz de uma excepção peremptória – artigo 497º do Código de Processo Civil – Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem. Esta figura pressupõe a repetição de uma causa depois de a primeira ter já sido decidida por sentença que não admite recurso ordinário, tendo como subjacente uma intencionalidade de segurança nas rela-ções jurídicas e também a latere prestígio dos Tribu-nais, na medida em que procura evitar contradições a nível decisório sobre a mesma temática. Assim, “transi-tada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica tendo força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 497º ss, sem prejuízo do que vai disposto sobre os recursos de revisão e de oposição de tercei-ros”; O acatamento da decisão transitada é devida de modo absoluto e não depende de invocação das partes, já que deve ser decretada oficiosamente pelos Tribunais – artigo 500º - e ainda que porventura acabem por ser proferidas duas sentenças sobre a mesma relação jurídi-ca com trânsito em julgado deverá ser cumprida aquela que primeiro transitou – artigo 675º nº 1 .
Todavia a sentença só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga – artigos 671º e 672º. Estará assim coberta pelo caso julgado a proposi-tura de uma acção idêntica a outra, i.e. quando é pro-posta uma acção idêntica sob o ponto de vista dos sujeitos, objecto, pedido e causa de pedir. Em termos gerais diremos que há identidade de sujeitos, quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua quali-dade jurídica; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídi-co – artigo 498º nsº 1 a 4.
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2.2.3. O caso vertente.

A sentença apelada julgou improcedente a presente acção considerando provar-se a excepção do caso julga-do, já que entendeu verificados os pressupostos de que depende o preenchimento dos requisitos deste instituto.
O apelantes insurge-se e alega desde logo que não há identidade de sujeitos, na presente acção e no Pro-cesso nº 333/2000. Isto porque nos presentes autos o Réu João Manuel Jesus Costa não o foi no Processo nº 333/2000.
Também na tese do A. não há identidade de pedidos pois nos presentes autos o recorrente reivindica uma indemnização pelos prejuízos sofridos e pelas obras ilícitas realizadas pelos RR., enquanto que no processo nº 333/2000 o recorrente pedia o pagamento de uma quan-tia mensal de 50 000 desde 1995 até entrega efectiva do imóvel.
Estão em causa pedidos emergentes de dois institu-tos totalmente distintos; no caso sub iudice o que releva é a responsabilidade civil enquanto que no Pro-cesso 333/2000 estava em causa o princípio da afectação de bens (os bens devem produzir as suas utilidades úni-ca e exclusivamente a favor dos seus proprietários), figura ligada ao enriquecimento sem causa.
Também no caso não há identidade de causa de pedir pelo facto de entre os dois processos decorrerem seis anos de posse do recorrente, mais seis anos e no caso concreto o simples decurso do tempo fortalece o direito do recorrente e acresce a obrigação indemnizatória da recorrida.
Conclui sem mais que quer relativamente à acção nº 61/97 quer no que concerne à acção nº 332/2000, não se verifica a excepção de caso julgado.
Vejamos:
No que toca à identidade de sujeitos nas duas acções quando cotejadas com a presente, há a considerar que O Autor demandou agora para além da Ré a pessoa com ele convivente José Manuel Jesus Costa, pessoa com quem vive maritalmente, salientando que o mesmo a terá incentivado a arrogar-se dona do prédio efectuando obras no mesma.
Entendemos que o facto de entrar na lide uma outra pessoa não basta para afastar a identidade de sujeitos entre as duas acções e assim também o caso julgado. Na verdade pressupondo que os restantes requisitos do caso julgado e supra-referidos estavam preenchidos, não nos parece que seja isto que poderá levar a que se possa fazer tábua rasa de uma decisão jurídica que regulou uma relação jurídica entre as partes e permitir que o caso possa ser de novo apreciado entre quem já o foi. Seria assim fácil a abertura do mesmo caso através de um novo sujeito processual contra quem fosse artifi-ciosamente deduzido um pedido, mesmo que à partida se viesse a revelar que o mesmo nada tinha a ver com o caso em análise. Portanto a aqui recorrida que figura nesta acção como Ré, ocupou idêntica posição nas acções ordinária 61/97 e sumária 333/2000, razão pela qual improcedem as considerações do Apelante neste particu-lar.
