Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17498/11.4YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO
OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DE CONTRATO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 01/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU – 3ª JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 269/98, DE 01/09; ARTº 490º, Nº 2 DO CPC; 428º CC
Sumário: I – A acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior à alçada da Relação (arts.1º a 4º do anexo ao Regime dos Procedimentos referido no art.1º do DL nº 269/98 de 1/9) comporta apenas dois articulados (petição e contestação), com um regime simplificado, semelhante ao do processo sumaríssimo.

II - O ónus de impugnação especificada, previsto no art. 490º, nº 2 do CPC, não tem aplicação aos casos em que a excepção haja sido invocada no último articulado, legalmente admissível, ao qual o autor não respondeu.

III - Num contrato de empreitada, o dono da obra pode opor a excepção de não cumprimento do contrato (art. 428º do CC), recusando-se a pagar o preço, se a obra apresentar defeitos.

IV - Para funcionar a exceptio é necessária a demonstração da denúncia dos defeitos e a exigência do direito que pretende exercer.

V - O direito potestativo à excepção do não cumprimento do contrato (art. 428º CC), pode ser exercido extrajudicialmente, através de uma declaração receptícia, à semelhança da resolução extra-judicial (art. 436º, nº 1 CC), embora, quando proposta a respectiva acção, não dispense a arguição intraprocessual.

VI - A procedência da excepção do não cumprimento do contrato implica, não a absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I - RELATÓRIO

1.1.- O Autor – M… - instaurou (14/03/2011) acção declarativa para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, com forma de processo especial, contra a Ré – A...

Alegou, em resumo:

Em 17 de Dezembro de 2002, vendeu e prestou à Ré, a solicitação desta, os materiais e serviços constantes da factura nº 456 de 17 de Dezembro de 2002, no valor de € 3.082,10, que não pagou, tendo ainda prejuízos adicionais de € 150,00.

Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia total de €5.763,07, sendo que €3.082,10 corresponde ao capital em dívida; €2.479,97 aos juros de mora, €150,00 referente a outras quantias e €51,00 respeita à taxa de justiça paga.

Contestou a Ré, em síntese:

Reconhece ter contratado com o Autor a parte de carpintaria de uma casa de habitação que andava a restaurar, designadamente a construção e colocação das escadas para o sótão, com os respectivos corrimões, bem como o forro da sala. O Autor começou os trabalhos em Setembro/Outubro de 2002, mas não os acabou, tendo a Ré, por carta de 6 de Janeiro de 2003 denunciado determinados defeitos, pelo que invoca a excepção do não cumprimento do contrato.

Respondeu o Autor, contraditando a excepção.

1.2. - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção procedente e condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3.082,10, a crescida de juros moratórios até à data da entrada em juízo da petição inicial, no valor de € 2.479,97, mais acrescendo outras despesas, no valor de € 150,00.

1.3.- Inconformada, a Ré recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:

...

Não houve contra-alegações.


II - FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. – Objecto do recurso

            Os factos alegados nos artigos14º a 20º da oposição (admissão por acordo);

            O contrato de empreitada e a excepção de não cumprimento.

            2.2. – Os factos

...

Estamos perante acção declarativa especial para cumprimento de obrigações comerciais de valor não superior à alçada da Relação, por força do art.7º, nº4 do DL nº 32/2003, de 17/2, com a redacção do DL nº 107/2005, de 1/7.

Esta acção, de acordo com o regime legal (arts.1º a 4º do anexo ao Regime dos Procedimentos referido no art.1º do DL nº 269/98 de 1/9) comporta apenas dois articulados (petição e contestação), com um regime simplificado, semelhante ao do processo sumaríssimo.

Entende-se, porém, que o ónus de impugnação especificada, previsto no art. 490º, nº2 CPC, não tem aplicação aos casos em que a excepção haja sido invocada no último articulado legalmente admissível ao qual o autor não respondeu, na medida em que não tinha que fazê-lo, uma vez que a previsão do art.505º do CPC apenas se aplica aos casos em que falte o articulado de resposta ou no mesmo se omita a impugnação, não sendo extensível às situações em que inexista legalmente qualquer articulado para efectuar a impugnação (cf., por ex., Ac RC de 2/2/2010 - proc. nº 444180/08; Ac RC de 23/10/2012 - proc. nº 29063/11, disponíveis em www dgsi.pt).

