Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1325/05.4TBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SILVA FREITAS
Descritores: BALDIOS
ACESSÃO INDUSTRIAL
AQUISIÇÃO
PROPRIEDADE
CADUCIDADE DA ACÇÃO
REVELIA
Data do Acordão: 06/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA COVILHÃ – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 333º CC, 484º CPC E LEI 68/93, DE 4 DE SET.
Sumário: I- O decurso do prazo de um ano faz caducar o direito de um particular, através do instituto da acessão industrial imobiliária, adquirir a propriedade em terreno baldio.

II- A caducidade do direito de accionar constitui uma excepção peremptória de conhecimento oficioso do tribunal.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra



A... e marido B... , casados sob o regime de comunhão de bens adquiridos, residentes na ........ Fundão, moveram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Baldio da Freguesia de C... , representado pelo Conselho Directivo, com sede na ........., Covilhã, com os seguintes fundamentos:
O Conselho Directivo é o Órgão Executivo do Baldio da Freguesia de C..., do concelho e comarca da Covilhã, o qual vem administrando o baldio possuído pela respectiva comunidade local.
A zona das Penhas da Saúde, sita na Serra da Estrela, está integrada na área administrativa da freguesia de C....
Precisamente nas Penhas da Saúde existe uma zona de baldio, que está integrada na área administrativa da freguesia de C....
Desde longa data, seguramente há mais de 100 anos, que a Junta de Freguesia de C..., vinha administrando toda a zona de baldios das Penhas da Saúde que agora é gerida pelo Conselho Directivo.
Administração essa que detinha à data da entrada em vigor da Lei 68/93 de 4 de Setembro e transferiu para os órgãos do Baldio (Assembleia de Compartes e Conselho Directivo), após a sua constituição.
A administração de tal baldio pela Junta de Freguesia de C..., foi objecto de reconhecimento pelo S. T. J., conforme fotocópia de Acórdão proferido em 14/12/94.
Acontece que os Autores construíram no dito Baldio da freguesia de C..., sito nas Penhas da Saúde, uma casa de habitação.
Essa construção foi autorizada pela Junta de Freguesia de C..., na altura entidade administrante do referido Baldio e, posteriormente, pelo Conselho Directivo dos Baldios, como resulta do doc. nº 5 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
Tendo sido reconhecida a área de 183 metros quadrados como necessária para a implantação da edificação.
A construção foi efectuada fora do limite da povoação de C..., não confronta com esta, nem sequer com outra zona urbana.
Os Autores construíram uma casa de pedra, madeira e zinco, com 63 m2 de área coberta e logradouro de 120 m2, composta de rés-do-chão, com uma divisão assoalhada, cozinha e casa de banho (confronta a norte e nascente com terrenos da Junta de Freguesia de Cortes, de sul com José Manuel Amarelo Correia e de poente com via pública), encontrando-se inscrita na matriz urbana da freguesia de C... sob o artigo 641.
Na respectiva caderneta predial consta que a Autora mulher é titular da casa, embora a mesma não se encontre descrita na Conservatória do Registo Predial da Covilhã.
Os Autores têm vindo a usar, fruir e habitar em nome próprio a referida casa, seguramente há mais de 20 anos, usufruindo-a como coisa própria sua, e assim procedem de forma pública, pacífica, continuamente sem oposição de ninguém, de boa fé, com absoluto conhecimento anteriormente da Junta de Freguesia de C... e, presentemente, do Conselho Directivo do Baldio de C....
Aliás, quer a Junta de Freguesia de C... quer o Baldio através dos seus órgãos representativos, designadamente o Conselho Directivo, sempre reconheceram os Autores como donos da casa que estes construíram.
O que, atesta a boa fé dos AA., boa fé essa que é manifesta quanto à construção que efectuaram pelo que foi autorizada pelas entidades administrantes do Réu.
Tal construção foi feita em pedra, tijolo, madeira e zinco, revestindo as características de solidez e conforto de uma qualquer casa de habitação, e está de tal forma ligada ao terreno que passou a formar um conjunto impossível de desligar sem destruição e inutilização da construção.
É, de resto, impossível repor o terreno ocupado no seu estado anterior e está absolutamente inutilizado para qualquer uso como baldio.
Tal é o fruto da união entre a construção e o respectivo terreno, pois o que existe é uma realidade material diferente, uma coisa nova, constituindo um todo inseparável do terreno e a respectiva construção, tendo o novo bem ficado com um valor substancialmente superior ao que o terreno tinha antes da construção.
A construção dos Autores tem um valor manifestamente superior ao terreno baldio onde foi efectuada.
Valor esse que no mínimo é de 20.000 € (vinte mil Euros).
Como se pode concluir das características da casa, conforme se descreveu no artigo 11º deste articulado.
Já o valor do terreno baldio em que a casa está construída é muito reduzido.
Aliás, antes da construção aqueles terrenos eram escarpados, agrestes e irregulares, em que a própria vegetação não abundava.
Era um terreno pobre, impróprio para culturas, não admitindo mais de um ou dois dias de pastorícia por ano.
Nunca terão tais terrenos baldios ocupados com a construção, naturalmente um valor superior a 30 € (trinta Euros) o metro quadrado (5.490 € o lote) objecto desta acção e, se nos reportarmos à data da construção, esse valor será manifestamente inferior.
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De Direito:
A Lei nº 68/93 de 4 de Setembro (Lei dos Baldios) que serve de base à presente acção, veio permitir aos proprietários da referida construção, os ora Autores, adquirir o terreno em que construíram.
De facto, o artigo 39º, nº 2 de tal Lei veio permitir o recurso à Acessão industrial imobiliária, que é uma das formas de aquisição do direito de propriedade (artigo 1316º do C.C.) – para que os proprietários nas condições dos ora AA., possam adquirir os terrenos baldios em que implantaram a sua construção irregular.
A referida construção não preenche os requisitos do artigo 31º da Lei 68/93, na medida em que não confronta com o limite da área da povoação.
Logo, o terreno incorporado pela mesma não pode ser objecto da alienação pela Assembleia de Compartes ou pelo Conselho Directivo do Baldio, na qualidade de Órgão Administrativo do Baldio.
E estão reunidos todos os requisitos para que, no caso vertente, a acessão industrial imobiliária, como modo de aquisição de propriedade, possa funcionar em relação ao terreno em que estes construíram a sua casa.
Já que,
a) O terreno e construção implantada passou a constituir um todo indivisível, tendo a construção trazido à totalidade do prédio um valor superior ao que tinha antes;
b) A construção foi feita de boa fé (foi autorizada pela entidade gestora do Baldio);
c) Construíram em terreno alheio;
d) O valor da obra construída é superior ao do terreno e
e) Estão dispostos ao pagamento do terreno, valor que tinha antes das obras.
Encontram-se preenchidos todos os requisitos previstos no artigo 1340º do Código Civil.
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Os Autores concluíram a petição inicial nos seguintes termos:
a) O Réu, através do seu Conselho Directivo, deve ser notificado para exercer o seu direito de aquisição das benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno, de acordo com o n.º 2 do artigo 39º da Lei 68/93 de 04/09 com a redacção da Lei 89/97 de 30/07.
Pelo que,
Se tal direito de aquisição não for exercido deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, o Réu ser condenado:
I – A reconhecer que os Autores adquiriram, por acessão industrial imobiliária, a área de 183 m2, do baldio da freguesia de C... nas Penhas da Saúde, na qual construíram o prédio urbano identificado no artigo 11º da P.I.,
II – A reconhecer que os AA. são donos e legítimos possuidores da referida parcela de terreno, referida na alínea anterior, bem como da construção que nela implantaram;
III – A reconhecer o direito dos AA. poderem registar a seu favor na Conservatória do Registo Predial da Covilhã, a área de terreno que adquiriram bem como a construção que nela incorporaram.
Para tanto, requereram a citação do Réu, por intermédio do Conselho Directivo do Baldio da freguesia de C..., para contestar, querendo, no prazo legal.
E requereram que o Réu fosse notificado para receber dos AA. directamente o valor do terreno baldio ocupado pela construção ou através de consignação em depósito no prazo que for designado pelo Tribunal, que será no máximo o valor de 5.490 € (cinco mil, quatrocentos e noventa Euros).
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Devidamente citado, o Réu não deduziu contestação.
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Nos termos do artigo 484.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, os Autores vieram apresentar as suas alegações, o que fizeram nos seguintes termos:
Os AA. edificaram uma casa de veraneio identificada no artigo 11º da petição inicial, num terreno Baldio pertencente aos Compartes da Freguesia de C.... Para tal,
Os Autores obtiveram consentimento dos Órgãos do Baldio e inscreveram o prédio urbano no 2º Serviço de Finanças da Covilhã.
