Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3587/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE ARCANJO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONTRATO DE SEGURO
NULIDADE DO CONTRATO
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 02/19/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Legislação Nacional: ART.º 428º E 429º DO CÓDIGO COMERCIAL, ART.º 2º N.º 2 DO D.L. 522/85 DE 31/12, ART.º 334 DO CC
Sumário:
I – O contrato de seguro de responsabilidade civil é de natureza pessoal, pelo que a obrigação assumida pela Seguradora consista apenas em responder pela indemnizações devidas pelo seu segurado, que é o que, ao tempo do acidente, consta da apólice, já que o objecto do seguro incide sobre a responsabilidade do tomador e só há responsabilidade pessoal deste se ele for o proprietário do veiculo, em circunstâncias de ser responsável pelos danos por ele provocados ou o seu condutor.
II – O art.º 2º n.º 2 do DL 522/85 de 31/12 (Lei do Seguro obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) não revogou as normas dos arts.º 428º e 429º do Código Comercial, pelo que se não constar do contrato que o seguro é por conta de outrém, presume-se (presunção juris tantum) feita por conta própria.
III - Não sendo ilidida essa presunção e caso se comprove que o titular da apólice não é proprietário do veículo, o contrato de seguro é nulo, nos termos do art.º 428º n.º 1 do Código Comercial, e por falte de objecto, pois não tendo a seguradora assumido qualquer responsabilidade, também não é responsável perante o terceiro lesado, que não tem direito a dela haver qualquer indemnização.
IV – A Seguradora que só teve conhecimento da nulidade do seguro na data do acidente, mas mesmo assim procedeu ao pagamento de parte das despesas do autor/lesado, e entregou-lhe até, por conta de indemnização a pagar a final, a quantia de 180.000$00, suportando assim também as despesas do outro sinistrado, ao vir arguir nulidade dois anos depois, apenas quando confrontada com a acção judicial, actua com abuso de direito (art.º 334º do CC).
V – O regime das nulidades decorrentes do art.º 285 e segs. do CC, não obsta à aplicação do instituto do abuso de direito.
Decisão Texto Integral: Apelação nº3587/03
( 3ª Secção Cível )
Relator – Jorge Arcanjo



Acordam no Tribunal da Relação de COIMBRA

I - RELATÓRIO

1.1. - O Autor – A – instaurou, no Tribunal da Comarca de Ansião, acção declarativa, com forma de processo sumário, contra a Ré – B.
Alegou, em resumo:
No dia 26/3/95, sendo transportado no veículo automóvel de matrícula ???, ocorreu um acidente de viação, por culpa exclusiva do respectivo condutor, segurado nas Ré.
Em consequência, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.
Pediu a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 9 855 000$00, (€ 49 156,53), acrescida dos juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

1.2. - A Ré contestou, excepcionando a nulidade do contrato de seguro e impugnou os factos descritos na petição.
Requereu a intervenção provocada do C e do responsável civil, o condutor do veículo do ???.
O C contestou impugnando os factos alegados pelo Autor e requereu a intervenção principal da alegada proprietária do citado veículo, E.
O condutor do EO, D, contestou impugnando os factos alegados pela Ré.
E contestou, excepcionando a sua ilegitimidade passiva.

1.3. - No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade passiva suscitada pelo C e julgada procedente a excepção de ilegitimidade passiva suscitada pela interveniente F, afirmando-se quanto ao mais a validade e regularidade da instância.

1.4. - Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu:
a) - Absolver dos pedidos os intervenientes, D e C;
b) – Condenar a Ré B, a pagar ao Autor:
- A título de danos patrimoniais, a quantia de € 1 388,66, acrescida dos juros de mora, à taxa de 10, desde 25/7/97 e até 16/4/99, e à taxa de 7%, desde 17/4/99 e até integral pagamento, sem prejuízo de diferente taxa legal que em cada momento venha a vigorar;
- A título de danos emergentes da incapacidade parcial permanente, a quantia de € 14 066,10, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a presente decisão e até integral pagamento;
- A título de danos não patrimoniais, a quantia de € 7 500, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a presente decisão e até integral pagamento.
c) - Absolver a Ré Seguradora do demais peticionado.

