Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
424/2001.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Data do Acordão: 02/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 273º DO CPC
Sumário: 1. A ampliação do pedido após a réplica não pode assentar nem numa causa de pedir ex novo; nem tão pouco numa ampliação da causa de pedir inicial, como é indiscutível face ao nº 1 do art.273º do CPC.

2. Não chega a haver alargamento da causa de pedir inicial quando o autor logo deixa a porta entreaberta para a probabilidade de surgimento de novos elementos circunstanciais que, sem descaracterizarem aquela, todavia a reforçam, qualitativa ou quantitativamente.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A... intentou na comarca de Tomar acção declarativa com processo ordinário contra B... pedindo a condenação desta no pagamento de Esc. 19.481.870$00, acrescidos de juros desde a citação, alegando ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais que globalmente computa em Esc. 20.181.870$00, em consequência de certo acidente de viação culposamente provocado pela condução do pesado de mercadorias 85-05-BL, na altura coberta por válido contrato de seguro de responsabilidade civil outorgado com a Ré para esse fim.

Contestou esta última, aceitando a culpa do segurado e impugnando os danos, por excessivamente quantificados, bem como a incapacidade de que o Autor ficou a padecer.

O processo seguiu os seus termos e, com a fase de instrução completada com o relatório do Instituto de Medicina Legal sobre o exame clínico efectuado ao A., mas antes ainda de iniciado o julgamento, veio o mesmo A. - cfr. fls. 288-292 - requerer a ampliação do pedido de molde a que, como pedido principal, a Ré fosse condenada a pagar-lhe € 315.000,00, a actualizar no futuro em função da variação das taxas líquidas médias de juro bancário, a título de reparação da perda total da capacidade de ganho, sem prejuízo dos valores inicialmente pedidos para reembolso de despesas ressarcimento dos danos morais; e, subsidiariamente, pelo menos, a pagar-lhe metade da indemnização a arbitrar sob a forma de renda vitalícia ou, não procedendo ainda este pedido, no valor da perda da capacidade de ganho global e do agravamento dessa incapacidade, com apuramento do capital produtor do respectivo rendimento tendo em atenção a profissão do A..

Notificada, a Ré não se pronunciou.

Aberta a audiência de julgamento o M.mo Juiz, tomando posição sobre aquele requerimento, proferiu o despacho de fls. 302-303 no qual, considerando que estava em apreço o grau de incapacidade do Autor e que a perícia do IML (agora invocada) não alterava para mais a percentagem que já havia sido aduzida na petição inicial, não admitiu, por falta de fundamento, a pretendida ampliação do pedido.

Irresignado, recorreu o Autor, recurso admitido como agravo com subida diferida.

Terminado o julgamento veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 61 986,03 € (€ 591,67 € + € 34 197,50 € + € 12 232.92 + € 14 963,94), a que acrescem juros à taxa legal de 7% contados desde 26/10/01 até 30/4/03 e 4% após esta data e até efectivo pagamento, e absolveu-a quanto ao demais.

Inconformados, recorreram Ré e Autor, recursos admitidos como de apelação, com efeito meramente devolutivo, declarando o A. manter interesse no agravo retido.

Corridos os vistos cumpre decidir.

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Nos termos do disposto no nº 6 do art.º 713 do CPC, por não ter sido impugnada nem haver lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão da 1.ª instância que decidiu aquela matéria.

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Conhecer-se-á em primeiro lugar do agravo visto não apenas ser essa a ordem de interposição dos recursos (art.º 710,nº 1 do CPC), mas porque do seu eventual provimento advirá necessariamente prejuízo para a apreciação das apelações.

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Do agravo.

Nas respectivas alegações vêm formuladas as seguintes conclusões delimitadoras do respectivo objecto:

I

A ampliação do pedido formulada pelo autor é permitida pelo n.° 2 do artigo 273.° do Código de Processo Civil e está virtualmente contida no pedido e causa de pedir iniciais.

II

O pedido de aumento da indemnização foi formulado após a produção da prova e junção aos autos do Relatório Final do Instituto Nacional de Medicina Legal, pelo que se cifra em simples ampliação do pedido inicial, não envolvendo, portanto, «alteração do pedido».

