Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FREITAS VIEIRA | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO COMPETÊNCIA MATERIAL QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL VIOLAÇÃO DE SEGREDO PROFISSIONAL SEGREDO BANCÁRIO SIGILO BANCÁRIO | ||
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Data do Acordão: | 02/15/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº. 135 DO CÓDIGO PENAL E ARTº. 182 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
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Sumário: | 1.- Perante a invocação de segredo profissional ou de funcionário, a autoridade judiciária tem de avaliar, em primeiro lugar, a legitimidade da escusa e o fundamento invocado. 2.- Se se concluir pela ilegitimidade da escusa, o Tribunal ordena a prática do acto (depoimento ou junção de documento), decisão sindicável por recurso. 3.- Se se concluir pela legitimidade da escusa, se a prática do acto for considerada essencial, terá de ser suscitado, perante o Tribunal Superior, o incidente de quebra do dever de segredo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal da Relação: Nos autos de inquérito supra referenciados, a correr termos nos Serviços do Ministério Público da Comarca de Leiria, em que se investiga a prática de factos susceptíveis de integrar o crime de difamação e ofensa a pessoa colectiva p.e p. nos artigos 180º e 187º do C.Penal , o Magistrado do MºPº titular do inquérito solicitou ao Banco de Portugal o envio de cópia de decisão proferida por aquela instituição no âmbito de participação efectuada. A tal solicitação respondeu o Banco de Portugal invocando o disposto no art.º 80º do Dec. Lei nº 298/92 de 31 de Dezembro. Promoveu o Digno Procurador-Ajunto naquele tribunal o levantamento do invocado segredo profissional e que fosse determinado ao Banco de Portugal o envio dos solicitados elementos, tudo ao abrigo do disposto no art.º 135º e 182º do C.P.Penal. No seguimento desta promoção o Sr. Juiz de instrução Criminal proferiu despacho no qual, ponderando os interesses tutelados pelo segredo profissional e os da investigação criminal, decidiu. "Face ao exposto e ao abrigo do disposto no arte ° 79°, n.º 2, al. d) do DL 298/92, de 31 de Dezembro, 181° do CPP, dispenso do cumprimento do dever de segredo bancário, o Banco de Portugal devendo o mesmo fornecer a informação solicitada e promovida a fls. 847". *** Deste despacho interpôs recurso o Banco de Portugal formulando as seguintes conclusões:CONCLUSÕES 1. O despacho recorrido determinou: "( ...) ao abrigo do disposto no art.° 79, n.° 2, al. d) do DL 298/92; de 31 de Dezembro, 181.° do CPP, dispenso do cumprimento do dever de segredo bancário, o Banco de Portugal devendo o mesmo fornecer a informação solicitada 2. Tal despacho padece, salvo melhor juízo, de erro na determinação da norma substantiva, aplicável e de novo erro na determinação da norma (processual) aplicável, cumulado com violação da norma processual aplicável. 3. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo funda a sua decisão no art.° 79.º n.° 2, do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, republicado em anexo ao DL n.° 20112002, de 26 de Setembro, com as alterações introduzidas pelo DL n.° 25212003, de 17 de Outubro). 4. Porém, o Banco de Portugal não é uma Instituição de crédito, mas a Autoridade de supervisão do sistema financeiro (cf. art.° 3.° do RGICSF, a contrario, conjugado com o art.° 17.° da Lei Orgânica do Banco de Portugal, aprovada pela Lei n.° 5/98, de 31 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo DL n.° 118/2001, de 17 de Abril e pelo DL nº 50/2004, de 10 de Março). 5. Por essa razão, o art.° 79.º do RGICSF não lhe é aplicável. 6. O art.° 79.°, aliás na sequência lógica do art.° 78.°, é apenas aplicável às Instituições de crédito enquanto tais;,por isso, ambos os preceitos colocam o dever de sigilo bancário no cerne das relações entre aquelas instituições e os seus clientes; naturalmente, o Banco de Portugal não tem clientes. 7. Para mais, o artigo seguinte – art.° 80.° do RGICSF – alude, expressamente, ao dever de segredo das autoridades de supervisão; é por via desta norma, e de nenhuma outra, que o Banco de Portugal se encontra sujeito ao dever de segredo de supervisão. 8. A diferença entre o sigilo bancário das Instituições de crédito e o segredo de supervisão é legalmente consagrada, por serem diversos os valores protegidos pelo segredo: o primeiro estriba-se na protecção da clientela bancária e assume uma índole preponderantemente contratual; o segundo ancora-se em valores constitucionais (cf. art.° 101.° da Constituição) e visa permitir o próprio exercício da supervisão, em ordem à solidez do sistema financeiro. 9. E só nos termos do n.° 2 do art.° 80.°, conjugado com a lei processual penal, é que o segredo de supervisão pode ser quebrado. 