Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
301/07.7TTAVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: ESTATUTO DO ENSINO SUPERIOR PARTICULAR E COORPORATIVO
CONTRATO DE DOCÊNCIA
UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
Data do Acordão: 02/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTºS 2º, Nº 2, E 24º, NºS 1 E 2, DO ANEXO AO DEC. LEI Nº 16/94, DE 22/01; DEC. LEI Nº 128/90, DE 17/04.
Sumário: I – É pacífico o reconhecimento de que o contrato de docência do Ensino Superior tem especificidades que demandam a sua subordinação a um conjunto de regras próprias.

II – Embora não tenham sido publicados os diplomas próprios, a referência que lhes é feita (artº 24º, nºs 1 e 2, do anexo ao Dec.Lei nº 16/94, de 22/01) implica o reconhecimento de que à contratação de docentes para o ensino superior particular ou cooperativo não se ajusta a disciplina geral reguladora das relações de trabalho subordinado.

III – O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo não se aplica à Universidade Católica Portuguesa, conforme resulta do artº 2º, nº 2, do D. L. nº 16/94, de 22/01.

IV – A U.C.P. rege-se pelo artº XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé (quer a de 1940 quer a de 18/05/2004) e por regulamentação específica daí decorrente, tendo sido publicada, no âmbito referido, o Dec. Lei nº 128/90, de 17/04.

V – A contratação de docentes da Universidade Católica Portuguesa rege-se pelo disposto no artº XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e por regulamentação específica daí decorrente, não lhe sendo aplicável o regime do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.

VI – O legislador conferiu à U.C.P. competência/legitimidade para que a contratação do seu corpo docente se faça de acordo com Regulamento Interno aprovado pelos seus órgãos competentes, visando satisfazer as exigências da evolução da carreira académica dos docentes – nº 2 do artº 5º do Dec. Lei nº 128/90.

VII – Não havendo a obrigatoriedade legal de a contratação de docentes se fazer por contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços, opera a liberdade contratual – artº 405º do C.Civ.

VIII – Optando as partes pelo modelo de contrato de trabalho subordinado, ficam as partes, na execução do contrato celebrado, submetidas ao regime geral que regula esse tipo de relações jurídicas.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –
A CAUSA

1 - A..., com os demais sinais dos Autos, intentou acção declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho contra Universidade Católica Portuguesa, com sede na Palma de Cima, Lisboa, pedindo:
- A condenação da Ré a reconhecer que a Autora se encontrava vinculada por contrato de trabalho por tempo indeterminado;
- A condenação da Ré a reconhecer que a retribuição mensal processada pela Ré como deslocações e ajudas de custo de 1/1/95 até 30/6/03 e como «outros abonos» ou em «talão de vencimento» de 1/6 a 31/10/03, tinha a natureza de parte integrante da retribuição da Autora, bem como a reconhecer que a prestação financeira anualmente realizada pela Ré e alegada nos artigos 33, 76 e 77 da P.I. é parte integrante da retribuição da Autora;
- Que seja declarado ilícito o despedimento da Autora e a Ré condenada a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho e a pagar as retribuições vencidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado desta sentença e, ainda, condenada a pagar uma indemnização pelos danos de natureza não patrimonial sofridos pela Autora;
- A condenação da Ré no pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 1.500 por cada dia de atraso na reintegração da Autora.
Para a hipótese de se considerar que a Autora esteve validamente vinculada por contrato a termo:
- A condenação da Ré no pagamento da quantia de € 28.716,80 a título de compensação devida pela caducidade do contrato de trabalho.
E, finalmente,
- A condenação da Ré a pagar à Autora a quantia de € 16.336,93 a título de diferenças de retribuição-base, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal e contribuições para um PPR.

Realizada, sem êxito a audiência de partes, foi a Ré notificada para contestar, o que fez aduzindo argumentos de facto e de direito que em seu entender deveriam conduzir à improcedência da acção.

2 - Seguindo os autos a sua normal tramitação, discutiu-se a causa e proferiu-se depois sentença em que se julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a reconhecer que, (além do mais discriminado no dispositivo a fls. 630-632, para onde se remete): o contrato de trabalho subsistente com a A. tinha a natureza de contrato de trabalho por tempo indeterminado; a retribuição mensal processada como deslocações ou ajudas de custo, entre Fevereiro de 1995 e Junho de 2003, e como ‘outros abonos’ e ‘talão de vencimento’, desde essa data e até 31 de Outubro de 2003, fazem parte integrante da retribuição da A.; o despedimento da A., levado a cabo pela R., foi ilícito, com as respectivas consequências.