1.5. - Desta sentença, tanto a Ré como o Autor interpuseram recurso de apelação.
1.5.1. - Recurso da RÉ – conclusões:
1º) - O contrato de seguro referente ao veículo automóvel ???, interveniente no acidente, era nulo e de nenhum efeito, desde 9/2/95.
2º) - Em face da nulidade, deveria a Ré ser absolvida do pedido e condenado o C.
1.5.2. - Recurso do AUTOR – conclusões:
1º) - O recurso restringe-se à parte da sentença que condenou a Ré a pagar ao Autor a indemnização de € 14.066,10, pela IPP de 15% e quanto à condenação dos juros de mora a partir da sentença, quando deveria ser desde a citação.
2º) - Deve ser representada como idade de reforma 70 anos, sendo a vida activa do Autor de 51 anos, pois nessa idade a pessoa continua a viver mesmo estando reformada.
3º) - Deve ser mais valorizada a progressão salarial como pedreiro da construção civil que o eventual enriquecimento sem causa.
4º) - Se a indemnização é actualizada no momento da sentença, esta deveria ter conta a remuneração salarial na data em que a sentença foi proferida, que é cerca de 4,44 vezes superior.
5º) - A sentença não fez uma actualização do valor atingido aplicando taxas de inflação desde a data do acidente, logo são devidos juros de mora desde a citação.
6º) - A Ré deve ser condenada a pagar a peticionada quantia de € 37.500,00, a título de danos pela IPP de 15% e nos juros de mora, à taxa legal, desde a citação, tanto sobre esse montante, como sobre a indemnização pelos danos não patrimoniais.
II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. – Delimitação do objecto dos recursos:

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes ( arts. 684 nº3 e 690 nº1 do CPC ), impondo-se decidir as questões nelas colocadas, bem como as que forem de conhecimento oficioso, exceptuando-se aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras ( art.660 nº2 do CPC ).

Considerando as conclusões formuladas pelos apelantes, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:

a) - A nulidade do contrato de seguro;

b) - A indemnização pelo dano patrimonial futuro;

c) – A data do vencimento dos juros de mora.


2.2. – Os Factos Provados:

