Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | ALEXANDRE REIS | ||
| Descritores: | EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA ACTO ADMINISTRATIVO TRIBUNAL COMPETENTE | ||
| Data do Acordão: | 01/23/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | COMARCA DE COIMBRA - 4º JUÍZO CÍVEL | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 54º Nº1 DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES E 4ª DO ETAF | ||
| Sumário: | I. Na fase de expropriação litigiosa, calcula-se e fixa-se a justa indemnização, não sendo afectado o acto administrativo da expropriação. II. Embora o art.54º nº1 do CE faculte ao expropriado a arguição de qualquer irregularidade cometida no procedimento administrativo, ao invocar a ilegalidade do próprio acto constitutivo da expropriação, ataca-se o conteúdo da relação jurídico-administrativa, questão essa que exorbita a competência dos tribunais comuns, sendo da competência dos tribunais administrativos. III. Os tribunais administrativos são competentes, em razão da matéria, para conhecer da anulabilidade e ilegalidade do acto administrativo, definitivo e executório, da expropriação e sua declaração de utilidade pública, com que ficou definida a situação jurídica das parcelas expropriadas, assim como das irregularidades do procedimento administrativo a esse acto conducente. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: Nestes autos de expropriação litigiosa pendentes no Tribunal Cível da Comarca de Coimbra, em que é Expropriante a sociedade A... e Expropriado, entre outros, B..., requereu este, invocando os termos do artigo 42º do Código das Expropriações, a avocação dos autos e que fossem promovidas por e perante o Sr. Juiz daquele Tribunal a constituição e o funcionamento da arbitragem quanto à expropriação dos bens imóveis – e dos direitos a eles inerentes, nomeadamente o dele próprio – necessários à execução da construção do sistema de metro ligeiro de superfície nos Municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã, cuja utilidade pública, com carácter de urgência, foi declarada pelo despacho nº 6583/2005 (2ª. Série), de 28/2/2005, do Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações, publicado no Diário da República - II Série, de 30/3/2005. O requerente veio, por esta via, pugnar pelo reconhecimento da anulabilidade e ilegalidade do dito despacho que declarou a utilidade pública da expropriação (DUP), dizendo que dentre as parcelas nela identificadas consta a nº 27, correspondente ao prédio urbano sito na rua da Sofia, freguesia de Santa Cruz, cidade de Coimbra, que, ao nível do rés-do-chão, integra os números de polícia 1 a 11 e de cujo nº 5 - 2º andar o requerente é arrendatário, nele tendo instalado o seu escritório profissional (Advogado). Para tanto, invocou que tais vícios seriam resultantes de irregularidades por ele reclamadas e assim sintetizadas: a)- O referido acto expropriativo (despacho de declaração da DUP) foi tomado por Governo que se encontrava limitado à prática de actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos, enquanto governo de gestão, porque já fora demitido por Decreto do Presidente da República de 13/12/2004 (cfr. art. 186º da CRP), estando, como tal, constitucionalmente interdita a prática desse acto, sem que tivesse sido apresentada qualquer fundamentação para o mesmo ser cometido nessas condições. Por outro lado, o despacho declarativo da utilidade pública da expropriação só em 23 de Março de 2006 foi notificado ao requerente. b)- Foram, ainda, cometidas no procedimento administrativo conducente àquele acto as seguintes irregularidades, de que o requerente já reclamou: b).1- A entidade expropriante não comunicou ao requerente qualquer fundamentação da resolução de requerer a declaração de utilidade pública da expropriação, inviabilizando o prosseguimento do processo conducente à declaração de utilidade pública, e apresentou uma proposta de aquisição sem referência ao valor constante do relatório do perito. b).2- Apesar de tais deficiências, reclamadas e não supridas, a notificação da entidade expropriante indicava o prazo de 20 dias para responder à proposta, com o termo em 21/3/2005, a partir do qual poderia aquela entidade ter apresentado o requerimento para a declaração de utilidade pública, sendo anterior o despacho que declarou essa utilidade, ou seja, de uma data (28/2/2005) em que o requerente ainda estava em prazo e não havia respondido. b).3- A expropriante não fez instruir o seu requerimento para declaração de utilidade pública com todos os elementos relativos à fase de tentativa de aquisição negociada, até porque não tinha em seu poder, nessa altura, a resposta da requerente tempestivamente apresentada, nem da programação dos trabalhos, exigível no caso de urgência, nem a fundamentação desta, o que torna anulável o despacho que declara essa mesma utilidade pública. b).4- Não estão devidamente fundamentados a declaração de utilidade pública, o carácter