3 – A R., inconformada, veio apelar.
Alegando, concluiu:
[…]
4 – A recorrida contra-alegou, […]

5 – Do mesmo passo, interpôs a recorrida recurso subordinado, que motivou.
6 – A R./aqui recorrida respondeu, concluindo, por seu turno, que o recurso subordinado é, antes de mais, processualmente inadmissível.
7 – Pelo despacho de fls. 727-728 não se admitiu o recurso subordinado interposto pela A…
…Que a seguir interpôs recurso de Apelação, que motivou e em que concluiu:
[…]
8 – Respondeu ainda a aqui recorrida, R. ‘Universidade Católica Portuguesa’, concluindo que a decisão não merece qualquer censura.
Isto porque foi pago à A., a partir de Outubro de 2003, a quantia de € 1.738,36 14 vezes ao ano, retribuição correspondente à categoria de professora auxiliar, acrescida do subsídio de exclusividade, fixado em Outubro de 2003, em 10% daquele valor, ou seja, € 173,84, o que perfaz o valor de € 1.912,20, que sempre lhe foi pago, inexistindo, por isso, quaisquer diferenças a pagar.


Exposto esquematicamente o desenvolvimento da lide e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir Parecer, a fls. 758-760, a que reagiu a R. – cumpre decidir.

____

II –
DOS FUNDAMENTOS

1 DE FACTO.
Vem seleccionada a seguinte factualidade, que assim se fixa:
[…]

2 DO DIREITO.
2.1. A Apelação da Ré.
Conferido o acervo conclusivo – por onde se afere e delimita, como se sabe, o objecto e âmbito do recurso, excluídos os temas de conhecimento oficioso – vemos que a questão primordial que nos vem proposta tem a ver com o entendimento constante da sentença em cujos termos se considerou como um típico/’comum’ contrato de trabalho o convénio estabelecido entre as litigantes, a que é aplicável, em toda a linha, o ‘regime’ instituído pelo Cód. do Trabalho.
As demais questões serão abordadas na sequência.

Na verdade, a decisão ora 'sub judicio' – acolhendo a pretensão da A., construída na pressuposta relação de trabalho subordinado – condenou a R., além do mais, a reconhecer que o contrato de trabalho subsistente com a A. tinha a natureza de contrato de trabalho por tempo indeterminado, declarando ilícito o despedimento levado a cabo pela R. …com as descritas consequências.
Para alcançar esta solução estribou-se esquematicamente nas seguintes premissas:
- A R., Universidade Católica Portuguesa, sendo uma pessoa colectiva de utilidade pública, é uma entidade privada, a que não se aplica a legislação relativa às Universidades Públicas. A estas, enquanto pessoas colectivas de Direito Público, criadas por iniciativa pública, aplica-se-lhes o regime consagrado na Lei n.º 108/88, de 24 de Setembro (Autonomia das Universidades Públicas);
- Não lhe sendo aplicável a Lei n.º 108/88, também não se lhe aplica o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, (que revogou o Decreto-Lei n.º 271/89, de 19 de Agosto), uma vez que este Diploma expressamente dispõe no seu art. 2.º/2 que … a Universidade Católica Portuguesa rege-se pelo art. XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e por regulamentação específica daí decorrente, não se lhe aplicando o disposto nestes diploma;
- Não estando sujeita ao regime das Universidades Públicas nem, por isso, ao regime do Ensino Particular e Cooperativo, define-se como um ‘tertium genus’, que tem como exclusivo o estabelecido na Concordata Portugal/Santa Sé, sendo-lhe aplicável, no mais nela não previsto, o direito comum e as leis gerais de Portugal;
- A liberdade concedida à Igreja Católica de estabelecer e manter escolas paralelas às do Estado não implica que, em função do compromisso estabelecido na Concordata, se houvesse de reconhecer e consagrar para a R., UCP, um regime especial de contrato de trabalho para os seus docentes …sendo que a referência que é feita no art. 5.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 128/90 deve ser interpretada apenas no sentido de ser lícito à UCP estabelecer no seu regulamento interno os critérios que repute adequados para a selecção do seu corpo docente;
- A entender-se o contrário (que a Concordata englobaria o direito da R, UCP, poder estabelecer as regras dos contratos de trabalho a outorgar com os seus docentes, não só quanto aos requisitos formais mas também quanto aos seus aspectos substanciais), teríamos de concluir pela inconstitucionalidade do respectivo Regulamento;
- Assim, às relações laborais entre a R. e os seus docentes, é aplicável o regime instituído pelo Cód. do Trabalho e, antes dele, a LCT, plasmada no Decreto-Lei n.º 49.408/69, de 24 de Novembro.