É certo que quando deduzida alguma excepção na contestação, pode o autor exercer o contraditório (art.3º, nº4 CPC) no início da audiência de julgamento, tal como aqui sucedeu, mas isso não tem a ver com o ónus de impugnação especificada, sendo que, como se evidencia pelo despacho exarado em acta, tais factos foram considerados controvertidos e carecidos de produção de prova, razão pela qual se remeteu para a decisão final o conhecimento da respectiva alegação.

2.4. - 2ª QUESTÃO

(A excepção de não cumprimento)

A sentença recorrida julgou improcedente a excepção de não cumprimento com base nos seguintes tópicos argumentativos:

Não pode considerar-se como verdadeira denúncia as cartas enviadas ao Autor porque nelas não indica, com precisão, quais os direitos que pretende exercer;

O direito de denúncia e do exercício dos direitos já caducaram (“ Não obstante, ainda que assim não seja, sempre o direito da Ré, de denunciar os defeitos e exercer o seu direito de acordo com o estatuído nos art. 1221º a 1223º do CC ou mesmo exercer a excepção de não cumprimento do contrato, teria caducado, ante o disposto no art. 1225º do mesmo diploma, porquanto, a obra foi realizada no ano de 2002, estando, portanto, ultrapassado o prazo de 5 anos e o prazo de um ano de denúncia e de dedução de pedido de indemnização, assinalados naquele artigo, soçobrando o direito daquela, em virtude da caducidade do mesmo, improcedendo a tese sufragada pela Ré“).

Em contrapartida, objecta a Ré dizendo que a obra não foi concluída, logo, não houve sequer aceitação
A sentença recorrida qualificou correctamente o contrato celebrado entre a Autor e Ré como de empreitada (art.1207º do CC).

Tratando-se de um negócio jurídico bilateral, rectius, um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual, dele emergem reciprocamente direitos e deveres, consubstanciados numa relação jurídica complexa.

            Polarizando-se a relação jurídica obrigacional em torno de uma ou mais prestações típicas - deveres principais ou primários da prestação - o seu âmbito alarga-se, no entanto, aos deveres acessórios, secundários ou complementares de conteúdo diversificado, sujeitando ainda as partes à “ ordem envolvente da interacção negocial “, ou seja, a critérios normativos de razoabilidade e de boa fé, com uma função integrativa e reguladora das condutas dos contraentes. De tal forma que o direito positivo assevera que todo o negócio jurídico deve ser pontualmente cumprido e no cumprimento das obrigações como no exercício do direito correspondente devem as partes procederem de boa fé (arts.406 nº1 e 762 nº2 do CC).

            Comprovou-se que o preço da empreitada importou em € 3.082,10, mas a Ré recusou o pagamento com base na excepção do não cumprimento do contrato.

            A obrigação principal do empreiteiro é a de realizar a obra (art.1207 CC), em conformidade com o convencionado e sem vícios (art.1208 do CC), pois só assim o contrato se considera pontualmente cumprido (arts.406 do CC).

            Consistindo a obra na realização e colocação de uma escadaria e colocação de forro em tectos, provou-se que nas referidas escadas é visível, para além do mais, madeira com diferentes tonalidades, borne, pregos e tapa-poros que não foi removido, o mesmo sucedendo na parede junto àquelas escadas e, bem assim, no forro do tecto, observando-se nas escadas um apoio em madeira, o que significa uma prestação defeituosa, pois o vício apresenta-se como “deficiência ou alteração na forma, na estrutura da composição da coisa que resulta da sua concepção, execução, produção, fabrico”, e a deformidade como desvio relativamente ao acordo das partes. “No fundo, em qualquer caso, o defeito resulta de dois aspectos: desvio relativamente ao acordo das partes, nomeadamente quanto a qualidades especiais da coisa; vício que ponha em causa (ainda que parcialmente) a finalidade da coisa” (P. MARTINEZ, “ Compra e venda e empreitada”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol.III, pág.246). Noutra perspectiva, adopta-se um “conceito funcional de defeito” em que se “privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina”, a partir de uma concepção subjectiva de defeito (as partes determinaram no contrato as características fundamentais da coisa e o fim) ou de uma concepção objectiva (função normal das coisas da mesma categoria) - cf. CALVÃO DA SILVA, Compra e venda de Coisas Defeituosas, 4ª ed., pág.42 e segs..

