Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
280/05.5TBFND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HÉLDER ALMEIDA
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
EMBARGO DE OBRA NOVA
Data do Acordão: 09/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FUNDÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Legislação Nacional: ARTIGOS 412.º, N.º2 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; ARTIGO 1372.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. Na ausência do dono da obra e do respectivo encarregado, no momento do embargo extrajudicial, a notificação referida no artigo 412.º, n.º 2 do Código de Processo Civil pode ser feita na pessoa dos respectivos trabalhadores, não havendo necessidade de provar que eles fossem seus substitutos
2. Não procede o embargo de obra nova quando com ele se pretende evitar a reconstrução de parede meeira, sem consentimento do embargante.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:


I – RELATÓRIO
1. A... e mulher, B..., requereram, no 2º Juízo do Tribunal Judicial do Fundão, o presente procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova contra C... alegando para tanto, e em síntese, que sendo os prédios urbanos de Requerentes e Requerido confinantes entre si, existindo a dividi-los uma parede meeira, em 2 de Março de 2005, este último deu início a obras no seu prédio, assim destruindo parte da referida parede, o que levou a que os Requerentes levassem a efeito o embargo de tais trabalhos, embargo a que intende a ora peticionada ratificação.
Deduzindo oposição, o Requerido, além da extemporaneidade da ratificação, invocou a nulidade da intimação, dizendo que do auto de embargo não se retira que não estivessem então presentes quer o dono da obra quer o respectivo encarregado e, bem assim, que os trabalhadores a quem foi efectuada a notificação estivessem ali presentes em substituição do mesmo encarregado, e defendendo-se ainda por impugnação, rematou por fim com o indeferimento da reclamada providência.
Os Requerentes apresentaram resposta e, efectuada a audiência, foi proferida decisão decretando a ratificação requerida.
Irresignado, o Requerido interpôs recurso de agravo, o qual culminou com a prolação de douto acórdão desta Relação, anulando o julgamento.
Realizada nova audiência, uma vez mais teve lugar a correspondente decisão, nos termos da qual foi julgada nula a intimação efectuada pelos Requerentes, por preterição de formalidades legais, nulidade na qual se incluíram os actos posteriormente praticados, considerando-se em consequência prejudicado o conhecimento do mérito da providência.

2. Inconformados, por sua vez, com o assim decidido, os Requerentes interpuseram o vertente recurso de agravo, cujas alegações encerram com as seguintes conclusões:
1ª Não pode a meritíssima juiz "a quo" considerar que houve da parte dos recorrentes omissão das formalidades previstas no art.412° nº 2 do C.P.C., já que foram notificados os trabalhadores do requerido, por este não se encontrar na obra.
Devendo considerar-se fixada, definitivamente, a matéria de facto constante da douta sentença, da mesma não consta que existisse um encarregado da obra, pelo que a notificação dos trabalhadores presentes era suficiente para a percepção clara da vontade dos recorrentes, isto é da paragem dos trabalhos que estavam a fazer.
2ª No entanto, mesmo que se venha a considerar que o encarregado da obra estava ausente. A notificação do embargo de obra nova por via extra-judicial, dos autos, foi bem efectuado.
3ª O dono da obra e o encarregado da obra ( empreiteiro) não se encontrando no local aquando da notificação do embargo referido.
Restava, apenas, aos recorrentes efectuar a notificação de embargo da obra nas pessoas que aí se encontravam a trabalhar, pois um deles -certamente- seria quem substituiria o encarregado da obra, nos termos e para os efeitos do art.412° nº 2 do C.P.C.
Não sendo crível que nenhum dos indivíduos aí presentes não representasse os interesses do empreiteiro e do dono da obra.
Caso contrário, seria muito fácil defraudar a lei, cada vez que se efectuasse um embargo de obra nova por via extra-judicial, bastando invocar que nenhum dos presentes era o dono da obra ou o responsável pela mesma ( empreiteiro) e os restantes não tivessem qualquer poder de representação deste, não aparecendo aqueles no local durante a execução dos trabalhos.
4ª A lei impõe que na falta do dono da obra e do responsável pela mesma se efectue a notificação do embargo extra-judicial na pessoa que represente este último.
Os recorridos, como salvaguarda, notificaram todos os presentes na obra.
Pelo que, se deve considerar cumprida tal formalidade exigida pelo nº 2 do art.412° do C.P.C.
Formalidade essa que deverá ser qualificada como "ad probatio", não influenciando a sua falta a eficácia do embargo.
5ª Para que seja ratificado o embargo de obra nova são necessários três requisitos: que o embargante seja titular de um direito de propriedade; que se considere ofendido nesse direito em virtude de obra, trabalho ou serviço novo; ilicitude do acto violador da propriedade, posse ou fruição, verificando um prejuízo para o direito ou uma ameaça do mesmo.
No caso dos autos verificam-se todos estes requisitos, pelo que existem motivos justificativos do embargo, pois os recorrentes são comproprietários (1/2) do muro derrubado, tendo tal direito de propriedade sido ofendido com a destruição, verificando-se o terceiro requisito se houve lesão do direito que legitima a intervenção dos recorrentes (direito de propriedade ), entendendo-se que há o prejuízo a que a lei se refere.
Não sendo necessário curar de saber quais as condições, neste caso, em que se encontrava a parede para a boa resolução da causa.
Pois, estamos face a um procedimento cautelar o qual tem como finalidade prevenir lesões graves e dificilmente reparáveis, não podendo ser utilizados para resolver questões de fundo, que só nas acções adequadas podem ser resolvidas.
6ª Assim, deve ser considerado ratificado o embargo extra judicial efectuado nos autos, nos seus precisos termos, mantendo-se a obra do recorrido embargada até à decisão, transitada em julgado, a proferir na acção principal.

