Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
53/10.3GAPMS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: INSTRUÇÃO
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
Data do Acordão: 03/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 286º E 287º CPP
Sumário: O requerimento para abertura de instrução em que o único pedido seja a suspensão provisória do processo não pode ser rejeitado, visto que não viola a regra sobre a finalidade da instrução, porque a comprovação judicial a que se reporta o n.º 1 do artº 286º CPP, não se restringe ao domínio do facto naturalístico, antes compreende também a dimensão normativa do mesmo e por conseguinte, a sua suscetibilidade de levar (ou não) a causa a julgamento.
Decisão Texto Integral: Nos autos supra identificados a Meritíssima Juíza proferiu o seguinte despacho:

“Pelo requerimento de abertura de instrução, verifica-se que o arguido apenas pretende que seja aplicado aos presentes autos o instituto da Suspensão Provisória do Processo (forma de processo especial), porém para que tal aconteça é necessário que o Ministério Público dê a sua anuência, nos termos do art. 281º do CPP.
Ora, conforme se verifica do despacho de fls. 62 do Ministério Público, o mesmo de forma fundamentada, explicou as razões porque não aplicava aos presentes autos tal instituto, nomeadamente por não se verificarem os requisitos do mesmo, nomeadamente no que toca à culpa diminuta, ou melhor dizendo à falta dela.
Acrescenta-se que a Suspensão Provisória do Processo (finalidade da presente instrução), é uma forma de processo especial, sendo que a opção pela mesma está no poder discricionário do Ministério Público, não cabendo ao Juiz de instrução ordenar a mesma ou apreciar o mérito de tal decisão, quando mais o Ministério Público já fundamentou o porquê da não aplicação de tal instituto. Apenas lhe cabe (ao Juiz), como decorre da lei, verificar, e no caso do Ministério Público optar por esta solução processual, se se encontram preenchidos os pressupostos da sua aplicação.
Aliás, face à posição já expressamente manifestada nos autos pelo Ministério Público sobre as razões da não aplicação do instituto da Suspensão Provisória do Processo, admitir a presente instrução não mais passava do que admitir que se praticassem nos presentes autos actos inúteis.
Face ao exposto rejeita-se liminarmente a presente instrução, uma vez que a mesma não respeita as finalidades previstas na lei para abertura da mesma.”

Inconformado com o decidido, o arguido interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

"I - A Meritíssima Juiz de Instrução do Tribunal a quo, ao rejeitar liminarmente o Requerimento do arguido para Abertura de Instrução com fundamento em inadmissibilidade legal, violou o disposto no art.ºs 287 nº 3 e 307, nº 2, ambos do Código de Processo Penal;
II - A doutrina e jurisprudência têm entendido que não foi vontade do legislador definir um âmbito lato de denegação da instrução, mas outrossim que a ratio legis do Artigo 287º nº 3 é a da restrição máxima dos casos de rejeição do requerimento de abertura de instrução.
III - Assim, é legalmente inadmissível a instrução em sede de processo sumário, abreviado ou sumaríssimo Artigo 286º nº 3), requerida por quem não tem legitimidade para tal ou fora dos casos previstos na lei (Artigo 287º nº 1 alíneas a) e b) ou ainda por falta de tipicidade legal, (neste sentido, Simas Santos e M Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 2. a Ed., ps. 163, TRP Ac. nº 37786 de 09/03/2005 e Ac. n. 037717 de 23/02/2005, in www.dgsi.pt);
IV - O Arguido, com o seu Requerimento de Abertura de Instrução pretendeu colocar em causa a decisão do Ministério Público de deduzir acusação, quando poderia/deveria ter-se socorrido do mecanismo da Suspensão Provisória do Processo.
V - Ora, a lei não afasta esta possibilidade, pelo que rejeitar o requerimento de abertura de instrução formulado pelo Arguido com fundamento em inadmissibilidade legal é interpretar e aplicar a norma constante do Artigo 287º nº3 do CPP de forma ampla, quando a mesma se reverte de carácter restritivo.
VI - O facto de, no requerimento de abertura de instrução, o Arguido não contrariar a factualidade vertida na acusação, não significa que o Juiz de Instrução não tenha a faculdade de apreciar questões de direito ou factos instrumentais subjacentes à Acusação.
VII - A finalidade pretendida pelo Arguido com a Instrução não esvazia o conteúdo da Instrução.
VIII - Pode haver instrução sem actos instrutórios, no sentido restrito de diligências de investigação, limitando-se tal fase ao debate instrutório e à decisão instrutória (Artigo 297 nº1 do CPP).
IX - A aplicação ao Arguido do instituto da Suspensão Provisória do Processo pode ser decidida na fase instrutória, desde que obtida a concordância do Ministério Público (Artigo 307° nº 2 do CPP).
X - Com a Instrução o Arguido visa demonstrar que estão reunidos todos os requisitos exigidos pelo Artigo 281° nº 1 do CPP para a suspensão provisória do processo e pugnar pela sua aplicação, fazendo uso do contraditório a que tem direito.
XI - É característica fundamental da instrução o seu carácter contraditório e é a mais perfeita concretização do princípio do contraditório, na qual o requerente (neste caso o Arguido) tem oportunidade de contrariar os fundamentos de facto ou de direito, que suportam a acusação, na medida em que esta constitui a conclusão da fase de inquérito dominada pela vertente inquisitória.
XII - A Meritíssima Juiz de Instrução, ao aplicar a norma do Artigo 287° n.º 3, da forma como aplicou, interpretando de forma lata e uma norma de carácter restritivo, criou uma nova causa de inadmissibilidade para além daquelas que resultam directamente da lei.
Termos em que, deve proceder o presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que admita a requerida Instrução, dando sem efeito todos os actos subsequentes.

