Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2917/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO F. MARTINS
Descritores: CEDÊNCIA OCASIONAL DE TRABALHADOR
Data do Acordão: 01/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 26º A 30º DO D.L. Nº 358/89, DE 17/10 .
Sumário: I – Estabelece o artº 26º, nº 1, do D.L. nº 358/89, de 17/10, o princípio geral de que é proibida a cedência de trabalhadores do quadro de pessoal próprio de uma empresa para utilização de terceiros que sobre esses trabalhadores exerçam os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora .
II - Analisados os artºs 26º a 30º do D.L. nº 358/89, de 17/10, verificamos que apenas no artº 27º se exige, para que possa verificar-se uma cedência ocasional lícita de trabalhador, que este esteja vinculado por contrato de trabalho sem termo.

III – Porém, em caso de cedência ocasional ilícita de trabalhador, não é apenas o trabalhador vinculado por contrato de trabalho sem termo que pode optar pela sua integração na empresa cessionária, até por tal entendimento ser inconstitucional por violar o princípio da igualdade, além de que seria uma forma de frustar o princípio geral da proibição da cedência de trabalhadores e do desfavor com que o legislador laboral encara o trabalho temporário .

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juizes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:
I- RELATÓRIO
1. A... instaurou contra B... a presente acção declarativa sob a forma de processo comum (Proc. nº 525/03.6TTCBR do 2º Juízo do Tribunal de Trabalho de Coimbra) pedindo a condenação da R. a integrá-lo no seu efectivo de pessoal e a pagar-lhe os salários vencidos e que se vencerem, até à efectiva integração, com correcção de diferença salarial, acrescidos de juros.
Estriba a sua pretensão alegando que fez uso da faculdade conferida pelo art. 30º do DL 358/89 de 17.10 (Diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação.) , dado que a entidade patronal com a qual tinha relação contratual, C..., procedeu à sua cedência ocasional à R., de forma ilícita, pois não tinha a sua concordância. Fundamenta o pedido quanto à diferença salarial entre aquilo que era a sua remuneração mensal que lhe era paga por C... e aquilo que a convenção colectiva aplicável ao sector estabelece para a sua categoria.
Contestou a R., pugnando pela procedência das excepções e sua absolvição do pedido.
Começou por suscitar a ineptidão da p.i. e continuou alegando, em resumo, que o A nunca trabalhou sob a autoridade, direcção e fiscalização da R. e que se limitou a celebrar com a C... contratos de fornecimento de serviços, existindo na R. um encarregado geral da “”, que detinha o poder de direcção e autoridade sobre os seus trabalhadores, que aí exerciam funções, entre os quais o A. Conclui que o comportamento do A configura abuso de direito, por não passar de um subterfúgio de que lançou mão para evitar ficar sem emprego, já que usou da faculdade que invoca no decorrer de um processo disciplinar que C... lhe moveu.
O A respondeu à contestação, ampliando o pedido, no sentido de a R. ser condenada a reconhecer o A como seu trabalhador, o que fez por mera cautela para obviar à alegada ineptidão da p.i. Mais invoca que não se verifica nenhuma situação de abuso de direito e que apenas lançou mão do direito que lhe assiste, tendo o processo disciplinar terminado por inutilidade superveniente.
Pelo despacho de fls. 145 foi determinada a intervenção provocada de C..., a qual contestou pugnando pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido. Nesta peça processual começa por suscitar que não tem razão de ser a sua intervenção na presente acção e, depois, alega, em síntese, que o A sempre trabalhou nas instalações da R. sob as suas ordens, direcção e fiscalização.
Mais uma vez o A, em resposta a este articulado, reitera a sua posição vertida na petição inicial, nomeadamente que foi funcionário da interveniente até ter exercido o direito de opção.
Foi saneado o processo, considerando-se sanado o “eventual” vício de ineptidão da p.i. e procedeu-se à fixação da factualidade assente e à elaboração da base instrutória, com reclamação por parte da R., parcialmente deferida.
Procedeu-se à realização do julgamento, tendo a matéria de facto sido decidida pelo despacho de fls. 428 v a 434 vº.
2. Prosseguindo o processo os seus regulares termos veio a final a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. e a chamada dos pedidos formulados pelo A.
3. É desta decisão que, inconformado, o A. vem apelar.
Alegando, conclui:
(…)

5. Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Exmº Procurador-geral Adjunto no sentido de ser confirmado o julgado.
