Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3035/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: CASO JULGADO MATERIAL
CASO JULGADO FORMAL
DECISÃO QUE CONHECE DE MÉRITO
Data do Acordão: 11/09/2004
Votação: DECISÃO PROFERIDA PELO RELATOR AO ABRIGO DO ARTº 705º DO C.P.C.
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 280º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I - Conhece de mérito a sentença que julga a acção improcedente, declarando nula, nos termos do disposto no artº 280º do Código Civil, uma cláusula de um contrato-promessa celebrado entre o autor e as rés, e estas absolvidas do pedido e, interpostos recursos para a Relação e para o S.T.J., estes negaram provimento a tais recursos.
II - Por isso, não se pode dizer que, para efeitos de caso julgado, estamos perante uma situação de caso julgado formal, por a decisão anterior ter sido proferida sobre a relação processual.
Decisão Texto Integral:
A... instaurou, em 28/05/2003, pelo Tribunal da comarca de Castelo Branco, acção com processo ordinário contra B... e C..., com os seguintes fundamentos, em síntese, na parte que interessa para a decisão do presente recurso:
-Em 23/03/1995 foi celebrado entre o autor e as rés um contrato-promessa de partilha por morte de D... e de cessão do quinhão hereditário de E....
-Nele prometem a partilha dos bens descritos na cláusula 3ª do contrato, que deverá ser feita nos termos prescritos na cláusula 5ª.
-Até ao momento foi apenas celebrada a escritura de cessão do quinhão hereditário e, quanto à partilha por morte de D..., apesar da inexistência de escritura, a partilha já foi, em parte, realizada.
-Por iniciativa do autor, as rés foram notificadas judicialmente da marcação da escritura prometida para o dia 04/04/2001, pelas 15H00, no Cartório Notarial de castelo Branco, devendo a 1ª ré proceder à entrega dos documentos necessários para a escritura até ao dia 20/03/2001.
-As rés faltaram, estando, assim, em incumprimento.
-No contrato não é afastado o recurso à execução específica do artº 830º do C.C., nem se prevê qualquer data para a celebração da escritura definitiva.
-O autor já intentou em 2001 uma acção (nº 244/01, do 2º Juízo) com causa de pedir similar com a desta, identificando, no entanto, o contrato como sendo um contrato promessa de partilha por morte de D.... e partilha em vida de B....
-Em 1ª instância o contrato foi declarado nulo por se entender que era impossível distinguir no contrato o que era partilha por morte e o que era partilha em vida, gerando tal confusão a nulidade do contrato.


-O pedido foi indeferido nas três instâncias, embora os motivos do indeferimento da Relação e do Supremo já não tenham a ver com a nulidade, mas sim com uma má formulação do pedido por parte do autor.
Termina, pedindo que, na procedência da acção, sejam as rés condenadas a celebrar a escritura prometida, nos termos do artº 830º do C.C., respeitando-se o preceituado no contrato promessa, nomeadamente nas suas cláusulas 3ª e 5ª.
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No despacho saneador foram as rés absolvidas da instância quanto a tal pedido, por se considerar que se verifica a excepção de caso julgado.
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Inconformado, interpôs o autor recurso de agravo, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
I - Os acórdãos proferidos no âmbito do processo nº 244/01 do 2º Juízo do Tribunal da comarca de Castelo Branco, revogam tacitamente a decisão de mérito proferida em 1ª instância nesses autos, uma vez que indeferem a pretensão do A. não por nulidade do contrato promessa, mas sim por ineptidão da petição inicial.
II – Assim, não havendo decisão de mérito, mas sim de forma, não se verifica a excepção do caso julgado.
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Não se mostra que as rés tenham contra-alegado.
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O Sr. Juiz sustentou, tabularmente, o despacho recorrido.
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Cumpre decidir, ao abrigo do disposto no artº 705º do Código de Processo Civil, atenta a simplicidade da questão a apreciar.
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Além do que consta do relatório que antecede, importa ter em consideração mais o seguinte, com interesse para a decisão do recurso, face aos elementos constantes dos autos (docs. De fls. 20/34, 38/86 e 93/103):
1 - Em 17/04/2001 foi proposta uma acção ordinária no Tribunal da comarca de Castelo Branco, distribuída ao 2º Juízo com o nº 244/2001, em que foi autor o aqui autor A... e rés as aqui rés B... e C....
2 - Nessa acção, o autor alegou que: em 23/03/1995 foi celebrado entre autor e rés um contrato promessa de partilha por morte de D..., de partilha em vida dos bens da 1ª ré e de cessão do quinhão hereditário de E...; nele prometem a partilha dos bens descritos na cláusula 3ª do contrato, que deverá ser feita nos termos prescritos na cláusula 5ª; Até ao momento foi apenas celebrada a escritura de cessão do quinhão hereditário; Por iniciativa do autor, as rés foram notificadas judicialmente da marcação da escritura prometida para o dia 04/04/2001, pelas 15H00 no 1º Cartório Notarial de Castelo Branco, devendo a 1ª ré proceder à entrega dos documentos necessários para a escritura até ao dia 20/03/2001; As rés faltaram, estando, assim, em incumprimento; No contrato não é afastado recurso à execução específica do artº 830º do CC, nem se prevê qualquer data para a escritura definitiva; Termina pedindo que, na procedência da acção, sejam as rés condenadas a celebrar a escritura prometida, nos termos do artº 830º do CC, respeitando-se o preceituado no contrato promessa, nomeadamente nas suas cláusulas 3ª e 5ª.
3 – A acção foi decidida no despacho saneador, tendo a mesma sido julgada improcedente, declarando-se nula, nos termos do disposto no artº 280º do Código Civil, a cláusula 5ª do contrato promessa celebrado entre autor e rés, e estas absolvidas do pedido contra elas formulado.
4 – Dessa decisão foi interposto pelo autor recurso para esta Relação, que, por Acórdão de 03/07/2002, negou provimento à apelação.
5 – Interpôs o autor novo recurso, desta vez de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, que negou provimento ao mesmo.
6 – A decisão recorrida referida em 3 já transitou em julgado.
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A única questão objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (cfr. artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil – diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência), consiste em saber se inexiste excepção de caso julgado, por, no entender do recorrente, não ter havido decisão de mérito, mas sim de forma, no processo nº 244/01.