3. O Requerido apresentou, por seu turno, contra-alegações pugnando pelo improvimento do recurso.
Colhidos que se mostram os competentes vistos legais, cumpre decidir.


II – DOS FACTOS
Na douta sentença foi vertida, como provada, a seguinte factualidade:

1º - No dia 11 de Outubro de 1983, no Cartório Notarial do Fundão, foi outorgada uma escritura com o título “Compra e Venda”, da qual consta, designadamente, que os primeiros outorgantes José Urbano Esteves e Maria Gil Nunes declararam que “vendem ao representado do segundo outorgante”, tendo este declarado aceitar para o seu representado, o requerente A..., pelo preço de noventa mil escudos, já recebido pelos primeiros outorgantes:
“dois terços indivisos de um prédio urbano composto por casa de um andar e lojas com uma dependência destinada a forno de cozer pão na Rua de São Romão ou Rua das Courelas, na freguesia da Barroca, deste concelho, a confrontar do Norte e Oeste com Ruas Públicas, do Sul com herdeiros de José Urbano Esteves e do Leste com António Fortunato”, inscrito na matriz sob o art.º 49.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 28 588, fls. 76 v., Livro B-79 e “um prédio urbano composto por casa de um andar e lojas com uma dependência na Rua do Forno da Neta ou Rua das Courelas, na freguesia da Barroca, deste concelho, a confrontar do Norte com herdeiros de José Urbano Esteves, do Sul e Oeste com Ruas públicas e de Leste com Joaquim Fernandes”, inscrito na matriz sob o art.º 50.º, omisso na Conservatória do Registo Predial.