A estes fundamentos e solução, o que contrapõe a Recorrente?
Pretextando que o contrato em causa, ao contrário do ajuizado, era por tempo determinado e que a sua cessação foi lícita, adianta-nos basicamente que:
- Foi indevidamente considerado que o regime de contratação do pessoal docente pela R. era o mesmo do ensino superior particular e cooperativo, em que, apesar de ainda não ter sido emitido o diploma próprio a que se alude ora o art. 24.º do Decreto-Lei n.º 16/94, se vem entendendo dever aplicar-se as normas que regulam os contratos individuais de trabalho…;
- Mas o quadro normativo aplicável à R. é distinto do do ensino superior particular e cooperativo, sendo o próprio Decreto-Lei n.º 16/94, de 22/1, a dizer, no seu art. 2.º, que tal Estatuto não é aplicável à UCP, ora R.
- A UCP rege-se pelo art. XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e por regulamentação específica daí decorrente, no âmbito da qual foi publicado o Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril;
- Foi na sequência do disposto no seu art. 5.º/2 – que prevê que a contratação do corpo docente da UCP seja feita de acordo com o Regulamento Interno, a aprovar pelos órgãos competentes – que a Recorrente elaborou o Estatuto da Carreira Docente (ECD), que entrou em vigor em 1.10.1990;
- Assim, o contrato celebrado entre as parte ora em litígio é um contrato que não está sujeito, (sublinhámos), ao regime geral decorrente do Cód. do Trabalho, mas ao regime geral que decorre do ECD da R.
- Nessa conformidade, a A. foi admitida como assistente, por ter obtido a equivalência ao mestrado em 1994, pelo prazo de 6 anos, tendo o contrato início em 1995 e termo em 2001;
- Depois, em Março de 2001, como a A. obteve o doutoramento, celebrou um novo contrato com a R., como professora auxiliar, com a duração de 5 anos, iniciado em Maio de 2001 e termo em Maio de 2006;
- A R., em 2001, reduziu tal contrato a escrito, remetendo-o para o domicílio da A., para esta o assinar, o que não fez;
Nunca o mesmo poderia ser havido como por tempo indeterminado dado que decorria de um facto imputável à A., o que traduziria um manifesto e condenável abuso de direito, que se invoca;
- Assim, ao contrário do decidido, o contrato celebrado entre A. e R. era um contrato por ‘tempo indeterminado’;
- Além do ECD não exigir a redução a escrito, o Estatuto, de modo claro e inequívoco, afirma a sua duração: 5 anos;
- A contratação de docentes por tempo indeterminado é precedida de parecer do Conselho Científico e da declaração a que alude o n.º2 do art. 38.º do ECD, formalidades que não existem no caso ‘sub judice’;
- Assim, dado que o contrato entre as partes tinha a duração de 5 anos e a R. o denunciou para o seu termo, a cessação do mesmo é lícita, ao contrário do decidido.

Aqui chegados, Quid Juris’?
A questão, melindrosa, não é de tratamento fácil.
Não a vimos propriamente versada na Jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, tendo apenas localizado um Aresto (Ac. do S.T.J. de 10.10.2007, in www.dgsi.pt/jstj, Processo 07S1800, n.º convencional JSTJ000), em que, decidindo sobre objecto diverso, (contrato de trabalho vs. contrato de prestação de serviço), se faz referência à temática em controvérsia e ao art. 5.º/2 do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, consignando, ‘en passant’, que …‘A contratação do Corpo Docente da Universidade Católica Portuguesa é feita de acordo com o regulamento interno’ (sublinhado no original), rematando, a seguir: ‘Assim importa concluir que os contratos de docência celebrados pela Ré se regem, em exclusivo, (sublinhado agora), pelos seus próprios Estatutos (ECDUC)’.

Tudo (re)visto e ponderado:
É pacífico o reconhecimento de que o contrato de docência do Ensino Superior tem especificidades que demandam a sua subordinação a um conjunto de regras próprias.
É o legislador que o assume e anuncia, concedendo que tal tipo de contratação não se ajusta de todo ao figurino normativo geral que regula as relações de trabalho subordinado – cfr. Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro.
E a Jurisprudência do S.T.J. corrobora-o.
(A particular natureza que as funções de docência universitária revestem levou o legislador a deixar consignado no n.º2 do art. 40.º do Decreto-Lei n.º 271/89, de 19 de Agosto, diploma que aprovou o Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo, que o ‘regime laboral aplicável aos docentes de estabelecimento de ensino particular constará de diploma próprio’.
Revogado aquele diploma legal pelo Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, que aprovou o novo estatuto daquele ensino, veio este dispor no n.º1 do art. 24.º do seu anexo que ‘o regime de contratação de pessoal docente para ministrar ensino nos estabelecimentos de ensino superior particular ou cooperativo consta de diploma próprio’, estatuindo o n.º2 do mesmo normativo que ‘o diploma que a se refere o número anterior estabelece o regime de contrato de trabalho dos docentes, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços’.
Embora os aludidos diplomas próprios não tivessem sido publicados, a referência que lhes é feita implica o reconhecimento de que à contratação de docentes para o ensino superior particular ou cooperativo não se ajusta a disciplina geral reguladora das relações de trabalho subordinado’. – Sumário do Acórdão do S.T.J. de 6.4.2000, in BMJ n.º 496, pg. 139).

