Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
772/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: RUI BARREIROS
Descritores: PENSÃO POR MORTE
ECONOMIA COMUM
UNIÃO DE FACTO
HERDEIRO HÁBIL
Data do Acordão: 06/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 4º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: -
Legislação Nacional: ARTIGO 8º, N.º 1, DO DECRETO-LEI N.º 322/90, DE 18 DE OUTUBRO
Sumário: I - O processo para obtenção de subsídio por parte de pessoa que tinha sido casada ou unida de facto com pessoa falecida beneficiário da segurança social, não tendo natureza jurisdicional do ponto de vista material, devia ser administrativo.

II - Num processo desta natureza pode responder-se à pergunta se as pessoas em questão viviam em «economia comum, como se de marido e mulher se tratasse».

III - Tem viabilidade o pedido desde que a pessoa com legitimidade vivesse com o falecido na altura do falecimento, quer casada quer em união de facto, devendo juntar-se o período de tempo do casamento com o da união de facto ou vice-versa.

Decisão Texto Integral:
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8. Factos provados
«A autora casou com J, ..., beneficiário da segurança social com o n.º..., no dia 7 de Julho de 2000 (A).
J faleceu no dia 19 de Julho de 2000 (B).
A autora casou com J, nas instalações do Hospital de ..., com quem vivia há cerca de 10 anos e que aí se encontrava internado (1º).
Na data da propositura da acção, a autora trabalhava como engomadeira (4º).
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A autora e J viveram juntos durante cerca de 10 anos, ..., partilhando a mesma casa, mantendo comunhão de leito e mesa (9º, 10º, 11º e 12º).
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9. O Direito.
9.1. A recorrente pretende a alteração da matéria de facto e da de direito.
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Por outro lado, entende que essa matéria devia ter sido dada como provada pelo facto do réu não ter feito a prova de que esses familiares tinham possibilidade de lhe prestar alimentos, porque lhe compete o respectivo ónus.
Quanto à segunda, defende a procedência da acção, porque não está em causa um juízo sobre a constitucionalidade do artigo 9º do Decreto-Lei nº 332/90, de 18 de Outubro (DL), mas sim a integração de uma omissão que existe no referido diploma legal; defende, também, haver uma contradição entre a fundamentação – onde se diz que a autora está em condições de beneficiar do regime legal – e a decisão.
9.2. Antes de se entrar na análise do recurso, parece conveniente fazer duas considerações que vão servir de assentamento à nossa posição.
9.2.1. A primeira tem a ver com o que nos parece ser um erro de política legislativa: colocar na competência do poder judicial uma matéria relativa a pensões a pagar pelo Estado a familiares de beneficiários do regime da segurança social falecidos.
E até um anacronismo, pois, vivendo-se um momento de selecção da actividade formalmente jurisdicional - eventualmente, às vezes, com alguma ligeireza -, não parece correcto obrigar os interessados a socorrerem-se de um processo judicial para solucionarem estas questões; é matéria que, substancialmente, tem carácter administrativo – obtenção de subsídios do Estado por parte de pessoas que estejam em determinadas condições, cuja prova lhes compete –. Ora, nela, não há entre o Estado e o cidadão interessado um litígio, um conflito de interesses a regular, uma vez que é o próprio Estado que reconhece a necessidade de atribuir o subsídio, tendo, depois, somente de controlar as pessoas que estão em condições de o receber.
Assim, deveria ser a Administração, unicamente, a tratar da matéria. Então, os interessados socorrer-se-iam de um processo mais leve, expedito e eficaz, tanto mais que a Administração tem meios mais directos e seguros para averiguar da situação pessoal e económica das pessoas.
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9.3. Quanto à matéria de facto.
9.3.1. Não tem razão a recorrente quanto a pretender que a matéria que alegou deva ser dada como provada por falta de prova por parte do recorrido. Os factos alegados pela recorrente, enquanto autora, são constitutivos do seu direito, pelo que, nos termos do disposto no artigo 342º do Código Civil (CC), é a ela que compete fazer a prova respectiva [1]: «aquele que, ..., tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º» [2], ou seja, além de outros, dos descendentes e dos irmãos. Não tem qualquer fundamento a afirmação da recorrente de que lhe compete fazer a prova dos factos negativos e ao recorrido a dos positivos, pois não há base legal para ela.