Quanto à identidade dos pedidos, a mesma não se verifica; efectivamente na acção nº 61/97 peticionaram os AA. que “fossem declarados únicos e universais her-deiros da falecida D...; que a casa identificada nesses autos fosse declarada como único bem da herança ilíquida e indivisa aberta pela sua mor-te e que a Ré fosse condenada a reconhecer que a refe-rida casa pertencia a essa herança; que fosse declarada a impugnação da escritura de justificação e que a mesma fosse declarada nula e de nenhum efeito, ordenando-se o cancelamento de todos os registos prediais celebrados pela Ré com base na escritura impugnada (…)”.
Na presente acção já o Autor peticiona que seja declarado dono da casa identificada nos autos (que é a mesma daquela da outra acção) e seu legítimo possuidor: mais pede que os RR. sejam condenados a restituírem-lhe a mesma e no pagamento de uma quantia necessária à reposição dessa casa no estado anterior às obras feitas por eles pela sua conduta ilícita a relegar para execu-ção de sentença.
Assim o cotejo entre os pedidos deduzidos nas duas acções evidencia desde logo a discrepância entre ambos.
E quanto aos efeitos do decidido na acção nº 333/2000? A sentença ali proferida considerou o seguin-te:
“Na sentença proferida nessa acção [a nº 61/97] foi decidido não poderem os então Autores serem consi-derados proprietários com base nos fundamentos seguin-tes:
“Os Autores invocam com título do seu direito uma forma de aquisição derivada a sucessão mortis causa. Ora sendo a aquisição derivada não basta provar a sua qualidade de herdeiro, tendo igualmente de provar que o direito de propriedade sobre a referida casa já existia no transmitente – a falecida Maria Zambujo.
Resulta da matéria de facto dada como provada que a falecida Maria adquiriu a casa na década de sessenta e que sempre sobre ela exerceu actos de posse com ani-mus possidendi (pontos 2.1.3. e 2.1.4) .
Por outro lado desde essa data até ao ano da sua morte, em 1973, a falecida Maria e seus sucessores depois dessa data, mantiveram a posse da casa sem pro-testo nem oposição, sucedendo assim aos AA. na posse da falecida Maria, de acordo com o disposto no artigo 1 255º do Código Civil.
Porém apesar de os Autores terem provado que a autora da herança iniciou a posse da casa em meados da década de sessenta e terem igualmente provado que suce-deram na posse da casa, aproveitando assim a posse anterior artigo 1 255º do Código Civil. Poderemos con-cluir que pelo instituto da usucapião os AA. já adqui-riram o direito de propriedade sobre a referida casa?
E esta questão coloca-se pelo facto de a posse dos AA. ser de má-fé, por não titulada – artsº 1 260º nº 2, 2ª parte do Código Civil, o que exige a manutenção da posse por um período de 20 anos e por outro lado pelo facto de a Ré, a partir do ano de 1985 ter passado a exercer sobre o referido imóvel igualmente actos de posse com animus possidendi.
Ora decorre do artigo 1 267º nº 1 do Código Civil que o possuidor perde a posse pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano. E acrescenta o nº 2 que a nova posse de outrem conta-se desde o seu início se foi tomada publicamente ou desde que é conhe-cida do esbulhado se foi tomada ocultamente. Daqui resulta que a posse da Ré teve início no ano de 1985.
E o que resulta para os Autores da perda dessa posse? (…)
Ou seja no ano de 1985 tendo havido inversão do título da posse por parte da Ré e tendo esta iniciado uma nova posse sobre a casa, perderam os AA. a sua pos-se (cfr. o já citado artigo 1 267º alínea d) do Código Civil, pelo que e não tendo até esse ano adquirido o direito de propriedade sobre a referida casa por usuca-pião não podem os AA. ser reconhecidos como proprietá-rios da mesma”.
Transitada esta decisão, foi decidido que a mesma se impôs com efeito de caso julgado na acção nº 332/2000 onde o Autor pedia o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o dito prédio, e a conde-nação da Ré a restituir-lho e a pagar-lhe a quantia mensal de Esc. 50.000$00 desde Janeiro de 1995 até à sua efectiva entrega. Na verdade, fazendo-se sentir o efeito de caso julgado que lhe retirava a propriedade do prédio, fica prejudicada a revindicação do mesmo e a indemnização por danos que pressupõem necessariamente aquele direito real. Por identidade de razões a mesma prejudicialidade faz-se sentir na presente acção onde a questão da propriedade é prévia aos pedidos de declara-ção de dominialidade sobre o prédio em questão (questão já directamente decidida e de novo colocada) e ao novo pedido de indemnização, também afectado pelo mesmo antecedente. É a problemática da extensão objectiva do caso julgado aos motivos da decisão final cujo efeito preclusivo se faz sentir na acção posteriormente inten-tada, na medida em que “tais pontos concernem à exis-tência ou inexistência de estados, condições ou rela-ções deduzidas pelo Autor para legitimar a sua preten-são para a qual solicita a tutela judiciária” . Diremos em suma que o caso julgado material forma-se sobre a decisão relativa ao objecto da acção, abrangendo também as decisões preliminares e preparatórias que constituam premissas necessárias e indispensáveis à prolação da parte injuntiva da decisão, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado.
