Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
97/06.0PTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: RECURSO RETIDO
FALTA
JUSTIFICAÇÃO
DECLARAÇÃO EMITIDA PELA URGÊNCIA DE HOSPITAL
Data do Acordão: 12/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 412º CPP
Sumário: 1. Não se considera como retido, para efeitos do nº 5 do art.412.º do C.P.P, aquele que é admitido após a interposição do recurso da decisão final.
2. Nestas circunstâncias, não poderá ser exigido ao recorrente que , ao abrigo do n.º 5., faça constar das conclusões da motivação do recurso dominante, que mantém interesse no recurso interlocutório ainda não admitido
3. Nos termos do artº 117º do CPP quer a impossibilidade de comparecimento a acto processual seja previsível, quer seja imprevisível, da comunicação da impossibilidade de comparecimento deve constar, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
4. Se for alegada doença para justificação da falta, deve o faltoso apresentar atestado médico, com os requisitos que constam do n.º 4 do preceito legal, a não ser que seja impossível obter o atestado médico, caso em que é admissível outro meio de prova.
5. A declaração emitida e assinada por um funcionário administrativo de Centro Hospitalar “Para os devidos e legais efeitos se declara que F …deu entrada no serviço de urgência destes hospitais, no dia 3/07/2008, pelas 9:30 horas e teve alta no dia 3/07/2008, pelas 12:11 horas”, não contem factos relevantes para considerar justificada a falta de comparecimento à audiência de julgamento em causa.
6. Com a aplicação da sanção prevista no artº 115º procura-se obstar à falta de comparência a actos processuais, que é uma das causas de frustração de uma justiça tempestiva e de perturbação do agendamento e funcionamento dos tribunais ,pelo que na graduação da sanção não poderá deixar de se atender ao maior ou menor grau dessa perturbação e frustração da justiça.
7. Respeita os princípios da oralidade e imediação na produção de prova , a decisão do julgador que estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum .
Decisão Texto Integral: Relatório

Pelo 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Coimbra, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum singular, com intervenção do Tribunal Singular, o arguido
NM..., solteiro, formador, nascido a 06.10.1978, residente na Rua …., Subcave, Guimarães;
imputando-se-lhe a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 10 de Julho de 2008, decidiu julgar a acusação procedente, por provada e:
- condenar o arguido NM... pela prática, como autor material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de oitenta e um dias de multa à taxa diária de dez euros, o que perfaz o montante de oitocentos e dez euros ou, subsidiariamente, nos termos do artigo 49.º do Código Penal, cinquenta e quatro dias de prisão; e
- condenar o arguido na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de três meses, nos termos do art. 69.º, nº 1, al. a), do Código Penal.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido NM..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1.ª - Decorre claramente do depoimento prestado pela única Testemunha ouvida nos presentes autos que o arguido não foi visto a conduzir o veiculo automóvel ligeiro de passageiros de marca Volkswagen, modelo Jetta, de matricula XX-00-00 no dia 10.06.2006, por volta das 08:00 horas, o arguido conduzia o veiculo automóvel ligeiro de passageiros, na Rua carolina Micaellis em Coimbra quando entrou em despiste e foi embater num poste de suporte do trólei;
2.ª - Não obstante, o Tribunal deu como provado tal facto e ainda que o arguido conduzia o veículo em estado de embriaguez com uma TAS igual a 1.55g/1;
3.ª - Não tendo o arguido sido visto a conduzir o automóvel jamais poderá ser condenado pela prática de um crime de condução sob o efeito do álcool, como foi,
4.ª - É manifesto que houve erro na valoração da prova produzia em audiência de julgamento, uma vez que das declarações da testemunha não é possível extrair a certeza de que era o arguido quem conduzia o automóvel, na verdade o facto de se estar perto do automóvel e deste se encontrar a verter água pelo radiador não podem nunca determinar sem mais que o acidente ocorreu há muito ou há pouco tempo e muito menos que era o arguido quem conduzia o automóvel;
5.ª - É igualmente manifesto que mesmo que se entendesse que era o arguido quem conduzia o automóvel, é impossível determinar quando é que este ingeriu as bebidas alcoólicas, como alias muito bem refere a testemunha ouvida nos presentes autos;
6.ª - Na verdade, mesmo que fosse o arguido a conduzir, seria perfeitamente possível que tivesse bebido álcool apenas após a produção do acidente, pelo menos em quantidade suficiente para tornar a sua conduta criminalmente punível;
7.ª - O Meritíssimo Juiz a quo valorou opiniões e não factos e fê-lo sempre em desfavor do arguido partindo de uma ideia de culpabilidade da qual nunca se logrou afastar ao longo de todo o processo de valoração da prova;
8.ª - As declarações da testemunha ouvida nos autos devem portanto ser valoradas precisamente ao contrário do que foram e sempre no sentido de criar dúvida ao Tribunal e nunca de fomentar certezas inabaláveis acerca da culpabilidade do arguido;
9.ª - Tais circunstancias interpretadas no seu conjunto deverão determinar sem sombra de duvidas que se dê como não provado que o arguido conduzia o veiculo automóvel nas circunstâncias de tempo lugar e modo narradas na acusação, por ter havido manifesto erro na apreciação da prova produzida, o que deverá levar à absolvição do arguido;
10.ª - Ao interpretar a prova como fez, violou o Tribunal do disposto no artigo 32.º n.º 5 da Constituição portuguesa, na exacta medida em que toda a prova foi valorada contra a presunção de inocência do arguido e portanto em clara violação do disposto naquele normativo;
11.ª - A sentença recorrida violou igualmente do disposto no artigo 129.º do CPP na medida em que valorou de forma decisiva testemunhos de ouvir dizer dos quais lançou mão ainda que de forma indirecta para motivar a sentença recorrida, facto que deve determinar a completa desconsideração do depoimento da única testemunha, no seu todo, pois mesmo que não fosse valorado indirectamente e foi, sempre o teria sido de forma indirecta uma vez que determinou que toda a produção de prova fosse valorada tendo por base um juízo de culpabilidade que determinou uma "condenação antecipada do arguido";
12.ª- Por fim, a sentença violou o disposto no artigo 127.º do CPP, porquanto ao juiz é dada a possibilidade de valorar livremente a prova, e não de conjecturar acerca do que é dito pelas testemunhas extraindo dai conclusões e ideias que constituem verdadeiros preconceitos, ao actuar desse modo, passa o normativo a ser interpretado e utilizado por excesso, foi o que sucedeu nos presentes autos e o que terá que ser considerado como uma grosseira violação do disposto no artigo 127.º do CPP;
13.ª - Ao não apurar em concreto a real condição económica do arguido, o Tribunal presumiu erradamente um rendimento muito superior ao que este tem na realidade e ao faze-lo violou os Princípios que devem nortear a fixação concreta da medida da multa, impondo dessa forma um sacrifício desmedido ao arguido, devendo portanto tal quantitativo ser alterado para o mínimo legal.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e sentença recorrida revogada na parte afectada pelo presente recurso e substituída por outra que:
a) julgue como não provados os factos enunciados na conclusões l.ª e 2.ª , absolvendo dessa forma o arguido da pratica do crime pelo qual vem acusado,
b) julgue que forma violados os artigos 32.º n.º 2 da CRP, 129.º do CPP e 127.º do mesmo diploma legal, com todos os devidos e legais efeitos;
c) altere a pena de multa concretamente fixada ao arguido para o mínimo legal.