O instituto da chamada “ exceptio non adimpleti contratus“ (art.428º do CC) tem o seu âmbito de aplicação nas obrigações sinalagmáticas, impondo que se tome em conta o princípio da boa fé e o apelo à ideia de abuso de direito (arts.762º nº2 e 334º CC).

            Mesmo que o cumprimento das prestações esteja sujeito a prazos diferentes, a exceptio pode ser sempre invocada pelo contraente, cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não sendo admissível por aquele que deveria cumprir primeiro. Sendo seguro que o art.428º CC se aplica também ao contrato de empreitada (cf. VAZ SERRA, BMJ 67, pág.26, e RLJ ano 105, pág.287) e porque o cumprimento defeituoso é uma das formas de incumprimento (art.798º e 799º CC), a excepção do não cumprimento funciona quando há falta de cumprimento, na modalidade de cumprimento defeituoso da prestação.

Deste modo, o dono da obra face ao cumprimento defeituoso pelo empreiteiro, pode recusar o pagamento do preço enquanto não forem eliminados os defeitos (cf. por ex., Ac RP de 4/11/91, C.J. ano XVI, tomo V, pág.179, Ac RC de 14/4/93, C.J. ano XVIII, tomo II, pág.35, Ac RC de 6/1/94, C.J. ano XIX, tomo I, pág.10).

Coloca-se a questão de saber se, para funcionar a exceptio é necessária a demonstração da denúncia dos defeitos e a exigência do direito que pretende exercer.

Tem-se entendido, embora não uniformemente, que a excepção apenas pode ser exercida após o credor haver, não só denunciado os defeitos, como exigir também que os mesmos sejam eliminados, a prestação substituída, o preço reduzido ou ainda o pagamento de uma indemnização por danos circa rem (cf PEDRO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, 1994, pág.328, Ac do STJ de 10/12/2009 - proc. nº 163/02, em www dgsi.pt).

Como elucida P. MARTINEZ, “ (…) não basta que os defeitos tenham sido denunciados; torna-se necessário que o devedor fique ciente da pretensão (ou pretensões) a que está adstrito. Nestes termos, após o credor ter indicado por qual ou quais dos direitos opta, é que nasce o crédito à pretensão e, só a partir desse momento, se pode deduzir a exceptio” (ibidem, pag.329).

            Competia à Ré demonstrar (art.342 nº2 do CC) a denúncia dos defeitos e a exigência, em simultâneo ou posterior, de um dos direitos que a lei lhe confere.

            Na situação dos autos, tanto na carta de 6 de Janeiro de 2003, como sobretudo na de 22 de Janeiro de 2003, a Ré procede a uma verdadeira denúncia.

            Na carta de 6 de Janeiro de 2003, a Ré diz, além do mais, mostrar o seu descontentamento quanto aos serviços prestados na obra que considera não estar acabado (“mas da maneira como se encontra, considero que mais uma vez o serviço ficou inacabado” (…) “ aquilo não é trabalho que se apresente”). Depois de lembrar que esteve à espera, sem que ele aparecesse, refere “nunca dificultei o seu trabalho, apenas queria e quero tudo como deve ser” e que, contrariamente ao combinado “ não aplicou mogno sapel na escadaria de acesso ao sótão”.

            Na carta de 22 de Janeiro de 2003, acusando a recepção da factura nº456 (17/12/2002), a Ré, depois de considerar os preços correctos, com excepção da verba de € 150,00 (reportada à “diferença da faixa no forro da sala”), diz claramente que “o trabalho não está concluído e apresenta deficiências”, lembra a reclamação anterior (“ao que parece não fez caso da minha reclamação”), referindo expressamente a falta de acabamento da escadaria, designadamente quanto às diferenças de madeira. Apela ao bom senso do Autor para que se possa resolver o assunto da obra, manifesta estar ao dispor para que, num fim-de-semana, ele possa verificar a reclamação. E termina “Aguardo contacto seu para que possamos resolver o assunto, pois só assim poderei proceder ao pagamento do serviço prestado”.

            Sendo a denúncia dos defeitos uma declaração de vontade unilateral e atento o critério de interpretação legal (arts.237, 238, por força do art.295 CC), o que se colhe da conjugação de ambas as cartas é que a Ré denunciou defeitos (refere expressamente a existência de “deficiências”, que concretiza) e pretendeu a sua eliminação ou correcção.