É igualmente certo que o referido Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo não se aplica à recorrente, U.C.P.
Di-lo expressamente o art. 2.º/2 do Decreto-Lei n.º 16/94, de 22 de Janeiro, que o aprovou: «A Universidade Católica Portuguesa rege-se pelo art. XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e por regulamentação específica daí recorrente, não se lhe aplicando o disposto no presente diploma».
Corrobora-o a Jurisprudência do S.T.J.
Cfr., v.g., o falado Acórdão de 10-10-2007, em que se sumaria nos pontos I e II:
’A contratação de docentes da Universidade Católica Portuguesa rege-se pelo disposto no art. XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e por Regulamentação específica daí decorrente, não lhe sendo aplicável o regime do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo.
Essa contratação, em consonância com o princípio da liberdade contratual, tanto pode fazer-se recorrendo ao contrato de trabalho como ao contrato de prestação de serviços’.

(Parenteticamente, o seguinte:
Todavia, no que tange concretamente ao Ensino Superior particular ou cooperativo, o facto de ainda não ter sido publicado o diploma próprio, acima referido, (…que estabelecerá o regime do contrato de trabalho dos docentes, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços), não significa, só por si, que, enquanto não existir tal diploma, não seja aplicável a uma vinculação juslaboral típica a disciplina constante do regime geral do contrato de trabalho.
Como eficazmente se sustenta no Acórdão do S.T.J. de 14.1.2004, (in www.dgsi.pt/jstj, Proc. 03S2652), não havendo a obrigatoriedade legal de a contratação de docentes se fazer por uma das modalidades – contrato de trabalho ou de prestação de serviços – opera a liberdade contratual, art. 405.º do Cód. Civil.
Mas, optando as partes pelo modelo do contrato de trabalho subordinado, ficam naturalmente submetidas, na execução do contrato que celebraram, ao regime geral que regula esse tipo de relações jurídicas.
Como impressivamente aí se consigna – e transcrevemos – ‘Enquanto não for publicado o anunciado diploma próprio, e por muito que se considere que uma disciplina específica melhor se ajustaria às relações contratuais estabelecidas no âmbito da docência universitária do que a disciplina geral reguladora das relações de trabalho subordinado, não poderia retirar-se do aludido anúncio legislativo que esta disciplina geral é inaplicável àquelas relações contratuais que lhe são subsumíveis.
Não é admissível que, pretendendo o legislador afastar a aplicação de um regime de natureza assumidamente geral, quando anuncia um futuro regime especial não o diga expressamente – o que implicaria necessariamente a existência de um espaço temporal de absoluta desregulação ou de regulações analógicas e/ou subsidiárias.
Como se escreveu no Acórdão do mesmo S.T.J. de 14.5.2003, ‘Aos contratos de trabalho dos docentes do ensino superior particular e cooperativo deve ser aplicado o regime comum dos contratos de trabalho’…
E mais adiante: …’De jure constituto’, contudo, e enquanto não houver legislação própria sobre a matéria, deverão aplicar-se aos contratos que as partes livremente celebraram, e que devam qualificar-se como de trabalho, as normas gerais que regulam o comum dos contratos de trabalho’).


Prosseguindo, retomemos a fieira do nosso raciocínio e enfoquemos o núcleo da questão a dilucidar.
Se é compreensível que a contratação dos docentes do Ensino Superior Público esteja sujeita a regras diversas da contratação dos docentes do Ensino Superior Particular e Cooperativo – e que, mesmo neste sector, com Estatuto próprio, se assuma a necessidade de estabelecer um regime especial de contratação do pessoal docente, (regime do contrato de trabalho, bem como as condições em que se poderá recorrer ao contrato de prestação de serviços – art. 24.º do citado Decreto-Lei n.º 16/94), assente que, com acima se referiu, enquanto não for publicado o anunciado diploma, aos contratos de trabalho de docentes se aplica o regime comum – e uma vez expressamente estabelecido que o Estatuto do Ensino (Superior) Particular e Cooperativo se não lhe aplica – será sustentável que a contratação dos docentes pela R./Universidade Católica Portuguesa esteja sujeita a um regime jurídico especial que, na sua aplicação ou execução prática, possa afastar, como se propugna, o regime geral definido nas Leis da República, concretamente o regime jurídico constante do Cód. do Trabalho?