2º - Os prédios dos Requerentes A... e B... e do Requerido José Dias Jacinto são confinantes entre si, situando-se os dos Requerentes do lado poente e o do Requerido do lado nascente.
3º- Um dos prédios dos Requerentes e o prédio do Requerido tinham, em tempos, cobertura ao mesmo nível (telhado corrido), que deixou de existir, pelo menos parcialmente, por virtude das obras que os respectivos donos neles levaram a cabo.
4º - Efectivamente, os antigos donos do prédio do Requerido ampliaram e altearam tal prédio e os Requerentes demoliram parcialmente um dos prédios que adquiriram, no contexto da remodelação da sua moradia, anexos e logradouro.
5º - Na confinância dos prédios dos Requerentes e Requerido existiu sempre uma parede feita de pedra, com cerca de 60 a 80 cm de espessura, 11,50 m de comprimento e 7 m de altura.
6º - Parede essa que delimitava os dois prédios e suportava a cobertura de ambos enquanto tiveram telhado ao mesmo nível.
7º - Há alguns anos, os então donos do prédio que hoje pertence ao Requerido altearam as paredes e construíram nova cobertura mas deixaram livre a metade da parede do lado poente, a qual sobressaía da prumada do limite e linha divisória do prédio do Requerido, definida pela face exterior do lado poente da parede alteada.
8º - Também os Requerentes A... e B..., quando efectuaram obras de remodelação dos seus prédios, deixaram intacta a parede referida em 5) e 6), a qual rebocaram do lado que deita para o seu prédio (lado poente).
9º - Desde a data da celebração da escrituram mencionada em 1) até ao presente, sempre os Requerentes tiveram como coisa sua a metade da parede do lado nascente do seu prédio, mantendo-a e rebocando-a, sempre à vista de todos e sem que alguém, alguma vez que fosse, estorvasse ou contestasse tal, sempre na convicção de exercerem um direito próprio, sem causarem prejuízo a ninguém.
10º - O Requerido José Dias Jacinto requereu na Câmara Municipal do Fundão a concessão de alvará de obras de alteração do seu prédio.
11 º - No dia 2 de Março de 2005, o Requerido deu início às obras de demolição do seu prédio, designadamente à parede do lado poente.
12º - No dia 3 de Março de 2005, pelas 8 horas e 30 minutos, os trabalhadores prosseguiram com os trabalhos e, desta vez, iniciando a demolição da parede referida em 5) e 6).
13 º - Nesse mesmo dia, os Requerentes, na presença de testemunhas, avisaram verbalmente os trabalhadores do Requerido, Manuel Barroqueiro Pires, Cláudio Santos e Carlos Barroqueiro Pires – que eram as únicas pessoas que se encontravam na obra – que a mesma estava embargada e que a partir desse momento a não deveriam continuar sem que a tanto fossem judicialmente autorizados.
14º - Antes do início da demolição, a parede mencionada em 5) e 6) tinha aproximadamente 11,50 metros de comprimento e 7 metros de altura.
15º - No momento referido em 12), tinha sido destruído cerca de 1 metro da parede (medido em altura) numa extensão de aproximadamente 3 metros.
16º - A parede/muro em causa servia a ambos, requerentes e requerido, de suporte das respectivas construções.
17º - Há cerca de 25 anos, os requerentes deitaram abaixo a parte da sua construção que encostava à parede em causa.
18º - Desde então, a parede tem mantido a sua função de parede integrante do prédio urbano do requerido, na qual continuaram a encostar as restantes paredes da sua casa, e de mero muro de divisão relativamente aos requerentes.
19º - Com o passar dos anos, a casa do requerido que é suportada por tal parede, que se encontra a um nível ligeiramente mais baixo que as restantes e, atenta também a retirada da construção do lado dos requerentes, que nele se apoiava e suportava, começou a apresentar sinais visíveis de deterioração, curvando-se em arco, e ameaçando ruir.
20º - Trata-se de uma construção antiga com mais de 80 e mesmo 100 anos.
21º - As suas paredes exteriores, nomeadamente, a parede em causa, eram feitas de pedra de xisto miúda, sem qualquer elemento de ligação.
22º - Nalguns lados a pedra já tinha caído, e noutros ameaçava cair.
23º - As paredes mestras exteriores, de pedra xistosa, miúda, irregular e de barro, travavam-se umas às outras, e nelas assentavam soalhos e tectos.
24º - O seu interior, na parte pertença ao requerido, apresentava manchas de humidade, os soalhos tinham buracos e os caibros e barrotes estavam a desfazer-se e a apodrecer.
25º - Esta construção, destinada a habitação do requerido, não apresentava condições mínimas de habitabilidade, segurança, comodidade e conforto.
26º - Na parte por ele alteada, a construção foi edificada somente com tijolo, apresentando graves problemas de infiltração e humidade.
27º - A realização de obras, ainda que só nesta parte, as quais se revelavam necessárias, pois era ai que se situava a cozinha e um quarto, de modo a garantir o isolamento necessário, faria abalar a já precária estrutura da parede.
28º - Para dotar aquela construção de condições mínimas de habitabilidade e de conforto, era necessário e urgente realizar no interior da construção um conjunto de obras.
29º - Ao pretender realizar tais obras o requerido deparou-se com a falta de robustez e estabilidade das paredes exteriores incompatível com uma qualquer intervenção física no seu interior.
30º - Tornou-se necessário a demolição daquelas paredes para reconstrução, em virtude de não oferecerem condições mínimas de segurança, nem suporte as lages previstas no respectivo projecto de construção aprovado pela Câmara Municipal do Fundão.
31º - Foi o requerido quem custeou sozinho a obra de construção de uma nova parede.