O A e a R. responderam a este parecer. Aquele concluindo que deve ser alterada a decisão recorrida e este concordando com o teor do parecer.
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Da factualidade assente, do acordo a que as partes chegaram sobre a matéria de facto da base instrutória (v. fls. 263/266) e do despacho de fls. 429 vº a 434 vº, que decidiu a matéria de facto, e do qual não houve reclamações, é a seguinte a matéria de facto provada:
1) O A. celebrou no dia 16 de Julho de 2001, um contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de 12 meses, com a chamada “C...”, com sede em Alcaidaria – Reguengo do Fetal – 2440 – Reguengo do Fetal, com a categoria profissional de manobrador de máquinas;
2) Com o vencimento base mensal de 423,98 €;
3) Tal contrato foi objecto de uma renovação;
4) Tendo o A. prestado o seu trabalho desde o início do contrato nas instalações da R. “B...”;
5) Através de carta registada com aviso recepção datada de 27 de Fevereiro de 2003, o A. comunicou à R. “B...” o seguinte: 1 – (...) desde Julho de 2001 que, pese embora detenha um contrato de trabalho com a firma “C....”, o facto é que, desde aquela data que me encontro a trabalhar para V/Exas. sob a autoridade, direcção e fiscalização de V/Exa.; 2- Tal facto, prefigura o recurso ilícito, por parte da firma “C...” à cedência ocasional de trabalhadores (...); 3 – Pelo que, lançando mão da faculdade que me confere o art. 30.º do Dec. Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, venho optar pela integração no efectivo do pessoal da empresa cessionária, neste caso, a B..., no regime de contrato de trabalho sem termo (...) – cf.. doc. de fls. 21 e 22, cujo teor e conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
6) Na mesma data, através de carta registada com aviso de recepção comunicou à chamada “C...”, o teor da correspondência enviada para a “B....”, dando-lhe conta que pretendia exercer a faculdade que a lei confere nos termos do art. 30.º do D.L n.º 358/89, de 17 de Outubro – cf.. doc. de fls. 23.º e 24.º, cujo teor e conteúdo aqui se tem por integralmente reproduzida;
7) Através de carta datada de 17/03/2003, a R. “B...” informou o A. do seguinte: que, após ter contactado o seu prestador de serviços “C....” foi por este informado que o senhor A... Gabirro pertence ao seu quadro de pessoal, prestando ao seu serviço trabalho nas nossas instalações fabris de Souselas, repudiando na íntegra, a sua afirmação segundo a qual tem trabalhado sob a autoridade, direcção e fiscalização da B... (...) – cf.. doc. de fls. 25, cujo teor se tem por integralmente reproduzido;
8) Através de comunicação datada de 21/02/2003, foi comunicado ao A. que a empresa “C...” lhe havia instaurado um processo disciplinar com vista ao seu despedimento por justa causa, estando suspenso preventivamente do exercício das suas funções – cf.. doc. de fls. 50, cujo teor e conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido – tendo sido remetida simultaneamente cópia da nota de culpa – vide, doc. de fls. 51 a 58, cujo teor e conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
9) No dia 30 de Janeiro de 2001, entre a “B...” e a “C...”, foi celebrado um contrato de prestação de serviços, nos termos do qual a segunda se obrigou a fornecer à primeira serviços de carga e transporte de matérias primas, na actividade de exploração da Pedreira do Alhastro, propriedade da primeira, em Souselas, Coimbra; Mais se consignou que, para o fornecimento dos serviços mencionados no número anterior, a primeira contratante colocará à disposição da Segunda contratante: - uma escavadora Hitaxhi Ex 1000; pás carregadoras de rodas CAT 990; - viaturas de transporte; - Autotanques para rega dos acessos à pedreira; -Bulldozer (...); tal contrato tem a duração de 24 meses, com início em 01 de Janeiro de 2001, renovando-se por períodos sucessivos de um ano, salvo se qualquer das partes contratantes o denunciar por escrito com a antecedência de pelo menos sessenta dias, relativamente ao prazo que estiver em curso – cf.. doc. de fls. 59 a 63, cujo teor e conteúdo aqui se tem por integralmente reproduzido;