Vejamos.
A U.C.P. é uma Instituição criada ao abrigo do art. XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé e oficialmente reconhecida pelo Decreto-Lei n.º 307/71, de 15 de Julho.
Rege-se pelo art. XX da Concordata e pela regulamentação específica daí decorrente, tendo sido publicada, no âmbito desta, o Decreto-Lei n.º 128/90, de 17 de Abril, diploma em que se precisou, conforme texto preambular, o quadro em que a mesma se insere, ao lado das Universidades Públicas e das Universidades Privadas, com absoluto respeito pelo princípio da liberdade de ensino, consagrado na Constituição da República Portuguesa e desenvolvido pelo Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo.
Já na Concordata de 1940 se prevenia que …As associações e organizações da Igreja podiam livremente estabelecer e manter escolas particulares paralelas às do Estado, ficando sujeitas, nos termos do Direito Comum, à fiscalização deste e podendo, nos mesmos termos, ser subsidiadas e oficializadas.
Assim se mantiveram as coisas com a outorga da Nova Concordata, que, assinada em 18 de Maio de 2004, substituiu a de 1940.
No art. XXI desta se consignou que ‘A República Portuguesa garante à Igreja Católica e às pessoas jurídicas canónicas reconhecidas nos termos dos arts. 8.º a 10.º, no âmbito da liberdade de ensino, o direito de estabelecerem e orientarem escolas em todos os níveis de ensino e formação, de acordo com o direito português, sem estarem sujeitas a qualquer forma de discriminação’.

(Esta postulada exclusão de qualquer forma de discriminação, não pode deixar de ser entendida imediatamente pela negativa, querendo significar, a nosso ver, a garantia de um estatuto de total paridade com as demais Escolas portuguesas de Ensino Particular, do mesmo nível).


Resta saber – é este o ponto axial – se a reconhecida liberdade de estabelecer e manter Escolas paralelas às do Estado lhe permite ‘criar’ direito substantivo próprio, diverso do instituído na Lei geral, maxime um regime especial de contrato de trabalho só para os seus docentes.
A resposta não pode deixar de passar, naturalmente, pela ponderação do que se pretendeu exactamente ao estabelecer-se no art. 5.º, n.º2, do Decreto-Lei n.º 128/90, de 17/4, que ‘A contratação do corpo docente da Universidade Católica Portuguesa é feita de acordo com o Regulamento Interno, a aprovar pelos seus órgãos competentes, visando satisfazer as exigências da evolução da carreira académica dos docentes’…
E – ‘nolens, volens’ – parece-nos ter de admitir-se que, à míngua de uma qualquer limitação expressa, se quis conferir à UCP a liberdade de definir, nesse Regulamento para que o legislador afinal remeteu, os termos da contratação, independentemente/para além das regras de direito comum que disciplinam a relação juslaboral típica.

Vamos dizer, de forma pouco mais que esquemática, por que assim se nos afigura.
Não há dúvida de que a R./U.C.P. é uma Instituição criada ao abrigo de um Tratado Internacional, a Concordata celebrada entre Portugal e a Santa Sé.
Não estando sujeita ao regime das Universidades Públicas, (art. 35.º da Lei n.º 108/88, de 24/9), também está expressamente excluída do regime do Ensino Superior Particular e Cooperativo, o que permite defini-la – assim se diz na decisão sujeita – como um ‘tertium genus’.
(E se é certo que o próprio legislador reconheceu – em propósito anunciado já em 1989, (n.º2 do art. 40.º do Decreto-Lei n.º 271/89, de 19 de Agosto), …mas ainda não concretizado (!) - a necessidade de criação, em diploma, de uma disciplina específica que melhor se ajuste, do que a disciplina geral, à regulação das relações contratuais estabelecidas no âmbito da docência universitária no Ensino Particular e Cooperativo, menos repugnará aceitar que tenha já aberto tal possibilidade de regulação à UCP…conferindo-lhe competência/legitimidade para que a contratação do seu corpo docente se faça de acordo com Regulamento Interno, ‘ut’ n.º2 do art. 5.º do Decreto-Lei n.º 128/90).

Desde logo por isto, não é juridicamente sustentável – com o devido respeito – o juízo alcançado na sentença em crise, em que, não obstante, se concluiu que… ‘o âmbito do art. XX da Concordata resume-se à liberdade concedida à Igreja Católica de estabelecer e manter escolas paralelas às do Estado, não abarcando por isso a prerrogativa da R. de estabelecer um regime especial de contrato de trabalho para os seus docentes, sendo que …às relações laborais entre a R. e os seus docentes é aplicável o regime instituído no Cód. do Trabalho e, antes deste, no Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969’.
(Se esse fosse o desígnio do legislador, tê-lo ia dito e, não, o oposto, quando expressamente consagrou a solução constante do falado n.º2 do art. 5.º do DL. 128/90).

Coisa diferente – mas aspecto não menos interessante da questão – é a de saber se há (…e se sim, quais) limites legais, ou mesmo Constitucionais, a observar pela R. na elaboração do seu Regulamento Interno/ECD, relativamente à contratação de docentes.
Se é pacificamente reconhecido que o figurino da disciplina da Lei laboral não se compagina, de todo, com a vocação e perfil do docente do Ensino Superior, em geral, e que a Lei reconheceu à R./UCP o direito de proceder à contratação do seu corpo docente de acordo com Regulamento Interno aprovado pelos seus órgãos competentes, ‘visando satisfazer as exigências da evolução da carreira académica dos docentes’, não vemos que a Lei ordinária possa constituir imediatamente obstáculo à definição dos termos estabelecidos no dito Regulamento/ECD…
…Até porque o legislador foi claro ao prevenir que, (art. 7.º do falado Decreto-Lei n.º 128/90), ‘Em tudo quanto não estiver previsto no presente diploma, a Universidade Católica Portuguesa rege-se de harmonia com o disposto no art. XX da Concordata entre Portugal e a Santa Sé, de 7 de Maio de 1940, pela legislação canónica aplicável e pelos seus estatutos e regulamentos próprios’.