A excepção de caso julgado tem lugar quando se repete uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior – artº 497º.
A causa repete-se quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica, identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida procede do mesmo facto jurídico – artº 498º.
A excepção de caso julgado consiste, portanto, na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário.
Esta excepção, como meio de defesa facultado ao réu, constitui um dos aspectos em que se revela a força e autoridade do caso julgado.
Ao lado da excepção de caso julgado, assente sobre a decisão de mérito proferida em processo anterior, prevista nos artºs 494º, al. i), e 671º, a que se chama caso julgado material, há a excepção de caso julgado, baseada em decisão anterior proferida sobre a relação processual, especialmente prevista no artº 672º, a que se dá o nome de caso julgado formal. E, assim, temos que o primeiro cobre a decisão proferida sobre o fundo ou mérito da causa e tem força obrigatória, não só dentro do processo, mas principalmente fora dele, enquanto o segundo aproveita às decisões sobre as questões de carácter processual e apenas tem força obrigatória dentro do processo.

O recorrente não põe em causa que se verifica, em relação às duas acções, identidade dos sujeitos do pedido e da causa de pedir.
Simplesmente, defende que não existe a excepção de caso julgado porque os acórdãos proferidos no âmbito do proc. nº 244/01 revogam tacitamente a decisão de mérito proferida em 1ª instância nesses autos, uma vez que indeferem a pretensão do autor, não por nulidade do contrato promessa, mas sim por ineptidão da petição inicial.

No despacho recorrido foi julgada procedente a excepção de caso julgado por se entender que são idênticos a causa de pedir, o pedido e as partes.
Mas, como vimos, isso não basta, havendo que ver se estamos perante uma situação de caso julgado material, ou apenas formal, como pretende o recorrente, ou seja, importa averiguar se a decisão proferida no processo nº 244/01 conheceu do mérito ou se limitou a julgar inepta a petição inicial.
Deu-se como provado que nesse processo a acção foi julgada improcedente, declarando-se nula, nos termos do disposto no artº 280º do Código Civil, a cláusula 5ª do contrato promessa celebrado entre autor e rés, e estas absolvidas do pedido contra elas formulado e foram interpostos recursos dessa decisão para esta Relação e para o S.T.J., que negaram provimento a tais recursos.
Não há dúvida, nem o recorrente o impugna, que a sentença da 1ª instância conheceu de mérito.
Analisando o Acórdão desta Relação, verifica-se que, embora na sua fundamentação tenha aduzido outros argumentos, o mesmo não alterou aquela sentença no que à decisão de fundo diz respeito, limitando-se a negar provimento ao recurso.
Por isso, não se pode dizer que, para efeitos de caso julgado, estamos perante uma situação de caso julgado formal, por a decisão anterior ter sido proferida sobre a relação processual.
Conclui-se, assim, que a decisão proferida no processo nº 244/01 incidiu sobre o mérito e que, portanto, se verifica a excepção de caso julgado material, conforme se decidiu no despacho recorrido.
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Termos em que, negando provimento ao recurso, mantenho o despacho recorrido, condenando o recorrente nas custas.