III

Sem embargo, o autor, ora agravante, no artigo 48.° da petição inicial articulou que «o estado de saúde do autor continua a agravar-se, nomeadamente, cada vez tem mais dificuldades em se locomover, pelo que foi obrigado a passar a usar uma canadiana para se poder deslocar», dado o agravamento do seu estado de saúde.

IV

O Tribunal deu como provado este facto nas respostas aos pontos controvertidos da matéria de facto, pelo que a ampliação do pedido é legítima, feita de boa fé e não contende com quaisquer expectativas contrárias da ré, que colocada na posição normal do bonus pater familias a devia prever como consequência directa em termos de causalidade adequada do acidente por que é responsável.

V

Pelo que o M.mo Juiz de Direito do Círculo Judicial de Tomar ao interpretar e aplicar a norma do n.° 2 do artigo 273.° do Código de Processo Civil no sentido indicado, fez errada interpretação e aplicação da lei, a qual deve, ao invés, ser interpretada como admitindo a ampliação do pedido formulado oportunamente pelo autor, ora recorrente, ampliação que não envolve alteração do pedido, nem da causa petendi, entendida esta como facto ou conjunto de factos concretos donde deriva o direito do autor, segundo o direito objectivo aplicável, recenseado no instituto da responsabilidade civil aquiliana, no caso.

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Não houve contra-alegações.

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A questão posta no agravo é, pois, a de saber se, perante o circunstancialismo invocado pelo A. no respectivo requerimento, havia ou não fundamento para admitir a modificação do pedido nos termos dele constantes.

Lendo o despacho recorrido fica a ideia de que a pretensão apresentada é inepta porque contraditória com a causa de requerer, isto é, que o autor pediu mais embora acabasse de trazer aos autos um elemento de prova que indicaria um dano inferior.

Estar-se-ia em presença de um absurdo lógico.

Com efeito, escreveu-se no despacho que, por um lado, no requerimento sub judice vinha alegado, de harmonia com o relatório de perícia médico-legal de fls. 253 a 263, "que o Autor sofre de incapacidade permanente geral de 35% a partir da data de consolidação"; e, por outro lado, que na petição inicial fora afirmado "que o Autor ficou com a incapacidade permanente de 50%". Donde o entendimento do despacho recorrido de que " No caso concreto não há assim uma alteração para mais na incapacidade do Autor que permita a alteração do pedido ora formulado".

Vejamos.

O que o Autor na verdade carreou de substancialmente inovador perante o que inicialmente articulara – com o objectivo claro de elevar o quantitativo da indemnização que adequadamente intentava obter da Ré - foi a circunstância de, segundo ele, os elementos de prova, e especificamente o relatório do IML que tinha sido junto aos autos, terem revelado que, por força do acidente, além da incapacidade permanente geral, aí fixada em apenas 35%, também lhe sobrevieram sequelas incompatíveis com o exercício da actividade profissional bem como qualquer outra na sua área de formação técnico-profissional, ou seja, geradoras de definitiva e total incapacidade para a profissão e actividades afins - vide o teor dos art.ºs 4º e 7º e seguintes daquele requerimento.

Sendo certo que, ao longo da petição inicial, por ele também já tinha sido afirmado que "Tais sequelas determinam para o A. uma incapacidade parcial permanente de 50%, á qual se junta dano futuro de 5% (doc. nº 2)" (art.º 46); "O estado de saúde do A. continua a agravar-se (…)" (art.º 48); "À data do acidente, o A. era serralheiro mecânico (…)" (art.º 49); "O A. ficou portador de sequelas que o obrigam a coxear, atrofias musculares no braço e perna esquerda, deixou de ter força nos braços (…)" (art.º 52).

Em tal contexto do articulado inicial havia o A. formulado o pedido respectivo, calculando o dano patrimonial correspondente ao grau (55%) de incapacidade geral permanente em Esc. 15.000.000$00 (cfr. os art.ºs 67º e 73º).

Ora, o nº 2 do art.º 273 do CPC preceitua que o autor pode (livremente) ampliar o pedido na réplica; e ainda "até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo".