Por despacho de 10 de Julho de 2008, proferida na audiência de julgamento, o Ex.mo Juiz considerou que a declaração apresentada pelo arguido no dia 7-07-2008, por fax, não demonstra a impossibilidade deste ter podido comparecer em Tribunal na audiência de julgamento realizada a 3-07-2008 e, nos termos do art. 117.º, n.ºs 1e 2 do Código de Processo Penal, julgou injustificada a falta do arguido e condenou-o no pagamento de quatro UC´s, nos termos do art.116.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.

Inconformado com o despacho de 10 de Julho de 2008, na parte em que o condenou no pagamento de 4 UC´s, dele interpôs recurso o arguido, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
1.ª- O facto de o Arguido juntar aos autos uma declaração emitida pelos serviços de urgência de um hospital que atesta que o mesmo lá esteve presente durante as horas a que decorreu a audiência de julgamento na qual deveria estar presente deve ser considerado como documento bastante para justificar a falta;
2.ª- Dispõe o n.º 5 do artigo 117.º do CPP que, não podendo obter atestado médico para justificar a ausência, é admissível qualquer outro meio de prova;
3.ª- Os serviços de urgência emitem, apenas, declarações análogas à junta pelo Arguido, donde apenas é possível extrair a hora e data de entrada do doente naquele serviço, e não tipo de tratamento a que foi sujeito, bem como se a doença era ou não incapacitante, tais facto podem apenas ser atestado pelo médico que tratou o Arguido naquela altura;
4.ª - Atenta a natureza urgente do internamento bem como a gravidade dos males que sofria, não é expectável que o Arguido obtivesse a identificação do médico que o tratou nem tão pouco a indicação por escrito dos tratamentos a que teve que ser sujeito, tanto mais que se encontrava desacompanhado nas urgências;
5.ª - Conjugados tais factos com a circunstancia de o Arguido ter sido atendido nas Urgências do Porto, sendo o Julgamento em Coimbra, é possível concluir que sob circunstancia alguma podia ter estado no tribunal à hora justificada, e que tal ausência se deu por motivo que lhe não é imputável.
6.ª- Donde se mostra cumprido o disposto no n.º 5 do artigo 117.º do CPP, devendo a falta ser julgada justificada com base na interpretação conjugada do teor do documento com o facto de os serviços médicos terem sido prestados no Porto e ainda com a circunstancia de o Arguido não ter residência em Coimbra, local do Julgamento.
Sem prescindir,
8.ª - A aplicação concreta de uma multa, deve obedecer a critérios orientadores que tenham por base a culpa e censura que o facto gerador da responsabilidade, em concreto, mereçam e não serem aplicadas de forma totalmente discricionária e sem qualquer justificação ou fundamentação de facto e de direito-
9.ª - Tendo sido aplicada uma multa de valor igual o dobro do mínimo legal, sem que para tanto tenham sido oferecidas justificações ou fundamentação que tenham por base uma conduta que merece critica, reparo ou sentença, é algo que se não pode admitir no processo penal;
10.ª - O facto de o Arguido ter oferecida meios de prova documental para justificar a sua falta conjugado com o facto de se ter apresentado voluntariamente na segunda sessão da audiência de julgamento, são factos bastante para se desta conduta se extraia que houve total colaboração com o Tribunal e que o Arguido agiu sem culpa ou de qualquer outra forma que mereça censura ou reprovação por parte do Tribunal;
11.ª - Não tendo o despacho sido alicerçado em quaisquer factos que revelem que a falta do Arguido derive de um qualquer comportamento culposo, deve a multa aplicável ser fixada no mínimo legal, ou seja no montante de 2 UCs.
Assim, revogando o despacho proferido e substituindo-o por outro que julgue justificada a falta do Arguido, ou assim não entendendo, diminuindo a pena de multa aplicada para o mínimo legal, farão V. Exas. Justiça.

O Ministério Público na Comarca de Coimbra respondeu aos recursos interpostos pelo arguido, pugnando pela improcedência dos mesmos e manutenção das decisões recorridas.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da não apreciação do recurso intercalar interposto pelo arguido e pela improcedência do recurso interposto da sentença.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação

A matéria de facto apurada e respectiva motivação constante da sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados
1- No dia 10.06.2006, por volta das 08.00 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca Volkswagen, modelo Jetta, de matrícula XX-00-00 na Rua Carolina Micaellis em Coimbra quando entrou em despiste e foi embater num poste de suporte dos fios do trólei.
2- O arguido desenvolvia tal actividade de condução com uma TAS de 1,55 g/l.
3- O arguido havia ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução.
4- O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, representando-se e conformando-se com a possibilidade de ser portador de uma taxa de alcoolemia no sangue igual ou superior àquela a partir da qual, bem o sabia, a lei pune como crime a sua conduta.
5- O arguido, solteiro, é licenciado em direito e trabalha como «formador de cidadania», auferindo montante não concretamente apurado; vive sozinho numa casa pertencente a seus tios.
6- O arguido não tem antecedentes criminais.
7- O arguido tem carta de condução desde 02.07.1997.
Factos não provados
Nenhuns outros factos com relevância para a decisão se provaram em audiência.
Motivação
Nos termos do art. 205º, nº 1, da actual versão da Constituição da República Portuguesa as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.
O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos artigos 97º, nº 4 e 374º, nº 2 exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.
São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artº 125º, do Código de Processo Penal).
A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe
marca --- derivados da(s) finalidade(s) do processo (Cristina Líbano Monteiro, “Perigosidade de inimputáveis e «in dubio pro reo»”, Coimbra, 1997, pág. 13).
A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser diferentemente (artº 127º, do Código de Processo Penal).
A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (Maia Gonçalves, "CPP anotado", 4ª ed., 1991, pág. 221, com cit. de A. dos Reis, C. de Ferreira, Eduardo Correia e Marques Ferreira).
Daqui resulta, como salienta Marques Ferreira, um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo, de modo a permitir-se um efectivo controle da sua motivação (“Jornadas de Direito Processual Penal” pág. 228).
Como é referido em acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.05.1997, quando está em causa a questão da apreciação da prova não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a mediação conferem ao julgador.
Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, “olhares de súplica” para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, por ventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos (para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal: Ricci Bitti/Bruna Zani, “A comunicação como processo social”, editorial Estampa, Lisboa, 1997).
Os factos provados resultaram da análise da análise crítica das declarações da testemunha AM... conjugada com os documentos de fls 2 (esquema gráfico do acidente), 3 (fotografia do veículo encostado ao poste), 7 (talão de exame de pesquisa de álcool através do ar expirado), 12 (análise toxicológica à amostra de sangue do arguido).
O arguido, presente na segunda sessão da audiência de julgamento optou pelo “direito ao silêncio”.
A testemunha AM..., o agente da PSP que, sem ter sido chamado, passava no local, quando encontrou o arguido junto do veículo despistado contra o poste, esclareceu que não havia no local (nem nas proximidades) mais ninguém, percebeu que o acidente tinha acabo de ocorrer devido ao comportamento do arguido e pelos vestígios encontrados (ainda escorria água do radiador do carro), o arguido apresentava indícios de estar alcoolizado pois cambaleava, não apareceu lá mais ninguém nem o arguido fez qualquer telefonema.
Confirmou o esquema gráfico, a participação e a fotografia.
Esta testemunha apresentou um depoimento coerente, consistente, sereno, isento e firme mesmo quando confrontado com as outras possibilidades; foi esclarecedor no modo como descreveu o comportamento do arguido, os vestígios e demais envolvência.
A testemunha AM…, o agente da PSP, não viu o arguido beber, não presenciou o acidente nem viu o arguido a conduzir.
Porém, tal não impede o tribunal de concluir pela actuação do arguido.
Na verdade, como sintetiza, paradigmaticamente, o Sr. Dr. Carlos Gil, [http://www.verbojuridico.com = =» jurisprudência de primeira instancia: ofensas corporais graves/presunção pelo tribunal] “importa não perder de vista que, a verdade, objecto do processo, não é uma verdade ontológica ou científica, estando, aliás, cada vez mais ultrapassadas as concepções epistemológicas que acreditavam que apenas o conhecimento das ciências naturais era um conhecimento objectivo e verificável. Para tanto, bastou a descoberta na física da teoria ondulatória da luz e dos quanta e o indeterminismo causal daí advindo (veja-se, com interesse, A Verdade da Ciência, Teorias Físicas e Realidade, Roger G. Newton, Dinalivro, 1999, páginas 241 a 267).
A verdade em direito é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directamente ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto.
Quando a base do juízo de facto é indirecta, impõe-se um particular rigor na análise dos elementos que sustentam tal juízo, a fim de evitar erros.
Importa constatar, em primeiro lugar, uma pluralidade de elementos; em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes; em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios (sobre a prova indiciária em processo penal veja-se com interesse, La Mínima Actividad Probatória en el Proceso Penal, J. M. Bosch Editor, 1997, M. Miranda Estrampes, páginas 231 a 249)”.
No caso concreto temos uma pluralidade de elementos: o arguido encontrava-se sozinho junto ao carro, com todos os vestígios indicando que o acidente acabara de ocorrer, comportando-se como sendo o condutor, identificou-se, aceitou fazer o teste (e o exame de contra-prova) sem reclamar, não apareceu mais ninguém nem fez qualquer telefonema; a concordância destes elementos aponta no sentido de ser o arguido quem conduzia o veículo; a observação destes elementos de acordo com as regras da experiência demonstra que se fosse outra pessoa o arguido não se comportava como se fosse o condutor, telefonava ou dizia que estava à espera do condutor e certamente não aceitava, sem reclamar, fazer o teste e o exame de contra-prova, teria apresentado qualquer explicação racional e coerente para estar junto ao carro, sozinho, se não fosse ele o condutor.
Assim, na situação em apreço está afastada qualquer dúvida razoável quanto à possibilidade de os factos se terem passado de modo diverso pois verifica-se toda a pluralidade de indícios e elementos concordantes que não deixam em aberto qualquer outra possibilidade que afaste o arguido da prática dos factos.
Não há dúvida que era o arguido o condutor, que tinha acabado de ocorrer o acidente e não havia possibilidade objectiva de o arguido ter ingerido bebidas alcoólicas depois do embate contra o poste.
Seguimos o entendimento jurisprudencial que entende ser admissível a valoração como meio de prova das declarações prestadas pelo arguido fora de qualquer acto processual como ocorreu após a chegada do agente da PSP.
No entanto, tal nem se torna necessário face à abundância de indícios não verbais trazidos à audiência de julgamento.
A situação pessoal do arguido foi apurada a partir das suas próprias declarações em audiência de julgamento.
Antecedentes criminais: CRC.
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O despacho recorrido de 10 de Julho de 2008 tem o seguinte teor:

« O arguido faltou à audiência de julgamento que se encontrava designada para o dia 3-07-2008, pelas 09:30 horas.
No dia 7-07-2008, enviou por fax uma declaração do seguinte teor: “ Para os devidos e legais efeitos se declara que NM… deu entrada no serviço de urgência destes hospitais, no dia 3/07/2008, pelas 9:30 horas e teve alta no dia 3/07/2008, pelas 12:11 horas”, emitida e assinada por um funcionário administrativo do Centro Hospitalar do Porto.
A declaração apresentada, não afirma a impossibilidade de o arguido se deslocar ao Tribunal.
A declaração apresentada não afirma que o arguido fez qualquer tratamento ou apresentava qualquer doença.
Tendo em conta a morada do arguido em Guimarães, e o facto de o mesmo nessa data já não estar a trabalhar no Porto, não se percebe porque é que o arguido veio de Guimarães para as urgências do Porto.
Em suma, a declaração não demonstra a impossibilidade de o arguido comparecer em Tribunal na data designada para a audiência de julgamento , a 3-07-2008.
Pelo exposto, nos termos do artº 117º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, julgo injustificada a falta e condeno o arguido no pagamento de quatro UC´s, nos termos do artº 116º, nº 1 do Código de Processo Penal. ».