1) - No dia 26/03/95, pelas 17 horas, na Estrada Municipal de Ansião n.º 526, no lugar de Carvalhal, Ansião, ocorreu um acidente de viação no qual interveio o veículo ligeiro de passageiros ???.
2) - O veículo EO transitava no sentido Várzea-Carvalhal, conduzido por D.
3) - O local do acidente é uma curva de boa visibilidade, que se orientava para a esquerda do condutor.
4) - O tempo estava limpo.
5) - A faixa de rodagem no local do acidente tem 4, 60 m e encontrava-se lisa, limpa e seca.
6) - O acidente ocorreu na faixa de rodagem junto a um aqueduto, protegido de ambos os lados por um muro de cimento, porque o condutor não conseguiu fazer a curva para a sua esquerda, perdendo a direcção do veículo, que circulou, descontrolado, em frente, tendo, assim, embatido no muro de protecção do aqueduto situado à direita do condutor.
7) - Na altura e no local do acidente não circulava qualquer veículo em sentido contrário àquele em que seguia o EO, nem transitava qualquer pessoa e a estrada estava livre e sem obstáculos.
8) - O embate verificou-se entre a frente do veículo e o referido muro, causando danos materiais no veículo EO.
9) - Encontravam-se no EO, conduzidos como passageiros, o autor e H
10) - Como consequência do acidente, o condutor do veículo e os dois ocupantes sofreram ferimentos, pelo que foram transportados de urgência para o Hospital.
11) - Após o acidente, pelas 18 horas e 22 minutos, o autor deu entrada no Hospital Distrital de Pombal onde lhe foi diagnosticado “politraumatismo, ferida contusa na face, fractura do terço inferior da tíbia da perna direita”.
12) - O autor foi logo transferido para o Centro Hospitalar de Coimbra, onde foi internado, pelas 17 horas e 14 minutos desse mesmo dia, até ao dia seguinte (27/3/95), passando a tratamento de recuperação em regime de consulta externa e com tratamento de fisioterapia no H.D. de Pombal.
13) - O autor sofreu as lesões e tratamentos descritas no relatório médico-legal de fls. 370-377, cujo teor se dá aqui por reproduzido e, designadamente, ferimento na pálpebra, fractura do terço médio/distal da tíbia direita, que lhe determinaram incapacidade geral temporária total de 26/3/95 a 19/4/95; incapacidade geral temporária parcial de 40% de 26/3/95 a 19/4/95; incapacidade temporária parcial para as actividades escolares de 50% de 20/4/95 a 14/12/95; incapacidade temporária profissional total de 26/3/95 a 14/12/95; incapacidade permanente geral parcial global de 15%.
14) - Na altura do acidente o autor era um jovem cheio de vida, de esperança e saúde.
15) - Como consequência do acidente, o autor foi submetido a junta médica militar que o considerou incapaz para todo o serviço militar.
16) - O autor tinha como projecto de vida seguir a carreira militar no Batalhão de Tropas Aerotransportadas.
17) - O autor trabalhava, em média, dois dias por semana, nos dias de folga e descanso semanal, como pedreiro da construção civil, auferindo por hora cerca de 450$00 e, à data da entrada da petição inicial, em 18/6/97, auferia a remuneração mensal de 72 000$00.
18) - Por causa do acidente o autor perdeu as suas calças de marca Levis no valor de 12 000$00.
19) - O autor deixou de poder trabalhar na construção civil.
20) - O autor sofreu dores com as lesões do acidente e ao longo do período de tratamento, que se traduzem num quantum doloris qualificável de “considerável”, dentro do escalonamento seguinte: 1. muito ligeiro, 2. ligeiro, 3. moderado, 4. médio, 5. considerável, 6. importante, 7. muito importante; bem como um prejuízo de afirmação pessoal qualificável de “importante”, dentro do seguinte escalonamento: 1. moderado, 2. médio, 3. considerável, 4. importante, 5. muito importante.
21) - O autor tinha expectativa de trabalhar activamente durante mais de 40 anos.
22) - À data do acidente, o autor tinha 19 anos de idade.
23) - F é a titular do contrato de seguro a que corresponde a apólice n.º 224855, o qual teve início em 10 de Maio de 1994, sendo o objecto do seguro o veículo de matrícula CV-21-45.
24) - Em 9/2/95 E veio proceder, no contrato de seguro então em vigor, à substituição do veículo CV-21-45 pelo veículo ???, mantendo-se ela própria como titular de tal seguro, emitindo a ré seguradora o respectivo certificado para o veículo ??? em 13/2/95.
25) - E e D actuaram conjuntamente no sentido de manterem a titularidade do contrato de seguro em nome daquela, e, que D sabia que assim beneficiava de seguro bonificado por ausência de sinistros e de ter menos de 25 anos e carta de condução há menos de 2 anos.
26) - A proposta de alteração do contrato de seguro deu entrada na Delegação da ré em Tomar, em 13/2/95, e foi parcialmente preenchida por um funcionário da ré de nome G, com os elementos que lhe foram fornecidos pelo mediador.
27) - A proposta de alteração do contrato de seguro assinada por E , está datada de 28/12/94.
28) - Tal proposta de alteração era para ter início em 28/12/94, não fora a obrigatoriedade da sujeição do EO à inspecção periódica, que só ocorreu em 8/2/95.
29) - Razão porque a data de início da mesma foi substituída e alterada pelo próprio funcionário da ré seguradora, tendo a respectiva apólice sido emitida em 27/2/95.
30) - A propriedade do veículo ??? encontra-se registada a favor de D, desde 30/08/94, na Conservatória do Registo Automóvel de Lisboa, tendo sido adquirido em Agosto de 1994.
31) - A ré só tomou conhecimento dos factos referidos em 25 e 30, aquando do acidente.
32) - O autor era conduzido gratuitamente no veículo ???.
33) - A ré pagou ao autor tratamentos médicos e de fisioterapia, bem como, por conta da indemnização a pagar a final, a quantia de 180 000$00.
34) - O outro sinistrado do acidente era H
35) - Com o autor a ré seguradora despendeu em tratamentos médicos, fisioterapia e adiantamentos pecuniários o valor total de 441 290$00.
36) - A ré seguradora despendeu com o passageiro da viatura Pedro José dos Santos Silveira em despesas médicas e outros tratamentos a quantia de 760 240$00.

2.3. – 1ª QUESTÃO / a nulidade do contrato de seguro:

