Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2259/06.0YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
TRIBUNAL COMPETENTE
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE UM TRIBUNAL DE COMARCA E UM TRIBUNAL DE CÍRCULO (COLECTIVO) RESPECTIVO
Data do Acordão: 01/16/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: DECLARA A COMPETÊNCIA
Legislação Nacional: ARTºS 58º E 60º, Nº 2, DO CÓDIGO DE EXPROPRIAÇÃO APROVADO PELA LEI Nº 168/99, DE 18/09; 115º, Nº 2; 116º, Nº 1; E 463º, Nº 1, DO CPC
Sumário: I – As disposições gerais e comuns do CPC aplicam-se ao processo de expropriação, e em tudo quanto não estiver previsto nas próprias regras especiais do processo expropriativo e nas ditas regras gerais e comuns aplica-se o que se acha estabelecido para o processo comum ordinário, nos termos do artº 463º, nº 1, do CPC.

II – Em Setembro de 1999, com a publicação do D.L. nº 375-A/99, de 20/09, e da Lei nº 168/99, de 18/09, ficou prevista a possibilidade de intervenção do tribunal colectivo no julgamento das acções especiais de expropriação, mediante requerimento de alguma das partes nesse sentido, a serem formulados ou no requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral, ou no articulado de resposta ao recurso da arbitragem, ou, ainda, com a interposição de recurso subordinado.

III – Porém, com as alterações introduzidas no CPC pelo DL nº 183/2000, de 10/08, designadamente no artº 646º, nº 1, face ao que a discussão e julgamento de uma causa passou a ser efectuada com intervenção do tribunal colectivo se ambas as partes assim o tiverem requerido, tem de entender-se que esta alteração tem aplicação aos processos especiais, por aplicação do artº 463º, nº 1, do CPC, designadamente ao processo expropriativo.

IV- Assim, quando num processo de expropriação apenas a entidade expropriante requeira a intervenção do tribunal colectivo, manifesto é que tal intervenção não pode ter lugar, cabendo ao juiz singular do juízo onde o processo deu entrada levar a cabo o respectivo prosseguimento processual e julgamento.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I
O Digno Agente do Ministério Público junto deste Tribunal da Relação, veio requerer a resolução de um conflito negativo de competência surgido nos autos de expropriação por utilidade pública com o nº 3265/04.5TBVIS, que correm termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, entre o senhor Juiz do Tribunal de Círculo de Viseu e o senhor Juiz do referido 2ºJuízo Cível do Tribunal da Comarca de Viseu, dado que ambos se declararam incompetentes para prosseguirem com a regular tramitação dos referidos autos, atribuindo-se reciprocamente tal competência.
Nos supra referidos autos é expropriante a sociedade “A...” e são expropriados B... e mulher C..., todos devidamente identificados nesses autos.
Da certidão de fls. 4 a 40, extraída do referido processo, resulta que os expropriados interpuseram recurso judicial da decisão arbitral proferida no citado processo de expropriação por utilidade pública, pretendendo que lhes seja reconhecido o direito a uma indemnização de valor superior àquele que lhes foi atribuído pela decisão arbitral – pede-se o valor de € 377.422,42 .

Resulta, também, da dita certidão que apenas pela sociedade expropriante foi requerida a intervenção do Tribunal Colectivo como meio de julgamento desse recurso.
II
Pelo senhor Juiz da comarca foi mandado remeter os autos ao senhor Juiz de Círculo de Viseu, a fim de ser designada data para julgamento, na sequência do que este proferiu o despacho certificado a fls. 32 (datado de 9/06/2006), no qual declarou incompetente para intervir no presente recurso o Tribunal Colectivo, por se entender como Tribunal competente para o efeito o Tribunal singular.
Transitado em julgado tal despacho e devolvidos os autos ao senhor Juiz do processo, este, por despacho certificado de fls. 34 a 38 (datado de 18/07/2006), decidiu que a competência para o prosseguimento dos autos é do senhor Juiz de Círculo (o mesmo é dizer que se considerou incompetente para o referido prosseguimento), despacho este também transitado em julgado.

É, pois, face a tais despachos, que nos surge o presente conflito, cuja solução se impõe a esta Relação, nos termos dos artºs 115º, nº 2, e 116º, nº 1, do CPC.

Foram ouvidas as autoridades em conflito, as quais mantiveram as razões com base nas quais proferiram os despachos em conflito.