10) Através do contrato datado de 11 de Maio de 2001, a “C...” comprometeu-se a fornecer à “B...” serviços de movimentação de matérias primas e combustíveis sólidos nas instalações da “B...”, em Souselas – Coimbra, 24 horas por dia do calendário; colocando a “B...” para o fornecimento de tais serviços à disposição da “C...” pás carregadoras de rodas (...); tendo tal contrato a duração de 7 meses, com início em 01 de Junho de 2001, renovando-se por períodos sucessivos de um ano, salvo se qualquer das partes contratantes o denunciar por escrito com a antecedência de pelo menos sessenta dias – cf.. doc. de fls. 65 a 67, cujo teor e conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido;
11) O processo disciplinar instaurado ao A. e, mencionado em I), terminou com uma extinção por inutilidade superveniente da lide, datada de 16 de Abril de 2003, face à opção feita pelo A. em integrar o efectivo do pessoal da B... – cf.. doc. de fls. 127.º a 130.º, cujo teor e conteúdo aqui se tem por integralmente reproduzido;
12) As funções do A. passavam essencialmente pelo acondicionamento de stock na Pré – Omo 1, a fim de o armazenar para a laboração nocturna e diurna;
13) No turno da manhã, as cargas do filer já depositadas na Pré-Omo eram pelo A. e restantes manobradores acondicionadas naquela de forma a permitir o acondicionamento da matéria-prima;
14) Desde o início da contratação referida em A), o A. desenvolveu a sua actividade de manobrador de máquinas em regime de 3 (três) turnos rotativos, sendo o 1.º turno das 23h30 às 08h00; o 2.º turno das 08h00 às 15h30 e, o 3.º turno das 15h30 às 23h30, nas instalações da “B...”, em Souselas;
15) Os três turnos rotativos efectuados pelo A. tinham o mesmo horário (entrada e saída) que o turno “A” da escala de laboração contínua efectuada pela “B...”;
16) Desempenhando tais funções, no sector do fabrico e embalagem do Centro de Produção de Souselas, S.A;
17) O A. possuía um rádio intercomunicador fornecido pela “B...” através do qual lhe eram transmitidas quando necessário, orientações e indicações sobre os níveis das tremonhas e, necessidade de abastecimento das matérias primas, quanto à reposição de materiais em falta (principalmente filer e, esporadicamente, calcário pobre, calcário rico, clinquer, gesso, etc.); informando-se ainda ao operador da máquina que iam arrancar ou avançar com um ou outro circuito, nomeadamente, com os extractores de filer ou de calcário -, sendo tais transmissões efectuadas pelo comando centralizado da “B...”, no centro de produção de Souselas, o qual controla à distância todo o sector produtivo de fabrico (v.g.: verificando os níveis e painéis das tremonhas através do sistema de supervisão informatizado);
18) No final do turno o A. efectuava um “Registo Diário” que, entregava directamente ao chefe de turno “A” da “B...” (Carlos Oliveira; Júlio Retroz e, em substituição, Jorge Antunes) ou, depositava no cesto de expediente existente no gabinete desse chefe de turno;
19) Relatório (registo diário) esse que, continha a identificação do turno, o registo do tempo da máquina manobrada pelo A., o número de horas trabalhadas, o tipo de calcário transportado e, em observação, os incidentes ocorridos durante o turno da máquina e, era preenchido pelo A.;
20) Caso o Rádio entregue ao A. não tivesse bateria ou apresentasse outra anomalia, este deslocava-se à cabine dos vigilantes da R. para substituição daquela ou resolução da avaria;
21) Por ordens da R., a bomba para abastecimento de combustível das máquinas que lá manobrava e outras era feita das 8h às 9h;
22) Entre as 8h e as 9h o A. tinha de abastecer a máquina que manobrava nas bombas pertença da R. e, apontava os litros na folha de serviços e assinava as folhas que se encontrava nas bombas;
23) Aos fins de semana o controlo do combustível era feito pelo “Securitas” com a autorização do Comando Centralizado da R.;
24) Os vigilantes (oficiais de fabricação), excepcionalmente, solicitavam quer ao comando centralizado quer directamente ao operador da máquina que este procedesse à remoção de outros materiais, bens ou equipamentos;
25) O A. informava o comando centralizado da R. que levava a máquina à oficina;
26) Em certos turnos e, em certos dias não existia mais ninguém da C... na fábrica, nomeadamente, no turno das 23h30 às 8h e, nos sábados e domingos;
27) Na nota de culpa referida em I), imputava-se ao A. a destruição com a máquina que operava de um pilar de uma estrutura de betão das instalações da R., em Souselas, causando prejuízos a “B...” em valor não concretamente apurado;
28) Valor esse que a “C...” pagou à firma “B...”;
29) As pás carregadoras designadas por L 160 e L 150 são máquinas muito específicas e próprias para serem usadas no armazém de material da R., denominado por Pré-Homo I;