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98. e de 24-3-1999 Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350. , sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do arguido NM..., relativamente ao recurso interposto da sentença, as questões a decidir são as seguintes:
- se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provado que o arguido conduzia um veículo automóvel nas circunstâncias de tempo, lugar e modo narradas na acusação e dadas como provadas, violando o disposto nos artigos 32.º, n.º 2 da C.R.P., 129.º do C.P.P. e 127.º do C.P.P.; e
- se o quantitativo diário da pena de multa aplicada ao arguido deve ser alterado de modo a ser fixado no mínimo legal.
Relativamente ao recurso interposto do despacho de 10 de Julho de 2008, face às conclusões da motivação do recurso, as questões a decidir são as seguintes:
- se do documento junto aos autos , conjugado com o facto dos serviços médicos terem sido prestados no Porto e o arguido não ter residência em Coimbra , resulta que este deu cumprimento ao disposto no n.º5 do art.117.º do C.P.P., pelo que não deve subsistir a condenação do arguido na multa de 4 UC.s ; e
- se, não tendo o despacho recorrido sido alicerçado em quaisquer factos que revelem que a falta do arguido deriva de um qualquer comportamento culposo, deve a multa aplicável ser fixada no mínimo legal, ou seja no montante de 2 UCs.

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Embora sejam estas as questões suscitadas nos recursos, antes de as conhecer depara-se-nos uma questão prévia suscitada pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, traduzida no não cumprimento, pelo recorrente, do disposto no art.412.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e que, a proceder, impedirá o Tribunal da Relação de apreciar o recurso interposto do despacho de 10 de Julho de 2008.
Vejamos.
O art.412.º, n.º 5 do Código de Processo Penal , estatui que « Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente , nas conclusões , quais os que mantêm interesse.».
Este preceito foi introduzido no Código de Processo Penal pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, correspondendo parcialmente ao regime que fora introduzido no art.748.º do Código de Processo Civil, pela reforma levada a cabo pelo DL n.º 329/95, de 12 de Dezembro.
Assinalando a razão de ser do regime ali introduzido menciona-se no relatório do DL n.º 329/95, de 12 de Dezembro: « Por outro lado – e no que se refere aos agravos retidos que apenas sobem com um recurso dominante – impõe-se, com base no princípio da cooperação , um ónus para o recorrente, que deverá obrigatoriamente especificar nas alegações do recurso que motiva a subida dos agravos retidos quais os que, para si, conservam interesse, evitando que tribunal superior acabe por ter de se pronunciar sobre questões ultrapassadas, para além de correr o risco, em processos extensos e complexos, de “escapar” a apreciação de algum recurso não precludido. Na verdade, ninguém melhor que o recorrente estará em condições de ajuizar quais os recursos que efectivamente interpôs e qual a utilidade na sua apreciação final. ».
O legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos; necessário é que elas não signifiquem a imposição de ónus injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso às garantias de defesa e de recurso afirmadas no art.32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
O Tribunal Constitucional já se pronunciou diversas vezes sobre o n.º5 do art.412.º do Código de Processo Penal.
No seu acórdão n.º 381/2006, decidiu « julgar inconstitucional o art.412.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a exigência da especificação dos recursos retidos em que o recorrente mantém interesse, constante do preceito, também é obrigatória, sob pena de preclusão do seu conhecimento, nos casos em que o despacho de admissão do recurso interlocutório é proferido depois da própria apresentação da motivação do recurso da decisão final do processo.».
Fundamentou-se a decisão, designadamente, no facto de que “… não estando ainda admitido o recurso interlocutório, considerado pela decisão recorrida como retido, não é possível sequer considerar-se, a não ser a título hipotético – plano de raciocínio ao qual não pode sujeitar-se a efectividade exigida pelas garantias de defesa, entre elas se contando o recurso em processo penal – como existente o recurso interposto e muito menos ver-se esse recurso como admitido para subir diferidamente com outro, de modo a poder exigir-se do recorrente que, nas conclusões da motivação do recurso apresentadas antes do despacho de admissão do recurso retido, colaborando com o tribunal de recurso com o sentido acima apontado, faça a menção estipulada no n.º 5 do artigo 412.º do CPP. A atribuição de um efeito preclusivo em tal hipótese normativa, como foi vista pela decisão recorrida, carece ostensivamente de fundamento material bastante, sendo pois manifestamente desproporcionada, levando a um inadmissível encurtamento das garantias de defesa do arguido em processo penal, incluindo, o direito ao recurso.” – cfr., DR., 2.ª Série, de 16 de Agosto de 2006.
No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 724/2004 – cfr. DR., 2.ª Série, de 4 de Fevereiro de 2004.
No presente caso, o recorrente NM…, através de requerimento de 1 de Setembro de 2008, interpôs recurso do despacho judicial proferido na acta de audiência de julgamento de 10 de Julho de 2008, na parte que o condenou no pagamento de 4 UC´s.
A sentença foi proferida a 10 de Julho de 2008 e dela interpôs recurso o arguido através de requerimento de 10 de Setembro de 2008, motivado na mesma ocasião.
Quer o recurso interposto a 1 de Setembro, quer o interposto a 10 de Setembro, de 2008, foram admitidos por despacho de 22 de Outubro de 2008.
Ou seja, quando o arguido interpôs recurso da decisão final, apresentando a respectiva motivação e conclusões, o recurso interposto da decisão proferida a 10 de Julho de 2008 ainda não havia sido admitido. Na ausência dessa admissão, o recurso interposto do despacho de 10 de Julho de 2008 só hipoteticamente se poderia considerar como “ recurso retido” .
Nestas circunstâncias, não poderá ser exigido ao recorrente que , ao abrigo do n.º 5 do art.412.º do C.P.P., faça constar das conclusões da motivação do recurso dominante, que mantém interesse no recurso interlocutório ainda não admitido.
A questão suscitada pelo recorrente NM… no recurso interlocutório, relativa à sua condenação no pagamento de 4 UC´s por o Tribunal a quo ter julgado injustificada a sua falta a uma audiência de julgamento, não se encontra ultrapassada com a prolação da sentença.
Em face do exposto e não se vislumbrando dos autos que o recorrente NM... queira desistir do recurso interlocutório entretanto já admitido, o Tribunal da Relação considera que as garantias “do direito ao recurso” pelo arguido e ao “processo equitativo” a que aludem, respectivamente, os artigos 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 4 da C.R.P., impõem a apreciação do mesmo.

