Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3539/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: REGINA ROSA
Descritores: LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO
NOVO REGIME OPERADO PELO DL Nº 38/03
DE 8/3:SUA APLICAÇÃO NO TEMPO.
Data do Acordão: 12/07/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL 38/03, DE 8/3 E ARTºS 378º A 380º DO CPC
Sumário: I – Face ao disposto no nº 5 do artigo 47º do CPC, aditado pelo DL 38/03, contendo a sentença uma condenação genérica ela só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo .
II – A liquidação da obrigação deixou de ser feita na fase introdutória da execução e criou-se um novo incidente declarativo, a deduzir no próprio processo em que a sentença foi proferida, regulado nos artºs 378º a 380º do CPC .
III – Desde que o requerimento executivo dê entrada em juízo depois de 15/9/03 deverá prevalecer a imediata aplicação das alterações introduzidas pela dita reforma .
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - RELATÓRIO
I.1- Nos autos de execução comum instaurados por «A...» contra «B...», veio a exequente agravar do despacho que indeferiu liminarmente o requerimento executivo.
Conclui assim a sua peça alegatória:
1- As normas que serviram de fundamento para o indeferimento liminar do requerimento executivo (art.662º/2 e 378º/2,C.P.C.) não têm aplicação no caso subjudice;
2- Nos termos do art.21º/1 do DL 38/03, essas normas e ainda a norma do art.47º/5, não são aplicáveis aos processos instaurados antes de 15 de Setembro de 2003;
3- A sentença em execução foi confirmada por acórdão do STJ de 26.5.00, já transitado em julgado;
4- A sentença em execução não está sujeita ao regime do novo nº2 do art.661º, por ser um processo anterior áquela data;
5- Ante a inaplicabilidade dessa norma tornam-se inaplicáveis os arts.378º/2 e 47º/5,C.P.C.;
6- A execução deveria assim prosseguir ordenando-se a imediata penhora dos bens do executado, discutindo-se eventual, mas sempre posteriormente, a liquidação do montante exequendo.

I.2- A executada foi citada para os termos da causa e do recurso, nada tendo dito.
Foi mantido o despacho agravado.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS
II.1 - de facto
Na acção declarativa sob a forma ordinária nº195/99-2º juízo, foi proferida sentença, transitada em julgado, cujo dispositivo é do seguinte teor:
“O tribunal julga, nos termos expostos, a presente acção (principal e apenso) parcialmente procedente e, em consequência, condena a ré «Companhia de Seguros Fidelidade»: a pagar à autora «A...», a quantia de 1.233.333$00 acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação; a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença respeitante aos lucros cessantes resultantes da paralisação da viatura e falta de funcionário vendedor durante o período de 2 meses, na proporção de 2/3 dos liquidados, e acrescido de juros de mora, desde a citação a até ao pagamento, calculados à taxa legal”.