E em termos Constitucionais?
Tendo sido criada ao abrigo da Concordata, um tratado internacional celebrado entre Portugal e a Santa Sé, (no âmbito de cujo art. XX o Decreto-Lei n.º 128/90 constitui a regulamentação específica daí decorrente…) e estando assegurada à R. a autonomia estatutária, científica, pedagógica, patrimonial, administrativa, financeira e disciplinar, (art. 4.º/1 do DL. 128/90), em conformidade aliás com a estatuição do art. 76.º/2 da C.R.P., afigura-se-nos, sem contudo ter disso absoluta convicção, que a prerrogativa de que falamos – ‘in casu’ no binómio/duplo compromisso autonomia (científica e pedagógica)/satisfação das exigências da evolução da carreira académica dos docentesmas a impor, nos demais, por força da reconhecida especificidade de que se reveste a contratação de docentes do Ensino Superior, intervenção legislativa que a contemple…em ‘diploma próprio’… – não afronta qualquer norma Constitucional, nomeadamente a constante do art. 53.º da Lei Fundamental, enquanto princípio programático.

A cessação do contrato em causa, operada nos moldes descritos, em conformidade com o estatuído no ECDUC, afigura-se-nos lícita, por tudo quanto se disse.
___

Insurge-se também a Apelante contra a parte da decisão que julgou parcialmente procedente o pedido de diferenças salariais relativas ao subsídio de Natal (de 1995 a 2003), de férias e de subsídio de férias referente ao mesmo período de tempo.
Alega que a condenação da R. no pagamento de tais diferenças radicou num manifesto lapso da decisão recorrida.
Com efeito, diz, foi dado como provado que no período compreendido entre 1995 e Outubro de 2003 (período correspondente ao do encontrado diferencial da condenação) era paga à A., no recibo do vencimento, o valor da remuneração correspondente à sua categoria, em tempo integral, e as denominadas ‘vias’ ou ajudas de custo (deslocações não realizadas), cujo valor era pago à A. e que correspondia ao subsídio de ‘exclusividade’ ou ‘tempo integral’.

A decisão recorrida, no que respeita à fundamentação do julgamento da matéria de facto quanto a tal ponto, consignou que: …a testemunha B...…’finalmente esclarece que o valor que recebia de ‘vias’ em onze meses correspondia aproximadamente a 30% da retribuição constante do recibo vezes catorze meses’.
No mesmo sentido também a testemunha C... afirmou, no seu depoimento, que ‘as vias ou ajudas de custo’ correspondiam ao valor líquido que era pago pela R. aos docentes que se encontravam em dedicação plena e que o valor pago aos docentes em onze meses correspondia ao valor líquido de aproximadamente 30% do recibo de vencimento relativo a 14 meses (tal como afirmado pela testemunha B...).
Assim sendo, dúvidas não podem existir – sob pena de existir uma contradição insanável quanto a este aspecto - entre a fundamentação da matéria de facto e a decisão, o que acarretará, nesta parte, a nulidade da decisão (art. 668.º/1, c), do C.P.C.) – sic.
Tendo as testemunhas afirmado, de modo inequívoco, que o valor pago em ‘vias’ ou ‘ajudas de custo’ era o subsídio de dedicação plena ou ‘exclusividade’, cujo pagamento, feito em 11 meses, correspondia ao valor que deveria ser pago em ‘catorze meses’, significa que a R./Apelante pagou o equivalente a férias e subsídios de férias e de Natal, ou seja, remata-se, no que tange às ‘vias’ foi pago à A. o valor líquido equivalente a catorze meses, apesar de ter repartido o valor global assim obtido por onze meses.