*
O recurso a conhecer em primeiro lugar, de acordo com a ordem da sua interposição ( art.710.º, n.º1 do C.P.C., aplicável por força do art.4.º do C.P.C) é o que incide sobre o despacho de 10 de Julho de 2008.
Comecemos por decidir se do documento junto aos autos, conjugado com o facto dos serviços médicos terem sido prestados no Porto e o arguido não ter residência em Coimbra, resulta que este deu cumprimento ao disposto no n.º5 do art.117.º do C.P.P., pelo que não deve subsistir a condenação do arguido na multa de 4 UC.s.
Sobre a justificação da falta a actos processuais o art.117.º do Código de Processo Penal estatui, designadamente, o seguinte:
« 1. Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado.
2. A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta , a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
3. Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível, comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao terceiro dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas.
4. Se for alegada doença, o faltoso apresenta atestado médico especificando a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento. A autoridade judiciária pode ordenar o comparecimento do médico que subscreveu o atestado e fazer verificar por outro médico a veracidade da alegação da doença.
5. Se for impossível obter atestado médico, é admissível qualquer outro meio de prova.
(…)».
Do texto deste preceito resulta, nomeadamente, que quer a impossibilidade de comparecimento a acto processual seja previsível, quer seja imprevisível, da comunicação da impossibilidade de comparecimento deve constar, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
Se for alegada doença para justificação da falta, deve o faltoso apresentar atestado médico, com os requisitos que constam do n.º 4 do preceito legal, a não ser que seja impossível obter o atestado médico, caso em que é admissível outro meio de prova.
As soluções plasmadas no art.117.º do Código de Processo Penal partem do reconhecimento pelo legislador de que a falta de comparência a actos processuais é uma das causas de frustração de uma justiça tempestiva e de perturbação do agendamento e funcionamento dos Tribunais.
Daí que o Cons. Maia Gonçalves defenda que « …devem os julgadores, em obediência aos comandos legais, ser exigentes quanto à justificação das faltas que, como é consabido, têm constituído um dos maiores entraves ao regular andamento dos processos Código de Processo Penal anotado, Almedina , 9.ª edição, páginas 299 e 300.
Compulsados os autos resulta dos mesmos que o arguido foi devidamente notificado para comparecer em audiência de julgamento no dia 3 de Julho de 2008, pelas 9h30m ( folhas 99 e 100).
No dia 3 de Julho de 2008, pelas 9h30m, após a abertura da audiência de julgamento, o Ex.mo Advogado do arguido declarou para a acta que o arguido lhe comunicou hoje de manhã que deu entrada nas urgências hospitalares num hospital da cidade do Porto por se encontrar com sérias perturbações de saúde, protestando juntar aos autos documento comprovativo.
No dia 8 de Julho de 2008, o arguido enviou, via fax, uma “Declaração” do Centro Hospitalar do Porto, Esp.- Unid. H. St. António, onde um funcionário administrativo atesta que aquele “ …deu entrada no serviço de urgência deste hospital, no dia 03/07/2008, pelas 09:26 horas e teve alta no dia 03/07/2008, pelas 12:11 horas.”.
Vejamos.
Começamos por realçar que o arguido NM... comunicou ao Tribunal que no dia 03/07/2008, pelas 09:26 horas, deu entrada nas urgências hospitalares “ num hospital da cidade do Porto”.
O local onde o faltoso pode ser encontrado e que o mesmo deve comunicar ao Tribunal, tem de ser um local concreto, suficientemente identificado, pois só assim se possibilita ao Tribunal averiguar de imediato se o motivo invocado pelo faltoso é real.
Sendo um facto notório que a cidade do Porto tem vários hospitais, públicos e privados, é evidente que o arguido não comunicou ao Tribunal o local onde podia ser encontrado, em termos de possibilitar ao Tribunal averiguar de imediato se o motivo invocado pelo faltoso (doença) era real.
Dispondo o n.º 2 do art.117.º do C.P.P. que a comunicação da impossibilidade de comparecimento deve indicar, sob pena de não justificação da falta, o local onde o faltoso pode ser encontrado, a falta não lhe poderia ser justificada.
Mas outras razões existem para que a falta não lhe fosse justificada.
Como já se referiu, se for alegada doença, a prova desta deve ser feita por atestado médico, especificando a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento.
A justificação da falta por doença só poderá ser feita por qualquer outro meio de prova “se for impossível obter atestado médico” ( n.º 5 do art.117.º do C.P.P.).
O arguido NM... alegou doença para justificar a sua impossibilidade de comparecimento à audiência, mas não só não apresentou ao Tribunal um atestado médico , como no seu requerimento para junção da “Declaração” emitida pelo Hospital de Santo António não faz qualquer menção à impossibilidade de obter atestado médico.
O arguido NM..., para justificação da sua falta a julgamento, apresentou apenas uma “Declaração” emitida pelo Hospital de Santo António, da cidade do Porto, consignando que aquele ali deu entrada nos serviços de urgência pelas 9h26m e teve alta pelas 12h11m, do dia 3 de Julho de 2008.
Apenas no seu recurso vem o arguido NM... alegar, no essencial, que lhe era impossível obter atestado médico porquanto os serviços de urgência apenas emitem declarações análogas à junta por si aos autos e não era expectável que obtivesse a identificação do médico que o tratou e os tratamentos a que teve de ser sujeito.
Diremos, em resposta a esta alegação, que é um facto notório que a “ Declaração” emitida pelo Hospital é uma declaração “tipo”, para a justificação das faltas ao trabalho.
Acontece, porém, que não está aqui em causa uma falta ao trabalho, mas uma falta a comparecimento a um acto processual penal.
Resultando da lei processual penal que a falta por doença deve ser justificada por atestado médico, tendo o arguido se apresentado nas Urgências do Hospital, de onde teve alta menos de três horas depois de ali ter dado entrada, não vemos alegada ou provada qualquer impossibilidade do arguido pedir ao médico que o atendeu – mesmo que o não tivesse identificado – um atestado médico com as especificações a que alude o n.º 4 do art.117.º do C.P.P..
Note-se que o arguido nem sequer invoca a recusa, pelo médico que o atendeu, da emissão de atestado médico, com as menções exigidas pela lei processual penal.
A “ Declaração” emitida pelo Hospital, como bem menciona o despacho recorrido, não afirma a impossibilidade do arguido se deslocar ao Tribunal na data em causa, nem que o arguido fez tratamento ou que apresentava qualquer doença.
O facto do arguido se ter apresentado num Hospital do Porto e não ter residência em Coimbra não são factos relevantes para considerar justificada a falta de comparecimento à audiência de julgamento em causa.
Não tendo ficado provado que o arguido NM... faltou à audiência de julgamento por doença que o impossibilitava de a ela comparecer, bem andou o Tribunal recorrido em não justificar essa falta.
A questão seguinte a apreciar é se, não tendo o despacho recorrido sido alicerçado em quaisquer factos que revelem que a falta do arguido deriva de um qualquer comportamento culposo, deve a multa aplicável ser fixada no mínimo legal, ou seja no montante de 2 UCs.
Vejamos.
O art.116.º , n.º 1, do Código de Processo Penal estatui que « Em caso de falta injustificada de comparecimento de pessoa regularmente convocada ou notificada, no dia, hora e local designados, o juiz condena o faltoso ao pagamento de uma soma entre duas e dez UCs.».
A falta é injustificada quando não se prova a existência de motivo que impossibilita o faltoso de comparecer à diligência processual, tivesse ou não invocado este motivo justificativo.
A falsidade da justificação é punida, consoante os casos, nos termos dos artigos 260.º e 360.º do Código Penal - ( art.117.º, n.º 7 do C.P.P..).
A soma de 2 a 10 UCs em que a pessoa é condenada ao abrigo deste preceito não tem a natureza de multa, traduzindo-se apenas numa sanção processual.
Sabendo-se que com a aplicação desta sanção se procura obstar à falta de comparência a actos processuais, que é uma das causas de frustração de uma justiça tempestiva e de perturbação do agendamento e funcionamento dos tribunais, na graduação da sanção não poderá deixar de se atender ao maior ou menor grau dessa perturbação e frustração da justiça.
No caso em apreciação, a falta injustificada recai sobre o arguido, sujeito processual que está no centro do processo penal, pois é em vista da sua responsabilidade penal que o processo criminal é organizado.
A sua não comparência à audiência de julgamento no dia 3 de Julho de 2008 não foi irrelevante; teve consequências, pois a mesma audiência foi interrompida e designada a sua continuação para outro dia apenas porque o mesmo não compareceu a julgamento. Aliás, e num parêntesis diremos que a diligência do arguido para comparecer em julgamento já anteriormente àquela data não era um facto que relevava a seu favor, pois chegou a ser declarado contumaz por ter mudado de residência sem comunicar a nova residência ao Tribunal.
Situando-se a sanção processual entre 2 UCs e 10 UCs , temos como suficientemente fundamentada , proporcional e adequada ao comportamento do arguido NM..., a sanção de 4 UCs que lhe foi aplicada pelo Tribunal a quo ao abrigo do art. 116.º, n.º 1 do C.P.P..
Improcede, deste modo esta questão, bem como o recurso interlocutório, uma vez que não se mostra violada a norma indicada pelo recorrente nas conclusões da motivação.