Preceitua o artigo 39º, nº 2 da Lei 68/93 de 4 de Setembro (Lei dos Baldios) que os proprietários das edificações sitas no Baldio podem adquirir a propriedade da parcela de terreno baldio estritamente necessária ao fim da construção por recurso à acessão industrial imobiliária nos termos gerais de direito.
No caso sub judice estão reunidos todos os requisitos para que a acessão industrial imobiliária, como modo de aquisição de propriedade, possa funcionar.
Podem assim os AA. ser donos da parcela ocupada com a casa.
O Réu através do Conselho Directivo foi notificado para exercer o direito de aquisição das benfeitorias necessárias e úteis incorporadas nos terrenos e o mesmo nada disse.
Citado para contestar não o fez.
Os Autores pediram a condenação do Réu a reconhecer a sua propriedade sobre uma edificação e sobre uma parcela de terreno Baldio, comprometendo-se a efectuar o pagamento da quantia de 5.490 € valor correspondente ao terreno Baldio ocupado com a construção.
O pedido devia ser julgado procedente.
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A acção veio a ser julgada improcedente, por verificação da excepção peremptória da caducidade do direito de accionar, com a consequente absolvição do Réu.
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Notificados da sentença, os Autores interpuseram recurso de apelação.
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Devidamente admitido o recurso, os Apelantes apresentaram doutas alegações em que formularam as seguintes Conclusões:
1 – Vem o presente recurso interposto da douta Sentença recorrida que julgou improcedente a acção por verificação da excepção peremptória da caducidade do direito de accionar.
2 – Os Autores instauraram Acção de Acessão Industrial Imobiliária para aquisição do direito de propriedade sobre uma parcela de terreno do Baldio de C... nos termos do artigo 39º, nº 2 da Lei 68/93, de 4/9, com as alterações da Lei 89/97, de 30/7;
3 – O Réu, Baldio da Freguesia de C..., devidamente citado, não deduziu contestação pelo que se consideram provados os factos alegados pelos Autores;
4 – Ainda assim, entendeu o Tribunal “a quo” não estarem reunidas as condições para ser julgada procedente a acção.
5 – Não obstante as Leis 68/93 de 4 de Setembro e 89/97 de 30 de Julho preverem prazos para a propositura da acção tais prazos não são de caducidade.
6 – Não pode, assim, o julgador decidir como decidiu o Tribunal “a quo”, considerando que o direito de accionar caducou sendo tal caducidade do conhecimento oficioso do Tribunal.
7 – O prazo de 2 anos a que alude o nº 2 do artigo 39º da Lei nº 68/93 e o prazo de 1 ano a que se reporta o artigo único da Lei nº 89/97 de 30/07 não são prazos de caducidade excluída da disponibilidade das partes.
8 – O conhecimento oficioso da caducidade do direito de propor uma acção apenas é possível em matéria subtraída à disponibilidade das partes.
9 – O legislador quis com a Lei 68/93 devolver à Assembleia de Compartes a gestão dos Baldios colocando na sua esfera jurídica a competência para decidir.
10 – As comunidades locais podem extinguir, se assim o entenderem, no todo ou em parte, os seus Baldios, pelo que os referidos prazos de dois e um anos não devem sair da sua esfera jurídica para os Tribunais.
11 – O Legislador quis que fossem os compartes a decidir o que melhor querem para os seus baldios. Se quiserem podem adquirir as benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno se os proprietários não as legalizarem no prazo de um ano.
12 – Os prazos supra aludidos são uma cominação que é colocada na disponibili-
dade das comunidades locais.
13 – A Lei dos Baldios atribui hoje aos compartes não só a posse e fruição dos baldios mas também a sua efectiva gestão.
14 – É esta a melhor interpretação do artigo 39º, nº 2 da Lei 68/93 de 4 de Setembro com a redacção da Lei 89/97 de 30/07 e aquela que melhor se coaduna com o espírito do legislador e com a Constituição da República Portuguesa.
15 – Não pode o intérprete sobrepor à ponderação legislativa os seus próprios juízos sobre o que pensa que deveria ser o regime legal, mesmo que os considere mais adequados e equilibrados que os emanados dos órgãos de soberania com competência legislativa.
16 – Devem, pois, ser os compartes, vizinhos do baldio a decidir o que melhor querem para os mesmos colocando-se a caducidade na disponibilidade das partes.
17 – A douta sentença recorrida violou, por deficiente interpretação, o artigo 39º, nº 2 da Lei 68/93 de 4 de Setembro com as alterações da Lei 89/97 de 30 de Julho; os artigos 2º, 3º, nº 1 e 2 e 82º, nº 4, alínea b) da Constituição da República Portuguesa; o artigo 9º do Código Civil entre outras disposições legais.
Nestes termos e nos mais de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente revogando-se a douta sentença recorrida por outra que julgue procedente a acção reconhecendo o direito dos Autores, como é de Justiça.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Ex.mo Juiz determinou a subida dos autos a este Tribunal da Relação.
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Colhidos os vistos dos Ex.mos Juízes-Adjuntos, cumpre-nos decidir.
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Dado que não foi deduzida contestação pelo Réu, foram considerados assentes, na sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, os factos alegados pelos Autores e que se deram por reproduzidos, ao abrigo do disposto no artigo 484.º, do Código de Processo Civil.
De facto, os efeitos da revelia estão previstos no artigo 484.º, do Código de Processo Civil, dispondo o n.º 1 desse artigo:
“Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor”.
Assim, ao abrigo dessa disposição legal, consideram-se confessados os seguintes factos:
1º - O Conselho Directivo é o Órgão Executivo do Baldio da Freguesia de C..., do concelho e comarca da Covilhã, o qual vem administrando o baldio possuído pela respectiva comunidade local.
2º - A zona das Penhas da Saúde, sita na Serra da Estrela, está integrada na área administrativa da freguesia de C....
3º - Precisamente nas Penhas da Saúde existe uma zona de baldio, que está integrada na área administrativa da freguesia de C....
4º - Desde longa data, seguramente há mais de 100 anos, que a Junta de Freguesia de C..., vinha administrando toda a zona de baldios das Penhas da Saúde que agora é gerida pelo Conselho Directivo.
5º - Administração essa que detinha à data da entrada em vigor da Lei 68/93 de 4 de Setembro e transferiu para os órgãos do Baldio (Assembleia de Compartes e Conselho Directivo), após a sua constituição.
6º - A Administração de tal baldio pela Junta de Freguesia de C..., foi objecto de reconhecimento pelo S.T.J. conforme fotocópia de Acórdão proferido em 14/12/94.
7º - Acontece que os Autores construíram no dito Baldio da freguesia de C..., sito nas Penhas da Saúde, uma casa de habitação.
8º - Essa construção foi autorizada pela Junta de Freguesia de C..., na altura entidade administrante do referido Baldio e, posteriormente, pelo Conselho Directivo dos Baldios.
9º - Tendo sido reconhecida a área de 183 metros quadrados como necessária para a implantação da edificação.
10º - A construção foi efectuada fora do limite da povoação de C..., não confronta com esta, nem sequer com outra zona urbana.
11º - Os Autores construíram uma casa de pedra, madeira e zinco, com 63 m2 de área coberta e logradouro de 120 m2, composta de rés-do-chão, com uma divisão assoalhada, cozinha e casa de banho (confronta a norte e nascente com terrenos da Junta de Freguesia de Cortes, de sul com José Manuel Amarelo Correia e de poente com via pública), encontrando-se inscrita na matriz urbana da freguesia de C... sob o artigo 641.
12º - Na respectiva caderneta predial consta que a Autora mulher é titular da casa, embora a mesma não se encontre descrita na Conservatória do Registo Predial da Covilhã.
13º - Os Autores têm vindo a usar, fruir e habitar em nome próprio a referida casa, seguramente há mais de 20 anos, usufruindo-a como coisa própria sua.
14º - E assim procedem de forma pública, pacífica, continuamente sem oposição de ninguém, de boa fé, com absoluto conhecimento anteriormente da Junta de Freguesia de C... e, presentemente, do Conselho Directivo do Baldio de C....
15º - Aliás, quer a Junta de Freguesia de C... quer o Baldio através dos seus órgãos representativos, designadamente o Conselho Directivo, sempre reconheceram os Autores como donos da casa que estes construíram.
16º - O que, atesta a boa fé dos AA., boa fé essa que é manifesta quanto à construção que efectuaram pelo que foi autorizada pelas entidades administrantes do Réu.
17º - Tal construção foi feita em pedra, tijolo, madeira e zinco, revestindo as características de solidez e conforto de uma qualquer casa de habitação.