Tem-se entendido (A. dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, p. 93) que há consequência ou desenvolvimento do pedido primitivo quando a ampliação se possa considerar virtualmente contida no pedido inicial.

Não foi propriamente feliz a explicitação assim encontrada.

Na verdade, aquilo que está virtualmente contido (por conseguinte, o virtual conteúdo) nunca poderá ser um mais em relação ao seu continente: só pode ser (quantitativamente) um menos.

O que na expressão da norma se procura significar é que, movendo-se na mesma causa de pedir, seria viável ao autor a formulação do pedido ampliado logo na petição inicial. Não obstante, a dedução deste pedido mais abrangente não veio a ocorrer inicialmente - por simples omissão do autor ou por indisponibilidade de elementos suplementares cuja superveniência já nesse momento se apontava como possível. Trata-se, portanto, de ampliação virtualmente admitida sim mas na concreta causa de pedir explanada na petição.

A ampliação do pedido após a réplica não pode assentar nem numa causa de pedir ex novo; nem tão pouco numa ampliação da causa de pedir inicial, como é indiscutível face ao nº 1 do art.º 273 do CPC. É que mesmo esta última situação implica sempre a abertura de um contraditório com a possibilidade de resposta do réu em novo articulado, que só pode ser a tréplica (art.º 503, nº 1 do CPC).

A ampliação da causa de pedir supõe seguramente um reforço da mesma em qualidade ou quantidade.

Mas não chega a haver alargamento da causa de pedir inicial quando o autor logo deixa a porta entreaberta para a probabilidade de surgimento de novos elementos circunstanciais que, sem descaracterizarem aquela, todavia a reforçam, qualitativa ou quantitativamente. O que importa é que o réu já pôde precaver-se quanto a essa probabilidade na fase dos articulados (assim se assegurando o imperioso contraditório), tudo se resumindo à demonstração pelo autor da factualidade complementar em sede de julgamento.

No caso concreto, a Ré, confrontada com o teor da alegação do A. na petição, e, portanto, alertada para a eventualidade do agravamento do estado do A. e para a repercussão das sequelas por ele sofridas (nomeadamente ao nível da força dos braços) desde logo ao nível da respectiva profissão (de serralheiro mecânico) teve oportunidade de contrariar aquelas afirmações, fosse por negação simples, fosse pela invocação de matéria impeditiva ou modificativa.

E fê-lo efectivamente, porquanto impugnou por desconhecimento toda a descrição da petição quanto à natureza, extensão e progressividade da incapacidade do Autor (vide os art.ºs 5 e 6 da contestação, onde são impugnados os art.ºs 24 a 79 da p.i.).

Verificou-se, pois, com o requerimento de fls. 288-292, um desenvolvimento do pedido inicial que, por sua vez, é produto da evolução anunciada de factos já esgrimidos na causa de pedir inicial e da sua directa influência na pretensão final. Aquela não foi por isso ampliada mas meramente actualizada, com a simples concretização da matéria que já indiciariamente nela se achava presente.

Daí que, diante de uma maior complexidade, seja permitido ao A. a adequação do pedido, ampliando-o com fim de o ajustar à integralidade mais recente da sua lesão.

Sem embargo da possível adjunção de pedidos subsidiários que são, como o nome indica, substitutivos da primeira finalidade, sem deixarem de ser processualmente ditados pela mesma materialidade que justifica o pedido principal.

Procedendo deste modo as conclusões do agravo, importa admitir a requerida ampliação, incluindo-se na base instrutória a matéria respectivamente alegada na 2ª parte do art.º 7 e na 1ª parte do art.º 9 do requerimento de fls. 288-292, e repetindo-se apenas nessa parte julgamento, com a anulação dos actos subsequentes à decisão da mesma matéria de facto.

Pelo exposto:

1 – Revogam o despacho recorrido, admitindo a ampliação do pedido formulada pelo A. a fls. 288-292, tendo em vista o apuramento do circunstancialismo acima referido em sede de audiência de julgamento;

2 – Julgam prejudicado o conhecimento das apelações de A. e Ré.

Sem custas (al.ª o) do nº 1 do art. 2º do CCJ, na anterior redacção).