*
Passemos agora ao recurso interposto da sentença.
A primeira questão a decidir é se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provado que o arguido conduzia um veículo automóvel nas circunstâncias de tempo, lugar e modo narradas na acusação, e dadas como provadas, violando o disposto nos artigos 32.º, n.º 2 da C.R.P., 129.º do C.P.P. e 127.º do C.P.P..
Atentemos, antes do mais, aos termos em que pode ser impugnada a matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo e o que dispõem os preceitos que o recorrente tem como violados.

O Tribunal da Relação conhece de facto e de direito ( art.428.º , n.º1 do C.P.P. ) .

No entanto, a modificação da decisão da 1ª instância em matéria de facto só pode ter lugar, sem prejuízo do disposto no art.410.º, do C.P.P., se se verificarem as condições a que alude o art.431.º do mesmo Código , ou seja :

« a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base;

b) Se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do art.412.º; ou

c) Se tiver havido renovação de prova .”.

Em conjugação com este preceito legal importa atender ao disposto no art. 412.º, n.º3 do Código de Processo Penal, que impõe ao recorrente, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto o dever de especificar:

« a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados ;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida ;
c) As provas que devam ser renovadas.»
E acrescenta o n.º 4 deste preceito legal :
« Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.»

O tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa. ( n.º 6 do art.412.º do C.P.P.).

Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, o STJ já se pronunciou no sentido de que a redacção do n.º 3 do art.412.º do C.P.P., por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem de dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que “ versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda (…) ”, já o n.º 3 se limita a prescrever que “ quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)”, sem impôr que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal e tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou o Tribunal da Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões. – cfr. acórdão do STJ, de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 07P1766, www.dgsi.pt/jstj.
No presente caso, o recorrente NM... indica nas conclusões os concretos factos dados como provados no acórdão recorrido que considera incorrectamente julgados e as provas concretas que impõem decisão diversa da recorrida.
Especifica ainda na motivação do recurso os concretos segmentos relativos ao depoimento da testemunha AM..., prestado em audiência de julgamento, e faz menção aos respectivos suportes técnicos por referência ao consignado na acta.
Deste modo, o Tribunal da Relação considera-se apto a modificar a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo.
Antes da abordagem directa da questão importa realçar que a documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. É antes, um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao principio da livre apreciação da prova , previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal , que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