de urgência da expropriação ou a autorização de posse administrativa. O Mmo Juiz, apreciando a reclamação de irregularidades apresentada pelo interessado, indeferiu o respectivo requerimento, com uma argumentação que se pode resumir pelo seguinte modo: Embora o art. 54º, nº 1 do CE faculte ao expropriado a arguição de qualquer irregularidade cometida no procedimento administrativo, a reclamação ora em apreço visa atacar o próprio acto constitutivo da expropriação e, por isso, o conteúdo da relação jurídico-administrativa, pelo que, a natureza das questões suscitadas extravasa o âmbito desse preceito e exorbita a competência dos tribunais comuns, deferida aos tribunais administrativos. Inconformado com tal decisão, agravou o requerente/expropriado, delimitando o objecto do recurso com conclusões ( V. arts 684º, nº 3 e 690º, nº1 do CPC.) que colocam a questão de saber se todas as irregularidades por ele invocadas, sendo referentes à tramitação do procedimento administrativo de expropriação, cabem no âmbito do artigo 54º, nº 1 do CE e na competência material dos tribunais comuns. * Cumpre decidir, para o que importa apreciar a questão enunciada, sendo os factos pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os que emergem do relatório precedente.** O julgado em 1ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, merece inteira confirmação, nos termos do art. 713º nº 5 do CPC, sendo certo que o douto recurso nada acrescenta que ponha em crise aqueles fundamentos. Aditaremos apenas umas breves notas. Está apenas em causa apurar qual das duas ordens de tribunais – a dos tribunais judiciais ou a dos tribunais administrativos – é a competente, em razão da matéria, para julgar, a pretensão aduzida pelo agravante ao reconhecimento da anulabilidade e ilegalidade do dito despacho que declarou a utilidade pública da expropriação da parcela em causa, assim como das irregularidades do procedimento administrativo a esse despacho conducente. E, como se sabe, a competência do tribunal afere-se pela pretensão do autor/requerente, compreendidos os respectivos fundamentos ( cf. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, p. 91.). Atende-se, pois, ao pedido deduzido, ilustrado pela causa de pedir tal como o autor a configura, isto é, ao pedido identificado pelos seus fundamentos. Prévia e muito sumariamente, convém ter na devida conta que o alcance da expropriação por utilidade pública se resume à extinção dum direito real e a correspectiva constituição de um direito a favor da pessoa a cujo cargo estiver o fim de utilidade pública visado pela expropriação ou, consoante expende Marcello Caetano ( “Manual de Direito Administrativo”, II, 9ª edição p. 1020.): “a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens em um fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para a pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória”. É o acto de declaração de utilidade pública que constitui a relação jurídica expropriativa ( Cfr. Marcelo Caetano “Estudos de Direito Administrativo” pág. 177 a 182, Marques Guedes, “Natureza Jurídica do Acto de Declaração de Utilidade Pública ou Equivalente” in “R.F.D.U. Lisboa”, ano VI, 343 e 344, Oliveira Ascensão, “Estudos sobre Expropriações e Nacionalizações”, pág. 37, Alves Correia, “As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública” pág. 113)). Tão somente. Desse modo, a relação jurídica de expropriação por utilidade pública brota do acto de declaração de expropriação e sua publicação. Com base nele, e não havendo expropriação amigável, a entidade expropriante organiza um processo de expropriação litigiosa, iniciado com a fase da arbitragem, finda a qual o processo é remetido a tribunal, para aí ser adjudicada a propriedade ao expropriante, ter lugar eventual fase de recurso da decisão arbitral e dar-se pagamento aos interessados. Por conseguinte, tal como esclareceu o Mmo Juiz, é verdade que o acto de declaração de utilidade pública, sendo um acto administrativo, apenas está sujeito a recurso contencioso de anulação, a instaurar num tribunal administrativo. O acto administrativo da expropriação e sua declaração de utilidade pública é um acto expresso, definitivo e executório, baseando-se em fundamentos de interesse público. Com ele fica definida a situação jurídica do bem e a circunstância de a sua eficácia ficar ainda dependente da sentença judicial que adjudica a propriedade à entidade expropriante não afecta a sua definitividade que tem a ver, efectivamente, com o conteúdo do acto, e não com a sua eficácia. Segundo a Constituição, os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas as outras ordens judiciais (nº 1 do art. 211º) e compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais (nº 3 do art. 212º, secundado pelo art. 1º do ETAF de 2002 ( Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei 13/2002, de 19/2, alterada pela Lei 4-A/2003, de 19/2.)). A regra geral é, pois, a subsidiariedade da jurisdição comum, confirmada pela delimitação negativa dos artigos 18º, nº 1, da Lei n.