III – DO DIREITO

1. Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos Recorrentes, nos termos do disposto nos arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Cód. Proc. Civil (ao qual pertencerão as demais normas que adiante se forem referindo sem outra menção de proveniência), circunscrevendo-se, em princípio, às questões aí equacionadas.
Assim, e atentando nas sintéticas proposições acima reproduzidas, vejamos das questões em tal quadro suscitadas.

2. Insurgem-se, antes de mais, os Requerentes contra a douta decisão por nela se ter considerado nulo o embargo extrajudicial efectuado por eles, com fundamento (essa nulidade) em omissão das formalidades previstas no nº 2, do art.º 412º.
Com efeito, em tal aresto, a Mm.ª Juíza começou por ponderar que essa disposição estipula que o embargo extrajudicial se faz notificando-se verbalmente o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar. Ora, no presente caso –mais considerou a Exmª Magistrada-, essa referenciada notificação, conforme resulta dos termos do próprio auto de embargo, ocorreu quando não se encontrava na obra nem o dono desta nem o respectivo encarregado, mas apenas os trabalhadores deste último. E tendo sido efectuada a estes –ainda segundo a Exmª Magistrada-, não se provou, no entanto, que no momento da intimação tais operários fossem os substitutos do encarregado ausente, por ele dirigindo a obra.
E nesta decorrência, reputando incumprida essa legalmente exigida notificação do embargo, julgou esta diligência nula assim como os demais actos posteriores praticados, indeferindo a pretensão dos Requerentes.

3. Como referimos os Requerentes e ora Recorrentes não concordam com este veredicto.
E assim, e antes de mais, sustentam que devendo considerar-se fixada definitivamente a matéria de facto constante da enfocada decisão, da mesma não consta que existisse um encarregado da obra, pelo que a notificação dos trabalhadores presentes era suficiente para a percepção clara da vontade dos Requerentes, isto é, da paragem dos trabalhos que estavam a ser efectuados.
Que dizer? Vejamos.
Revisitando a matéria fáctica vertida na douta decisão, constamos que, em relação à notificação do embargo e pessoas partipantes na obra, apenas ali consta o Facto nº 13º, como o seguinte teor:
- Nesse mesmo dia, os Requerentes, na presença de testemunhas, avisaram verbalmente os trabalhadores do Requerido, Manuel Barroqueiro Pires, Cláudio Santos e Carlos Barroqueiro Pires – que eram as únicas pessoas que se encontravam na obra – que a mesma estava embargada e que a partir desse momento a não deveriam continuar sem que a tanto fossem judicialmente autorizados.
Deste conteúdo literal, como os Recorrentes bem observam, não consta efectivamente qualquer menção à existência de um “encarregado” em relação à obra.
Simplesmente, além de fazerem referência a esse encarregado na sua douta inicial –art.º 21º-, verdade é que os Requerentes/Recorrentes juntaram com este articulado o Auto de Embargo (fls. 13), no qual, a dado passo, se lê: “... achando-se presentes os empregados do encarregado da obra, António Augusto Barroqueiro Pires, casado, construtor civil. Morador em Barroca, designadamente o Sr. Manuel Barroqueiro Pires, o Sr. Cláudio Santos e o Sr. Carlos Barroqueiro Pires, ....”.
Não tendo o teor deste auto, na parte em causa, sido objecto de impugnação, à Mm.ª Juíza era-lhe lícito considerar essa matéria como provada, face ao disposto no nº 3, do art.º 659º.
Como assim, pese embora não tenha levado a cabo a inserção de tal matéria no quadro dos factos dados como assentes, o que em rigor técnico se impunha, não foi de todo infundadamente que a Exmª Magistrada, baseando-se no teor do Auto de Embargo, concluiu pela existência, no tocante à obra em causa, de um encarregado, sendo os operários notificados, pessoas directamente dependentes (trabalhadores) do mesmo e não, propriamente, do Requerido.
Nestes termos, pois, ao acervo factual constante da douta decisão, adita-se também a matéria em apreço, ou seja –repetindo-, os três operários reportados no apontado Facto 13º, avisados verbalmente pelos Requerentes, eram trabalhadores do encarregado da obra do Requerido.