Pode defender-se que era mais próprio, eficaz e económico instaurar e instruir o processo em sede da Administração. Mas, isso é uma coisa diferente, que tem a ver com a política legislativa. Aqui, o que interessa são as regras do ónus da prova.
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9.3.2.3. No nº 13 da B.i., perguntava-se se o falecido e autora viviam em «economia comum, como se de marido e mulher se tratasse». Tomou-se a seguinte posição: «o tribunal não responde a esta matéria por se tratar de matéria conclusiva».
Discordamos.
É já relativamente longa a lista jurisprudencial de expressões e conceitos jurídicos que são utilizados na linguagem comum com um significado que pode ser “recolhido” num processo judicial.
Toda a gente sabe o que é viver em economia comum. A testemunha I afirmou que o seu pai e a sua madrasta «viviam em economia comum, o dinheiro era dos dois; aliás, o meu pai dava dinheiro à R, não era filha dele, mas ...». Duas pessoas que vivem juntas e têm um só “montinho”, como dirá qualquer pessoa não letrada, vive em economia comum; se houver pelo menos dois “montinhos”, cada um com o seu, poderá não haver economia comum.
Para além deste saber popular, torna-se difícil entrar em grandes precisões, porque os casais no regime da separação de bens podem ter uma economia comum, unificando o uso das receitas e das despesas, outros que, no regime da comunhão de adquiridos ou da comunhão geral de bens, separam as receitas em duas e até mais verbas, bem como as despesas, para além de cada um deles poder «fazer depósitos bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente» [3], além de outros aspectos. No entanto, qualquer testemunha, apesar da diversidade acabada de referir, dirá que vivem em economia comum, porque é a realidade percepcionada do exterior.
Não estamos de falar de comunidade de vida, conceito a que recorre a doutrina para caracterizar a união de facto [4]. Por outro lado, a afirmação é feita logo após se ter dito que «A autora e Jorge da Encarnação de Oliveira Cordeiro viveram juntos durante cerca de 10 anos, na morada constante da petição, partilhando a mesma casa, mantendo comunhão de leito e mesa». Dir-se-á que já está aqui a união de facto, não sendo preciso recorrer ao conceito de economia comum e de convivência como se de marido e mulher se tratasse. Mas, estes conceitos são mais simplificados do que o de comunhão de leito e de mesa, este sim integrador do conceito de união de facto: quoad thorum, mensam et habitationem [5]. Então, melhor será acrescentar a matéria do nº 13 da B.i., inclusivamente para tentar remediar eventual posição de se não aceitar os conceitos de comunhão de leito e mesa constantes da resposta aos nºs. 11 e 12.
Viverem duas pessoas como se de marido e mulher se tratasse é uma afirmação com um conteúdo sociológico que é habitual as pessoas fazerem e que continuarão a fazer, quer ela seja ou não percebida pelas outras ciências. Nem faz sentido perguntar-se, como ainda se faz, se elas dormem na mesma cama, porque sistematicamente as testemunhas não o sabem em concreto, quer se refiram a casados ou a unidos de facto, pois só sabem que vivem como se de marido e mulher se tratasse mesmo que a sua ligação se restrinja ao facto de terem ambos a chave do mesmo apartamento; e até quando esta realidade é percepcionada, mais ou menos, eles continuarão a viver como se de marido e mulher se tratasse; à sua maneira, claro. E referimos isto para dizer que, em certas áreas, a propósito de certas questões, não é fácil perguntar de uma forma muito analítica: a grande diversidade das actuais formas de viver [6] não permite fazer as perguntas tradicionais – geralmente fonte de incompreensão e até escárnio das testemunhas [7] – porque as testemunhas sempre dirão que vivem como se de marido e mulher se tratasse, acrescentando um ou outro facto sem que o onerado pela alegação e prova possa saber de que os factos cada uma das testemunhas se apercebeu [8]; e a verdade é que cada vez se sabe menos do que vai na casa dos outros e com os outros.