F é a titular do contrato de seguro a que corresponde a apólice n.º 224855, o qual teve início em 10 de Maio de 1994, sendo o objecto do seguro o veículo de matrícula CV-21-45.
Em 9/2/95, procedeu à substituição do veículo CV-21-45 pelo veículo ???, mantendo-se ela própria como titular de tal seguro, emitindo a Ré Seguradora o respectivo certificado para o veículo ??? em 13/2/95, sendo que este veículo pertence a D .
A E apresentou à Ré uma proposta de alteração que consistia apenas no pedido de mudança do veículo seguro CV-21-45 pelo veículo ???, a qual foi aceite, passando a vigorar em 27/2/95.
Coloca-se a questão de saber se o contrato de seguro efectuado E relativamente a um veículo que lhe não pertencia implica a nulidade do contrato, tal como pretende a Ré/apelante, com fundamento nos arts.428 e 429 do Código Comercial.
A sentença recorrida enquadrou o problema apenas no âmbito da norma do art.429 do Código Comercial e, nessa perspectiva, tanto os pressupostos de facto e de direito, como a solução encontrada estão dogmaticamente correctos.
Com efeito, o preceito legal contempla um caso de mera anulabilidade ( cf., por ex., MOITINHO DE ALMEIDA, loc cit., pág.61, nota 29, CALVÃO DA SILVA, RLJ ano 133, pág.221, MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Comercial, vol.I, pág.581; e Ac do STJ de 19/10/93, C.J. ano I, tomo III, pág.74, de 3/3/98, C.J. ano VI, tomo I, pág.103 e de 15/6/99, BMJ 488, pág.381 ).
O fundamento da anulabilidade são as declarações inexactas ou reticência de factos conhecidos do segurado e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, ou seja, a seguradora ou não teria concluído o contrato ( erro essencial) ou exigiria outras condições mais onerosas para o segurado (erro incidental).
Caracterizada a natureza jurídica da invalidade, a sentença recorrida, julgou improcedente a excepção peremptória, com base em três tópicos argumentativos:
a) - A Ré não provou que tenha arguido a anulabilidade do contrato de seguro dentro do ano subsequente ao conhecimento da declaração inexacta ou reticente;
b) - Também não demonstrou que não teria concluído (alterado) o contrato de seguro em causa, ou contratasse em termos diferentes
c) - Estando provado que a Ré pagou já ao Autor, bem como a outro sinistrado, as despesas médicas e outros tratamentos e várias indemnizações fundadas no contrato de seguro, apesar de, aquando do acidente, já ter conhecimento dos factos que poderiam levar à anulabilidade do mesmo, assumiu perante terceiros o risco para si transferido por força do invocado contrato de seguro, pelo que, para os efeitos do art. 287 nº 2 do CC não pode considerar-se o referido contrato de seguro como não cumprido.

