Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
127/06.5TBPNC.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO MIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
CONTRA-ORDENAÇÃO ESTRADAL
Data do Acordão: 10/22/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE PENAMACOR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 132.º E 188.º DO CÓDIGO DA ESTRADA; 27.º-A E 28.º DO REGIME GERAL DAS CONTRA-ORDENAÇÕES.
Sumário: I. – Não prevendo o Código da Estrada um regime especifico e próprio quanto ao regime de suspensão e/ou da interrupção da prescrição ou de norma expressa que afaste o regime geral, é aplicável o regime geral contido no Regime Geral das Contra-Ordenações, por imposição do artigo 132.º do mesmo diploma legal que prevê, expressa e inequivocamente, a aplicação subsidiária, às contra-ordenações rodoviárias, do regime geral das contra-ordenações.
Decisão Texto Integral:
I. Relatório:
1. A …, devidamente identificada nos autos, impugnou judicialmente a decisão da Governadora Civil do Distrito de Castelo Branco que lhe impôs a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias, pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 21.º.º, n.º 1, do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, sancionável nos termos dos artigos 136.º, n.ºs 1 e 3, 138.º, 146, al. l), e 147.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código da Estrada.
Por sentença de 14 de Maio de 2008 (cfr. fls. 344 a 349 dos autos), o 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Penamacor negou provimento ao recurso, mantendo a decisão administrativa recorrida.
2. Inconformado com a decisão, dela recorreu a arguida, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1.ª – A arguida no dia, hora e local em causa parou ao sinal STOP que se encontrava no cruzamento em questão; tendo verificado que não circulava qualquer veículo na outra via iniciou novamente a sua marcha, com a correcta e devida segurança, pelo que não cometeu qualquer infracção;
2.ª – A recorrente entende não ter sido feita prova cabal dos factos dados como provados na douta sentença do Tribunal a quo, em audiência de julgamento, o que implica uma insuficiência dos factos provados para se decidir pela condenação da recorrente (art. 410.º, n.º 2 do CPP);
3.ª – Tanto a recorrente/arguida como as testemunhas apresentadas pela defesa, prestaram juramento e depuseram de forma clara e imparcial, como se pode verificar da gravação da prova;
4.ª – As testemunhas de defesa presenciaram os factos e sobre eles depuseram de forma clara e imparcial, referindo que a recorrente parou efectivamente antes de entrar no cruzamento, obedecendo ao sinal B2 de paragem obrigatória;
5.ª – Ora, e com mui respeito que nos é devido, e face à prova produzida em sede de julgamento, não pode o tribunal a quo concluir, sem margem para dúvidas, que a recorrente cometeu a infracção de que vinha acusada;
6.ª – Pelo que, há erro notório na apreciação da prova. Não ficou provado que a recorrente não tenha parado ao sinal B2 (art. 23.º, alínea a), conjugado com o art. 21.º, ambos do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro;
7.ª – E em obediência ao princípio do in dubio pro reo, considerado não apenas como princípio de prova, mas também como um princípio geral do processo penal, vertido no n.º 2 do art. 32.º da CRP, face à insuficiência da prova apresentada pela acusação e face à prova conclusiva apresentada pela defesa, na dúvida, o Tribunal deve absolver a arguida;
8.ª – O que não aconteceu no caso em apreço, o que consubstancia uma clara violação do art. 32.º da CRP;
9.ª – Caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, da infracção em causa nos autos não resultou qualquer perigo concreto para o trânsito de veículos ou pessoas, nem foi causa de nenhum acidente;
10.ª – Pelo que não se vislumbram razões de prevenção que se possam opor à dispensa de pena acessória de inibição de conduzir;
11.ª – Por se verificarem todos os pressupostos do art. 74.º do Código Penal (aplicável por força do art. 32.º do Regime Geral das Contra-ordenações – DL n.º 433/82, de 27/10 – e, ainda, por força da remissão realizada pelo art. 141.º do CE), deve determinar-se a dispensa da aplicação de pena acessória de inibição de conduzir;
12.ª – Ou ainda assim, caso não se entenda e porque se encontram verificados todos os pressupostos para que seja decretada a suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir, pelo período mínimo de seis meses;
13.ª – Violando a douta sentença do Tribunal a quo, nestes termos, o disposto nos arts. 139.º, 140.º, 141.º e 146.º, do CE;
14.ª – Segundo a tese sufragada pelo Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa (TPIC), o CE instituiu um regime especial do processo, só se aplicando subsidiariamente a Lei Geral das Contra-Ordenações quando expressamente o CE para este remete ou é totalmente omisso;
15.ª – Trata-se de uma norma especial, que derroga, portanto, a lei geral, estabelecendo um prazo de prescrição único, independente do valor das coimas, para todas as contra-ordenações rodoviárias;
16.ª – “…O legislador quis fixar a prescrição do procedimento contra-ordenacional rodoviário em dois anos, simplificando a contagem dos prazos, mas sem pretender, claro está, aumentar os prazos prescricionais que a aplicarem-se os regimes da interrupção e da prescrição previstos na lei geral, poderiam prolongar-se por três anos e seis meses numa contra-ordenação leve”;
17.ª – Sendo certo que a prescrição do procedimento contra-ordenacional é de conhecimento oficioso;
18.ª – Deveria a douta sentença do Tribunal a quo ter declarado o procedimento contra-ordenacional extinto por prescrição.