II.2 - de direito
A questão que se coloca neste recurso está desde logo em saber se é de aplicar o novo regime da acção executiva operado pelo DL 38/03, de 8.3 à pretensão trazida a juízo – executar a sentença proferida na acção declarativa.
No despacho recorrido optou-se pela aplicação do regime novo, e nessa medida entendeu-se que a sentença genérica só poderia ser executada após o incidente destinado à liquidação, nos termos dos arts.378º a 380º/C.P.C. (na redacção proveniente da citada reforma, como os demais a citar sem indicação de origem).
Na opinião da agravante, e em face do regime transitório consagrado no art.21º do dito DL 38/03, as normas invocadas no despacho, e bem assim as dos arts.661º/2 e 47º/5 na nova redacção, não são aplicáveis aos processos instaurados antes de 15.9.03. Com este fundamento, e sendo a sentença a executar datada de 26.5.00, entende que a mesma não está sujeita àqueles normativos, sendo assim título válido e eficaz.
Vejamos.
É inquestionável que a sentença em causa foi proferida no âmbito de um processo declarativo findo antes de 15.9.03 e nos termos do art.661º/2 na anterior redacção: não havendo conversão do pedido genérico (art.471º) em pedido específico na acção declarativa, desde que admissível, o tribunal condenará, em caso de procedência da acção, no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
Esta norma sofreu nova redacção emergente do referido DL 38/03, substituindo-se a expressão “no que se liquidar em execução de sentença”, pela proposição “no que vier a ser liquidado”.
A razão desta alteração está em que, face ao disposto no nº5 do art.47º, aditado pelo DL 38/03, contendo a sentença uma condenação genérica, ela só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo. A liquidação da obrigação deixou, então, de ser feita na fase introdutória da execução, criando-se um novo incidente declarativo, a deduzir no próprio processo em que a sentença foi proferida, incidente regulado nos arts.378º a 380º. Cfr. Paulo Pimenta, «Acções e incidentes declarativos na dependência da execução», «Themis», ano V, nº9-2004, pág.56-87.
Segundo o nº3 do art.21º do citado DL 38/03, na redacção do DL 199/03, de 10.9, as normas dos arts.47º/5, 378º/2, 380º/2, 3 e 4, e 661º/2, aplicam-se nos ou relativamente aos processos declarativos pendentes em 15.9.03 em que até essa data não tenha sido proferida sentença em 1ª instância.
Face a esta norma transitória, sendo a sentença condenatória proferida anteriormente a essa data, seríamos levados a dar razão à agravante. Portanto, não seria de aplicar o novo regime decorrente da reforma de 2003.
Todavia, como o requerimento executivo deu entrada depois de 15.9.03, parece-nos que deverá prevalecer a imediata aplicação das alterações introduzidas pela dita reforma. Cfr. Carlos Lopes do Rego, Requisitos da obrigação exequenda, «Themis», ano IV, nº7-2003 (2ª reimpressão), pág.67-77. Na pág.77 afirma: () parece-nos que deverá prevalecer a imediata aplicação do regime de liquidação no âmbito da acção declaratória finda, enxertando-se nela o incidente póstumo previsto naqueles preceitos legais..
Faz sentido que as alterações ao processo executivo só se apliquem aos processos novos. Importa salientar o disposto no art.6º do 3º projecto (Abril/02) do XIV Governo Constitucional: «1- as alterações ao processo de execução introduzidas pelo presente diploma aplicam-se ás execuções cujo requerimento inicial dê entrada após a data da sua entrada em vigor; 2- as alterações ao processo de declaração introduzidas pelo presente diploma têm aplicação imediata, ressalvadas as que se mostrem incompatíveis com os actos processuais já praticados».
Aliás, mesmo admitindo-se a aplicabilidade do regime anterior, a execução não podia prosseguir com a imediata penhora dos bens e posterior liquidação do montante exequendo, como pretende a agravante.
Na verdade, sendo a obrigação ilíquida para efeitos de obrigação, condenando-se a ré a pagar à autora a quantia “que vier a ser liquidada em execução de sentença”, essa liquidação – pelo tribunal - proceder-se-ia em processo de execução, através do incidente regulado nos arts.806º e 807º anteriores à reforma. A sentença que julgasse a final a liquidação, ordenaria a execução, com a notificação do executado para pagar ou nomear bens à penhora.
O art.802º prescrevia (e continua a prescrever já que se mantém sem alterações), que a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.
No regime precedente, a liquidação feita pelo tribunal representava um caso de processo declarativo enxertado no processo executivo, e destinava-se a determinar o montante da prestação ou a especificar os elementos da universalidade. Como resultava do então art.806º/1, o exequente indicaria no requerimento inicial os valores que considerava compreendidos na prestação devida, concluindo por um pedido líquido. Cfr. F. Amâncio Ferreira, «Curso de processo de execução», 3ª ed., pág.100.
Ora, embora entenda aplicável o regime anterior à reforma, o exequente/recorrente não procedeu desse modo, avançando logo para a penhora, usando inclusivé o modelo de requerimento executivo aprovado pelo DL 200/03, de 10.9, aplicável aos processos instaurados a partir de 15.9.03 (art.4º).
Ao invés, no regime actual, para a liquidação da obrigação (em caso de sentença genérica e quando a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, como aqui sucede) o legislador deslocou-a obrigatoriamente para o âmbito do processo declaratório que a originou, em incidente posterior à condenação, e determinando a renovação da instância extinta (arts.378º/2 e 380º/3 e 4).
O regime constante do art.805º (liquidação), em que se permite a liquidação da acção executiva, mas em momento posterior à apreensão de bens (nº6) como vem pretendido pela recorrente, é aplicável quando o título executivo não for uma sentença, salvo quando a liquidação da obrigação dependa de simples cálculo aritmético (nº4).
Concluindo, precedendo necessariamente a instauração da presente acção executiva do incidente de liquidação - condição da exequibilidade da sentença (art.47º/5) - bem andou a 1ª instância em indeferir liminarmente o requerimento executivo nos termos do art.812º/2-a).

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III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em negar provimento ao agravo, confirmando-se o despacho agravado.
Custas pela agravante.
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COIMBRA,