Não tem assim razão o Autor quando refere que no processo 333/2000 não foi proferida qualquer decisão com reflexo nos presentes autos. A decisão considerou precisamente o relevo da prejudicialidade do decidido na acção nº 61/97 e transitou em julgado já que esta Relação a confirmou e o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu do recurso em virtude do valor da causa não o admitir. Por outro lado e ao contrário do que a recor-rente pretende fazer crer, a decisão proferida na acção 61/97 não deixou por decidir o problema da propriedade da casa a que se arrogava; fê-lo e em sentido desfavo-rável à ora apelante. Não se compreende o relevo do afirmado pela recorrente quando refere que a decisão em análise não ordenando a entrega dos bens deixou algumas questões deixou por resolver designadamente se o mesmo é dono da casa ou que tipo de direitos tem o ora Autor sobre a mesma. Como vimos, a decisão foi bem clara ao referir que o Autor não podia ser considerado proprie-tário da casa. Nessa acção teve o apelante a possibili-dade de empregar todos os meios com vista a fazer valer a sua pretensão de harmonia com o princípio do disposi-tivo e auto-responsabilidade das partes. Se o não fez, não é isso que é impede o caso julgado, já que se a sentença reconheceu no todo ou em parte um direito ficam precludidos os meios que a outra parte poderia ter usado e não o fez.
Por último a idêntico raciocínio poderemos chegar no tocante à identidade de causas de pedir.
Também aqui compulsando a PI da presente acção com a da acção nº 333/2000, verifica-se que são alegados os mesmos factos pelo Autor para justificar a sua preten-são de ser reconhecido como proprietário da casa em análise e de os RR. serem condenados a restituir-lhe a mesma. São pois idênticos os factos jurídicos arvorados como fundamento numa e noutra acção. Nas três acções em análise se alega como causa de pedir a aquisição deri-vada na forma de sucessão por morte. Tendo a Ré sido absolvida do pedido de reivindicação formulado na acção nº 333/2000 o Autor intentou a presente acção nº 524/04 invocando os mesmos factos que serviram de esteio à primeira; ora não obstante ser formulado por via desta acção um pedido indemnizatório, o mesmo fica totalmente prejudicado pelo facto de já ter sido decidido que a casa em análise onde teriam sido realizadas as obras não autorizadas não é da propriedade do impetrante.
Pode pois concluir-se que existe entre a acção nº 333/2000 esta já moldada pelo trânsito do decidido no processo nº 61/97) e a que agora apreciamos, a tríplice identidade de sujeitos, pedidos e causa de pedir.
Assim sendo o despacho saneador-sentença ao deci-dir em conformidade com o exposto, decidiu correctamen-te de harmonia com o direito aplicável, o que dita a confirmação do aresto.

Como momentos essenciais do supra-referido poderão apontar-se:

1) O caso julgado surge como um dos efeitos da sentença, assumindo o cariz de uma excepção peremptó-ria.
2) Todavia a sentença só constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga. Estará assim coberta pelo caso julgado a propositura de uma acção idêntica a outra, i.e. quando é proposta uma acção idêntica sob o ponto de vista dos sujeitos, objecto, pedido e causa de pedir.
3) Tendo o Autor numa acção prévia demandado uma Ré reivindicando um prédio e agora o de novo em acção posterior em que além daquela demanda igualmente a pes-soa que com a mesma vivia maritalmente pelos mesmos factos, tal circunstância não basta para afastar a identidade de sujeitos entre as duas acções e assim também o caso julgado. Não será o facto de entrar na lide outra pessoa que basta para fazer tábua rasa de uma decisão jurídica que regulou uma relação jurídica entre as partes e permitir que caso possa ser de novo apreciado entre quem já o foi.
4) O caso julgado material forma-se sobre a deci-são relativa ao objecto da acção, abrangendo também as decisões preliminares e preparatórias que constituam premissas necessárias e indispensáveis à prolação da parte injuntiva da decisão, contanto que se verifiquem os outros pressupostos do caso julgado.
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3. DECISÃO.

Pelo exposto acorda-se em julgar a apelação impro-cedente, confirmando assim o saneador sentença apelado.
Custas pelo apelante.