Claro que isto levanta problemas ao nível do direito processual. Eles poderão vir a ser ultrapassados se, nestas situações, se der menos importância ao facto alegado e mais à motivação do facto provado.
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9.3.3. Assim, alterar-se-á a matéria de facto nos seguintes termos:
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9.4. Quanto à matéria de direito.
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9.4.2. A recorrente defende a procedência da acção, por não estar em causa um juízo sobre a constitucionalidade do artigo 9º do Decreto-Lei nº 332/90, mas da integração de uma omissão que existe no referido diploma legal.
A sentença considerou que a recorrente, apresentando-se como tendo vivido em união de facto com o falecido, não tinha direito a habilitar-se à obtenção de prestações por morte dele, por não lhe ser aplicável o artigo 8º do DL [9], uma vez que era viúva [10]. Entretanto, sustentou que a norma constante do nº 1, do artigo 9º, do DL, era inconstitucional por exigir aos trabalhadores por conta de outrem o que não exigia aos funcionários públicos, ou seja, que «não havendo filhos do casamento, ..., o cônjuge sobrevivo só tem direito às prestações se tiver casado com o beneficiário pelo menos um ano antes da data do falecimento deste».
Perguntou a recorrente: «Em que ficamos?» [11].
Para a sentença, no recurso ao meio previsto no artigo 9º do DL. Ou seja, a recorrente deveria pedir a prestação na segurança social e recorrer do eventual indeferimento da sua pretensão, pela inconstitucionalidade referida.
9.4.2.1. Não discordamos da inconstitucionalidade da norma, pelas razões apontadas na sentença.
Mas já discordamos de outros aspectos, nomeadamente do carácter exclusivo dessa via.
Entendemos que os interessados não têm que envolver-se em questões de inconstitucionalidade, com a consequente demora, no caso de terem outro caminho que vá ao encontro dos seus interesses. A questão da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade das normas não é uma preocupação só dos interessados na aplicação concreta das normas; outras entidades há que a têm também ou até mais.
O requerente de prestações por morte quer é alcançar o seu direito, de que, por definição, estará urgentemente necessitado. E não se vê qual o inconveniente em que escolha a via que mais lhe convenha, se o puder fazer.
Inconveniente há, certamente, e muitas vezes irremediável, dada a idade que os interessados têm, estatistica e naturalmente, se estiverem à espera do processo de fiscalização constitucional; estatiscamente, porque na grande maioria dos casos os demandantes são pessoas idosas e, naturalmente, porque a longevidade é cada vez maior. E este caso é bem demonstrativo do inconveniente de ter percorrer caminhos mais longos, uma vez que no dia 20 de Julho de 2005 finda o prazo para que a autora possa requerer a prestação [12].
Aproveita-se para esclarecer que a autora não teve êxito quanto à pretensão que dirigiu ao réu [13] por não ter preenchido correctamente – na perspectiva da segurança social – o modelo “Mod. CNP . 600.020” ou não ter respondido às solicitações que lhe foram feitas; na verdade, se tivesse escrito “companheira” na rubrica “parentesco” e tivesse deixado o espaço do “parentesco” em branco e, depois, feito a prova da união de facto, através de declaração da Junta de Freguesia ou do Notário, após inquirição de testemunhas [14], teria já visto satisfeita a sua pretensão.
Aliás, ainda o pode fazer, sem estar à espera desta acção!
9.4.2.2. Assim, defendemos que quem quiser invocar o estado de casado, fá-lo-á; se quiser invocar o de unido de facto, tem essa faculdade. E é o que pode acontecer relativamente a pessoas que contraíram matrimónio menos de um ano antes do falecimento do beneficiário da segurança social depois de terem vivido em união de facto, desde que, a soma dê mais de dois anos. Nenhuma razão há para que não possam fazer o pedido invocando a ligação de facto que tiveram com o falecido.