º 3/99, de 13/1 (LOFTJ) e 66º do CPC. A competência em razão da matéria releva da eficiência da organização judiciária, de interesse público fundamental, porque, fixando-se em função da natureza da matéria a conhecer, visa a escolha do tribunal mais vocacionado para a julgar e decidir. Ora, como é forçoso verificar, a questão colocada nos autos pelo requerente, não obstante ser ele uma pessoa singular, é uma questão de direito público. Manifestamente, no caso em apreço, o que o mesmo pretende pôr em causa é o próprio acto administrativo levado a cabo pela pessoa jurídica a cujo cargo estava o fim de utilidade pública tido em vista, no exercício de um poder público ( Portanto provido do poder de supremacia que em princípio lhe advém da sua qualidade de Ente Público Administrativo (cf. Marcelo Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, I, 10ª ed, Almedina, pág 430).) e não em pé de igualdade com os particulares, designadamente o ora agravante. Por outro lado, essa conduta enquadra-se numa actividade regulada por normas, princípios e critérios de direito público (administrativo) e não por normas comuns de direito privado (civil). Ora, na relação jurídica que o recorrente tem em mira, detectam-se todos os elementos que a permitem qualificar como administrativa, regulada pelo direito público administrativo, não apenas os de uma mera relação regulada pelo direito privado ( Como também ensinava Marcelo Caetano (ob. cit. pág. 1222), dado que o direito público, que disciplina a actividade da Administração, é quase composto por leis administrativas, pode dizer-se que reveste a natureza de gestão pública toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para o prosseguimento do interesse público, discipline o seu exercício ou organize os meios necessários para esse efeito. E Freitas do Amaral sustenta que a relação jurídica de direito administrativo “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a Administração” (“Direito Administrativo”, III, 1989, págs. 439 s).). Com efeito, contra o que o mesmo entende, a pretensão formulada no seu requerimento inicial é claramente subsumível ao artigo 4º do novo ETAF ( Preceitua a citada norma que “compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto: a) Tutela de direitos fundamentais, bem como dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares directamente fundados em normas de direito administrativo ou fiscal ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal; b) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos emanados por pessoas colectivas de direito público ao abrigo de disposições de direito administrativo ou fiscal, bem como a verificação da invalidade de quaisquer contratos que directamente resulte da invalidade do acto administrativo no qual se fundou a respectiva celebração; c) Fiscalização da legalidade de actos materialmente administrativos, praticados por quaisquer órgãos do Estado ou das Regiões Autónomas, ainda que não pertençam à Administração Pública; d) Fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos; (…) j) Relações jurídicas entre pessoas colectivas de direito público ou entre órgãos públicos, no âmbito dos interesses que lhes cumpre prosseguir; (…)” ). Serve tudo o já exposto para concluir que o agravante não pode pretender que a decisão judicial do pagamento da justa indemnização, para a qual o processo de expropriação litigiosa é vocacionado, esteja também dependente da prévia decisão pelo tribunal comum do recurso contencioso de anulação do acto administrativo, o que nada tem a ver com a competência do tribunal em relação a questões incidentais ( Art. 96º do CPC.) nem mesmo com a possibilidade de o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie ( Art. 97º do CPC.). As invocadas anulabilidade e ilegalidade do acto administrativo de expropriação, alegadamente resultantes das irregularidades reclamadas pelo expropriado, não constituem uma mera questão prejudicial relativamente à fixação do quantum indemnizatório. Como facilmente se compreende, não está apenas em causa a subsequente determinação física e jurídica do prédio e do direito do recorrente em relação ao mesmo, tendo em vista o cálculo da justa indemnização, questão esta, sim, fora da competência dos tribunais administrativos e que só reflexamente se pode deixar enredar com outras (meramente) incidentais que tenham a ver com o acto (e sua publicação) que fez nascer a relação jurídica de expropriação por utilidade pública. Quando, na fase da expropriação litigiosa, se calcula e se fixa a justa indemnização, em nada é afectado – porque não está nem pode já estar em crise – o acto administrativo, definitivo e executório, da expropriação e sua declaração de utilidade pública com que ficou definida a situação jurídica das parcelas expropriadas. Pelo exposto, negando provimento ao agravo, decide-se confirmar a decisão recorrida. Custas pelo agravante. |