A Ré/apelante sustenta, porém, a nulidade por falta de interesse no seguro por parte da tomadora, E , e ausência do objecto do contrato, por ela não ser a proprietária do veículo, mas a sentença não afrontou a questão.
Dispõe o art. 428 e parágrafos nº 1 e 2 do Código Comercial:
"O seguro pode ser contratado por conta própria ou por conta de outrem.
§ 1.º - Se aquele por quem ou em nome de quem o seguro é feito não tem interesse na cousa segurada, o seguro é nulo.
§ 2.º - Se não se declarar na apólice que o seguro é por conta de outrem, considera-se contratado por conta de quem o fez “.
Conforme entendimento jurisprudencial uniforme, o contrato de seguro é de natureza pessoal e a obrigação assumida pela Segurador consiste apenas em responder pelas indemnizações devidas pelo seu segurado, que é o que, ao tempo do acidente, consta da apólice.
Assim, o objecto do seguro incide sobre a responsabilidade do tomador e só há responsabilidade pessoal deste se ele for o proprietário do veículo, em circunstâncias de ser responsável pelos danos por ele provocados ou o seu condutor.
Mas como resulta do § 1º, há seguros em nome ou por conta de outrem. Todavia, nos seguros em nome e por conta de outrem tem de haver a comunicação à seguradora da pessoa em nome e por conta de quem se contrata ( cf., por ex., Ac. STJ de 30/11/1976, BMJ 261, pág.183 ).
Como o contrato de seguro é de natureza formal, sendo a formalidade ad substantiam ( cf. MOITINHO DE ALMEIDA, O Contrato de Seguro, pág. 37; Ac do STJ de 16/12/80, BMJ 302, pág.273 e de 26/9/90, BMJ 399, pág.385 ), só pode considerar-se o seguro por conta de outrem se do respectivo contrato constar essa declaração ( cf, por ex., Ac. STJ de 17/5/1979, BMJ 287, pág.342 ).
No § 1º do art. 428 estabelece-se que o seguro é nulo se aquele por quem ou em nome de quem é feito não tem interesse na cousa segurada.
Um dos princípios fundamentais do direito dos seguros é o do interesse relevante, consistindo na “ relação económica existente entre um sujeito e um bem exposto ao risco “, devendo ser legítimo, ou seja, “ resultar de relação de natureza legal, contratual ou outra que o justifique”, efectivo e não fictício, pessoal e directo ( JOSÉ VASQUES, loc.cit., pág.142 a 145, Ac STJ de 1/2/01, C.J. ano IX, tomo I, pág.98 ).
Uma vez que na proposta de substituição do veículo ( fls.41 ) não consta que o seguro é por conta de outrem, presume-se contratado por conta de quem o fez, ou seja, a E ( § 2º do art.428 ).
Tratando-se de uma presunção juris tantum, é ilidível mediante prova em contrário pela parte interessada, no caso concreto pelo interveniente D ( Ac do STJ de 17/10/79, BMJ 290, pág.418, Ac RL de 2/7/87, C.J. ano XII, tomo IV, pág.128 ), o que não logrou demonstrar ( cf. resposta negativa ao quesito 40º da base instrutória ).
A medida da responsabilidade da seguradora é a responsabilidade do seu segurado, pois foi com este que celebrou o contrato e é este e só este quem paga o prémio, só ele podendo beneficiar do contrato.
Onde não há responsabilidade do segurado, não há responsabilidade da seguradora, sendo a extensão da obrigação do segurado aquela que nos termos dos art.500 e 503 do CC resulta para ele da circulação de um sob a sua direcção e no seu interesse, ainda que por intermédio de comissário.
No caso sub judice, o seguro automóvel relativo ao veículo ???, foi contratado pela E por conta própria e não por conta de outrem, designadamente o D, proprietário do mesmo, pelo que aquela não transferiu para a Ré Seguradora qualquer risco, já que, nestas condições, não lhe podia ser assacada qualquer responsabilidade por acidente com o referido veículo.
Nesta perspectiva, está-se perante um contrato ao qual lhe falta o objecto, pois não tendo a seguradora assumido qualquer responsabilidade, também não é responsável perante o terceiro lesado, que não tem direito a dela haver qualquer indemnização, visto que o contrato é nulo ( cf., neste sentido, Ac RE de 3/7/90, C.J. ano XV, tomo IV, pág.297, Ac RP de 12/12/02, www dgsi.pt/jtrp ).
A sentença recorrida considerou provado que a E e D actuaram conjuntamente no sentido de manterem a titularidade do contrato de seguro em nome daquela, com o objectivo de beneficiar este através da bonificação por ausência de sinistros e de ter menos de 25 anos e carta de condução há menos de 2 anos ( significando, neste caso, ausência de agravamento ).
Sendo assim, é patente a falta de interesse legítimo, pelo que o contrato é nulo, a tal não obstando o disposto no art.2º nº2 do DL 522/85 de 31/12 ( Lei do Seguro Obrigatório ) - “Se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente diploma, fica suprida, enquanto o contrato produzir os seus efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior “.
À primeira vista poderia supor-se que qualquer pessoa pode celebrar em seu nome e relativamente a qualquer veículo contrato de seguro válido e eficaz, ficando suprida a obrigação das pessoas indicadas no nº1, em relação às quais impede a obrigação de segurar.
Desde logo, e como decorre do texto legal, o contrato de seguro celebrado por qualquer outra pessoa pressupõe que “ satisfaça o disposto no presente diploma”, ou seja, que ao outorgar o contrato de seguro se encontre na posição de ser civilmente responsável pela reparação dos danos causados a terceiros pelo veículo.
A norma do nº2 reporta-se a todas as pessoas que não sendo obrigadas a segurar, fazem o respectivo contrato porque podem vir a ser responsabilizadas, porque o conduzem ou porque são detentoras do veículo.
De outra forma, e tal como se observou no citado Ac. da RE de 3/7/90, “ estaria resolvida a problemática dos proprietários e condutores segurados, com larga sinistralidade, em relação aos quais as seguradoras dificultam e até recusam a celebração do seguro sendo este o proprietário e condutor habitual do veículo “.
Também no Ac do STJ de 17/1/02 e Ac RP de Ac RP de 12/12/02, www dgsi, se afastou, em situações similares, o disposto no art.2º nº2 do DL 522/85.
Por outro lado, segundo o art.14 do mesmo diploma legal, relativamente ao seguro de responsabilidade civil automóvel, a seguradora pode opor aos lesados a nulidade do contrato de seguro, desde que anterior à data do sinistro.
Muito embora o acto nulo seja anterior à data do acidente de viação, resta indagar se, no caso concreto, a nulidade pode ser oposta ao Autor, como terceiro lesado, tendo em conta a factualidade descrita em 31) a 36) e o abuso de direito ( art.334 do CC ), que é de conhecimento oficioso.
Com efeito, apesar de ter conhecimento, aquando do acidente, dos pressupostos factuais da nulidade, a Ré pagou ao Autor tratamentos médicos e de fisioterapia, bem como, por conta da indemnização a pagar a final, a quantia de 180 000$00.
A Ré despendeu com o Autor, em tratamentos médicos, fisioterapia e adiantamentos pecuniários, o valor total de 441 290$00 e com o outro sinistrado, Pedro José dos Santos Silveira, a quantia de 760.240$00, em despesas médicas e outros tratamentos.
O art.334 do CC diz que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Aceitando o legislador a concepção objectiva, não é preciso que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social e económico do direito exercido.
O instituto do abuso de direito surge como uma forma de adaptação do direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam por forma considerada justa pela consciência social em determinado momento histórico e a jurisprudência tem exigido que o exercício do direito se apresente em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
Perante os elementos factuais disponíveis, há que afrontar o problema em sede da tutela da confiança e do venire contra factum proprium, como uma das manifestações do abuso de direito.
Esta variante do abuso de direito equivale a dar o dito por não dito e radica numa conduta contraditória da mesma pessoa, ao pressupor duas atitudes antagónicas, sendo a primeira ( factum proprium ) contrariada pela segunda atitude, com manifesta violação dos deveres de lealdade e dos limites impostos pelo princípio da boa fé.