18º - E está de tal forma ligada ao terreno que passou a formar um conjunto impossível de desligar sem destruição e inutilização da construção.
19º - É, de resto, impossível repor o terreno ocupado no seu estado anterior e está absolutamente inutilizado para qualquer uso como baldio.
20º - Tal é o fruto da união entre a construção e o respectivo terreno, pois o que existe é uma realidade material diferente, uma coisa nova, constituindo um todo inseparável do terreno e a respectiva construção, tendo o novo bem ficado com um valor substancialmente superior ao que o terreno tinha antes da construção.
21º - A construção dos Autores tem um valor manifestamente superior ao terreno baldio onde foi efectuada.
22º - Valor esse que no mínimo é de 20.000 € (Vinte mil Euros).
23º - Como se pode concluir das características da casa, conforme se descreveu no artigo 11º deste articulado.
24º - Já o valor do terreno baldio em que a casa está construída é muito reduzido.
25º - Aliás, antes da construção aqueles terrenos eram escarpados, agrestes e irregulares, em que a própria vegetação não abundava.
26º - Era um terreno pobre, impróprio para culturas, não admitindo mais de um ou dois dias de pastorícia por ano.
27º - Nunca terão tais terrenos baldios ocupados com a construção, naturalmente um valor superior a 30 € (Trinta Euros) o metro quadrado (5.490 € o lote) objecto desta acção e, se nos reportarmos à data da construção, esse valor será manifestamente inferior.
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O artigo 1.º, da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, dispõe o seguinte:
1.“São baldios os terrenos possuídos e geridos por comunidades locais.
2. Para o efeito da presente lei, comunidade local é o universo dos compartes.
3. São compartes os moradores de uma ou mais freguesias ou parte delas que, segundo os usos e costumes, têm direito ao uso e fruição do baldio”.
De acordo com o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro, “dizem-se baldios os terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas”.
A Constituição da República de 1976, no seu artigo 89.º, n.º 1, reconhecia a existência de três sectores de produção: o sector público, o sector cooperativo e sector privado. No n.º 2, alínea c), enquadrava os baldios no sector público: “bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais”.
Ao mesmo tempo, no seu artigo 90.º, incluía os baldios na “propriedade social”.
Com a Revisão de 1989, a Constituição da República continuou a dispor, no seu artigo 82.º, n.º 1, que era garantida a existência de três sectores de produção, que passaram a ser o sector público, o sector privado e o “sector cooperativo e social”.
No sector “cooperativo e social” foram incluídos “os meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais”.
Com as Revisões de 1992, 1997 e 1999, esta disposição foi mantida.
O segundo componente do sector cooperativo e social é o sector comunitário (n.º 4/b), que abrange os meios de produção com posse e gestão comunitárias.
A expressão comunidades locais não corresponde a autarquias locais, as quais são pessoas colectivas públicas territoriais (arts. 237º e ss.) e cujas unidades de produção fazem parte do sector público propriamente dito.
O sector comunitário pretende abranger, sim, os meios de produção possuídos e geridos por comunidades territoriais sem personalidade jurídica (“povos”, “aldeias”), que são sobrevivências de antigas formas de propriedade comum da terra e dos meios de produção necessários à vida colectiva – (cf. Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, pág. 988).
Observam estes Professores que o caso mais relevante, mas não o único, é o dos baldios, que são terrenos de uso colectivo (para pastagens, colheita de lenhas e de madeiras, materiais de construção, etc.), devolvidos aos “povos” após o 25 de Abril (DL nºs 39/76 e 40/76).
“A partir do texto constitucional ( «bens comunitários», «possuídos e geridos pelas comunidades locais») parece seguro concluir que se trata aqui de uma figura específica, em que é a própria comunidade, enquanto colectividade de pessoas, que é a titular da propriedade dos bens e da unidade produtiva, bem como da respectiva gestão (autogestão). Por isso, o direito de propriedade e de gestão dos bens comunitários pelos próprios «condóminos» está garantido respectivamente pelo direito de propriedade privada (art. 62.º) e pelo direito à autogestão reconhecido no art. 61º-5, pelo que o Estado não pode apropriar-se da primeira nem intrometer-se na segunda, senão nos termos em que o pode fazer em relação ao sector privado ou cooperativo (e sempre sem prejuízo da garantia institucional deste subsector)” – (cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, págs. 988-989).
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O Código Civil de 1867 dividiu as “coisas” em públicas, comuns e particulares (artigo 379.º).
No artigo 380.º esclareceu que “São públicas as coisas naturais ou artificiais, apropriadas pelo estado e corporações públicas e mantidas debaixo da sua administração, das quais é lícito a todos individual ou colectivamente utilizar-se, com as restrições impostas pela lei, ou pelos regulamentos administrativos”.
No artigo 381.º especificou que “São comuns as coisas naturais ou artificiais, não individualmente apropriadas, das quais só é permitido tirar proveito, guardados os regulamentos administrativos, aos indivíduos compreendidos em certa circunscrição administrativa, ou que fazem parte de certa corporação pública”.
Dentre as “coisas comuns” destacou, logo no seu n.º 1, “Os terrenos baldios, municipais e paroquiais”.
No artigo 382.º, define as “coisas particulares” do modo seguinte:
São particulares as coisas, cuja propriedade pertence a pessoas singulares ou colectivas, e de que ninguém pode tirar proveito, senão essas pessoas ou outras com seu consentimento”.
No seu § único, dispunha que “O estado, os municípios e as paróquias, consideradas como pessoas morais, são capazes de propriedade particular”.
No artigo 473.º, dispunha o seguinte:
Os pastos, matos, lenhas e outras substâncias vegetais, produzidos nos baldios ou terrenos municipais ou paroquiais, pertencem exclusivamente aos vizinhos dos respectivos concelhos ou paróquias, mas só podem ser ocupados em conformidade dos antigos usos e costumes, ou dos regulamentos que as câmaras municipais fizerem”.
O Código Administrativo dispunha no seu artigo 388.º:
Dizem-se baldios os terrenos não individualmente apropriados, dos quais só é permitido tirar proveito, guardados os regulamentos administrativos, aos indivíduos residentes em certa circunscrição ou parte dela.
§ único. Os terrenos baldios são prescritíveis”.
No artigo 389.º distinguia os baldios municipais e paroquiais:
Os baldios, para efeito de regulamentação do seu uso e fruição e os demais consignados na lei, são municipais ou paroquiais.
§ 1.º Presumem-se municipais os baldios que, há pelo menos trinta anos, estejam no logradouro comum e exclusivo dos moradores de um concelho e ou de mais de uma freguesia dele.
§ 2.º Presumem-se paroquiais os baldios que, há pelo menos trinta anos, estejam no logradouro comum e exclusivo dos moradores de uma freguesia ou de parte dela”.
No artigo 390.º eram classificados os baldios quanto à utilidade social e aptidão cultural:
Os baldios, quanto à sua utilidade social e aptidão cultural, classificam-se em:
1 – Baldios indispensáveis ao logradouro comum;
2 – Baldios dispensáveis do logradouro comum e próprios para cultura;
3 – Baldios dispensáveis do logradouro comum e impróprios para cultura;
4 – Baldios arborizados ou destinados à arborização”.
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Os Decretos-Leis n.ºs 39/76 e 40/76, de 19 de Janeiro, foram os diplomas legais que vieram reconhecer os direitos ancestrais dos “povos” ou dos “compartes” à utilização dos seus baldios, entregando-os aos seus legítimos utentes, logo que devidamente organizados e colocando-os, expressamente, fora do comércio jurídico, impedindo, assim, a sua passagem a propriedade particular.
Logo no Anexo 3 do “Programa da Reforma Agrária” (Decreto-Lei n.º 203-C/75, de 15 de Abril), se anunciava que se iria consagrar “o princípio da restituição dos baldios aos seus legítimos donos, que passarão a administrá-los, através das respectivas associações, exclusivamente ou em colaboração com o Estado” (…); haverá um trabalho prévio de delimitação dos baldios e, dentro destes, das áreas de cada freguesia” (…). Finalmente: “a administração assentará em unidades de gestão submetidas a planos de utilização geridas através de uma estrutura orgânica que se apoiará nos serviços oficiais, necessariamente transformados”.
Logo no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/76 e de todo o articulado deste mesmo diploma, reforçado pelo Decreto-Lei n.º 40/76, resulta que a intenção de tais Leis foi, claramente, a de dar cumprimento ao anunciado nas bases do “Programa da Reforma Agrária” – (cf. Dr. Jaime Gralheiro, in Comentário à Nova Lei dos Baldios, Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, Janeiro/2002, pág. 50).