O direito às prestações da segurança social por morte começou por estar previsto, primeiramente, para as pessoas que tinham sido casadas com beneficiários da segurança social [15]. Depois, esse direito foi alargado às pessoas que, embora não tivessem casado, tinham vivido em união de facto: «o direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no n° 1 do artigo 2.020° do Código Civil» [16]. Ou seja, temos uma situação única e homogénea mesmo depois de ter sido objecto de alargamento, de extensão. A lei não prevê um direito para as pessoas que foram casadas ou para as que viveram em união de facto, quer no aspecto da atribuição, quer no da «forma de cálculo», como resulta do disposto nos artigos 24º e seguintes e 32º e seguintes, onde nem sequer se faz menção aos unidos de facto, precisamente por não haver diferenças.
Ser casada é mais do que viver em união de facto, ou seja, a requerente tem uma situação que podemos dizer de qualificada.
O que a lei quer é negar o direito a quem, tendo vivido em união de facto com beneficiário da segurança social, já não vivesse na altura do falecimento, ou seja, nessa data já não havia união de facto; tanto mais que, se há legislações que prevêem registos institucionais para o estado de união de facto, sempre há a dificuldade de registar o fim dessa ligação.
Mas, diferente e fora da preocupação da lei, é o caso de, na data do falecimento, ainda haver ligação entre o beneficiário e o necessitado da prestação, ligação quer de facto, quer de direito. Para a Administração é indiferente que o beneficiário seja casado ou unido de facto, que invoque uma ou outra situação [17].
Outra posição traduzir-se-á em contrariar, em termos práticos, a preferência que o nosso sistema dá ao casamento, quer do ponto de vista jurídico - em que a equiparação da união de facto ao casamento é limitada (e, segundo alguns Autores, deficitária [18]) -, quer do ponto de vista social e cultural, pois, o seu resultado seria desincentivador ou penalizar do casamento: casar depois de um período de união de facto seria arriscar a perder a pensão se o casamento não durasse um ano!
9.4.2.3. Aliás, a mais do que este entendimento, já chegou a segurança social, pois ao relator deste processo foi dado conhecimento por alguns Senhores Advogados do réu que a interpretação da instituição para estas situações é a de somar o tempo de união de facto com a de casamento mesmo que inferior a um ano, conferindo ao cônjuge sobrevivo o direito previsto no artigo 7º do D.L., ou seja, como se fosse casado há mais de um ano. Por exemplo, na acção ordinária nº 324, do 2º juízo do Tribunal de Portalegre, este entendimento foi expresso na própria contestação pelo réu. E, repare-se, no exemplo deste processo: o réu contestou e opôs-se ao pedido da recorrente na sua condenação no pagamento das prestações, mas nada disse quanto à falta do requisito de um ano de casamento por parte da recorrente.
9.4.2.4. Parece correcta esta interpretação, inclusivamente numa situação de paralelismo com o que se passa na acessão de posses com caracteres diferentes; na acessão, vale, no cômputo, a posse menos qualificada [19]; para a segurança social, no caso das prestações, parece valer também a menos qualificada – uma vez que quererá que a recorrente preencha o requerimento como se fosse unida de facto –, mas seria defensável que valesse a situação mais qualificada porque o benefício concedido à união de facto é uma extensão do regime aplicável ao cônjuge e a precaução que esteve na mente do legislador ao estipular um prazo mínimo de casamento (independentemente da inconstitucionalidade da norma), não se justifica relativamente a quem já viveu em união de facto com o beneficiário, juntando a esse tempo um casamento.
Situação de paralelismo não só do ponto de vista do critério de contagem do tempo - que poderia não ser mais do que uma mera coincidência -, mas também da natureza das duas situações: quer a posse, quer a posse de estado são relações de facto a que a lei atribui efeitos de direito; se a posse «é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de ...» [20], a posse de estado existe quando «viverem as pessoas como casadas e serem reputadas como tal nas relações sociais, ...» [21]. Por outro lado, embora sem unanimidade, há Autores que defendem a existência de posse de estado na união de facto. É certo que a posse de estado pressupõe o casamento, sendo dele uma presunção, mas o que nos interessa é que ambas as situações têm em comum determinada aparência das coisa [22].