3. Na reposta que apresentou, referiu, nas respectivas conclusões, o Ministério Público:
1. Não enferma a douta sentença recorrida de quaisquer vícios, não tendo sido violadas as disposições legais referidas pela recorrente, não tendo o tribunal ficado, pelos motivos expostos nos pontos 5.º a 9.º da presente resposta, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais, com dúvidas quanto aos factos que considerou provados, não havendo, por isso, lugar à absolvição da arguida por esse motivo.
2. No que respeita à inibição de conduzir, não assiste também qualquer razão à recorrente, pelos factos e fundamentos expostos nos pontos 10.º a 12.º da presente resposta, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
3. Relativamente à prescrição do procedimento contra-ordenacional, não assiste igualmente razão à recorrente, uma vez que, na data em que a sentença foi proferida, o procedimento não se encontrava prescrito, conforme o exposto nos pontos 13. a 14. da presente resposta, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Pelo que, não enfermando a douta sentença de quaisquer erros ou vícios, deverá o recurso ser julgado improcedente por falta de fundamento, devendo a douta sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos.
4. Admitido o recurso, foram os autos distribuídos nesta Relação.
O Digno Procurador-Geral Adjunto, em douto parecer, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal, a arguida/recorrente respondeu nos termos de fls. 417/431.
Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II. Fundamentação:
1. A interposição e regime de recurso, para o Tribunal de Relação, de decisões proferidas em 1.ª Instância, em processo de contra-ordenação, deve observar as regras específicas referidas nos arts. 73.º a 75.º do DL 433/82, de 27-10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95, de 14-09 e pela Lei n.º 109/2001, de 24-12 (Regime Jurídico das Contra-Ordenações, doravante apenas designado por RGCO), seguindo, em tudo o mais, a tramitação do recurso em processo penal (art. 74.º, n.º 4), em função do princípio da subsidiariedade genericamente enunciada no art. 41.º, n.º 1 do citado diploma.
Em recursos interpostos de decisões do Tribunal de 1.ª Instância, no âmbito de processos de contra-ordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação temática aos termos e ao sentido da decisão recorrida”, “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. art. 75.º, n.ºs 1 e 2, ainda do mesmo corpo normativo).
Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).
São estas as questões que o recorrente submete à apreciação deste tribunal da Relação:
a) Se se encontra extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional dos autos;
b) Da alterabilidade da matéria de facto;
c) Erro notório na apreciação da prova;
d) Violação do princípio de presunção de inocência consagrado no artigo 32.º da CRP, afirmado processualmente no princípio in dubio pro reo;
e) Se, por estarem verificados os pressupostos do artigo 74.º do Código Penal, ao arguido/recorrente deve ser aplicada “dispensa de pena acessória de inibição de conduzir”;
f) Caso assim não seja entendido, se se impõe seja decretada a suspensão da execução da referida pena acessória;
2. Na sentença recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:
a) No dia 08/06/2005, pelas 22 horas e 30m, a recorrente conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula QE-XX-XX, no cruzamento da Estrada Nacional n.º 233 com a Estrada Nacional n.º 346, sito nesta Comarca.
b) Sendo que, no referido cruzamento, a recorrente não efectuou a paragem perante o sinal B2 Stop que ali se encontrava.
c) A recorrente não procedeu com o cuidado a que estava obrigada, que lhe era exigível e de que era capaz.
d) A recorrente procedeu ao pagamento voluntário da coima.
e) Por decisão proferida pela Governadora Civil do Distrito de Castelo Branco, em 24/10/2005, foi aplicada à recorrente a sanção acessória de inibição de condução pelo período de 30 dias.
f) A recorrente não tem averbada no seu registo de condutor a prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave.
g) A recorrente está desempregada.
h) Vive com o companheiro, em casa pertença da mãe deste, não despendendo qualquer quantia por aí viver, e um filho de ambos com cerca de uma no e meio de idade.
i) O companheiro é pedreiro, auferindo mensalmente a quantia de 600,00 €.
j) Durante cerca de mais um ano a recorrente não pretende arranjar actividade remunerada para poder tomar conta do filho.