O Prof. BAPTISTA MACHADO ( Obra Dispersa, vol.I, pág.415 a 419 ), depois de afirmar que a ideia imanente na proibição do venire contra factum proprium é a do “ dolus praesens “, pelo que é sobre a conduta presente que incide a valoração negativa, sendo a conduta anterior apenas o ponto de referência, para se ajuizar da legitimidade da conduta actual, enuncia três pressupostos que caracterizam o instituto: (1) uma situação objectiva de confiança – uma conduta de alguém, entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; (2) o investimento na confiança – o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposição ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a confiança legítima vier a ser frustrada; (3) a boa fé da contraparte que confiou – a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando de boa fé tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico.
No mesmo sentido, também PAULO MOTA PINTO, “Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório”, BFDUC, Volume Comemorativo, 2003, pág.269 e segs., com referências doutrinárias e jurisprudenciais mais actualizadas.
Pois bem, não obstante saber, à data do acidente, que o contrato era nulo, a Ré procedeu ao pagamento de parte das despesas do Autor, e entregou-lhe até, por conta da indemnização a pagar a final, a quantia de 180.000$00, suportando também as despesas do outro sinistrado, o que significa que assumiu a responsabilidade, com base no contrato de seguro, actuando de modo a criar a convicção de que não seria invocada a tal nulidade.
Sendo assim, ao vir arguir a nulidade dois anos depois, apenas quando confrontada com a acção judicial, revela um comportamento obviamente contraditório com a posição anteriormente assumida, e com flagrante violação do princípio da boa fé, sendo, por isso, manifestamente abusivo o seu direito ( art.334 do CC ) ( cf., em situação similar, Ac. da RC de 6/12/94, C.J. ano XIX, tomo V, pág.55 ).
Refira-se que o regime das nulidades decorrentes do art.285 e segs. do CC não obsta à aplicação do instituto do abuso de direito ( cf., para as inalegalidades formais, MOTA PINTO, Teoria Geral, 2ª ed., pág.435, MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé, vol.II, pág.774 e segs., H. HORSTER, Teoria Geral do Direito Civil, pág.531, VAZ SERRA, RLJ ano 109, pág. 30 ).
Neste contexto, improcede o recurso da Ré Seguradora.

2.4. – 2ª QUESTÃO / A indemnização pelo dano patrimonial futuro:

A sentença recorrida quantificou o dano patrimonial futuro na quantia de € 14.963, 14 ( 3.000.000$00 ), e deduzindo a importância já paga pela Seguradora ( € 897,84 ), fixou o valor de € 14.066,10.
O Autor/apelante reclama o montante de € 37.500,00, argumentando que a sentença não valorou devidamente a idade da reforma, que deve situar-se nos 70 anos, nem a progressão salarial como pedreiro da construção civil.