9.4.2.5. Portanto, o que está em causa nem sequer é a integração de uma lacuna da lei, por a situação não estar prevista nem o artigo 7º nem no artigo 8º, afastada que é a norma do artigo 9º, mas simplesmente uma questão de interpretação, que «não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico [23], as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada» [24]; então, se nos preocuparmos com o contexto da lei, com os lugares paralelos e com a unidade intrínseca do sistema jurídico, quanto ao elemento sistemático, e com a ratio legis, quanto ao elemento teleológico [25], basta-nos uma interpretação enunciativa da lei.
A sentença concluiu diferentemente [26] porque, salvo o devido respeito, vê nos artigos 7º e 8º a função de enunciar requisitos para situações diferentes, ou... ou ...e lê a norma de forma demasiadamente chegada à sua letra, em vez de procurar na lei a preocupação do Estado em dar apoio económico a pessoas ligadas a falecidos que tenham sido beneficiários da segurança social, preocupação que se manifestou no correr dos anos de forma diferente, primeiro para o casamento, depois alargada à união de facto.
O legislador enuncia as situações de forma abstracta, não querendo ou não conseguindo enunciar todas as variantes dos casos-tipo; e, na verdade, quem não tiver esta perspectiva, ao concretizar a abstracção da lei, tenderá a pôr de um lado os casados e de outro os unidos de facto, sem se preocupar com o cruzamento dessas situações, que não preocupou ou não foi visto pelo legislador. Quando dizemos pessoas ligadas, não nos referimos a qualquer ligação, obviamente, mas às admitidas pela lei.
E talvez este aspecto se veja melhor se, admitindo momentaneamente a interpretação da sentença, tentarmos responder à questão de saber que solução seria dada à seguinte situação, fora da letra dos artigos 7º, 8º e 9º do DL: A e B, casados durante 20 anos, divorciam-se, embora continuem a viver em união de facto [27]. A, beneficiário da segurança social, morre 23 meses após o decretamento definitivo do divórcio. Ora, - seguindo o raciocínio da sentença, repetimos -, B não teria direito à prestação por morte de A nem ao abrigo do artigo 7º nem do artigo 9º [28], porque não era viúva do falecido; também não o teria pelo artigo 8º, porque não tinha dois anos de união de facto. Ora, não cremos que alguém sustentasse tal resultado, absolutamente absurdo.
Mas, a situação deste processo é precisamente a mesma, bastando substituir um estado pelo outro.
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[1] neste sentido, Dr. J. P. Remédio Marques, obra citada, pág. 244. Nem nunca soubemos, anteriormente, de outro entendimento diferente deste.
[2] artigo 2.020º do CC; se os não puder obter e não a não ser que os possa obter ou excepto se os puder obter.
[3] artigo 1680º do CC.
[4] Dr. J. P. Remédio Marques, obra citada; Dr. Geraldo da Cruz de Almeida, Da União de Facto, Lisboa, 1999; Isabel Roca Cubells.P, La pareja de hecho, Ediciones Fausí, Barcelona, 1993.; a «modelo de vida em comunidade como os cônjuges», se refere Eduardo Estrada Alonso, Las uniones extramatrimoniales en el Derecho Civil Español, Editorial Civitas, Madrid, 1986.
[5] Dr. Geraldo da Cruz de Almeida, obra citada, pág. 78.
[6] «a história do nosso direito do casamento desde há cinquenta anos é a história de uma liberalização contínua» (Jean Carbonnier, Terre et ciel dans le droit français du mariage, Mél. Ripert, 1950, pág. 328).
[7] e não se caia no erro de dizer que isso se deve à falta de conhecimentos jurídicos das testemunhas, porque o que está em causa é um problema de comunicação.
[8] curiosamente, vulnerabilizando a sua privacidade, e até por isso mesmo. A sentença de 18 de Maio de 1992, do Supremo Tribunal espanhol, refere-se à comunidade de vida, utilizando a expressão “actuaciones conjuntas de los interessados”: «la convivencia more uxorio há de desarrollarse en régime vivencial de coexistencia diaria, estable, com permanencia temporal consolidada a largo de los años, practicada de forma externa y pública com acreditadas actuaciones conjuntas de los interessados».