As normas da experiência são , como refere o Prof. Cavaleiro de Ferreira , «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico , independentes do caso concreto “sub judice” , assentes na experiência comum , e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam , mas para além dos quais têm validade.» - Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág.300.
Sobre a livre convicção do juiz diz o Prof. Figueiredo Dias que esta é “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais - , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros .”- Cfr., in “Direito Processual Penal”, 1º Vol. , Coimbra Ed. , 1974, páginas 203 a 205.
O principio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento , encontrando afloramento , nomeadamente , no art. 355.º do Código de Processo Penal . È ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova , na recepção directa de prova.
O principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo , pessoal , entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar , e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias , ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo :
« Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal . Já de há muito , na realidade , que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita , desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha , e que derivava sobretudo de com ele se tornar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) .Só estes princípios , com efeito , permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido , a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem , por outro lado , avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais “. - In “Direito Processual Penal”, 1º Vol. , Coimbra Ed. , 1974, páginas 233 a 234 .
Na verdade, a convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Do exposto resulta que, para respeitarmos os princípios oralidade e imediação na produção de prova , se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum , ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra , de 6 de Março de 2002 ( C.J. , ano XXVII , 2º , página 44 ) , “ quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade , o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Em suma, o preceituado no art.127.º do Código de Processo Penal deve ter-se por cumprido quando a convicção a que o Tribunal chegou se mostra objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, e onde não se vislumbre qualquer assumo de arbítrio na apreciação da prova.
Nesta parte importa realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa ), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem , com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “ … reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág. 289.
Como salienta o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996 , “ a inferência na decisão não é mais do que ilação , conclusão ou dedução , assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal , ano 6.º , tomo 4.º, pág. 555. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.
O art.32.º, n.º2, da Constituição da República Portuguesa, estatui, designadamente, que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.
Da presunção da inocência, consagrado no art.32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa decorre o princípio “in dubio pro reo”, que estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido. Ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.
O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele , escolheu a tese desfavorável ao arguido .- Cfr. entre outros , o acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996 ( C.J. , ASTJ , ano IV , 1º, pág. 177 ) .
A dúvida insanável não é qualquer dúvida, mas aquela que perante toda a prova produzida, em termos objectivos, deixa na consciência do Juiz um estado de dúvida e incerteza sobre se o arguido praticou ao não factos relevantes relativos ao ao tipo penal.
A dúvida insanável é assim uma dúvida sem resolução em termos racionais.
Por fim, o art.129.º, n.º 1 do C.P.P. dispõe que « Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas.».
No caso em apreciação, o recorrente NM... defende que o Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao dar como provados os factos constantes dos pontos n.ºs 1 a 4 da sentença recorrida, uma vez a única testemunha inquirida em audiência de julgamento, AM..., no dia 10 de Junho de 2006, não viu o arguido a conduzir o veículo de matrícula RL-66-2006, na Coimbra; do facto do arguido estar perto daquele veículo e deste se encontrar a verter água pelo radiador não se pode nunca determinar se o acidente ocorreu há muito ou pouco tempo; e, caso se entendesse, que era o arguido o condutor é impossível determinar quando é este que ingeriu as bebidas alcoólicas, como bem refere a testemunha.
As declarações da testemunha terão sido sempre no sentido de criar dúvidas ao Tribunal a quo , pelo que essas dúvidas deviam ter sido valoradas a favor do arguido, o que não aconteceu.
O depoimento da testemunha foi valorado de forma indirecta, determinando que a produção de prova fosse valorada tendo por base um juízo de culpabilidade que determinou uma “ condenação antecipada do arguido”.
Antes do mais importa atender ao que disse a testemunha, designadamente aos segmentos do seu depoimento constantes da motivação do recurso.
O depoimento da testemunha AM... foi prestado na audiência de julgamento do dia 3 de Julho de 2008, conforme consta da respectiva acta a folhas 114.
Da audição da gravação deste depoimento resulta, no essencial, que é agente da PSP, a prestar serviço na Esquadra da PSP e aquando da entrada no turno, no dia em causa, por volta das 8 horas, ao passarem na Rua Carolina Michaellis, em Coimbra, deparou-se-lhes o arguido despistado no poste do trólei. Não foram chamados ao local.
Não havia outra pessoa no local além do arguido; “estava sé ele e o poste”. Não havia “mirones”.
O arguido disse que se tinha despistado e que tinha batido no poste, indicando a hora do acidente.
O arguido dava indícios de se encontrar alcoolizado. Fizeram-lhe o teste do álcool e acusou a TAS que consta do talão. O arguido não objectou nada à realização do teste. Riu-se após a sua realização.
Fizeram a participação do acidente e o croquis e tiraram a fotografia junta aos autos.
Constataram pelos vestígios, pelo radiador que escorria água, que o acidente acabara de ocorrer, que havia sido há pouco tempo. Não sabe quando o arguido ingeriu as bebidas alcoólicas.
Vejamos.
Lendo a fundamentação da matéria de facto provada constante da sentença recorrida não vislumbramos em lado algum que o Tribunal, para dar como assente que o arguido NM... era o condutor do veículo de matrícula RL-66-89, no tempo e local mencionado nos pontos n.º 1 a 4, tenha tomado em consideração o que este disse a esse respeito à testemunha AM....
O Tribunal a quo teve em conta na dita fundamentação o que a testemunha viu e as diligências que fez para concluir que o arguido era o condutor do veículo, não indicando qualquer reprodução do que a testemunha ouviu ao arguido sobre aquela circunstância.
Deste modo, tendo o Tribunal a quo considerado apenas o conhecimento directo da testemunha, sem atender ao que ouviu dizer sobre os factos em causa ao arguido, é evidente que não está em causa a valoração dum depoimento indirecto, nem foi assim violado na sentença o disposto no art.129.º do Código de Processo Penal.
Ao contrário do recorrente, para quem a prova dos factos só poderia ser feita se a testemunha tivesse visto o arguido a conduzir – e não viu - , o Tribunal recorrido atendeu à chamada prova indirecta.
A prova indirecta, nos termos já referidos, é válida e de grande importância na vida prática, desde que assente na racionalidade. Como diz o Prof. Cavaleiro de Ferreira, « A prova indiciária tem uma suma importância no processo penal; são mais frequentes os casos em que a prova é essencialmente indirecta do que aqueles em que se mostra possível uma prova directa.»- Curso de Processo Penal, Vol. II, edição Univ. Católica, 1981, pág. 289.