O Digno Agente do Ministério Público também ofereceu um parecer sucinto, no qual defende que deve ser considerado como competente para intervir neste processo o Tribunal Colectivo, por se dever considerar que “ o Código das Expropriações” se afasta do regime processual geral, posicionando-se como um diploma especial, face ao qual se deve entender como adequada a intervenção do Tribunal Colectivo desde que seja requerida por apenas uma das partes no recurso.
III
Procedeu-se à recolha dos “vistos” legais, pelo que nada obsta a que se conheça da supra referida questão, cuja apreciação se segue:
Resulta ela essencialmente do disposto nos artºs 58º e 60º, nº 2, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18/09, disposições essas que ao contrário do que antes sucedia na vigência do anterior código, aprovado pelo D.L. nº 438/91, de 9/11 – artºs 56º, 58º, nº 2, e 64º, nos quais não se previa a intervenção do tribunal colectivo para julgar os recursos judiciais em matéria de expropriações -, veio admitir a intervenção do tribunal colectivo para julgar este tipo de recursos.
Mas logo naqueles mesmos dispositivos se alude ao cumprimento do disposto no artº 577º do CPC, o que também acontece no artº 61º, nº 3, desse mesmo código, onde se remete para os artºs 578º e 588º do CPC.
Donde resulta evidente a aplicação das disposições gerais e comuns do CPC ao processo de expropriação, assim como, em tudo quanto não estiver previsto nas próprias regras especiais do processo expropriativo e nas ditas regras gerais e comuns, a aplicação do que se acha estabelecido para o processo ordinário – o que resulta também do disposto no artº 463º, nº 1, do CPC.
E nem se entenderia que assim não sucedesse, na medida em que o processo expropriativo se integra no exercício da função jurisdicional, apenas tendo especificidades próprias, como bem resulta dos artºs 59º a 66º do C. Expropriações.
Este pedido de intervenção do tribunal colectivo foi também introduzido no processo ordinário civil pelo D.L. nº 375-A/99, de 20/09 (portanto contemporâneo da publicação do citado C. Expropriações), conforme alterações então introduzidas nos artºs 508º-A, nº 2, al. c), e 512º, nº 1, do CPC, pelo que foi claramente conhecida tal alteração pelo legislador do C. Expropriações.
E nessa ocasião adequou-se o disposto no artº 646º à necessidade de tal requerimento para a intervenção do tribunal colectivo, dispondo-se no nº 1 desse preceito, na redacção então introduzida, que “a discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção do tribunal colectivo, se alguma das partes a tiver requerido”, ao contrário do que antes se previa para o julgamento dos processos comuns ordinários.
Por outras palavras, em Setembro de 1999, com a publicação dos dois diplomas referidos, ficou prevista a possibilidade de intervenção do tribunal colectivo no julgamento das acções especiais de expropriação, mediante requerimento de alguma das partes nesse sentido, a serem formulados ou no requerimento de interposição do recurso da decisão arbitral, ou no articulado de resposta ao recurso da arbitragem, ou, ainda, com a interposição de recurso subordinado.
Porém, o Dec. Lei nº 183/2000, de 10/08, veio introduzir novas alterações ao CPC, procurando combater a chamada morosidade processual, face ao que “na sequência da última alteração legislativa em sede de intervenção do juiz singular na fase do julgamento, esta passa a ser a regra geral, condicionando-se a intervenção do tribunal colectivo ao acordo das partes”, como se escreveu no preâmbulo de tal diploma.
Pelo que foi então dada uma nova redacção ao nº 1 do artº 646º do CPC, no sentido de que a discussão e julgamento da causa são feitos com intervenção do tribunal colectivo se ambas as partes assim o tiverem requerido, apesar do ainda disposto nos já citados artºs 508º-A, nº 2, al. c), e 512º, nº 1, do CPC, cujas anteriores redacções se mantiveram (quanto à apresentação dos requerimentos de intervenção do colectivo).
Parece-nos óbvio que tal regra do chamado processo civil comum ordinário também tem aplicação aos processos especiais, por aplicação do artº 463º, nº 1, do CPC, pelo que têm de ser conjugados com tal novo dispositivo os artºs 58º e 60º, nº 2, do actual C. Expropriações, no sentido de que embora os requerimentos para a dita intervenção devam ser apresentados como se estatui nesses preceitos, a discussão e julgamento da causa apenas terá lugar (desde então) com intervenção do tribunal colectivo se ambas as partes assim o tiverem requerido.
E nem o contrário resulta do C. Expropriações, como é manifesto, sendo a ordem juridico-processual um todo, que importa considerar, respeitar e fazer acatar aos sujeitos processuais.