4. Mas –pergunta-se-, havendo que dar como provada a existência, em relação à obra, de um encarregado, e ainda que tanto este como o Requerido, dono da mesma, estavam ausentes do local no momento da notificação, impõe-se realmente dar esta intimação como nula -na medida em que violadora do comando ínsito nesse art.º 412º, nº 2-, por isso que sendo as três pessoas objecto da mesma trabalhadores desse encarregado, não se provou que eles fossem seus substitutos?
Se bem cremos, a resposta tem de ser negativa.

4.1. Elucidando sobre o conteúdo desse comando, diz Alberto dos Reis –in Cód. Proc. Civil – Anot., Vol. II, 3ª ed., C. Editora, pág. 76-, que o embargo extrajudicial de obra nova se faz dirigindo-se o titular do direito ofendido ao local da obra e aí notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono dela, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir, para a não continuar.
E após advertir que a expressão “notificando” está empregada no sentido de aviso extrajudicial -consubstanciado numa declaração de vontade, destinada a produzir efeitos judiciais, mediante a qual o embargante faz saber que embarga a obra-, acrescenta o mesmo Mestre:
“A declaração de vontade não pode ser dirigida a qualquer operário ou pessoa que se encontre no local; a lei estabelece uma hierarquia de destinatários:
1º - O dono da obra;
2º - Na sua falta, isto é, se não estiver na obra, o encarregado;
3º - Se este também não estiver presente, a pessoa que o substituir.”
E remata a sua exposição: “Há que observar cuidadosamente esta hierarquia.”

4.2. De acordo com esta insigne lição, pois, a primeira pessoa a intimar no sentido da suspensão do obra é o dono desta, a pessoa que a faz ou manda fazer.
Não se achando ela no local, e dada a urgência inerente à situação, terá o advertência de ser feita ao encarregado da obra. Se este também se achar ausente, então a notificação apenas será possível, como é evidente, na pessoa dos trabalhadores então a operar.
Mas não poderá ser em qualquer deles, senão naquele que substituir o encarregado.

Ou seja –se aferidamente cuidamos-, a lei pretende que a advertência recaia naquele dos trabalhadores que, no momento, tenha em si o poder de, à semelhança do encarregado ausente, fazer parar os trabalhos.
Não assistindo a qualquer deles esse poder, sendo inviável assim a algum emitir ordem aos restantes no sentido dessa paralisação, obviamente que esta só poderá ser alcançada mediante advertência dirigida a todos. Mas uma vez tal advertência feita, ela terá de se considerar vinculativa e relevante, não podendo os mesmos invocar a geral falta de poderes representativos em relação ao encarregado ausente. Não se achando este na obra, obviamente que, quando menos, o conjunto de todos os seus operários ali presentes e a laborar se terá de considerar substitutos do mesmo, designadamente para efeitos de garantir o prosseguimento ou não dos trabalhos, sendo, sem dúvida, na sua vontade e acção exclusivas que residirá a virtualidade desse prosseguimento.
O mesmo se diga, “mutatis mutandis”, se o trabalhador for um único.
Com efeito, tendo a notificação de se efectuar na pessoa deste, necessariamente que ele não poderá deixar de suspender os trabalhos, a tal não lhe sendo outrossim lícito eximir mediante essa mesma invocação de falta de poderes.
A não se seguir este entendimento que modestamente advogamos, fácil seria –como os Recorrentes bem observam-, defraudar a lei e frustar qualquer possibilidade de embargo, bastando para tanto o dono da obra e o encarregado se manterem afastados do local e os trabalhadores aí em actividade invocarem a completa ausência de poderes representativos, sendo certo que, prosseguindo os trabalhos e uma vez ultimados já o embargo, em qualquer das suas vertentes, não seria possível –cfr., por todos, L. P. Moitinho de Almeida, in Embargo ou Nunciação de Obra Nova, 3ª ed., C. editora, pág. 16-, eventualmente consumando prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação.