3. Não havendo factos não provados a considerar, relativamente à motivação da decisão de facto ficou consignado:
A convicção do Tribunal para prova dos factos provados baseou-se nos diversos elementos constantes dos autos, designadamente, no auto de contra-ordenação de fls.5, o qual faz fé em juízo até prova em contrário, o teor da decisão administrativa de fls.12 e 13, e no registo individual de condutor constante de fls.8 e 9.
Mais interessou para prova dos factos constantes dos pontos 1) a 3), os depoimentos conjugados das testemunhas … e …, agentes autuantes que, com conhecimento directo dos factos, confirmaram a versão deles constante, afirmando peremptoriamente que se encontravam junto ao posto de combustível existente perto do local, o qual se situa em nível superior ao do cruzamento em causa, e viram que a arguida não procedeu à paragem imposta pelo sinal de Stop, motivo porque a mandaram parar.
Tais depoimentos, isentos e objectivos, mereceram toda a credibilidade do tribunal, em detrimento dos depoimentos prestados pelas testemunhas … e …, os quais se mostraram tendenciosos e pouco credíveis.
No que concerne à situação profissional e económica da recorrente foram relevantes as declarações prestadas pela própria e o depoimento de …, seu companheiro.
4. Do mérito do recurso:
4.1. Preliminarmente, há que decidir sobre a invocada prescrição do procedimento contra-ordenacional.
Tendo em conta a data da prática dos factos (08-06-2005), ao caso sub judicio é aplicável o Código da Estrada, na versão do DL 44/2005, de 23 de Fevereiro.
Em matéria de prescrição do procedimento, o referido diploma apenas estabelece que o respectivo prazo é de dois anos (cfr. artigo 188.º), não regulando expressamente causas de suspensão e/ou interrupção.
Ora, na falta de qualquer disposição especial sobre o regime de suspensão e/ou da interrupção da prescrição ou de norma expressa que afaste o regime geral, é este o aplicável.
Acompanhando de perto o que ficou escrito no Ac. desta Relação de 16-07-2008, no qual o relator do presente interveio como adjunto, em termos de interpretação sistemática, não faria qualquer sentido o C.E definir um regime já suficientemente regulado no Regime Geral, a não ser que quisesse afastar a sua aplicação – como sucede com a definição do prazo da prescrição em que houve a clara intenção de prever um regime (especial) diverso.
Aliás, o artigo 132.º do C.E, inserido no capítulo I, relativo às “Disposições Gerais” do Título VI (Da responsabilidade) prevê, expressa e inequivocamente, a aplicação subsidiária, às contra-ordenações rodoviárias, do regime geral das contra-ordenações.
Assim, sem necessidade de maiores considerações, não resta qualquer dúvida de que a previsão normativa dos artigos 27.º-A e 28.º, ambos do RGCO (redacção da Lei n.º 109/2001, de 24-12), é aplicável ao procedimento por contra-ordenação de natureza rodoviária.
Prevendo os casos de suspensão da prescrição, estatui o art. 27.º-A do RGCO:
«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do art. 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da autoridade administrativa que aplicou a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses».
Por sua vez, o art. 28.º do mesmo diploma elenca as causas interruptivas da prescrição do procedimento contra-ordenacional da seguinte forma:
«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a comunicação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3. A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade».
No caso concreto em apreciação, a prescrição interrompeu-se, designadamente, com a prolação da decisão administrativa, com a notificação do despacho que procedeu ao exame preliminar da decisão da autoridade administrativa e com a notificação da decisão judicial de 1.º instância, ou seja, em 24-10-2005, 02-10-2006 e 14-05-2008 [cfr. als. a) e d) do n.º 1 do artigo 28.º do RGCO].
Por seu turno, suspendeu-se a partir da notificação à arguida do despacho que procedeu ao exame preliminar da decisão da autoridade administrativa até à decisão final do recurso, ou seja, desde 02-10-2006 a 14-05-2008 [cfr. al. c) do artigo 27.º-A do RGCO).
Depois de cada interrupção começou a correr novo prazo de prescrição de dois anos (cfr. artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal e artigo 32.º do RGCO).
Assim, entre as referidas datas não mediou o prazo de prescrição de dois anos legalmente fixado.
No entanto, de acordo com a previsão, integrada, do n.º 3 do artigo 28.º e do n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO, o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática daquela tenha decorrido o prazo de 3 anos e 6 meses [prazo normal de 2 anos, acrescido de metade (1 ano) e do prazo máximo de suspensão (6 meses)].
Como a contra-ordenação dos presentes autos se verificou em 8 de Junho de 2005, desde esta data ainda não decorreu o referido prazo de 3 anos e 6 meses.