[9] «o direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no nº 1 do artigo 2.020º do Código Civil» - união de facto: convivência com pessoa que, entretanto, falece e não era casada nem separada judicialmente, há mais de dois anos em condições análogas à dos cônjuges
[10] «Afigura-se-me manifesto que a autora não estava nesta situação, pois no momento da morte de Jorge da Encarnação de Oliveira encontrava-se casada e não a viver com ele em condições análogas às dos cônjuges».
[11] nº 29 das Conclusões.
[12] artigo 48º do DL.
[13] nº 1 das Conclusões.
[14] este meio de prova exigido pela segurança social contraria o que dissemos no ponto 9.2.1., penúltimo §, exactamente pelas mesmas razões aí referidas: falibilidade e menor controle da prova testemunhal. A segurança social está em melhores condições de controlar o estado de união de facto, de carência da requerente e impossibilidade de obter alimentos da herança do falecido ou dos seus familiares do que o Notário. Ainda assim, é melhor a solução de recorrer a declaração da Junta de Freguesia, dada a proximidade desse órgão dos interessados e de muitas das testemunhas; e, neste caso, a lei poderia prever sanções para a ausência ou deficiência de controle da veracidade dos factos documentados.
[15] artigos 1°, 3º e 7º do DL.
[16] artigo 8° do DL; cf. a parte final do Preâmbulo do DL.
[17] não obstante o facto de, quando é invocado o de casado, exigir que esse estado tenha pelo menos um ano. Mas, porque não considerou ou não está em condições de considerar a questão da inconstitucionalidade. E, repetimos, não é curial obrigar os particulares a confrontarem-se com a Administração em questões de inconsitucionalidade.
[18] a união de facto deveria ter protecção mais ampla no nosso direito. Sobretudo, sob certos aspectos, como o do regime de segurança social (cf. PEREIRA COELHO, Casamento e Família no Direito Português, in Temas de Direito de Família - Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Almedina, 1986, pág. 9: «Tendo em conta os efeitos reconhecidos à união de facto, ..., não excluo pois que a união de facto seja qualificada como relação de família para determinados efeitos: para efeitos de locação, de segurança social, para efeitos fiscais, etc..»; sublinhámos; bem significativo é o que este Autor escreve a fls. 20.
[19] artigo 1256º do CC.
[20] artigo 1251 do CC; sublinhámos.
[21] nº 2, do artigo 1653º do CC; sublinhámos.
[22] relativamente à união de facto, a doutrina francesa fala em aplicação da teoria mais geral da aparência, tirada do direito comercial (Alain Bénabent, Droit Civil – La Famille, 3ª edição, 1988, pág. 41 e 42.
[23] o Prof. Antunes Varela, a propósito do Código de 66 e na qualidade de Ministro da Justiça, teve a ocasião de dizer que «sem prejuízo de ter assumido em outros pontos uma posição de acentuada reacção contra o positivismo legal, a lei quiz deixar neste capítulo da criação do Direito o campo suficientemente aberto a todos os progressos da jurisprudência e a todas as conquistas da doutrina» (Do Projecto ao Código Civil, pág. 26).
[24] artigo 9º, nº 1, do CC; melius est sensum magis quam verba amplecti (Ulpiano, D. 34.4.3.9).
[25] cf. o Parecer da PGR, no DR II, de 26 de Novembro de 1992, pág. 11227.
[26] «O reconhecimento da pretensão da autora implicava que o artigo 8º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, fosse interpretado no sentido de abranger não apenas as pessoas que se encontravam na situação prevista no n.º 1 do artigo 2020º, mas também as que, sendo casadas reuniam os seguintes requisitos: - estivessem casadas há menos de um ano; - não tivessem filhos do casamento, ainda que nascituros;- antes do casamento tivessem vivido mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges».
[27] admitamos qualquer hipótese, ao sabor de boas imaginações, para não termos de falar nos muitos casos em que os casais o fazem para usufruir de melhor condições fiscais.
[28] independentemente de ser rejeitado por inconstitucionalidade ou não.