Assim sendo, como no presente processo apenas a entidade expropriante (recorrida) requereu a intervenção do tribunal colectivo, já na vigência da publicação do D.L. nº 183/2000, de 10/08, manifesto é que tal intervenção não pode ter lugar, cabendo ao juiz singular do juízo onde o processo deu entrada levar a cabo o respectivo prosseguimento processual.
O mesmo é dizer que a competência para a realização das diligências instrutórias a levar a cabo, julgamento e decisão a proferir são apenas da competência do senhor Juiz do Tribunal onde deu entrada o presente processo de expropriação por utilidade pública.
Pelo que importa concluir no sentido de que a competência para o regular prosseguimento dos autos cabe inteiramente ao senhor Juiz titular do processo, onde o recurso deu entrada - o 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu.
E diga-se que esta decisão está também conforme ao disposto no artº 111º, nº 2, do CPC, onde se preceitua que “a decisão (sobre o incidente da incompetência relativa) transitada em julgado resolve definitivamente a questão da competência, mesmo que esta tenha sido oficiosamente suscitada”, já que, como ressalta do anteriormente exposto, a decisão (que deu origem ao presente conflito) que primeiro transitou em julgado foi a proferida pelo senhor Juiz do Círculo de Viseu – neste sentido se pronunciaram os Ac. da Rel. Coimbra proferidos nos Proc. de Conflito de Competência nºs 470/04 (de 30/03/2004) e 475/04 (este acórdão é de 8/06/2004), e o Ac. Rel. Évora de 27/01/2005, proferido no Proc. Confl. de Comp. nº 2472/04.
No sentido que aqui se acolhe citamos o muito recente acórdão desta Relação, de 28/11/06, proferido no Recurso de Apelação nº 451-A/2001.C1, disponível na Net, em que é seu relator o Dr. Artur Dias, embora sobre a questão da actual possibilidade de alterações ao rol de testemunhas e junção de documentos em processos de expropriação, cujo sumário, nesse aspecto, tem o seguinte teor:
“V – O processo expropriativo, embora apresente especificidades, integra-se no exercício da função jurisdicional, sendo-lhe aplicáveis os princípios gerais reguladores do processo civil, pelo que assume a natureza de processo especial, encontrando a sua regulamentação, sucessivamente, nas suas próprias normas, nas disposições gerais e comuns e nas regras do processo ordinário – artº 463º, nº 1, CPC.
VI – No que respeita ao rol de testemunhas, embora o momento oportuno para a sua junção, em processo declarativo comum ordinário, seja o definido no artº 512º do CPC, o artº 512º-A prevê a possibilidade de alteração ou aditamento até 20 dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento e, mesmo depois dessa altura, o artº 629º ainda admite, em determinados casos, a substituição de testemunhas.
VII – Quanto à junção de documentos, o artº 523º, nº 1, CPC, estatui que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, mas o nº 2 dessa disposição logo prevê que se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância…
VIII – O intérprete tem de partir do princípio de que o legislador, conhecedor da extensão ex lege das regras do CPC aos processos especiais, sempre que nas disposições próprias destes não regulamentou expressamente qualquer questão, quis que fossem aplicadas, sucessivamente, as disposições gerais e comuns e o que se acha estabelecido para o processo ordinário.
IX – Assim, por aplicação subsidiária das regras do processo ordinário, nos termos do artº 463º, nº 1, do CPC, é admissível, em processo de expropriação, em momento ulterior à interposição do recurso da decisão arbitral e da apresentação da resposta, alterar e/ou aditar o rol de testemunhas, nas condições previstas no artº 512º-A do CPC, bem como juntar documentos, nas circunstâncias permitidas pelos artºs 523º, nº 2, e 524º, do CPC “.
Também neste mesmo sentido se pronunciou o Ac. Rel. Po. de 5/05/2003, no Proc. Nº 472/03 – 5ª Secção.

Apesar do supra exposto não se desconhece a divergência de opiniões que na jurisprudência se têm manifestado sobre este tema, como bem resulta dos arestos que as autoridades em conflito citaram, além de muitas outras conhecidas, e que não podemos deixar de respeitar.
Porém, afigura-se-nos que a orientação aqui seguida é aquela que melhor respeita o nosso ordenamento juridico-processual, razão pela qual se toma a decisão que corresponde a tal interpretação.

Concluindo, há que decidir o presente incidente de conflito negativo de competência no sentido de que a competência para o regular prosseguimento dos autos cabe inteiramente ao senhor Juiz titular do processo, onde o recurso deu entrada - o 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu.
IV
Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em decidir o presente incidente de conflito negativo de competência no sentido de que a competência para o regular prosseguimento dos autos cabe inteiramente ao senhor Juiz titular do processo, onde o recurso deu entrada - o 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu.

Sem custas.