Respondeu o Ministério Público defendendo o provimento do recurso.


O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.


Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência do recurso.


No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal o arguido nada disse.


Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.


Cumpre conhecer do recurso


Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.


É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).


Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[ “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, in www.dgsi.pt)].


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A questão objecto do recurso está, a nosso ver, directamente respondida na lei, pois que, determinando o artº 286º nº 1, do Código de Processo Penal[ Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem ] que a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento, o artº 287º nº 3, que tal requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, o artº 307º nº 1, que encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou não pronúncia e o nº 2 que é correspondentemente aplicável o disposto no artº 281º, obtida a concordância do Ministério Público, parece-nos claro que um requerimento para abertura de instrução em que o único pedido seja a suspensão provisória do processo não pode ser rejeitado, visto que não viola a regra sobre a finalidade da instrução porque a comprovação judicial a que se reporta o n.º 1 do artº 286º, não se restringe ao domínio do facto naturalístico, antes compreende também a dimensão normativa do mesmo e por conseguinte, a sua susceptibilidade de levar (ou não) a causa a julgamento.
Aliás, podendo o arguido, que se conforma com a factualidade e a integração jurídica constantes da acusação, requerer ao juiz de instrução criminal a suspensão provisória do processo, não tem outro meio de o fazer que não seja através do requerimento a que se refere o artº 287º.
A este respeito explica o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 2008[ Acessível em www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não seja localmente indicada], que “o arguido e o assistente podem pedir hoje ao Ministério Público ou ao juiz de instrução a suspensão provisória do processo”, pelo que “enquanto no decurso do inquérito, aqueles sujeitos processuais se podem dirigir ao Ministério Público, dominus dessa fase processual, por mero requerimento, já ao seu direito a pedir, ao juiz de instrução, a suspensão provisória do processo, tem de corresponder uma adequada “acção”, destinada a efectivar esse direito e que ocorre já depois de findo o inquérito e tomada posição final pelo Ministério Público”, ou seja “a acção dirigida ao juiz de instrução, findo o inquérito, como é o caso, só pode, pois, ser constituída pelo requerimento de abertura de instrução em que se pede que se analisem os autos para verificar se se verificam os pressupostos de que depende a suspensão provisória do processo e que em caso afirmativo se diligencie, além do mais, pela obtenção da concordância do Ministério Público, tal como o impõe o n.º 2 do artº 307.º do Código de Processo Penal”, porque “só esse requerimento abre a possibilidade ao juiz de instrução de proferir a decisão a que se refere o art. 307.º e que inclui, como se viu, a possibilidade de suspender provisoriamente obtida a concordância do Ministério Público.
Em suma: apenas podendo o requerimento para abertura de instrução ser rejeitado por extemporaneidade, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução e não se enquadrando o requerimento do arguido em qualquer uma destas situações, nomeadamente na última, temos que concluir que mal andou o tribunal a quo ao indeferir o requerido.
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Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, revogando o despacho recorrido, determina-se que em sua substituição seja proferido um novo em que se determine a abertura da instrução para o fim visado no requerimento.
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Sem tributação.
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Luís Ramos (Relator)
Olga Maurício