Os baldios foram definidos como “os terrenos comunitariamente usados e fruídos por moradores de determinada freguesia ou parte dela” (artigo 1.º), enquanto que no artigo 2.º se declara que “os terrenos baldios encontram-se fora do comércio jurídico, não podendo no todo ou em parte, ser objecto de apropriação privada por qualquer forma ou título, incluída usucapião”.
Reforçando esta ideia de que os baldios são inalienáveis por natureza, dispôs o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 40/76, no seu n.º 1, que “os actos ou negócios que tenham como objecto a apropriação de terrenos baldios ou parcelas de baldios por particulares, bem como as subsequentes transmissões que não forem nulas, são, nos termos de direito, anuláveis a todo o tempo”.
Os baldios são, assim, na definição dada por aquele Autor, “bens comunitários afectos à satisfação das necessidades primárias dos habitantes de uma circunscrição administrativa ou parte dela e cuja propriedade pertence à «comunidade» formada pelos utentes de tais terrenos que os receberam dos seus antepassados, para, usando-os de acordo com as suas necessidades e apetências, os transmitirem intactos aos seus vindouros” – (cf. Comentário à Nova Lei dos Baldios, Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, pág. 53).
O artigo 82.º, n.º 4, alínea b), da Constituição da República, refere-se aos “meios de produção comunitários, possuídos e geridos por comunidades locais”.
Em anotação a este artigo 82.º, da Constituição da República, refere o Prof. Jorge Miranda o seguinte:
“Os bens comunitários são bens pertencentes às comunidades e não bens pertencentes a entidades públicas ou privadas. É certo que, historicamente, a questão era controversa (Rogério Soares, Sobre os baldios, in RDES, XIV, 1967, págs. 295 e segs.) e, mais recentemente, na revisão constitucional de 1989, com a transferência para o sector cooperativo e social, desapareceu a expressão, que fora introduzida em 1982 no corpo do artigo 89.º, n.º 2, que explicitava que o sector público era constituído “pelos bens e unidades de produção pertencentes a entidades públicas ou a comunidades”. Todavia, por um lado, o texto constitucional não se basta com a referência aos meios de produção possuídos e geridos por comunidades locais, referindo ainda que estão em causa meios de produção comunitários, o que exclui a possibilidade de tais bens pertencerem, por exemplo, às autarquias locais e aponta para a natureza comunitária da própria propriedade. Por outro lado, ao transferir os “meios de produção comunitários possuídos e geridos por comunidades locais” do sector público para o sector cooperativo e social, a segunda revisão constitucional reforçou a autonomia dos bens comunitários, reforçando uma ideia de dominialidade comunitária ou cívica (Acórdãos n.ºs 325/89 e 240/91 – cfr. ainda Casalta Nabais, Alguns perfis da propriedade colectiva, págs. 241 e segs.).
Em conformidade, sendo os baldios a principal realidade coberta pelo artigo 82.º, n.º 4, alínea b), não pode a lei, sob pena de inconstitucionalidade, integrar os baldios no domínio público das freguesias em cuja circunscrição eles existam (Acórdão n.º 325/89).
Em contrapartida, a Constituição não toma posição quanto ao modo como deve ser configurada por lei essa titularidade comunitária. Além disso, a natureza comunitária dos bens, se obsta à imposição de um procedimento administrativo prévio de instituição discricionária de um baldio (Acórdão n.º 240/91), não impede, por si só, que o legislador imponha um procedimento de registo público dos baldios.
A posse e a gestão comunitárias significam que as comunidades locais, enquanto comunidades de habitantes, são titulares dos direitos de gozo, de uso e de domínio dos meios de produção comunitários, vigorando neste domínio os princípios da auto-administração e da auto-gestão (Acórdão n.º 240/91)” – (cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo II, págs. 51-52).
A respeito da natureza jurídica dos baldios, pode consultar-se, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 378, págs. 27 e seguintes, o Parecer da Procuradoria-Geral da República, Parecer n.º 37/87, de 22 de Outubro de 1987, no sentido de que os baldios constituem propriedade comunal dos moradores de determinada freguesia ou freguesias ou de parte delas, que exerçam a sua actividade no local, estando fora do comércio jurídico, e sendo absolutamente inalienáveis.
No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 325/89, de 4 de Abril de 1989, afirmou-se a doutrina de que “os baldios integram os “bens comunitários” a que se refere a Constituição, bens esses que não apenas estão na posse e gestão das comunidades locais, mas também na sua titularidade, isto é, são bens pertencentes a comunidades e não bens pertencentes a entidades públicas” – (cf. Bol. Min. da Justiça, n.º 386, págs. 129 e seguintes).
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Abril de 1996, decidiu-se que “uma coisa é o direito sobre o prédio ter a natureza de direito da propriedade, na titularidade de uma “junta de freguesia”, e outra, bem diferente, é a de o prédio ter a natureza de baldio, de propriedade comunal, na titularidade da «comunidade local», que não pode confundir-se com “autarquia local” – (cf. Bol. Min. da Justiça, n.º 456, págs. 426-437).
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Janeiro de 1999, afirmou-se também a seguinte doutrina:
I – “Os baldios são terrenos não individualmente apropriados que desde tempos imemoriais, servem de logradouro comum (a apascentação de gados, a produção e corte de matos, combustível ou estrume, a cultura e outras utilizações) dos vizinhos de certa circunscrição ou parte dela.
II – Os terrenos baldios foram considerados prescritíveis desde o CC/Seabra até ao início da vigência do D-L 39/76 de 19-1 (deixando de o ser a partir desta data).
III – Esses terrenos incluem-se no domínio comum, caracterizado, sobretudo, pela propriedade comunal dos vizinhos de certa circunscrição ou parte dela, representados pela autarquia a que pertence, que exerceria meros direitos de administração e polícia.
IV – A Junta de Freguesia, enquanto na administração de terrenos baldios, pratica actos que são tidos como actos de gestão de bens alheios, ou seja, pratica actos próprios de qualquer possuidor precário.
V – A Junta de Freguesia só pode invocar a excepção peremptória de aquisição por usucapião dos terrenos baldios que administra se alegar inversão do título ou cooperação por parte dos utentes desses baldios” – (cf. Col. Jur., STJ, Ano VII, 1999, tomo I, págs. 53-58).
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Quanto às Construções Irregulares, vejamos o que se estabelece no artigo 39.º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro:
1. “Os terrenos baldios nos quais, até à data da publicação da presente lei, tenham sido efectuadas construções de carácter duradouro, destinadas à habitação ou a fins de exploração ou utilização social, desde que se trate de situações relativamente às quais, se verifique, no essencial, o condicionalismo previsto no artigo 31.º, podem ser objecto de alienação pela assembleia de compartes, por deliberação da maioria de dois terços dos seus membros presentes, com dispensa de concurso público, através de fixação de preço por negociação directa, cumprindo-se no mais o disposto naquele artigo.
2. Quando não se verifiquem os condicionalismos previstos no número anterior e no artigo 31.º, os proprietários das referidas construções podem adquirir a parcela de terreno de que se trata por recurso à acessão industrial imobiliária, presumindo-se, até prova em contrário, a boa fé de quem construiu e podendo o autor da incorporação adquirir a propriedade, nos termos do disposto no artigo 1340.º, n.º 1 do Código Civil, ainda que o valor deste seja maior que o valor acrescentado, sob pena de, não tomando essa iniciativa no prazo de um ano a contar da entrada em vigor da presente lei, poderem as respectivas comunidades locais adquirir a todo o tempo as benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno avaliadas por acordo ou, na falta dele, por decisão judicial”.
A redacção deste n.º 2 foi introduzida pela Lei n.º 89/97, de 30 de Julho.
A anterior redacção era a seguinte:
“Quando não se verifiquem os condicionalismos previstos no número anterior e no artigo 31.º, os proprietários das referidas construções podem adquirir a parcela de baldio estritamente necessária ao fim da construção de que se trate, por recurso à acessão industrial imobiliária nos termos gerais de direito, sob pena de, não tomando essa iniciativa no prazo de dois anos a contar da entrada em vigor da presente lei, poderem as respectivas comunidades locais adquirir a todo o tempo as benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno, avaliadas por acordo ou, na falta dele, por avaliação judicial”.
Na sentença em recurso, o Meritíssimo Juiz julgou improcedente a presente acção, por motivo da caducidade do direito de accionar, o que constituía uma excepção peremptória de conhecimento oficioso.
Para tanto, foram expostos naquela douta decisão, em síntese, os seguintes fundamentos:
Veio o legislador através da referida alteração dar uma segunda oportunidade para a regularização de construções irregularmente implantadas em terrenos de baldios.