A indemnização pela perda da capacidade aquisitiva deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima e esperança média de vida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período.
E, nos casos em que o lesado não exerce qualquer actividade profissional remunerada ou exercendo-a não houve perda de salário ou de rendimento, tanto a doutrina como a jurisprudência é hoje unânime no sentido da ressarcibilidade do dano ( neste sentido, VAZ, RLJ ano 102, pág.296; ANTUNES VARELA, Obrigações, vol.I, pág.910; Ac STJ de 5/2/87, BMJ 364, pág.819, Ac STJ de 17/5/94, C.J. ano II, tomo II, pág.101, Ac RC de 4/4/95, C.J. ano XX, tomo II, pág.20 ).
Para tanto, serão convocadas as normas dos arts.564 e 563 nº3 do Código Civil, onde se extrai a legitimação do recurso à equidade ( art.4 do Código Civil ) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita.
Nesta medida, o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “ facto concreto ”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, verdadeira law in action, com o imprescindível recurso ao “ pensamento tópico” que irá presidir à solução dos concretos problemas da vida ( CLAUS CANARIS, O Pensamento Sistemático e o Conceito de Sistema na Ciência do Direito. )
Reportado especificamente à quantificação da indemnização através de juízos de equidade, LARENZ afirma que se exige do juiz a formulação de “ juízos de valor “, devendo orientar-se “ em primeiro lugar por casos singulares e sua apreciação na jurisprudência, mas seguindo para além disso, a sua própria intuição axiológica ( Metodologia da Ciência do Direito, pág.335 ).
A equidade, nas judiciosas considerações feitas no Ac STJ de 10/2/98, C.J. ano VI, tomo I, pág.65, “ é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei “, devendo o julgador “ ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida “.
Têm sido vários os critérios utilizados para o cálculo da indemnização, desde o recurso a fórmulas usadas para as pensões por acidentes de trabalho ou no cálculo do capital de remissão; regras técnicas do direito do trabalho; recurso a tabelas financeiras; fórmula de cálculo aplicável ao usufruto; fórmula matemática adoptada nos acórdãos do S.T.J. de 4/3/93 ano I, tomo I, pág.128, de 5/5/94, C.J. ano II, tomo II, pág.86, Ac RC de 4/4/95, C.J. ano XX, tomo II, pág.23.
Porém, quaisquer tabelas financeiras para o cálculo indemnizatório não são vinculativas, apenas servindo como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano (art.566 nº3 Código Civil) ( cf., por ex., Ac do STJ de 8/3/79, com anotação favorável de VAZ SERRA na RLJ ano 112, pág.263, de 4/2/93, C.J. ano I, tomo I, pág.129, de 8/6/93, C.J. ano I, tomo II, de 5/5/94, C.J. ano II, tomo II, pág. 86, de 28/5/95, C.J. ano III, tomo III, pág. 36 e de 15/12/98, C.J. ano VI, tomo III, pág. 155 ).
Por isso, é de repudiar a utilização pura e simples de critérios mais positivistas, assentes em equações de complexidade variável, como determinadas fórmulas matemáticas utilizadas em alguns arestos ( cf., por ex., Ac do STJ de 4/2/93, C.J. ano I, tomo I, pág.129, e de 6/7/2000, C.J. ano X, tomo II, pág.144 ), encontrando-se criticamente comentadas no estudo do Cons. SOUSA DINIS, “ Dano Corporal em Acidente de Viação “, publicado na C.J. do STJ ano V, tomo II, pág.11, e mais recentemente na C.J. ano IX, tomo I, pág.6 e segs.
Sem embargo da utilização de critérios pautados por um maior grau de objectividade, a solução baseada na equidade postula uma razoável ponderação dos elementos estruturais que emergem do quadro fáctico, sendo que o uso paralelo da aritmética apenas pode servir como factor adjuvante e auxiliar do percurso decisório.
Note-se que, ao contrário de alguns países, não se instituiu ainda em Portugal um sistema semelhante à “ baremación “, vigente em Espanha com a Ley nº30/1995 de 8/11, vinculativo para os tribunais, e, ainda que sem pendor vinculativo, semelhante modelo assente em “ barèmes “ foi também implantado em França, integrado numa Convenção destinada a regularizar os sinistros de circulação rodoviária, adoptada depois da publicação da “ Loi nº85-677 “ de 5/7/1985, apelidada de “ Loi Badinter “.
Com base nos princípios gerais exposto, para a determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, relevam, designadamente, os seguintes tópicos:
O período provável da vida activa, bem como a esperança média de vida, que, segundo as estatísticas, no nosso país se situa em 71,40 anos para os homens e 78,65 anos para as mulheres.
Na sentença recorrida, para o cálculo da indemnização pelo dano patrimonial futuro tomou-se em consideração apenas a vida activa do Autor ( 65 anos ).
Porém, como tem vindo a salientar a jurisprudência do STJ, finda a vida activa do lesado por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com elas todas as necessidades, é que atingida a idade da reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como, aliás, é das regras da experiência comum ( cf. Ac do STJ de 28/11/91, BMJ 411, pág.471, de 28/9/95, C.J. ano III, tomo III, pág.36, de 16/3/99, C.J. ano VII, tomo I, pág.167, de 25/7/2002, C.J. ano X, tomo II, pág.128 e Ac da RC de 5/3/2002 e de 22/5/2002, www dgsi.pt/jtrc ).
Por outro lado, ainda que não haja lugar a perda de retribuição, a sentença recorrida, ao valorar a indemnização, enfatizou apenas a sua repercussão na força do trabalho e daí a limitação temporal à idade da reforma.
Ora, o que está em causa é não só o maior esforço despendido na actividade laboral, enquanto trabalhador, mas também a actividade do lesado como pessoa, afectado por uma incapacidade fisiológica significativa, ou seja, a sua incapacidade funcional.
Muito embora as regras gerais do processo indemnizatório, designadamente a “ teoria da diferença “, se ajustem mais facilmente, à diminuição da capacidade de ganho, o certo é que a incapacidade funcional ou “ dano fisiológico”, numa perspectiva sistémica da teoria geral da indemnização, implica a ressarcibilidade, enquanto dano patrimonial futuro ( cf. ÁLVARO DIAS, Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra - Almedina - 2001, págs. 255 a 265 ).
Por conseguinte, mantendo-se este dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, no juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida.
A evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até as duas actividades em simultâneo.
A taxa de inflação nas próximas décadas e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade.
Quanto às taxas de capitalização, devem corresponder à previsível remuneração do dinheiro no período a considerar, tendo a jurisprudência oscilado desde 9% a 3% ( cf. Ac do STJ de 4/2/93, C.J. ano I, tomo I, pág.128, de 5/5/94, C.J. ano II, tomo II tomo II, pág.86, de 16/3/99, C.J. ano IX, tomo I, pág.167 , parecendo actualmente mais curial trabalhar-se com uma taxa à volta dos 3% a 4%, tendo em conta as praticadas no mercado financeiro ( taxas de remuneração dos depósitos a prazo ou as dos certificados de aforro ).
A percentagem de IPP, que pode traduzir-se em incapacidade total no ofício, sem possibilidade de reconversão ou ser possível com ou sem diminuição salarial, ou corresponder sensivelmente igual percentagem na capacidade de ganho.
Acrescem outros factores que, sendo projectados no futuro, não é possível quantificar, como, por exemplo, a evolução profissional, a inflação e variabilidade das taxas de capitalização.
Não pode deixar de relevar a circunstância do lesado receber de uma só vez, aquilo, que em princípio deveria receber em fracções anuais, para se evitar uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia.
Considerando que o lesado nasceu em 28/2/76 ( fls.284 ), e em 14/12/95 ( data da cessão da ITA ), tinha 19 anos ( mais precisamente 19 anos 9 meses e 16 dias ), a esperança média de vida se prolonga até ao 71 anos, o que para o lesado se traduz em cerca de 52 anos ; o rendimento anual é de € 5.027,82 ( € 359,13 x 14 ), a sua IPP é de 15%, reflectiva no seu trabalho em idêntica percentagem, num juízo de ponderação global, estima-se equitativamente o dano patrimonial futuro do lesado no valor de € 20.000,00, já abatido da importância paga pela Ré, e actualizado à data da sentença da 1ª instância.

