Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
362/08.1GBSCD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: PEDIDO CIVIL
PRAZO
LESADO
ASSISTENTE
Data do Acordão: 10/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SANTA COMBA DÃO – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 77º, 1 , 2 E 284º DO CPP,
Sumário: 1. A legitimidade para a dedução do pedido de indemnização civil depende, apenas, da existência e do conhecimento de um lesado e não já da existência do sujeito processual assistente.
2. O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido civil não pode optar pelo prazo previsto no nº 1 do art.º 77º.
Decisão Texto Integral: O arguido, R..., não se conformando com a decisão que não admitiu o pedido de indemnização civil deduzido pelo assistente, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

1) Conforme decorre do art. 77º nºs 1 e 2 CPP, existem dois momentos temporais distintos para que o lesado venha a apresentar pedido de indemnização civil.

2) O primeiro momento é quando o lesado se constitui assistente. Nesse caso, o lesado, na qualidade de assistente, terá que apresentar o pedido de indemnização civil na acusação particular, ou em requerimento articulado, no prazo em que esta deva ser formulado, prazo esse que, nos crimes semi-públicos, como é o crime a que os presentes autos se reportam, é de 10 dias após a notificação do Ministério Público - arts. 284º e 77º CPP.

3) O segundo momento é quando o lesado tiver deduzido intenção de deduzir pedido de indemnização civil e não se tenha constituído assistente. Nesse caso, o lesado, nessa qualidade é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar para, em requerimento articulado, e no prazo de 20 dias, deduzir o respectivo pedido de indemnização civil.

4) A fls. 14 e ss. existe uma clara e inequívoca manifestação de vontade do recorrente em ser indemnizado dos danos causados pelo recorrido, tendo aquele a fls. sido notificado nos termos e para efeitos do art. 75° C.P.Penal. E, por registo postal datado de 26/01/09, foi o recorrente notificado do despacho de acusação.

5) Caso o recorrente quisesse deduzir contra o recorrido pedido de indemnização na qualidade de lesado, o prazo para a dedução do mesmo contava-se no terceiro dia útil posterior à expedição ao recorrente pela via postal registada do despacho de acusação, pelo que o pedido de indemnização civil de fls .. deduzido pelo recorrente contra o recorrido fosse feito por aquele, na qualidade de lesado, então o mesmo seria extemporâneo.

6) Porém, escassos dias após a expedição ao recorrente pela Via postal registada do despacho de acusação (26/01/09), o recorrente, por requerimento que é entregue em mão no Tribunal a quo a 02/02/09, requer a sua constituição como assistente, constituição essa do recorrente como assistente que teve uma dupla finalidade: de permitir a este deduzir contra o recorrido acusação particular, ainda que mediante mera adesão à acusação do Ministério Público; e, na o qualidade de assistente, o recorrente deduzir centra o recorrido o respectivo pedido de indemnização civil.

7) O recorrente, ao requerer a sua constituição como assistente, escassos dias após ter sido notificado do despacho de acusação, criou na sua esfera jurídica a justa e legítima expectativa que o seu pedido iria ser deferido e, uma vez deferido o mesmo, então, na qualidade de assistente, iria deduzir contra o recorrido, não só a acusação particular de fls., bem como o pedido de indemnização civil de fls.. caso contrário, teria deduzido o mesmo dentro do prazo previsto no art. 77º nº 2 CPPenal, e não teria requerido a sua constituição como assistente.

8) Da leitura atenta do articulado onde o recorrente deduz o seu pedido de indemnização civil, resulta, salvo melhor opinião, que o mesmo é deduzido pelo recorrente na qualidade de assistente, E tanto assim é, é que, quer no cabeçalho do articulado, quer na narração dos factos e das razões de direito que servem de fundamento ao pedido de indemnização civil, o recorrente emprega a expressão "assistente/demandante cível"

9) Tendo o assistente sido notificado pela via postal registada com data de 02/04/09 de que foi admitida a sua intervenção nos presentes autos na qualidade de assistente, e tendo o pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente na qualidade de assistente sido entregue em mão no Tribunal a quo a 22/04/09 (precisamente no mesmo dia em que deu entrada a acusação particular que foi, e muito bem, recebida pelo Tribunal a quo), e considerando ainda que de 05/04/09 a 13/04/09 o prazo se suspendeu em virtude das Férias Judiciais da Páscoa (arts. 104° n° 1 C.P.Penal e l44º nº 1 C.P.Civil), tal pedido é legítimo e tempestivo, visto que o mesmo foi deduzido dentro do prazo previsto no art, 77º nº 1, ex vi art. 284° n° 1., todos do C.P.Penal.

Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de V.Exas deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência o douto despacho recorrido ser substituído por outro que admita o pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente na qualidade de assistente, porque o mesmo é legítimo e tempestivo. E, em consequência, ser reformulada a douta sentença, de modo a que seja proferida condenação do recorrido no pagamento do pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente, visto os autos fornecerem elementos suficientes que permitem proferir decisão condenatória no que tange ao pedido de indemnização civil. Caso se entenda que os autos não fornecem elementos suficientes que permitam proferir decisão condenatória relativamente ao pedido de indemnização civil, então deve ser repetida a audiência de julgamento a fim se proceder ao julgamento do pedido de indemnização civil deduzido pelo recorrente.

Agindo em conformidade. V,Exas. farão, como sempre, sã, serena e objectiva JUSTIÇA

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É este o despacho recorrido:

Do Pedido ele Indemnização Civil formulado pelo assistente a fts. 74 a 76: ...

Compulsados os autos verifica-se que o aqui assistente tal como por si alegado no requerimento em apreço manifestou ainda em sede de inquérito e concretamente a fls. 14 o propósito de formular pedido de Indemnização civil o que foi feito nos termos e ao abrigo do preceituado no art. 75° nº 2 de Código de Processo Penal. ---

Preceitua o artº 77° nº 2 do mesmo diploma legal que “o lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização nos termos do art 75° nº 2, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo do despacho de pronuncia se a ele houver lugar para, querendo deduzir o pedido em requerimento articulado no prazo de 20 dias” ---

Assim considerando a relevante factualidade e os normativos transcritos, no caso dos autos o prazo para deduzir pedido de indemnização civil é tal como sustentado pelo assistente de 20 dias, contados da notificação do despacho de acusação ---

Vejamos então se o PIC apresentado pelo assistente datado de 22/04/2009 e junto a fls 74 a 76, se afigura tempestivo adiantando-se desde já que a resposta não poderá deixar de ser negativa, sendo o mesmo extemporâneo.---

Senão vejamos ---

O assistente, no requerimento junto aos autos fls 67 a 70, sustenta, pelas razões aí invocadas que o fim do prazo para apresentar o PIC ocorreu em 29/04/2009 pelo que tendo apresentado o PIC junto aos autos a fls. – a 22/4/2009, conclui pela sua tempestividade.----

Para tanto alega: ---

- ter sido notificado por registo postal datado de 26/01/ 2009, do despacho de acusação proferido em sede de inquérito: ---

- ter requerido a sua constituição como assistente por requerimento apresentado em juízo de 02/02/2009 e quando os autos ainda se encontravam em fase de inquérito: --

- ter sido notificado, por registo postal datado de 06/03/2009 do despacho que recebeu a acusação e que designou a data para se proceder à realização da audiência e Julgamento, despacho este que não se pronunciou acerca da requerida constituição como assistente: ---

- ter sido notificado por registo postal datado de 02/04/2009, do despacho que o admitiu a intervir nos autos na qualidade de assistente. ---

Considerando a mencionada factualidade entende que o referido prazo de 20 dias se suspendeu a 02/02/2009 (data em que requereu a sua constituição como assistente) tendo começado a correr novo prazo de 20 dias a partir de 2/04/09, (data em que foi notificado do despacho que o admitiu a intervir nos presentes autos na qualidade de assistente)---

Antes de mais importa sublinhar que por despacho datado de 05/03/2009 precisamente o despacho que recebeu a acusação e designou data para a realização da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal, diferentemente do sustentado pelo assistente, se pronunciou acerca da requerida constituição como assistente determinando, como legalmente se impunha, o cumprimento do disposto no nº 4 do art 68° do Código de Processo Penal. Assim, não foi por qualquer lapso deste Tribunal como o mesmo invoca, que apenas foi admitido a intervir na qualidade de assistente por despacho datado de 01/04/2009 e já não no referido despacho de recebimento da acusação e designação de data para a realização do julgamento.----

Feito este breve parêntesis vejamos então se a pretensão do assistente merece acolhimento, desde já se adianta que não.