Por todo o exposto, é apodíctico que, neste momento, o procedimento contra-ordenacional não se encontra extinto por prescrição.
4.2. Sobre a impugnação da matéria de facto:
Como já acima ficou dito, a propósito dos poderes de cognição deste Tribunal da Relação, o recurso interposto pela recorrente está limitado, por imperativo legal, a matéria de direito.
Não havendo norma no âmbito do Regime Geral das Contra-Ordenações que admita o recurso relativo a matéria de facto, com excepção dos casos de processamento das contra-ordenações juntamente com crimes, em que lhes é aplicável o regime de recursos vigente para os ilícitos penais (cfr. artigo 78.º), prevalece o n.º 1 do artigo 75.º do citado diploma, que restringe o recurso no domínio das contra-ordenações a matéria de direito.
Daí que esteja legalmente vedado a este Tribunal de 2.º instância a sindicância da matéria de facto que o tribunal a quo deu como provada e não provada.
4.3. Do erro notório na apreciação da prova:
Resulta claro do artigo 410.º, n.º2, do Código de Processo Penal, que tal vício apenas se verifica quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente uma conclusão sobre o significado da prova contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito de factos relevantes para a decisão de direito.
Percorrendo as conclusões da motivação do recurso, facilmente nos damos conta de que a recorrente questiona, não o texto da decisão recorrida, mas sim o modo como o tribunal de 1.ª instância procedeu à apreciação da prova que foi produzida e lhe aplicou o direito.
Ou seja, a recorrente não se circunscreve ao acervo factológico que o tribunal a quo consagrou na decisão da matéria de facto vertida no acórdão; antes, partiu da valoração que ela próprio estabeleceu da matéria de facto produzida em audiência de julgamento para, com base nessa apreciação de cariz pessoal e subjectivo, argumentar a existência do vício plasmado na al. c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
Assim, tendo em conta a essência do vício em causa, é facilmente perceptível que o mesmo não se verifica, pois os factos dados como provados e não provados são claros, precisos e encontram-se em consonância com a pormenorizada e lógica motivação da decisão de facto.
4.4. Da violação do princípio in dubio pro reo:
A violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratado como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o tribunal, na dúvida optou por decidir contra o arguido.
O referido princípio é um corolário da presunção de inocência, consagrada constitucionalmente no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos (cfr. artigo 18.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa; 11.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem; 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos e Liberdades Fundamentais, e 14.º, n.º 2, d o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos).
Colocado o tribunal de julgamento perante dúvida insanável em matéria de prova, deve aplicar o dito princípio.
Um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que o referenciado princípio se afirma.
Retomando o caso que se nos depara, não existe o mínimo indício de o tribunal a quo ter ficado na dúvida em relação aos pontos de facto postos em destaque pelo recorrente, reapreciados por este tribunal ad quem nos termos supra indicados.
Como assim, não existe non liquet no caso vertente: mostrando-se o tribunal a quo convicto da prova dos factos que deu como provados, não poderia aplicar o princípio in dubio pro reo, não se mostrando, deste modo, violada a norma do artigo 32.º, n.º 2, da CRP.
4.5. Da dispensa da pena acessória de inibição de conduzir:
Apelando ao disposto no artigo 74.º do Código Penal, pretende a recorrente a dispensa da pena acessória de inibição de conduzir que lhe foi imposta no domínio deste processo.
Contudo, o instituto de dispensa da pena previsto no referido artigo não se encontra previsto no âmbito do direito de mera ordenação social, quer na lei geral (RGCOC) quer na lei especial (C.Estrada), sendo, por isso, inaplicável no vertente caso.
Aliás, vê-se claramente que a não inclusão deste instituto no Código da Estrada correspondeu a uma opção “pensada” do legislador, porquanto, doutro modo, teria sido expressamente regulado, como sucedeu com a atenuação especial (artigo 140.º) e a suspensão da execução da pena acessória (artigo 141.º).
4.6. Da suspensão da execução da sanção acessória:
Volta o recorrente a insistir na aplicação da suspensão da execução da sanção acessória que lhe foi imposta.
Porém, como decorre expressis verbis do artigo 141.ºdo C.Estrada, apenas pode ser suspensa a execução de sanção acessória aplicada a contra-ordenação grave, e não também a contra-ordenação com a natureza da que foi praticada pela recorrente, ou seja, muito grave.
5. Responsabilidade pelas custas:
Perante a improcedência do recurso, impõe-se a condenação da recorrente no pagamento das custas, por força das disposições conjugadas dos arts. 513.º e 514.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, e 82.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do Código das Custas Judiciais.
Tendo em conta a complexidade do processo e a situação económica da recorrente, fixa-se em 3 UC a taxa de justiça.
III. Dispositivo:
Posto o que precede, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.