Facilitou o recurso à acessão imobiliária, passando a presumir-se a boa fé de quem construiu, permitiu o recurso à aquisição por acessão imobiliária ainda que o valor do terreno fosse superior ao valor acrescentado e concedeu um novo prazo de um ano para regularizar as situações de obras irregularmente levantadas em terreno baldio.
Porém, o novo prazo de um ano a contar da entrada em vigor da dita alteração, para ser instaurada a acção com vista à aquisição da propriedade por recurso à acessão imobiliária, constitui um prazo de caducidade.
No caso dos autos, os Autores instauraram a acção em 9-06-2005 (por lapso, escreveu-se 9-05-2005), ou seja, à data em que a acção foi proposta há muito que tinha decorrido o referido prazo de um ano a contar da entrada em vigor da Lei n.º 89/97.
Decorrido o referido prazo, caducou o direito dos Autores de se apropriarem, através do instituto da acessão imobiliária, do terreno baldio onde implantaram a sua habitação.
Se o referido prazo de um ano não constituísse um prazo de caducidade, nunca a Lei poderia estabelecer a reversão, ou seja, a possibilidade das comunidades locais, findo o referido prazo, poderem adquirir a todo o tempo as benfeitorias incorporadas no terreno baldio. Se findo aquele prazo de um ano o autor da incorporação continuasse a ter o direito de obter a aquisição do terreno, não poderia conferir, ao mesmo tempo, o direito de aquisição das benfeitorias à respectiva comunidade local.
E, citando Aníbal de Castro, in A Caducidade, 2.ª edição, pág. 28, escreveu-se na sentença recorrida:
A prescrição destina-se a contrariar a situação antijurídica de negligência; a caducidade a limitar o lapso de tempo a partir do qual ou dentro do qual há-de assegurar-se a eficácia, de que é condição, mediante o exercício tempestivo do direito, a pôr termo a um estado de sujeição decorrente dos direitos potestativos.
Estes os motivos específicos de cada uma das limitações temporais, sendo comuns as razões que as determinam por destinarem-se ambas a servir a segurança e certeza da ordem jurídica, pondo-se assim termo a situações contrárias ao direito e à prejudicial ou perturbante dilação do seu exercício, distinguindo-se ainda pelos efeitos, paralisação num caso, extinção no outro”.
E concluiu-se que a caducidade se expressa num facto jurídico stricto sensu – o decurso do tempo, elemento de eficácia do direito, pelo que, tratando-se de um fenómeno natural, opera a extinção automática, ipso jure do mesmo.
Ora, um direito extinto é ininvocável cabendo, portanto, ao juiz recusar-lhe protecção mediante conhecimento oficioso.
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Em comentário ao referido artigo 39.º, n.º 2, da nova Lei dos Baldios, referiu o Dr. Jaime Gralheiro:
“O n.º 2 aplica-se aos casos em que não se verificam os condicionalismos do número anterior e os requisitos do art. 31.º.
Na primeira versão da lei e até à publicação da Lei n.º 89/97 de 30/7, o n.º 2 remetia, pura e simplesmente, para a acessão industrial imobiliária nos termos gerais de direito e dava ao interessado dois anos, a contar da entrada em vigor da lei, para reclamar os seus direitos. O actual n.º 2, porque se verificou que o funcionamento da acessão industrial imobiliária, nos termos gerais de direito (art. 1340.º do C. Civil) era muito oneroso para os “abusadores”, foi decidido criar para eles uma disciplina muito mais liberal e desta sorte:
a) Passou a presumir-se, até prova em contrário, a boa fé de quem construiu e
b) Passou a aceitar-se o funcionamento da acessão, ainda que o valor do terreno fosse maior do que o valor acrescentado.
A única contrapartida foi diminuir o prazo inicial de dois anos, para um, a contar da entrada em vigor da nova lei.
De notar que este aparente “agravamento”, quanto ao prazo é, pelo contrário, mais uma concessão a quem desrespeitou o art. 2 do DL n.º 39/76 e o próprio n.º 2 do art. 39.º da Lei n.º 68/93. O “crime”, às vezes, “compensa”.
Com efeito, tendo expirado o primitivo prazo (2 anos) a Lei n.º 89/97 veio acrescentar mais um ano.
Esgotado que foi este prazo, podem as respectivas comunidades locais “adquirir a todo o tempo as benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno, avaliadas por acordo ou, na falta dele, por decisão judicial”.
Sobre a distinção entre “benfeitorias necessárias” e “benfeitorias úteis” ver o art. 216.º do C. Civil.
Antes de ser alterada a redacção deste n.º 2 foi proferido o Ac. da Rel. de Coimbra de 23/02/96 (in Colect. Jurisp., Ano XXI, 1996, Tomo I, 32) onde se decidiu que a acção reivindicando a acessão do baldio em razão de benfeitorias deveria ser intentada, no prazo de dois anos, a contar da entrada em vigor da Lei n.º 68/93.
Actualmente, o prazo concedido (um ano) há muito que está ultrapassado” – (cf. Comentário à Nova Lei dos Baldios, Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, pág. 209).
Resulta do artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, que “Os actos ou negócios jurídicos de apropriação ou apossamento, tendo por objecto terrenos baldios, bem como da sua posterior transmissão, são nulos, nos termos gerais de direito, excepto nos casos expressamente previstos na lei”.
E resulta do n.º 2 do mesmo preceito, que “A declaração de nulidade pode ser requerida pelo Ministério Público, por representante da administração central, da administração regional ou local da área do baldio, pelos órgãos de gestão deste ou por qualquer comparte”.
Esta nulidade (de efeitos) através da posse resulta, também, da própria natureza jurídica dos baldios, em razão da qual os baldios são insusceptíveis de posse conducente à sua aquisição por usucapião.
Em face das consequências atribuídas aos actos e negócios jurídicos que incidem sobre os terrenos baldios, conclui-se que eles continuam “fora do comércio jurídico”.
A este propósito, foi decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de Maio de 1998:
“I – Os terrenos baldios não pertencem nem ao domínio público nem ao domínio privado do Estado ou das autarquias, constituindo, antes, propriedade comunal dos moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas, que exerçam a sua actividade no local.
II – Actualmente, e ao contrário do que sucedeu até 19-12-76, os baldios estão fora do comércio jurídico, sendo, em consequência, inalienáveis e insusceptíveis de apropriação privada por qualquer título, incluída a usucapião” – (cf. Col. Jur., Ano XXIII, 1998, tomo III, págs. 7-10).
Como ensinou o Prof. Manuel de Andrade, as coisas comuns identificavam-se dum modo geral com as coisas públicas, com a diferença, porém, de que aquelas, em vez de poderem ser usadas por todos, só o eram pelos indivíduos compreendidos no âmbito de uma dada circunscrição administrativa (freguesia, concelho, província) ou fazendo parte de certa corporação pública. Quer dizer: as coisas comuns só divergiam das públicas por ser mais limitado o círculo dos respectivos utentes.
As coisas públicas eram objecto de um uso público geral; as comuns eram objecto de um uso meramente local ou corporativo.
Por isso, o regime das coisas comuns tinha de ser, em princípio, idêntico ao das coisas públicas: inalienáveis e imprescritíveis; e quanto ao modo de os utentes exercerem o uso que lhes era facultado, deveria aplicar-se a doutrina exposta quanto às coisas públicas.
No entanto, considerava uma excepção: os baldios, de harmonia com o Código Administrativo (art. 388.º, § único), eram prescritíveis – (cf. Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. I, 1964, pág. 295).
O Prof. João de Castro Mendes considerava igualmente os baldios como coisas comuns. E eram coisas que não podiam ser objecto de relações privadas, e, nesse sentido, eram individualmente inapropriáveis, ou seja, não sendo coisas públicas, estavam, no entanto, sujeitas por lei a um regime de inapropriabilidade individual – (cf. Direito Civil, Teoria Geral, vol. II, 1979, págs. 182-183).
O artigo 39.º, da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, teve, efectivamente, a finalidade de regularizar situações anteriores, anómalas, de levantamento de construções duradouras, se destinadas a fins de habitação ou de exploração económica ou de utilização social.
E a regularização de tais situações podia fazer-se por uma de duas formas:
a) Por alienação, da iniciativa da assembleia de compartes, “desde que se trate de situações relativamente às quais se verifique, no essencial, o condicionalismo previsto no artigo 31.º” – (cf. artigo 39.º,n.º 1);
b) “Por recurso à acessão industrial imobiliária, nos termos gerais de direito”, a ser feita valer, no prazo de dois anos, contados da entrada em vigor da Lei n.º 68/93, pelos proprietários das construções feitas com qualquer das ditas finalidades, e pelo que respeita “à parcela do terreno baldio estritamente necessário ao fim da construção de que se trata” – (cf. artigo 39.º, n.º 2).