10. Donde, o Tribunal a quo errou na determinação da norma do RGICSF aplicável ao segredo invocado pelo Banco de Portugal, o que poderá ter motivado uma errada valoração dos interesses em confronto. 11. Em segundo lugar, ao "dispensar [o Banco de Portugal] do cumprimento do dever de segredo" com base no art.° 181.º do CPP, o Tribunal a quo comete dois erros: desde logo, erra na determinação da norma processual aplicável. 12. Depois, viola aquela que é a norma processual efectivamente aplicável. 13. Vejamos: o art.° 181.° do CPP, inserido no capítulo "Das Apreensões", alude à apreensão em estabelecimento bancário. 14. Salvo melhor entendimento, nunca o despacho recorrido ordena uma apreensão a objecto na posse do Banco de Portugal, pelo que a invocação do art.° 181º não tem qualquer cabimento. 15. Mas mesmo o art.° 181 ° é completado pelo art.° 182.°, cujo n.° 2 remete para o art.° 135.°. 16. A norma que o Tribunal a quo deveria ter aplicado, em sede de quebra do segredo de supervisão, era o art.° 135.º do CPP; nela e só nela se deveria ter fundado o despacho recorrido, aliás em consonância com a sua própria fundamentação. 17. Finalmente, o Tribunal a quo viola o disposto no art.º 135º, nº 3, do CPP ao pretender determinar, ele próprio, a quebra do dever de segredo a cujo cumprimento o Banco de Portugal se encontra legalmente vinculado. 18.º A lei não permite duas interpretações: tendo sido suscitado - como foi - um incidente de escusa com fundamento legítimo em dever de segredo que o Tribunal a quo reconhece, o Tribunal a quo é obrigado pelo art.° 135º, n.º 3 do CPP a pedir que o Tribunal da Relação se pronuncie sobre o incidente. 19. O art.° 135.°, n.° 3 do CPP é, manifestamente, uma norma que cerceia a competência material do Tribunal a quo e este não a respeitou. 20. Por isso, o Tribunal a quo é incompetente em razão da matéria para determinar a quebra do segredo por parte do Banco de Portugal. TERMOS EM QUE: Requer o recorrente Banco de Portugal seja o despacho recorrido revogado e, Em consequência, Sejam os autos remetidos ao Tribunal a quo para que este suscite, se assim o entender, o incidente de quebra de segredo da Autoridade de supervisão junto do Tribunal imediatamente superior. *** O Magistrado do Ministério Publico titular do inquérito, em resposta à motivação de recurso sustenta que..."os interesses da investigação em curso justificam a ordenada dispensa do dever de segredo profissional e o envio pelo Banco de Portugal dos elementos solicitados, com base, como requerido, no disposto nos art°s. 135°. e 182°. ambos do CPP."Quanto à invocada incompetência do Tribunal "a quo" em razão da matéria sustenta que a mesma não existe com fundamento em que o art.º. 135°. nº. 2 CPP (em conjugação com o art.º. 182°. CPP) prevê que a autoridade judiciária perante a qual o incidente se suscitou requeira ao Tribunal que ordene a prestação dos elementos em causa, e que este deverá coo tal apreciar tal requerimento. Conclui assim que deverá ser negado provimento ao recurso interposto pelo Banco de Portugal, confirmando-se a decisão proferida pelo Mmo. Juiz de Instrução do Tribunal *** Em despacho de sustentação o Mmo. Juiz a quo pronunciou-se, reconhecendo o lapso da referência aos artºs. 78º e 79º nº 2 alínea d) do DL 298/92 de 31 de Dezembro, quando a norma aplicável é o art.º 80º do citado diploma legal, ainda que sustentando que a conclusão a tirar é a mesma em face ao disposto no nº 2 deste ultimo normativo, m tudo idêntica à da alínea d) do nº 2 do art.º 79º do mesmo diploma.Sustenta ainda que a "aplicação extensiva" do art.º 135º do C.P.Penal às situações em que o juiz é competente para a realização da busca bancária de documentos ( e não depoimentos) sob sigilo bancário – com a inerente dispensa do sigilo bancário no caso concreto, se sustenta na tese jurisprudencial citada no despacho sob recurso. Conclui sustentado a posição assumida. *** Remetidos os autos a este Tribunal da Relação o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que, elencando jurisprudência constante de acórdãos dos diferentes tribunais da Relação, defende o entendimento de que tendo o Sr. Juiz a quo admitido como legitima a recusa do Banco de Portugal não era admissível outra solução que a de suscitar a intervenção do tribunal superior , isto por força do preceituado no nº 2 e 3 do art.º 135º do C.P.Penal. Conclui por isso emitindo parecer no sentido do provimento do recurso e da revogação do despacho recorrido.*** Apreciando e decidindo: I – Do enquadramento jurídico do dever de segredo imposto ao Banco de Portugal. Tal como o Sr. Juiz a quo reconhece, existe norma expressa – o art.