30) Daí que a “B...” as tenha colocado à disposição da “C...” no âmbito dos contratos de prestação de serviços celebrados;
31) A B... não coordenava as suas actividades, nem geria as suas ausências, ou seja, férias, acções de formação, baixas, etc.;
32) Não os avaliava nem detinha poder disciplinar sobre eles;
33) Não paga qualquer retribuição, nem a segurança social relativamente aos mesmos, o mesmo se verificando quanto ao pagamento das respectivas apólices de acidente de trabalho;
34) Alguns operadores de máquinas desempenham tarefas, rotativamente, quer nas instalações da B..., quer na pedreira do Alhastro;
35) No que respeita à primeira o trabalho efectuado por esses operadores consiste em arrumar com a pá o material (filer calcário) no citado armazém Pré-Homo I, empurrando-o para os extractores;
36) Em empurrar com a pá, um material designado por clinquer, também para os extractores e, em recolher areia de um monte e colocá-la na tremonha;
37) Em recolher eventualmente clinquer de um monte para o colocar na tremonha do stock 4;
38) Ao passo que na pedreira a tarefa essencial a desempenhar pelos operadores é a de colocar o material em cima dos camiões e levá-lo até à boca do britador;
39) Nesta área existem dois britadores e dois edifícios com duas salas de comando;
40) Na pedreira a “C...” possui uma área de escritório, onde se encontrava o seu encarregado geral;
41) As folhas de registo diário destinam-se ao registo do gasóleo consumido, as horas de trabalho das máquinas e o material movimentado;
42) Tais folhas são entregues ao chefe de turno da B... para que este, por sua vez, as faça chegar aos responsáveis pelo controlo estatístico e de manutenção das máquinas;
43) O operador da máquina se verificasse que os meios disponibilizados pela “B...” para a realização dos trabalhos, não estavam em condições de funcionamento, tinha de informar os responsáveis da “B...” para que esta providenciasse a obtenção de meios alternativos;
44) Por ser imprescindível que, o abastecimento de matérias primas seja feito de forma contínua;
45) Não obstante o referido em 34), o A. nunca desempenhou tarefas na pedreira;
46) O A., bem como os outros operadores, tinham de abastecer a máquina no posto de gasóleo da fábrica;
47) Nos dias úteis a R. tem um funcionário destacado nesse posto encarregue de efectuar o abastecimento de todas as máquinas, tendo o operador destas que assinar um documento justificativo dos litros de gasóleo abastecidos à máquina;
48) No entanto, aos sábados e domingos aquele funcionário não está no posto, pelo que, o operador da máquina tem que informar o comando centralizado de aquela necessita de abastecimento de combustível;
49) Solicita ao funcionário de segurança ao serviço da R. que efectue a abertura da bomba para esse fim;
50) Os oficiais de fabricação (vigilantes) têm ao seu dispor a máquina de reserva para efectuar pequenos trabalhos com carácter esporádico ou excepcional;
51) Durante as interrupções, designadamente, para as refeições, o comando centralizado tinha que ser informado de que os abastecimentos de matérias primas iriam ser interrompidos, apenas com vista a garantir o funcionamento do processo de fabrico;
52) O A. efectuava os abastecimentos de matérias primas para o processo de fabrico, existindo no sector da pedreira um encarregado da “C...” (escritório) – António Júlio Rego – o qual também passava pelo sector de fabrico;
53) Quer o A., quer os outros funcionários da C... não podiam almoçar no refeitório da “B...”;
54) Não picavam o ponto como fazem todos os funcionários da “B...”;
55) Não podiam entrar com as suas próprias viaturas para dentro das instalações da R., como o fazem os funcionários da R.;
56) Não têm assistência médica no posto médico da R., com excepção de alguma emergência resultante de acidente;
57) Quer o A. quer os outros funcionários da “C...” não podiam utilizar as instalações sociais da R., designadamente dos refeitórios e balneários, possuindo balneários próprios no edifício britador 2;
58) Estes não podiam usufruir em proveito próprio das vantagens e serviços prestados pelos serviços administrativos da “B...”;
59) Era a C... quem geria as faltas e férias do A., bem como quem lhe pagava a retribuição.
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2. De direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, como decorre do estatuído nos artºs 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil (Adiante designado abreviadamente de CPC.).