2.5. – 3ª QUESTÃO / O vencimento dos juros de mora:

Sustenta o recorrente que os juros de mora sobre a indemnização, correspondente ao dano patrimonial futuro e dano não patrimonial, se vencem desde a citação.
Não obstante a divergência jurisprudencial sobre esta temática, a questão ficou dirimida com o Assento do STJ nº4/2002 de 9/5/2002, publicado no DR I-A série de 27/6/2002 ao fixar a seguinte jurisprudência:
“ Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº2 do art.566 do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805 nº3 ( interpretado restritivamente ), e 806 nº1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.
Conforme consta expressamente da sentença, o valor indemnizatório desses danos foram actualizados à data da sua prolação, em função da inflação, que para o efeito, não precisa de ser quantificada ( art.566 nº2 do CC ), pelo que nenhuma censura merece a condenação dos respectivos juros de mora, desde a data da sua prolação.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente o recurso de apelação da Ré Seguradora e confirmar a sentença recorrida.


2)
Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação do Autor e consequentemente:
2.1.) - Alterar a sentença recorrida quanto ao dano patrimonial futuro, que se fixa em € 20.000,00 ( vinte mil euros ), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da prolação da sentença da 1ª instância.
2.2.) - Confirmar, quanto ao mais, a sentença impugnada.
3)
Condenar a Ré nas custas da sua apelação.
4)
Condenar Autor e Ré nas custas da apelação daquele e nas da 1ª instância, na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Autor.
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COIMBRA, 19 de Fevereiro de 2004 ( processado por computador e revisto ).