Na verdade apenas assistiria bondade ao raciocínio plasmado pelo assistente no requerimento em apreço na hipótese da formulação do pedido de Indemnização civil estar dependente da prévia qualidade de assistente para a sua formulação, o que não sucede.---

Neste particular importa sublinhar que o art.º 74º do CPP, sob a epígrafe “Legitimidade e Poderes Processuais”, dispõe que “1 – O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído assistente ou não possa constituir-se assistente". ---

Assim, e como é bom de ver, a legitimidade para a dedução do PIC depende tão somente, da existência e do conhecimento de um lesado e já não da existência do sujeito processual assistente ---

Com efeito, se é certo que as posições processuais de assistente e de demandante cível se podem reunir na mesma pessoa, física ou colectiva, a verdade é que a apresentação do PIC apenas fica dependente da qualidade de lesado e já não, como é bom de ver, de assistente, ---

Nestes termos, por a legitimidade para a formulação do PIC não depender da prévia constituição do lesado corno assistente então é manifesto que a sua dedução não fica condicionada à admissão do lesado a intervir nos autos como assistente e, por tal razão, não operou qualquer suspensão do prazo legal para apresentar o PIC que deveria ter sido apresentado em estrita obediência ao disposto no invocado art. 77 n.º 2 do Código de Processo Penal, no prazo de 20 dias, contado da notificação do despacho de acusação ---

Assim considerando a data de tal notificação (26/01/2009) e a da apresentação em Juízo do PIC de fls 74 a 76 (22/04/2009) por nenhuma causa de suspensão do referido prazo de 20 dias se ter verificado, é manifesto que já se encontrava, à data da apresentação do PIC, há muito ultrapassado o prazo legal para o deduzir. ---

Pelo exposto ao abrigo das disposições conjugadas dos arts 74º, 75 n.º 2 e 77º nº 2, todos do Código de Processo Penal por extemporâneo, não admito o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente e, em consequência determino o seu desentranhamento com a sua devolução à parte apresentante. ---

Custas pelo incidente, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC ---

Cumpre decidir:

Sustenta o recorrente que tem o direito de optar por não deduzir PIC no prazo previsto no artº 77º, nº 2 do CPP e, ao contrário, fazê-lo nos termos dos artsº 77º, nº 1 e 284, nº 1 do CPP, na qualidade de assistente, pelo que, quando notificado da acusação pública, entendeu requerer a sua constituição como assistente para, nessa qualidade, vir a deduzir acusação particular e, simultaneamente, deduzir PIC.

Não tem razão o recorrente.

Logo que, no decurso do inquérito, tomarem conhecimento da existência de eventuais lesados, as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal devem informá-los da possibilidade de deduzirem pedido de indemnização civil em processo penal e das formalidades a observar (artº 75 do CPP). Este preceito – art 75º coloca os interessados em indemnização civil a par dos direitos que lhe assistem no âmbito do processo penal e da forma como os podem exerce.

O artº 74 do CPP consagra três regras fundamentais: a legitimidade para a dedução do pedido de indemnização cível; amplitude da intervenção processual do lesado e posição processual dos demandados e intervenientes.

No que aqui interessa temos o nº 1 do artº 74 que estipula que “O pedido de indemnização civil é deduzido pelo lesado, entendendo-se como tal a pessoa que sofreu danos ocasionados pelo crime, ainda que se não tenha constituído ou não possa constituir-se assistente”.

Portanto, daqui se retira que a legitimidade para a dedução do pedido de indemnização civil depende, apenas, da existência e do conhecimento de um lesado e não já da existência do sujeito processual assistente.

Aliás é de notar que se o lesado for também assistente, poderá intervir no campo processual penal, mas na qualidade de assistente e não de lesado.

No caso vertente, estamos perante crimes de natureza semi-pública em que, portanto, não é obrigatória a constituição de assistente para o exercício da acção penal.

Por seu lado o artº 77 dispõe:

1. “Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada”.

(Portanto, quando o pedido de indemnização civil em processo penal é deduzido pelo Mº Pº ou pelo assistente, como tal já constituído deve sê-lo na própria acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada.

2. “O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do nº 2 do artº 75º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir, pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias”.

No caso “sub júdice” o recorrente manifestou o propósito de deduzir pedido de indemnização civil. Assim, foi devidamente notificado do despacho de acusação e, para, querendo, deduzir pedido de indemnização civil no prazo de 20 dias – em 26/01/2009.

O recorrente só em 2/02/2009 é que requereu a sua constituição como assistente. Foi admitido a intervir nessa qualidade a 1/04/2009.

O recorrente, ao ser admitido como assistente tem que aceitar o processo no estado em que está, obedecendo aos prazos impostos por lei, não os tentando moldar á sua medida.

Considerando a data da notificação da acusação 26/01/2009 e a da apresentação em juízo do pedido de indemnização civil – 22/04/2009 temos que concluir que há muito se encontrava ultrapassado o prazo de 20 dias estipulados por lei.

Assim bem andou a Sra Juiz ao não admitir o pedido de indemnização civil.

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.

Coimbra,

Alice Santos

Belmiro Andrade