A recorrida reagiu, contrapondo que a matéria de facto dada como provada, e da qual a R. não reclamou, não permite tirar a conclusão que a R. tirou, pois na verdade ficou provado que a retribuição paga através das ‘vias’ o era em 11 meses, mas já não ficou provado que tal retribuição paga em 11 meses incorporava no seu valor global a retribuição de férias e de subsídios de férias e de Natal…sendo estranha a reacção da R. que na sua contestação alegou que os valores da ‘vias’ era devido apenas durante o período de prestação efectiva de trabalho…
Curiosamente, no despacho de fls. 727, (em que, além do mais, se admitiu a Apelação da R.), o Exm.º Julgador 'a quo' consignou o seguinte:
‘Embora esgotado o meu poder jurisdicional quanto à matéria da causa, não posso deixar de reconhecer, por respeito à verdade, que parece ter razão a R. quanto ao que, no plano da decisão da matéria de facto e respectiva fundamentação, alega a fls. 15 das suas alegações de recurso’.
‘Quid inde’?
A reacção da Recorrente será pertinente e ora atendível?
Não o foi no âmbito da impugnação da matéria de facto (art. 690.º-A do C.P.C.).
Não o foi oportuna/adequadamente nos termos da alegada nulidade da sentença – art. 77.º/1 do C.P.T. – sendo que, ainda que o tivesse sido, não constitui o vício que se invoca, pois não se trata da tipificada oposição entre os fundamentos (no caso, de facto) e a decisão.
O pretenso vício, a ter acontecido, ocorreu em momento, cronológica e processualmente anterior, ao nível da decisão da matéria de facto.
Poderemos considerá-lo no âmbito de intervenção consentida pelas disposições dos n.ºs 1, alínea a) e n.º4 do art. 712.º do C.P.C.?
Tudo visto e ponderado, diremos, em bom rigor, que não.
Por duas evidentes ordens de razões.
Em primeiro lugar porque a R., desde a sua defesa, assumiu expressamente que os valores correspondentes à gratificação apenas eram devidos durante o período da prestação efectiva de trabalho, ou seja, 11 meses por ano, não tendo tal gratificação de ser repercutida nos subsídios de férias e de Natal, pelo que se deixa impugnado tudo o que a este propósito vem alegado nos arts. 70º e 73.º cfr. items 24.º e 25.º da contestação, com sublinhado e bold agora.
Depois porque, conferida a decisão e a sua fundamentação, não vemos que aí se configure, ‘malgré tout’, a invocada contradição, com o devido respeito.
Em resposta aos items 60 a 66 da P.I., (fls. 582v.º), assentou-se que…’Anos antes da contratação da A. o Administrador do Centro Regional das Beiras, por acordo com os professores, decidiu que seria paga uma gratificação/subsídio aos professores que se encontrassem em regime de dedicação plena, correspondente a uma percentagem da retribuição devida pelo trabalho em tempo integral, e a pagar durante 11 meses’ (sublinhado agora).
Na respectiva motivação da decisão de facto, a fls. 584, consignou-se expressamente:
‘A resposta aos artigos 60 a 66 da P.I. e 14 1 19, 21 a 24 e 26 da contestação encerra a matéria mais controversa dos presentes Autos.
Procuraremos agora fundamentar de modo suficiente a resposta dada a tal matéria.
- A testemunha B...…quanto às ‘vias’, começou por afirmar que mesmo professores sem dedicação plena/exclusiva as recebiam.
Mais tarde porém acabou por confessar desconhecer se as ‘vias’ auferidas por esses professores correspondiam ou não a deslocações efectivamente realizadas. E chegou também a reconhecer que havia professores – ex. Prof. Mário Mateus – que não recebia ‘vias’ e não estava em regime de dedicação plena.
Neste ponto disse ter a ideia de que as ‘vias’ apenas eram pagas a professores que não tinham outra profissão livre.
Finalmente, esclareceu que o valor que recebia de ‘vias’ em 11 meses correspondia aproximadamente a 30% da retribuição constante do recibo x 14 meses. (Sublinhado no original).
- A testemunha C..., técnica de recursos humanos da R., revelou um conhecimento directo e preciso dos factos, por causa das funções por si desempenhadas, e afirmou, no essencial, aquilo que o Tribunal deu por assente.
Confrontado com as diferenças entre o depoimento desta testemunha e o depoimento das testemunhas arroladas pela A., entendemos ser o depoimento da C... mais fiável.
E mais adiante:
‘Tendo em atenção que a A. apenas auferia o vencimento base constante do recibo e as ‘vias’, a única versão que faz sentido é a apresentada pela R. e pela sua testemunha: isto é, as ‘vias’ destinavam-se a pagar a prestação a que a A. tinha estatutariamente direito por estar vinculada à R. no regime de dedicação exclusiva’.
A demais fundamentação está enfocada precisamente neste ponto, o de saber a que se destinava o pagamento das ditas ‘vias’: constituíam afinal a compensação devida pela dedicação plena…
…E não na questão de saber se a R., no que tange às ‘vias’, pagou o valor equivalente a catorze meses, apesar de ter repartido o valor global assim obtido por onze meses, como agora se pretexta.
Ainda assim, ‘quod erat demonstrandum’ – bizarro, no entanto, já que a tese da defesa, como se constatou, não era sequer essa!