Decorre do exposto que as questões que importa dilucidar e resolver são basicamente três e podem equacionar-se da seguinte forma:
a) verificou-se erro na apreciação da prova, ao não ter-se dado como provada determinada matéria, em relação à qual o A considera existir prova ?
b) ocorre o vício de nulidade da sentença, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão ?
c) fez-se errada interpretação do direito ao não se ter concluído que os factos são de qualificar como cedência ocasional do A, ilícita, por parte da chamada (C...) à R. (B...) ?
Vejamos pois.
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a) Erro na apreciação da prova

(…)

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b) Nulidade da sentença
Nas conclusões 5ª e 6ª das alegações do recorrente invoca-se a nulidade da sentença, por os fundamentos da sentença estarem em oposição com a decisão.
Porém, em bom rigor, não deverá conhecer-se desta nulidade já que o recorrente apenas suscitou a mesma nas alegações de recurso e não de forma “expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”, como lhe impunha o art. 77º do Código de Processo de Trabalho. É uniforme sobre esta problemática e neste sentido, cremos, a jurisprudência dos tribunais superiores, máxime do Supremo Tribunal de Justiça (Cf., entre outros, os Ac. de 08.02.2001 e 21.02.2001, in A.D. 480º, pág. 1664 e C.J.-Ac. do STJ, Ano IX, tomo I, pág. 297, respectivamente.) .
Sempre se dirá, no entanto, que lidas e analisadas as alegações do recorrente, não se vê concretizada a invocada oposição, ou seja, não se explicita quais são os fundamentos usados na sentença que estão em oposição com a decisão. Dito de outra forma, não se indicam quais são os fundamentos que foram tidos em consideração pelo tribunal, para chegar à conclusão a que chegou, e que imporiam, por um processo lógico-dedutivo, chegar necessariamente a conclusão diversa.
Como magistralmente ensinava o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil anotado, Vol. V, Reimpressão de 1981, pág. 141.) ocorre esta contradição “Quando os fundamentos estão em oposição com a decisão” e assim “a sentença enferma de vicio lógico que a compromete”, ou seja, “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”.
Aliás, talvez por essa dificuldade de concretização, ou porventura de qualificação, é que o A nas alegações de recurso – v. fls. 477 – acaba por ser dubitativo: “Padecendo a sentença de nulidade, porquanto os fundamentos da sentença estão em oposição com a decisão, ou in minime, erro de julgamento”. (o itálico é nosso e serve para sublinhar a dúvida).
Nesta medida, não vindo concretizada a invocada oposição, nem seria possível ao tribunal dilucidá-la para concluir se é fundada ou não.
Dir-se-á, porém, que tendo este tribunal procedido à análise dos fundamentos da sentença em crise e considerando o teor da decisão proferida, não vemos que ocorra a alegada contradição. Antes, como se salientará no item seguinte, os fundamentos que o tribunal “a quo” tomou em consideração levam, num processo lógico dedutivo adequado, à conclusão extraída naquela peça processual.
Conclui-se, desta forma, que não é de conhecer da nulidade da sentença, por não ter sido suscitada da forma adequada, mas sempre seria de concluir que não merecem acolhimento as conclusões 5ª e 6ª das alegações de recurso do recorrente.
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c) Cedência ocasional do A, ilícita
A questão a dilucidar, neste item, consiste em saber se teria sido feita errada interpretação do direito, ao não se ter concluído que os factos são de qualificar como cedência ocasional do A, ilícita, por parte da chamada (C...) à R. (B...)
A enquadrar neste âmbito é de apreciar a questão prévia suscitada pela R., nas suas contra-alegações, que qualifica como excepção peremptória, de o recorrente não poder exercer o direito de opção que invoca pelo facto de o contrato de trabalho que tinha celebrado com a chamada ser um contrato de trabalho a termo certo.
Afigura-se-nos, no entanto, ressalvando melhor opinião em contrário, que não assiste razão à R. nesta questão prévia.
Na verdade, analisados os artºs 26º a 30º do diploma em apreço, em lado algum vemos que seja feita a referida exigência. Apenas se exige no art. 27º, para que se possa verificar uma cedência lícita, que o trabalhador esteja vinculado por contrato de trabalho sem termo. Mas não é de cedência lícita que estamos a tratar. Antes de eventual cedência ilícita e dos direitos conferidos ao trabalhador assim cedido ilicitamente.