A vontade da Ré foi no sentido de o Autor resolver o “assunto da obra”, pois “queria tudo como deve ser”, tendo inclusive logo aí (22/1/2003) excepcionado o não pagamento, na medida em que declarou pagar desde que o Autor resolvesse o assunto, ou seja, eliminasse as deficiências, acabasse a obra sem defeitos. Por conseguinte, pode asseverar-se que a Ré denunciou os defeitos e pretendeu a sua eliminação.

            O segundo argumento aduzido na sentença sobre a caducidade da exceptio, não parece ter consistência.

            Em primeiro lugar, porque uma coisa é a excepção do não cumprimento e outra o efectivo exercício judicial dos direitos (eliminação, substituição, redução do preço, resolução, indemnização) e o prazo da caducidade não é aplicável à exceptio (cf., por ex., Ac STJ de 26/11/2009 - proc. nº 674/02, em www dgsi.pt).

            Depois, dando-se como provado que a obra foi executada entre Setembro de Novembro de 2002, a Ré logo na carta de 22 de Janeiro de 2003 terminou com a invocação da excepção, dizendo que só poderia pagar se o Autor resolvesse o assunto, ou seja, se eliminasse os defeitos.

            A sentença parte do princípio de que a exceptio só releva quando exercida judicialmente e daí jogar com a caducidade do prazo máximo, pois só assim se compreende a referência a estar ultrapassado o prazo de 5 anos.

            No entanto, importa observar que o direito conferido pelo art.428 do CC, sendo um direito potestativo (contra-direito), pode ser exercido dentro ou fora do processo.

            Quando exercido extrajudicialmente, o direito potestativo de suspender o poder do seu devedor exigir a realização da contraprestação faz-se através de uma declaração negocial receptícia, à semelhança da resolução extra-judicial, prevista no art.436º, nº1 do CC. Daqui resulta que, uma vez chegada ao conhecimento do destinatário (art.224 CC), dá-se o efeito suspensivo da excepção de não cumprimento do contrato. Já o exercício judicial da exceptio, não sendo de conhecimento oficioso, deve ser invocado, e a circunstância de o credor da prestação a haver declarado extrajudicialmente, não o dispensa do ónus de arguir intraprocessualmente (cf. NUNO OLIVEIRA, Princípio de Direito dos Contratos, pág. 802 e segs.).

            Por isso, quando a Ré opôs extrajudicialmente a excepção, o direito de eliminação não havia caducado, contrariamente ao afirmado na sentença.

Comprovada a excepção do não cumprimento, vejamos quais são os efeitos.

Sendo a excepção do não cumprimento do contrato qualificada de excepção dilatória de direito material ou substantivo, é excepção material porque fundada em razões de direito substantivo, e dilatória, por que não exclui definitivamente o direito do autor, apenas o paralisa temporariamente (cf., por ex., CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág.329 e segs., JOSÉ ABRANTES, A Excepção do Não Cumprimento, pág.127 e segs.), discute-se, porém, os seus efeitos: absolvição do pedido ou condenação a prestar em simultâneo.

Para determinada orientação, a procedência da exceptio tem como efeito a condenação do réu a prestar ao mesmo tempo que o autor, argumentando-se que:

A exceptio é um meio de defesa destinado a assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo, pelo que a condenação do réu fica subordinada à condição de cumprimento por parte do autor; uma vez feito o cumprimento pelo autor, dispensa-se uma nova acção a pedir a condenação do réu, ficando desde logo o autor com uma sentença que o legitima a tornar efectiva a obrigação do réu; a aplicação analógica do art.662 do CPC (cf., por ex., VAZ SERRA, “ A Excepção do Contrato Não Cumprido”, BMJ 67, pág.33 e segs.; JOSÉ ABRANTES, loc cit., pág. 154; NUNO OLIVEIRA, loc.cit., pág.804).

Para CALVÃO DA SILVA “(…) se é verdade que, em virtude das excepções materiais dilatórias, “o direito do autor não existe ou não é exercitável no momento em que a decisão é proferida, por falta de algum requisito material, mas pode vir a existir ou a ser exercitável mais tarde”, parece que a exceptio non adimpleti contractus não deve obstar ao conhecimento do mérito da acção. O juiz deve, isso sim, condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento de cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o “indirecto pedido de cumprimento” coenvolto na arguição da exceptio e salvaguarda do equilíbrio contratual” (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 335).