Ora então, o que se pode concluir de tudo isto, com segurança bastante, é que apenas se reteve, dos depoimentos impressivos, que a testemunha B..., para além dos descritos avanços e recuos, esclareceu que o valor que recebia de ‘vias’ em 11 meses correspondia aproximadamente a 30% da retribuição constante do recibox14 meses.
Mais ninguém terá falado nisso, a avaliar pelos elementos probatórios convocados como respaldo da convicção do Decisor.
Contrariamente ao alegado, (cfr. fls. 655, ‘in fine’), a testemunha C... não confirma nada disso.
Do teor que foi retido, em súmula, do seu depoimento, consta apenas que, revelando um conhecimento directo e preciso dos factos…afirmou, no essencial, aquilo que o Tribunal deu por assente.
…E o que o Tribunal deu como assente é o que consta do alinhamento a que nos reportamos.
Acresce que, a verificar-se manifesta deficiência, obscuridade ou contradição na decisão sobre pontos determinados da matéria de facto – e não constando do processo todos os elementos probatórios que permitissem a sua reapreciação, como não constam – outra solução não restaria que não fosse anulá-la, mesmo oficiosamente.
Não é o caso.

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2.2 – A Apelação da A.
Como se deixou consignado acima, ao reproduzir a síntese conclusiva da motivação da impugnação deduzida pela A. – e ora se relembra – pretexta-se que tendo a sua retribuição base mensal sido constituída por duas parcelas, no período temporal que decorreu até 31 de Outubro de 2003, (uma processada através do recibo mensal de retribuição e outra através das designadas ‘vias’), e tendo a R. suprimido o pagamento da retribuição através das designadas ‘vias’, com efeitos a partir de Novembro de 2003, (passando a retribuição a ser processada num valor único titulado no recibo), a retribuição global da A. foi diminuída, passando de € 2.221,99 em 31 de Outubro de 2003 para € 1.912,20 nos meses subsequentes e até Maio de 2006.
Esta diminuição da sua retribuição mensal foi ilícita, assistindo-lhe um crédito de diferenças no valor de € 11.138,62.

Vejamos.
Admitido tudo quanto se teorizou na decisão sujeita acerca da noção legal de retribuição – que não vem posto em crise e que corresponde ao entendimento generalizado, que subscrevemos – vem assente, em sede de facto, que:
- Vinha sendo paga à A. uma retribuição global composta por um vencimento-base/talão de vencimento e pelas chamadas ‘vias’, pagas até Outubro de 2003, (importância mensal esta ficticiamente havida por ‘deslocações’ e ‘ajudas de custo’), juridicamente qualificada como retribuição, na medida em que se destinava a pagar o trabalho da A.;
- E igualmente assente vem que, em reunião tida em Outubro de 2003 o Reitor da R. decidiu acabar com o sistema das ‘vias’, passando todos os pagamentos aos professores a constar do respectivo recibo de vencimento;
- Tendo ainda decidido o Reitor da R. reduzir a gratificação/subsídio de dedicação plena para cerca de 10% do salário-base correspondente à categoria de professor, valor que também passou a constar do recibo e que a R. sempre pagou até à cessação do contrato de trabalho.
- A retribuição mensal ilíquida passou a ser, a partir de Novembro de 2003, de € 1912,20.

Como se constata, com a decisão do Exm.º Reitor de acabar com as ‘vias’ e de reduzir em cerca de 10% a importância da ‘gratificação’/’subsídio de dedicação plena’, (sendo a média daquelas, nos últimos 12 meses anteriores à sua supressão, de € 619,27, que, somada aos € 1.602,72 inscritos no talão de vencimento, perfazia a retribuição global de € 2.221,99), a retribuição mensal da A., cifra-se, a partir de Novembro de 2003, num montante inferior, aparecendo efectivamente diminuída.
Esta redução da retribuição não tem fundamento legal, sendo proibido ao empregador, por regra, diminuir a retribuição do trabalhador – art. 21.º, n.º1, c) da LCT e ora art. 122.º, d), do Cód. do Trabalho.
(A supressão de qualquer variável componente da retribuição só é aceitável desde que não implique redução do quantitativo global, como bem se diz e é consensualmente entendido e aceite).
Tem por isso razão a impetrante, cifrando-se o seu crédito no montante peticionado de € 11.138,62.

Tudo revisto e tratado, vamos terminar.
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III –
DECISÃO
Nos termos expostos, delibera-se:
1 – Julgar parcialmente procedente a Apelação da R., e, revogando a douta sentença, na parte correspondente, absolve-se U.C.P. da condenação nos pedidos a que respeitam as alíneas a) e d), (em si e nos seus três pontos subsequentes) do dispositivo de fls. 630-632.
No mais, vai naturalmente confirmada.
2 – Julgar procedente a Apelação da A. e, em consequência, condena-se a R./U.C.P. no pagamento àquela da importância de € 11.138,62, a título do oportunamente peticionado, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das diferenças retributivas e até efectivo embolso.

As custas seriam a cargo da Apelante R./UCP, que goza de isenção.
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Coimbra,