O Tribunal a quo para dar como provados os factos impugnados pelo arguido, teve em conta as diligências efectuadas pela testemunha e o que esta viu, conjugados com as regras da experiência comum.
O Tribunal da Relação dirá, tal como o Tribunal a quo, que existe uma pluralidade de indícios que apontam no sentido de que o arguido conduziu embriagado o veículo automóvel envolvido no acidente era o condutor do veículo, no tempo e local dados como provados.
O acidente com o veículo automóvel de matrícula RL-66-89 tem lugar numa rua ampla, com 4 vias, como se verifica do croquis de folhas 4 e fotografia de folhas 5.
Quando a testemunha passa no local apenas vê uma pessoa no local, junto ao veículo acidentado, que é o arguido, dando indícios de se apresentar alcoolizado.
A testemunha declarou que o acidente, em face dos vestígios, com a água do radiador a correr, acabara de ocorrer.
O arguido, para além de apresentar de imediato os documentos do veículo, com excepção do seguro que foi apresentado dias depois – cfr. folhas 3 e 6 - efectuou o teste de alcoolemia e tendo acusado uma TAS de 1,70 g/l – cfr. talão de folhas 7 -, em lado algum consignou não ser o condutor do veículo.
Pelo contrário, assinou o documento de folhas 10, onde se consignava que “ na qualidade do condutor do veículo de matrícula RL-66-89” pretendia contraprova, o que veio a realizar nos HUC , no dia em causa, pelas 9h 20m, como resulta de folhas 12.
Quando uma pessoa está sozinha junto a um veículo acidentado, numa rua larga e numa hora sem movimento, com indícios de estar alcoolizada , não havendo mais pessoa alguma visível na rua, fornece os elementos identificativos do veículo à PSP , faz o teste de álcool no sangue, requer e faz a contraprova ao mesmo teste, e nunca objecta que é o condutor do veículo acidentado, é perfeitamente lógico e racional, não violando as regras da experiência comum, concluir que foi essa pessoa quem , enquanto condutor sob a influência do álcool , embateu no poste do trólei, e que tal aconteceu por volta das horas indicadas pela testemunha, por o radiador estar ainda a escorrer água e a pessoa estar ainda sozinha no local.
A dúvida lançada pelo arguido NM... sobre se o mesmo não teria ingerido as bebidas alcoólicas após a produção do acidente, não é uma dúvida que se possa colocar em termos objectivos.
Para além de não ser razoável que alguém após um acidente de viação vá ingerir bebidas alcoólicas, quando é do conhecimento geral que as autoridades realizam aos condutores intervenientes em acidente o teste de alcoolemia, essa hipótese não é objectiva, com consistência mínima, uma vez que ninguém mencionou esse facto – nem o arguido que optou pelo direito ao silêncio.
Lendo a fundamentação sobre a matéria de facto da sentença recorrida não se vislumbra nela também que o Tribunal recorrido tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática pelo arguido NM... dos factos dados como provados na sentença, designadamente nos pontos n.ºs 1 a 4.
O que resulta daquela é ainda um estado de certeza do Tribunal recorrido relativamente à prática pelo arguido/recorrente dos factos dados como provados.
O Tribunal de recurso não vê aliás razões para que o Tribunal a quo tivesse ficado com dúvidas sérias de que o arguido praticou os factos que deu como provado, em face da prova directa e pericial a que já se fez menção.
Em suma, o Tribunal da Relação tem como perfeitamente admissível a versão dada como provada pelo Tribunal recorrido na sentença , adquirida na base da imediação e da oralidade e na livre apreciação da prova, pelo que não reconhece qualquer erro de julgamento relativo aos pontos cuja matéria de facto é impugnada pelo recorrente, nem se tem como violados os preceitos legais indicados pelo recorrente nas conclusões da sua motivação.
Impõe-se, assim, a manutenção da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida , bem como a condenação do arguido pelo crime de condução em estado de embriaguez.
A última questão a apreciar e decidir é se o quantitativo diário da pena de multa aplicada ao arguido deve ser alterado de modo a ser fixado no mínimo legal.
De acordo com o n.º 2 do art.47.º do Código Penal , na redacção vigente à data dos factos , « cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 1 e € 498,80 , que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.».
Sobre esta problemática e como critério geral , os acórdãos da Relação de Coimbra ,de 23 de Março de 1995 ( BMJ n.º 445 , pág. 630) , de 31 de Maio de 1995 (BMJ n.º 447 , pág. 587 ) , de 3 de Outubro de 1996 ( BMJ n.º 460 , pág. 822 ) e de 5 de Junho de 1997 ( BMJ n.º 468 , pág. 489) decidiram há largos anos que só em circunstâncias excepcionais se pode justificar uma taxa diária de multa inferior a 1000$00 (hoje € 4,99).
Considerando a grande depreciação do valor da moeda desde que o DL n.º 400/82 de 23 de Setembro, fixou em 200$00 ( € 1) a taxa diária mínima da pena de multa , este é um critério razoável , entre outros possíveis , a considerar na graduação do quantitativo diário da multa .
Ou seja, apenas em situações de pobreza, indigência ou quase indigência poderá o quantitativo diário da multa aproximar-se dos limites mínimos legais .
A pena de multa tem de representar uma censura suficiente do facto e , simultaneamente , uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada .
Em 15 de Setembro de 2007 entraram em vigor as alterações introduzidas no Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.
Em face da nova redacção do art.47.º, n.º 2 do Código Penal , actualmente em vigor, “ cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”.
Nos termos do art.2.º, n.º 4 do Código Penal, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores , é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente.
Sendo de € 5 o limite mínimo da taxa diária de multa, é evidente que a lei penal vigente não é concretamente mais favorável ao arguido.
O arguido pretende a redução da taxa diária da pena de multa para o mínimo legal considerando que o Tribunal presumiu um rendimento superior ao realmente auferido. Tendo sido concedido apoio judiciário ao arguido nunca poderia ser-lhe aplicada aquela taxa.
Vejamos.
O tribunal recorrido deu como provado que o arguido é solteiro, licenciado em direito, trabalha como “formador de cidadania”, aufere montante não concretamente apurado e vive sozinho numa casa pertencente a seus tios.
Quanto à concessão do apoio judiciário nada é referido na sentença, o que é natural por ter sido concedida apenas após a sua leitura.
A situação económica e financeira apurada, pese embora tenha lacunas, não permitem traçar um quadro do arguido como pessoa indigente, que vive na pobreza. Trata-se de uma pessoa licenciada, que vive sozinho numa casa, e desenvolve um trabalho a que não é alheia a sua formação superior.
Deste modo, considerando a moldura da taxa diária da pena de multa, e o atrás exposto, o Tribunal da Relação considera que os 81 dias de multa à taxa diária de € 1 pretendida pelo arguido não tem qualquer fundamentação nos factos provados.
Já a taxa de € 10 fixada pelo Tribunal recorrido tem correspondência com o sofrimento que implica a privação de liberdade pelo número de dias determinado (mesmo que só normativamente correspondente), não colocando em causa as finalidades próprias da multa , como pena criminal , pecuniária.
Assim, entendemos manter, por equilibrada e adequada à situação apurada na sentença , a pena diária de multa fixada pelo Tribunal recorrido.
É evidente que se posteriormente à sentença a sua situação económica e financeira se alterou para pior, poderá o arguido recorrer ao pagamento da multa em prestações ou mesmo a sua substituição por trabalho, tudo nos termos do disposto nos artigos 47.º e 48.º do Código Penal.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento aos recursos interpostos pelo arguido NM... do despacho de 10 de Julho de 2008 e da sentença recorrida e, consequentemente, manter as decisões recorridas.
Custas pelo recorrente, fixando em 8 UCs a taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Coimbra,