No plano jurisprudencial, cf., por ex., Ac STJ de 26/10/2010 - proc. nº 571/2002; Ac RC de 27/9/2005 - proc. nº 2257/05; Ac RL de 26/6/2008 - proc. nº 4703/2008, em www dgsi.pt.

Outra tese é no sentido de que a procedência da exceptio implica a absolvição (temporária) do pedido, porque a lei não permite a condenação condicional, sendo que inexiste caso julgado quanto à posterior acção (cf. ALBERTO REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol.III, pág. 80 e segs.).

Neste sentido, escreve MIGUEL MESQUITA – “ Afastada no nosso sistema, como resulta do art.673, a figura da condenação condicional, o tribunal não deve, uma vez provada a exceptio non adimpleti contractus, condenar o réu a cumprir a prestação se e quando o autor realizar a correspondente contraprestação. Ficando o juiz convencido de que também o autor se encontra em falta, deverá proferir uma sentença absolvendo temporariamente o réu do pedido” (Reconvenção e Excepção no Processo Civil, pág.95).

A nível jurisprudencial, cf., por ex., Ac STJ de 30/9/2010 - proc. nº 184/06; Ac STJ de 15/3/2012 - proc. nº 925/08; Ac RP de 30/1/2012 - proc. nº 3341/08, disponíveis em www dgsi.pt.

Como se afirma no Ac STJ de 30/9/2010 - “Se procedente (a exceptio), conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva (cf. o artigo 673º do Código de Processo Civil quanto ao alcance do caso julgado formado), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária, sendo, por este motivo, doutrinalmente qualificada como excepção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando como excepção peremptória (art.493, nº2 )”.

Muito embora a questão não seja líquida, adere-se aqui à primeira orientação, e como se decidiu no Ac. RC de 13/9/2011 (proc. nº458/07), relatado pelo aqui adjunto Des. Teles Pereira (disponível em www dgsi.pt), socorrendo-se de elementos do direito alemão (cf. §322 (1) do BGB), é legalmente possível uma condenação quid pro quo (uma coisa pela outra), ou, “condenação num cumprimento simultâneo”, pelo que a comprovação da excepção implica, não absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo, ou seja, a condenação da Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3.082,10 contra a simultânea eliminação dos defeitos (descritos nos pontos 3 e 4 dos factos provados) por parte daquele.

Uma vez suspensa a obrigação do pagamento do preço por parte da Ré, enquanto o Autor não cumprir (reparar os defeitos), aquela não está em mora, logo não são devidos os juros peticionados (cf., por ex., Ac STJ de 26/10/2010 - proc. nº 571/2002, em www dgsi.pt).

Procede a apelação, revogando-se, em parte, a sentença recorrida.

            2.5. – Síntese Conclusiva:

1.- A acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato de valor não superior à alçada da Relação (arts.1º a 4º do anexo ao Regime dos Procedimentos referido no art.1º do DL nº 269/98 de 1/9) comporta apenas dois articulados (petição e contestação), com um regime simplificado, semelhante ao do processo sumaríssimo.

2.- O ónus de impugnação especificada, previsto no art. 490 nº2 CPC, não tem aplicação aos casos em que a excepção haja sido invocada no último articulado, legalmente admissível, ao qual o autor não respondeu.

3. - Num contrato de empreitada, o dono da obra pode opor a excepção de não cumprimento do contrato (art.428 CC), recusando-se a pagar o preço, se a obra apresentar defeitos.

4.- Para funcionar a exceptio é necessária a demonstração da denúncia dos defeitos e a exigência do direito que pretende exercer.

5.- O direito potestativo à excepção do não cumprimento do contrato (art.428 CC), pode ser exercido extrajudicialmente, através de uma declaração receptícia, à semelhança da resolução extra-judicial (art.436 nº1 CC), embora, quando proposta a respectiva acção, não dispense a arguição intraprocessual.

6.- A procedência da excepção do não cumprimento do contrato implica, não a absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo.


III - DECISÃO

Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar procede a apelação e revogar, em parte, a sentença recorrida.

2)

            Julgar a acção parcialmente procedente e condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 3.082,10 contra a simultânea eliminação dos defeitos (descritos nos pontos 3 e 4 dos factos provados) por parte do Autor.

3)

Condenar o Autor nas custas, em ambas as instâncias.

Jorge Arcanjo (Relator)

Teles Pereira

Manuel Capelo