Neste caso, conforme decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de Fevereiro de 1996, a lei sujeitava o recurso à acessão industrial imobiliária a vários requisitos:
a) A respectiva acção só poderia ser intentada no prazo de dois anos, a contar da entrada em vigor da Lei n.º 68/93;
b) Só podia ter lugar o uso desta faculdade legal quando não se verificassem os condicionalismos previstos no n.º 1 do artigo 39.º e no artigo 31.º;
c) A alienação não poderia exceder o terreno baldio estritamente necessário ao fim da construção de que se tratava;
d) Tinham de verificar-se os requisitos gerais da acessão industrial imobiliária – (cf. Col. Jur., Ano XXI, 1996, tomo I, págs. 32-34).
O n.º 2 do citado artigo 39.º foi, entretanto, alterado pela Lei n.º 89/97, de 30 de Julho, passando a ter a nova redacção que já conhecemos:
“Quando não se verifiquem os condicionalismos previstos no número anterior e no artigo 31.º, os proprietários das referidas construções podem adquirir a parcela de terreno de que se trata por recurso à acessão industrial imobiliária, presumindo-se, até prova em contrário, a boa fé de quem construiu e podendo o autor da incorporação adquirir a propriedade, nos termos do disposto no artigo 1340.º, n.º 1 do Código Civil, ainda que o valor deste seja maior que o valor acrescentado, sob pena de, não tomando essa iniciativa no prazo de uma ano a contar da entrada em vigor da presente lei, poderem as respectivas comunidades locais adquirir a todo o tempo as benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno avaliadas por acordo ou, na falta dele, por decisão judicial”.
Pode dizer-se que o prazo previsto no n.º 2 do artigo 39.º, da Lei n.º 68/93, na redacção dada pela Lei n.º 89/97, de 30 de Julho, é um prazo de caducidade?
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Segundo a interpretação dos Apelantes, a Lei n.º 68/93 quis devolver os baldios às populações, dando guarida ao princípio constitucional de que a propriedade dos baldios, que constituem a principal modalidade de produção comunitária, pertence aos compartes e portanto por eles deve ser gerida.
O regime legal da Lei n.º 68/93 pauta-se pela flexibilidade, atento a comparação histórica com os regimes legais que revogou, e atentas as diversas disposições que apontam para os amplos poderes de gestão dos compartes.
Uma boa interpretação da Lei não é aquela que, numa pura perspectiva hermenêutico – exegética, determina correctamente o sentido textual da norma; é antes a que, numa perspectiva prático – normativa, utiliza bem a norma como critério de justa decisão do problema concreto.
Concluindo o raciocínio jurídico, os Apelantes sustentam:
- Devem os Compartes representados pelo Conselho Directivo do Baldio da freguesia de C..., ser notificados se pretendem exercer ou não o direito de adquirir as benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno pelos Autores e serem eles a decidir o que é melhor para a gestão dos seus baldios;
- Logo, se tal direito não for exercido, isto é, a caducidade na disponibilidade das partes, têm os Autores a legitimidade de prosseguir com a presente acção e ver reconhecidos os seus direitos de Acessão Industrial Imobiliária – é esta a melhor interpretação da Lei e do comando constitucional que lhe está subjacente.
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Como esclareceu o Prof. Vaz Serra, na doutrina, a opinião dominante é a de que aceita a distinção entre a prescrição e a caducidade.
Nesta orientação, há ainda modalidades quanto ao critério da distinção.
a) Segundo uma, a distinção traduz-se em elementos externos, como sejam a diversidade de origem (a caducidade pode derivar da lei ou da vontade privada, ao passo que a prescrição só pode derivar da lei), as circunstâncias de a prescrição gerar somente uma excepção e a caducidade poder ser fundamento de acção ou de excepção, de a prescrição não poder ser conhecida ex officio e poder sê-lo a caducidade, de poder renunciar-se à prescrição consumada e não poder sempre renunciar-se à caducidade, de a renúncia à prescrição afastar apenas o obstáculo à exigibilidade da obrigação e a renúncia à caducidade, se permitida por lei, dar vida a um direito novo, de a caducidade ter, mais que a prescrição, um fim punitivo.
b) Segundo outra, a distinção funda-se na natureza da inércia do titular: na prescrição, atende-se à negligência, real ou suposta, do titular; na caducidade, ao facto objectivo do não-exercício; o fim da caducidade é preestabelecer o tempo em que o direito pode ser exercido, enquanto o fim da prescrição é pôr termo a um direito que pode supor-se abandonado pelo titular.
c) Alguns autores acrescentam que os direitos, que são objecto de prescrição ou de caducidade, são de diversa natureza: assim, G. Moreira e Cabral de Moncada, entre outros, consideram objecto de caducidade os direitos potestativos (poder ou faculdade de constituir uma situação subjectiva ou anular uma situação já existente) e objecto de prescrição os direitos já adquiridos; para outros, a prescrição tem por objecto direitos de crédito e a caducidade quaisquer outros direitos; para outros, a prescrição tem por objecto obrigações patrimoniais, a que estejam sujeitas uma ou mais pessoas determinadas, obrigações correspondentes a direitos de crédito ou a outros direitos privados, ao passo que a caducidade tem por objecto direitos a que não corresponde uma obrigação patrimonial, de que sejam sujeitos passivos uma ou mais pessoas determinadas.
d) Segundo outra, a distinção está em que, na prescrição, o direito se perde pelo
decurso do prazo, como elemento autónomo, enquanto, na caducidade, o direito se perde porque estava temporalmente limitado.
Afirma-se que, enquanto na prescrição tem relevância a falta de exercício prolongada por determinado tempo, na caducidade a inércia do titular é tida em conta a respeito de um prazo peremptório dentro do qual o direito devia ser exercido; pelo que se considera feliz a fórmula de Carnelutti, segundo a qual, a prescrição se refere ao tempo como duração, a caducidade ao tempo como distância.
Ou ainda que, em certas relações jurídicas, a lei ou a vontade privada estabelecem um prazo peremptório no qual uma acção pode ser promovida, de modo que, findo ele, não é já exercível de qualquer maneira, prescindindo de qualquer consideração de negligência; não é um direito que se extingue com o decurso do prazo, mas este que impede a aquisição de um direito, ou melhor, a pretensão nasce trazendo consigo desde a origem esta limitação de tempo, ao passo que, na prescrição, o direito nasce com duração indefinida e só pode perder-se se houver negligência ou inactividade no seu uso.
Outras concepções seria ainda possível indicar.
Assim, a de que a prescrição consolida um estado de facto contrário ao direito, enquanto a caducidade reforça um estado de direito preexistente subtraindo-o a toda a contradição, mesmo que tal estado de direito seja contrário aos factos; a de que o critério de distinção deve ser tirado da aplicação da noção de ordem pública ou do ponto de partida do prazo; a de que a caducidade atinge o procedimento, acto ou acção judicial, pelo qual se afirma a existência do direito, com o fim de defender os interesses da pessoa contra quem o direito pode ser exercido, não extinguindo directamente o direito, mas só tornando ineficaz aquele procedimento, acto ou acção, de tal modo que a caducidade se refere só ao exercício judiciário dos direitos, não a estes mesmos; a de que a caducidade tem por objecto acções que o legislador só admitiu excepcionalmente, e como que contrariado (….), ao passo que a prescrição tem por objecto os direitos benvindos e plenamente desenvolvidos, sendo, assim, a prescrição feita para os direitos naturais, a caducidade para os iura singularia – (cf. Prescrição Extintiva e Caducidade, in Bol. Min. da Justiça, n.º 107, págs. 159 e seguintes).
A caducidade, também dita preclusão, é o instituto pelo qual os direitos, que, por força da lei ou de convenção, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo.
Esta noção pode extrair-se do n.º 2 do artigo 298.º, do Código Civil.
O fundamento da caducidade aproxima-se, de algum modo, do da prescrição, pois em ambos os casos se leva em conta a inércia do titular do direito.
Contudo, no caso da caducidade prevalecem sobretudo considerações de certeza e de ordem pública, no sentido de ser necessário que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública explica que o prazo de caducidade corra sem suspensão nem interrupção. E pela mesma ordem de razões, em princípio, só o exercício do direito dentro do prazo respectivo impede a sua caducidade – (cf. Prof. Luís A. Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2.ª edição, 1996, pág. 555).
Segundo o Prof. Manuel de Andrade, a caducidade ou preclusão é um instituto por via do qual os direitos potestativos se extinguem pelo facto do seu não-exercício prolongado por certo tempo.
O fundamento específico da caducidade é o da necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem definidas duma vez para sempre, com o transcurso do respectivo prazo.