º 80º do DL 298/92 de 31 de Dezembro que dispõe sobre o dever de segredo que recai sobre as pessoas que prestem ou tenham prestado serviço , a titulo permanente ou ocasional, no Banco de Portugal, relativamente aos factos cujo conhecimento lhes advenha em virtude do exercício dessas funções ou prestação desses serviços. Também é facto que o nº 2 deste normativo preceitua, em relação as pessoas que prestem ou tenham prestado serviço , a titulo permanente ou ocasional, no Banco de Portugal, nos mesmos termos que em relação às pessoas que prestem ou tenham prestado serviço , a titulo permanente ou ocasional, em qualquer outro banco preceitua o art.º 79º nº 1 alínea d) do citado diploma. Necessariamente serão diferentes os interesses em conflito no caso de se pôr a questão de quebra do dever de segredo. No entanto, porque vem posta em causa a legitimidade do tribunal recorrido para quebra do dever de segredo assim consagrada em relação ao Banco de Portugal, impõe-se a apreciação de tal questão porque prejudicial em relação às demais. Tanto na prestação de depoimento ou declaração como na junção de determinado documento aos autos, o que está em causa é a recolha de elementos probatórios pertinentes à investigação. Em qualquer das situações tem aplicação o dever de segredo imposto por norma expressa e que merece a tutela penal – cfr. art.º 195º do C.Penal. A quebra do dever de segredo terá de obedecer aos mesmos critérios quer num quer noutro caso. É por isso irrelevante que se pretenda a obtenção de um determinado depoimento ou a junção aos autos de um determinado documento. Quer num quer noutro caso se poderá por a questão do conflito entre a observância do dever de segredo e o dever de colaboração com a justiça. Não se afigura por isso correcta a distinção feita pelo Sr. Juiz a quo no despacho de sustentação. Com efeito se para a junção aos autos de determinado documento o juiz do processo entender necessária e adequada a efectivação de busca e apreensão, a ela procederá, com a competência que a lei lhe atribui. No entanto isso não impede que também nesse caso possa ser invocado o dever de segredo profissional ou de funcionário como fundamento na escusa de colaboração por parte dos visados. É o que preceitua o art.º 182º do C.P.Penal. Por isso que o art.º 182º do C.P.Penal, inserido no capitulo concernente às apreensões, regula em relação à invocação do segredo profissional ou de funcionário por remissão para os artigos 135º nº 2 e 3 e art.º 136º nº 2 do C.P.Penal. Porque são as mesmas as questões colocadas o procedimento é pois o mesmo. Isto dito, impõe-se referir qual seja esse procedimento. Perante a invocação do segredo profissional ou de funcionário a autoridade judiciária – magistrado judicial ou Ministério Publico –, tem de avaliar, em primeiro lugar da legitimidade da escusa e fundamento invocados. Se tiver dúvidas sobre a legitimidade da escusa, procede às averiguações necessárias e pertinentes ao esclarecimento da dúvida suscitada. Concluirá depois sobre a legitimidade ou ilegitimidade da escusa em depor ou em fornecer os elementos solicitados. Concluindo pela ilegitimidade da escusa, rege o nº 2, parte final, do art.º 135º do C.P.Penal , preceituando que a autoridade judiciária com competência para o acto, ordene ou requeira ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento ou a junção ou entrega do documento ou informação solicitada, decisão essa sindicável pela via de recurso. Se concluir pela legitimidade da escusa restar-lhe-hão duas possibilidades. Considerar que a informação, documento ou depoimentos que se pretendiam obter são indispensáveis para os fins do processo, e então terá que suscitar ou promover que seja suscitado, o incidente de quebra do dever de segredo, para o é competente o tribunal superior aquele onde o incidente é suscitado. É o que de forma inequívoca se nos afigura decorrer do preceituado no nº 3 do art.º 135º e deste em conjugação com o nº 2 do mesmo normativo. Considerar que, na ponderação dos interesses em causa, não se justifica suscitar a quebra do dever de segredo, e nesse caso aceita como fundada a escusa, abstendo-se de suscitar o incidente, e de obter a prova por aquele meio. Em face do exposto , teremos de concluir que ao decidir como decidiu o Exmo. Juiz a quo violou o preceituado no nº 1 e 2 do art.º 182º e nº 3 do art.º 135º do C.P.Penal incorrendo na nulidade prevista no art.º 119º alínea e) do C.P.Penal, que para além de arguida é de conhecimento oficioso. Termos em que acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal da Relação , em considerar que o despacho recorrido, em que se dispensa do dever de segredo o Banco de Portugal e ordenou que o mesmo forneça a informação solicitada, enferma de nulidade por força do disposto na alínea e do art.º 119º do CPP, em conjugação como preceituado nos artigos 182º nº 1 e 2 e artigos 135º nº 3, ambos do C.P.Penal, e como tal revogam o mesmo. Sem custas por não serem devidas. Coimbra, |