4.3. Sendo este o nosso pensamento, e volvendo ao caso dos autos, logo se conclui que, sem quebra do muito respeito, não sufragamos o veredicto por que a Mm.ª Juíza se determinou.
Na verdade, tendo a intimação no sentido da paragem da obra sido dirigida pelos Requerentes a todos os trabalhadores do encarregado da mesma, e que eram as únicas pessoas que então se encontravam na obra –conforme o predito Facto 13º-, forçoso se torna inferir que os mesmos eram também as pessoas que, na ocasião e para os efeitos em apreço, substituíam o respectivo patrão. Ainda que nenhum deles se achasse “oficialmente” investido de poderes no sentido de lhe ser viável impor aos demais a paralisação dos trabalhos, o certo é que, no conjunto por todos eles formado, radicava a possibilidade da efectivação ou não de tal paralisação. E como referimos, é essa possibilidade que a lei tem efectivamente em vista quando exige uma especial capacidade na pessoa que, na ausência do encarregado, há-de ser objecto da notificação do embargo por parte do interessado ofendido no seu direito.
Neste termos, e em conclusão, temos pois que a intimação efectuada pelos Requerentes e aqui Recorrentes abarcando os três empregados do encarregado da obra em atinência foi legal, observando a exigência expressa no prefalado nº 2 do art.º 412º, não podendo por tal fundamento, portanto, ser o ora ventilado embargo considerado inválido e a respectiva ratificação, em consonância, indeferida.
A douta decisão ora sob recurso não pode pois subsistir, impondo-se a respectiva revogação.

5. E como assim, e por força do disposto no art.º 753º, nº 2, cumpre conhecer da remanescente questão suscitada pelos Requerentes, nos termos da qual propugnam a por eles almejada ratificação do embargo por verificação, no seu entender, dos três requisitos a tanto necessários e que explicitamente enumeram, a saber: que o embargante seja titular de um direito de propriedade; que se considere ofendido nesse direito em virtude de obra, trabalho ou serviço novo; e ilicitude do acto violador da propriedade, posse ou fruição, verificando um prejuízo para o direito ou uma ameaça do mesmo.
Salvo sempre o muito respeito –desde já se adiante-, pensamos que nesta parte não lhes assiste razão, porquanto desses três elencados requisitos, em nosso modesto ver, não se verifica “in casu” o último, seja, ocorrer violação do direito de compropriedade dos Requerentes por virtude de ilicitude ou contrariedade à lei do acto do Requerido.
Se não, vejamos.

5.1. Como se sabe, em causa nos presentes autos está a demolição e reconstrução pelo Requerido, sem o consentimento dos Requerentes, de uma parede divisória dos contíguos prédios de um e outros e da qual ambos eram contitulares em igual proporção.
Consubstanciando-se a comunhão em relação a paredes ou muros divisórios –conforme ensina Manuel Henrique Mesquita, in Direitos Reais, Coimbra, 1966-67, pág. 169– num caso de verdadeira compropriedade, em consonância com o regime geral desta preceitua o art.º 1372º do CC que o proprietário a quem pertença em comum alguma parede ou muro não pode abrir nele janelas ou frestas, nem fazer outra alteração, sem o consentimento do seu consorte.
Todavia, e em derrogação deste consagrado regime geral -derrogação essa ditada (como se esclarece no Cód. Civil Anotado, de Pires de Lima e Antunes Varela, Vol. II, 2ª ed., C. Editora, pág. 251), pelo intuito de evitar dificuldades injustificadas nas relações entre os condóminos vizinhos-, nos subsequentes arts. 1373º e 1374º estabelecem-se excepções a essa genérica proibição de actos de inovação sobre muros ou paredes meias, consentindo-os, em certas circunstâncias, à livre iniciativa dos consortes e, portanto, sem necessidade de prévio beneplácito dos demais.
Assim, no art.º 1373º outorga-se a faculdade de edificar sobre parede ou muro comum e no seguinte art. 1374º a de proceder ao alteamento de qualquer dessas mesmas construções.
No caso a que nos atemos, como bom é de ver, releva fundamentalmente a disciplina deste último preceito, desde logo por isso que –como deflui do Facto nº 7º-, foi justamente o alteamento da parede comum e construção de nova cobertura da sua casa a primeira intervenção que os outrora donos do prédio hoje pertencente ao Requerido levaram a efeito sobre essa mesma parede.