A caducidade distingue-se da prescrição extintiva pelo próprio objecto sobre que versa: a prescrição extintiva é própria dos direitos subjectivos; a caducidade é própria dos direitos potestativos.
Quanto ao regime jurídico da caducidade, referiu o Prof. Manuel de Andrade que, ao passo que a prescrição só podia ser invocada pelo prescribente, a caducidade só podia ser declarada ex officio pelo tribunal.
Evitava-se a caducidade propondo a acção dentro do respectivo prazo, isto é, apresentando em juízo o competente requerimento (a chamada petição inicial).
Quanto à prescrição, era necessária a citação do devedor, dentro do respectivo prazo.
Proposta uma acção fora do prazo (e portanto já atingida pela caducidade), podia e devia o juiz indeferir liminarmente a respectiva petição. Não se encontrando no Código Civil, nem no Código de Processo Civil, a mesma doutrina para a prescrição, que, pelo contrário, só podia ser atendida quando invocada pelo devedor.
Se a caducidade podia e devia ser suscitada ex officio pelo juiz, como motivo de indeferimento liminar, parece que também deveria poder sê-lo como motivo de improcedência da acção, quando o juiz tivesse de pronunciar-se a este respeito noutra altura do processo – (cf. Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 1964, págs. 463-467).
“A prescrição é o facto natural juridicamente relevante na estrutura da relação jurídica, que se concretiza, no essencial por uma condição de exigibilidade, durante um certo lapso de tempo, do cumprimento de um direito já constituído, definido e pré-existente.
A caducidade, enquanto facto natural juridicamente relevante caracteriza-se, no essencial, pela pré-fixação normativa de um prazo, dentro do qual pode ser exercido um direito que é dele contemporâneo e que se extingue decorrido o mesmo prazo de exercício” – (cf. Dra. Maria Celeste Cardona, Prescrição da obrigação tributária e caducidade do direito de liquidar o imposto, em ROA, 54.º, 1994, pág. 478).
A noção de caducidade aponta para a possibilidade de haver caducidade legal e caducidade convencional.
Nos termos do artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil, “Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição”.
A distinção entre caducidade legal e caducidade convencional deduz-se, pois, da primeira parte do n.º 2 do artigo 298.º, do Código Civil. E essa distinção tem o seu seguimento lógico no regime do artigo 330.º, n.º 1, onde expressamente se estabelece a validade dos negócios “pelos quais se criem casos especiais de caducidade”.
No entanto, a liberdade de fixação da caducidade por via convencional sofre duas limitações. Desde logo, o negócio não é válido quando estejam em causa direitos indisponíveis. Mas a lei comina também a invalidade dos negócios relativos à caducidade, quando eles importem «fraude às regras legais da prescrição» – (cf., sobre as modalidades da caducidade, Prof. Luís A. Carvalho Fernandes, in Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2.ª edição, págs. 557-558).
Ora, no caso “sub judice”, a lei não se refere expressamente à prescrição.
Assim, até por força do estabelecido no artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil, o prazo previsto no n.º 2 do artigo 39.º, da Lei n.º 68/93, na redacção dada pela Lei n.º 89/97, de 30 de Julho, é um prazo de caducidade.
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Sobre a apreciação oficiosa da caducidade, há que ter em atenção o disposto no artigo 333.º, do Código Civil:
“1. A caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, se for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes.
2. Se for estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes, é aplicável à caducidade o disposto no artigo 303.º”.
No Acórdão da Relação do Porto, de 18 de Novembro de 2003, foi decidido que: “É de caducidade o prazo fixado no n.º 2 do art. 39.º da Lei nº 68/93, na redacção dada pela Lei nº 89/97 de 30 de Julho, do direito conferido ao proprietário de construção implantada em terreno baldio, de poder adquirir a propriedade da parcela de terreno onde a construção foi implantada, por recurso à acessão industrial imobiliária”.
E, no desenvolvimento do mesmo Acórdão, observou-se o seguinte:
“Veio o legislador através da referida alteração dar uma segunda oportunidade para a regularização de construções irregularmente implantadas em terrenos de baldios.
Facilitou o recurso à acessão imobiliária, passando a presumir-se a boa fé de quem construiu, permitiu o recurso à aquisição por acessão imobiliária ainda que o valor do terreno fosse superior ao valor acrescentado e concedeu um novo prazo de um ano para regularizar as situações de obras irregularmente levantadas em terreno baldio.
Porém, o novo prazo de um ano a contar da entrada em vigor da dita alteração, para ser instaurada a acção com vista à aquisição da propriedade por recurso à acessão imobiliária, constitui um prazo de caducidade. (….).
Caso, como defendem os apelantes, o referido prazo de um ano não constituísse um prazo de caducidade, nunca a lei poderia estabelecer a reversão, ou seja, a possibilidade das comunidades locais, findo o referido prazo, poderem adquirir a todo o tempo as benfeitorias incorporadas no terreno baldio. Se findo aquele prazo de um ano o autor da incorporação continuasse a ter o direito de obter a aquisição do terreno, não poderia conferir, ao mesmo tempo, o direito de aquisição das benfeitorias à respectiva comunidade local” – (cf. Col. Jur., Ano XXVIII, 2003, tomo V, págs. 193-196, nomeadamente, págs. 195-196).
De modo expresso, também já havia decidido o Acórdão da Relação do Porto, de 18 de Janeiro de 2000, como se verifica do respectivo Sumário:
“I – O decurso do prazo de um ano faz caducar o direito de um particular, através do instituto da acessão industrial imobiliária, se apropriar individualmente de terreno baldio.
II – A caducidade do direito de accionar constitui uma excepção peremptória de conhecimento oficioso do tribunal” – (cf. Processo: 9921336, Nº Convencional: JTRP00027126 e Nº do Documento: RP200001189921336).
O Acórdão da Relação do Porto, de 19 de Fevereiro de 2004, também se pronunciou sobre a mesma questão, como se pode constatar da leitura da seguinte passagem:
“Mas os ora apelantes apenas instauraram a referida acção n.º 215/98 em 08 de Outubro de 1998, como mostra o carimbo aposto na respectiva petição inicial (fls. 5), acção essa em que visavam, como supra ficou dito, a aquisição do terreno em causa pela via da acessão industrial imobiliária.
Quer isto dizer que os ora apelantes deixaram decorrer mais de uma ano após a entrada em vigor da referida Lei n.º 89/97 até instaurarem a referida acção com vista à aquisição do terreno, direito que aquele diploma lhes concedia de forma alargada, já que escancarou as portas que conduziam ao instituto da acessão industrial imobiliária, mas apenas no ano seguinte à sua entrada em vigor. O decurso desse prazo fez caducar o direito que os particulares tinham de se apropriarem de terrenos baldios, pela via da acessão industrial imobiliária. A caducidade do direito de accionar constitui excepção peremptória de conhecimento oficioso (arts. 333.º, n.º 1, do C.C. e 496.º do C.P.C.)” – (cf. Processo: 0326737, Nº Convencional: JTRP00036730 e Nº do Documento: RP200402190326737).
De certo modo, esta mesma questão já tinha sido aflorada no Acórdão da Relação de Coimbra, de 7 de Outubro de 2003, onde, a dado passo, se salientou o que passamos a transcrever:
“Foi a acção intentada estando em vigor a primitiva redacção do n.º 2 do art. 39.º e observando o prazo de 2 anos aí previsto a contar da entrada em vigor da Lei n.º 68/93. Pela nova redacção do n.º 2 do art. 39.º, verifica-se que foi concedido mais um prazo, com a duração de um ano, aos proprietários de construções existentes em terreno baldio, à data da publicação da Lei dos Baldios (04.09.93), para poderem adquirir por acessão industrial imobiliária o direito de propriedade sobre aquele terreno, e ainda com a dupla vantagem da presunção juris tantum da boa fé do autor da construção e eficácia do modo de adquirir por acessão ainda que o valor do terreno baldio fosse superior ao das construções ou valor acrescentado. Portanto, uma nova oportunidade de aquisição do direito de propriedade de terrenos baldios foi concedida aos donos de construções aí implantadas até 04.09.93, numa mitigação dos requisitos da acessão industrial imobiliária prevista na lei civil (art. 1340º do Código Civil)” – (cf. Col. Jur., Ano XXVIII, 2003, tomo IV, págs. 25-27, nomeadamente, pág. 27).
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O Tribunal só pode conhecer oficiosamente da caducidade quando esta respeitar a um direito indisponível.
O artigo 330.º, do Código Civil, resolve expressamente a questão de saber se as partes podem modificar a disciplina legal da caducidade, e se podem renunciar a esta. Contrariamente à prescrição, que tem sempre uma finalidade de ordem pública, de onde resulta a regra da sua inderrogabilidade (art. 300.º), a caducidade tem umas vezes finalidade de ordem pública e outras vezes finalidade de ordem privada, pelo que é permitido às partes modificar a disciplina legal quando a caducidade não seja estabelecida em matéria subtraída à sua disponibilidade e não constitua fraude às regras legais da prescrição – (cf. Cons. Jacinto Rodrigues Bastos, in Notas ao Código Civil, volume II, 1988, pág. 99).
E este Autor observou em seguida, citando Azzaritti e Scarpello:
“Um direito deve considerar-se indisponível quando o seu titular não puder privar-se dele por simples acto da sua vontade. Sucede, porém, que muitas vezes a lei não declara explicitamente a indisponibilidade, devendo, nesses casos, o intérprete socorrer-se da disciplina legislativa aplicável à matéria, para concluir se a vontade da lei foi subtrair um determinado direito ao poder de disposição do seu titular, tendo principalmente em conta a valoração complexa dos interesses que a lei teve em vista na atribuição desse direito” – (cf. Obra citada, pág. 99).
Direitos subtraídos à disponibilidade das partes são, por regra, aqueles onde predomina o interesse público – (cf. Dr. Aníbal de Castro, in A Caducidade, pág. 131).
Segundo esclareceu o Prof. Vaz Serra, “Só quando a caducidade for estabelecida em matéria subtraída à disponibilidade das partes, isto é, no interesse público, pode ela ser conhecida ex officio pelo tribunal, pois só então o interesse público, para defesa do qual a caducidade é instituída pela lei, exige esse conhecimento oficioso pelo juiz, como guardião dos interesses superiores da colectividade. Assim se explica que o artigo 481.º,n.º 3, do Código de Processo Civil de 1939 e o artigo 474.º, n.º 1, alínea c), do actual Código de Processo Civil disponham que a petição inicial deve ser indeferida liminarmente quando a acção for proposta (ou seja evidente que foi proposta) fora de tempo – disposição que supõe tratar-se de acção sujeita a um prazo fixado pela lei por considerações de interesse e ordem pública, já que de outro modo não se compreenderia que ao juiz impusesse a lei o dever de rejeição liminar da petição.
Se, pelo contrário, a caducidade for estabelecida no interesse privado, em matéria não subtraída à disponibilidade das partes, seria de todo inadmissível que o juiz devesse conhecer oficiosamente dela. Neste caso, cabe ao interessado prevalecer-se ou não da caducidade, e não pode o juiz sobrepor-se à sua vontade, declarando extinto pela caducidade um direito que o interessado pode não querer que por esse modo se extinga. Não teria aqui justificação alguma o dever de conhecimento oficioso do juiz” – (cf. Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 95.º, págs. 229 e seguintes, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Julho de 1961, e, do mesmo Autor, Prescrição Extintiva e Caducidade, in Bol. Min. da Justiça, n.º 107, págs. 257-260, e Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 97.º, págs. 327-328, e Ano 98.º, pág. 352).
Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Outubro de 1999, “quando a caducidade incida sobre matéria subtraída à disponibilidade das partes, ou seja, sobre matéria onde predomine o interesse público – matéria de interesse e ordem pública –, a caducidade é de conhecimento oficioso” – (cf. Bol. Min. da Justiça, n.º 490, págs. 250-255, nomeadamente, pág. 254).
Ora, como decorre do disposto no artigo 39.º, n.º 2, da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, na redacção introduzida pela Lei n.º 89/97, de 30 de Julho, os proprietários das construções irregulares podem adquirir a parcela de terreno baldio de que se trata, por recurso à acessão industrial imobiliária, desde que tomassem a iniciativa no prazo de um ano a contar da entrada em vigor da presente lei, e sob pena de, não tomando essa iniciativa, poderem as respectivas comunidades locais adquirir a todo o tempo as benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno avaliadas por acordo ou, na falta dele, por decisão judicial.
Da interpretação da lei parece resultar que, não sendo a acção proposta naquele referido prazo de um ano, as comunidades locais passam a ter o direito de adquirir a todo o tempo as benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno avaliadas por acordo ou, na falta dele, por decisão judicial.
Se a acção pudesse ser interposta mesmo depois de já ter decorrido o prazo que foi estabelecido na lei, já não poderia ser conferido, ao mesmo tempo, às comunidades locais aquele direito de aquisição a todo o tempo das referidas benfeitorias necessárias e úteis incorporadas no terreno baldio.
Não parece também que esse direito de aquisição conferido às comunidades locais esteja na sua livre disponibilidade, na medida em que é um direito de aquisição que pode ser exercido a todo o tempo, embora as comunidades locais não sejam compelidas por lei a exercê-lo.
Os baldios são terrenos, não individualmente apropriados, de que só podem fazer uso os membros de determinada comunidade (um concelho, uma freguesia, uma povoação), na sua qualidade de cidadãos – uti cives – pertencentes a essa colectividade de pessoas.
E, sobre a natureza jurídica dos baldios, são duas, fundamentalmente, as teses em confronto.
Segundo uma delas, os baldios, cuja origem remonta às formas de propriedade comunitária e indivisível do antigo direito germânico – conhecida por propriedade colectiva ou comunhão de mão comum –, pertencem aos próprios utentes ou compartes, mas trata-se de um domínio que, por virtude do fim a que os baldios se encontram adstritos, em nada se identifica com o regime da propriedade individual. Concretamente, os compartes não podem alienar nem onerar o seu direito de participação no uso ou fruição dos bens, nem podem pedir a divisão destes.
Segundo outra orientação, baseada principalmente na legislação anterior à Revolução de 1974, os baldios pertenceriam em propriedade às autarquias em cuja circunscrição territorial se situassem, mas estariam afectados às necessidades particulares dos indivíduos aí residentes, aos quais assistiam sobre tais bens direitos privativos de uso ou fruição – verdadeiros direitos reais, que a doutrina italiana denomina usos cívicos ou direitos de uso cívico – (cf. Prof. Henrique Mesquita, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 127.º, pág. 342).
Os baldios não fazem parte do domínio público, pois não se encontram afectados à satisfação de necessidades gerais ou colectivas.
Trata-se de terrenos que só podem ser usados ou fruídos, para satisfação de necessidades privadas, pelos indivíduos pertencentes a determinada comunidade local.
À luz da legislação anterior à Revolução de 1974, sustentaram alguns Autores que os baldios pertenciam à autarquia em cuja circunscrição territorial se situassem, mas que se tratava de uma propriedade onerada com direitos privativos de uso (que revestiam a natureza de verdadeiros direitos reais) a favor dos respectivos compartes.
Actualmente, porém, decorre da lei (quer da Constituição, quer da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro – e a idêntico entendimento conduzia já o revogado Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro) que os baldios pertencem aos próprios utentes ou compartes, em regime de propriedade colectiva (também denominada comunhão de mão comum) – (cf. Prof. Henrique Mesquita, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 127.º, pág. 351).
Ora, se o prazo em questão nos autos é um prazo de caducidade, pode também dizer-se que a caducidade incide sobre matéria que se encontra subtraída à disponibilidade das partes, pois que os terrenos baldios não são simples prédios rústicos, mas terrenos de afectação social e que estão fora do comércio jurídico.
Embora os terrenos baldios só possam ser usados ou fruídos, para satisfação de necessidades privadas, pelos indivíduos pertencentes a determinada comunidade local, pode dizer-se que estão em causa matérias onde predomina também um interesse público, embora relativo a uma determinada comunidade local.
E, neste entendimento, parece dever concluir-se no sentido de que a caducidade em causa se encontra estabelecida em matéria subtraída à disponibilidade das partes, isto é, no interesse público.
Com base nestes fundamentos, e salvo sempre o devido respeito por diferente entendimento, cremos que é de respeitar a orientação consagrada nos Acórdãos que foram mencionados.
Pelo exposto, julgando que não foram violados os preceitos constitucionais e legais invocados pelos recorrentes, concluímos no sentido da improcedência das conclusões das doutas alegações apresentadas pelos Apelantes.
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Nos termos expostos, acordam nesta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, e, em consequência, confirmam a douta sentença proferida no despacho saneador que julgou improcedente a acção, por verificação da excepção peremptória do direito de accionar, com a consequente absolvição do Réu.
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Custas do recurso de apelação pelos respectivos Apelantes, devendo, no entanto, ter-se em consideração o disposto no artigo 32.º, n.º 2, da Lei n.º 68/93, de 4 de Setembro, que estabelece a isenção de preparos e custas judiciais para os órgãos e membros das comunidades locais titulares dos direitos sobre o baldio, incluindo as entidades em que tiverem sido delegados os respectivos poderes de administração.