5.2. Ora, no nº 1 desse art.º 1374º exara-se que “a qualquer dos consortes é permitido altear a parede ou muro comum, contanto que o faça à sua custa, ficando a seu cargo todas as despesas de conservação da parte alteada.”
No nº 2, por sua vez, prescreve-se que “se a parede ou muro não estiver em estado de aguentar o alçamento, o consorte que pretender levantá-lo tem de reconstruí-lo por inteiro à sua custa e, se quiser aumentar-lhe a espessura, é o espaço para isso necessário tomado do seu lado.”
Frente a estas disposições e confrontando-as com os factos aqui provados, constata-se que a sua disciplina não é directamente aplicável a tais factos, estes não se subsumem, sem mais e inequivocamente, na respectiva previsão.
Com efeito, e tal como desse complexo fáctico dimana, não foi em vista do alteamento da parede comum que o Requerido levou a efeito o derrube dessa parede, levando os Requerentes a protagonizar o embargo cuja confirmação judicial ora se reclama.
Na realidade, e consoante deixámos dito, esse alçamento fora concretizado em tempos pretéritos, justamente pelos antecessores do Requerido na titularidade do prédio hoje sua pertença.
Mas então, porquê esse derrube da parede?

5.3. A resposta decorre, uma vez mais, do teor dos factos provados, notadamente dos Factos nºs 24º a 30º. Em síntese:
- tanto a parte inicial da parede como a parte alteada achavam-se em adiantado estado de degradação, sendo que fazendo todo esse complexo parte integrante da casa de morada do Requerido, em virtude desse deteriorado estado a mesma não apresentava condições mínimas de habitabilidade e segurança;
- a realização de obras, ainda que só no segmento alteado, faria abalar a já precária estrutura da parede;
- para dotar a parte da casa integrada por esse segmento de condições mínimas de habitabilidade e de conforto era necessário e urgente realizar no interior da construção um conjunto de obras;
- ao pretender realizar tais obras o Requerido deparou-se com a falta de robustez e estabilidade das paredes exteriores incompatível com uma qualquer intervenção física no seu interior.
- tornou-se necessário a demolição daquelas paredes para reconstrução, em virtude de não oferecerem condições mínimas de segurança, nem suporte as lages previstas no respectivo projecto de construção aprovado pela Câmara Municipal do Fundão.

5.4. Atentando neste acervo de factológico, concluímos que foi, pois, para assegurar não só a habitabilidade mas também a segurança da sua casa, e portanto outrossim da parede dos autos, que o Requerido se viu conduzido à necessidade de demolir essa mesma parede, que, de seguida, e a respectivas e únicas expensas, reconstruiu.
Ora, e volvendo à previsão dos acima reproduzidos nºs 1 e 2 do art.º 1374º, da respectiva análise deflui, sem margem para dúvida, que pretendendo altear parede comum, qualquer consorte, se a parede não estiver em estado de aguentar o alçamento, poderá demoli-la por inteiro e levantá-la de novo à sua custa, tudo sem necessidade de prévio assentimento do outro condómino.
Mas se assim é, não se justificará, por identidade de razão, que igual solução se consagre, quando –como no caso vertente-, a demolição da parede resulta, não propriamento do alçamento, mas da instante e impositiva necessidade de garantir a segurança –e logo continuidade, e “por cause” existência - desse alçamento?

5.5. A resposta –de pendor afirmativo-, temo-la, ressalvando sempre melhor opinativo, por relevante das maiores evidência e justeza, sendo certo que, como já afirmava Cunha Gonçalves –in Tratado de Dir. Civil, Vol. XII, pág. 72-, “onde há a mesma razão [da lei], aplica-se a mesma disposição.”
Destarte, porém, havendo que considerar a ora contestada actuação do Requerido como coberta na sua legitimidade pela normação emergente dos apontados nº 1 e 2 do art.º 1374º, aplicável “in casu” por força do disposto no art.º 10º do CC, inviável se torna pois, e como antecipámos, concluir pela ilícita violação do direito dos Requerentes e ora Recorrentes, em decorrência de tal actuação.
No tocante ao embargo directamente realizado pelos Requerentes falecia-lhe, pois, um dos requisitos demandados pelo nº 1 do art.º 412º, pelo que não se evidenciando tal iniciativa ”ab initio” fundada, também agora não poderá deixar de ver a sua judicial confirmação desatendida.
O douto recurso ora apreciado queda-se, por conseguinte, improcedente, e com ele a providência cautelar a que nos vimos atendo.


IV – DECISÃO
Atento tudo o expendido, e sem mais considerações, negando provimento ao ora apreciado recurso de agravo, indefere-se a pretensão cautelar deduzida pelos Requerentes, não ratificando o embargo extrajudicial por eles efectuado em relação a obra do Requerido.
Custas em ambas as instâncias pelos Requerentes/Recorrentes.

Coimbra,