Ora, não seria aceitável a referida interpretação de apenas o trabalhador vinculado por contrato de trabalho sem termo poder optar pela sua integração na empresa cessionária, até porque claramente inconstitucional por violadora do princípio da igualdade. Acresce que tal interpretação seria uma forma de frustrar o princípio geral da proibição da cedência de trabalhadores e do desfavor com que o legislador laboral encara o trabalho temporário. Com efeito, para obviar ao exercício do direito conferido pelo art. 30º citado e assim frustrar os fins do legislador bastava apenas que a cedência respeitasse a trabalhadores vinculados por contrato de trabalho com termo certo. E desta forma a cedência poderia ser ilícita.
Analisada também a jurisprudência e a doutrina que a R. recorrida invoca em seu favor, não cremos que, na realidade, a mesma seja efectivamente abonatória de tal tese.
Com efeito, o Ac. da R. de Lisboa de 20.10.93 (Publicado na C.J.-Ano XVIII, tomo IV, pág. 192 e segs.) , não decidiu como invoca a recorrida, mas antes que no caso de o trabalhador não ter exercido o direito de opção previsto no art. 30º até ao termo da cedência e, entretanto, ter celebrado contrato de trabalho a termo certo com a empresa cessionária, não poderá depois no decurso deste outro contrato de trabalho exercer aquele direito, podendo a empresa cessionária – rectius já não é empresa cessionária, mas ex-cessionária, pois já terminara a cedência, sendo a actual entidade patronal do trabalhador - não renovar o contrato de trabalho, findo o prazo do mesmo.
Também a referência feita por António José Moreira (Trabalho Temporário, Liv. Almedina, 2ª edição, pág. 79) a “contrato de trabalho sem termo” se nos afigura que é reportada à figura da cedência lícita do art. 27º, por confronto com a cedência ilícita prevista no art. 30º.
Entrando agora na apreciação da questão principal, dir-se-á desde já, adiantando a solução, que cremos não ter sido feita uma errada interpretação do direito na sentença ora em crise, ao contrário do propugnado pelo recorrente.
Cumpre justificar.
Desde logo não é verdade que o tribunal “a quo” não tenha tido em conta a diferença entre “trabalho temporário” e “cedência ocasional de trabalhadores”. Pese embora não tenha sido feito um confronto exaustivo de análise destas duas figuras jurídicas, até porque não tinha que o ser dado que o âmago da acção era averiguar se estávamos perante o recurso ilícito à figura da cedência ocasional de trabalhadores, como se salientou na sentença recorrida, a diferença entre as duas figuras jurídicas em causa é perfeitamente percepcionada na sentença em análise, ao estabelecer-se na mesma a diferença de estrutura jurídica das duas figuras (v. fls. 443 vº, 2º parágrafo) e pela citação doutrinal de fls. 444 (3º parágrafo).
Por outro lado, é de salientar que para proceder à devida interpretação do direito apenas é possível tomar em consideração os factos provados (supra descritos em II.1.) e não quaisquer outros, nomeadamente os “constantes do Ponto IV das alegações” e “factos omitidos à subsunção dos factos ao direito pelo tribunal a quo” – v. conclusões 1ª e 9ª das alegações do recorrente -, já que, como acima se decidiu, não vemos que tenha havido erro na apreciação da prova e seja de proceder à modificação da decisão de facto da 1ª instância.
Ora, em termos de direito, estabelece o art. 26º nº 1 citado o principio geral de que “É proibida a cedência de trabalhadores do quadro de pessoal próprio para utilização de terceiros que sobre esses trabalhadores exerçam os poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora” (o itálico é obviamente nosso).
A este principio geral de proibição são estabelecidas excepções no nº 2 do mesmo normativo e, no preceito seguinte (art. 27º), enunciam-se as três condições, cumulativas, em que é licita a cedência ocasional de trabalhadores, sendo uma dessas condições o acordo do trabalhador a ceder.
Não se configurando ser caso de analisar as referidas excepções ou de saber se estamos perante cedência ocasional lícita, pois não houve qualquer acordo do trabalhador, vejamos se os factos permitem configurar uma cedência proibida.
Para o efeito é necessário definir o que são “poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora” para concluir se, in casu, tais poderes foram exercidos pela R. em relação ao A.
Entre esses poderes cremos que é de englobar o estabelecido no art. 39º nº 1 do DL 49 408 de 24.11.69 (Adiante designado abreviadamente de LCT É este o diploma aplicável ao caso em análise dado que o Código do Trabalho só entrou em vigor a partir de 01.12.2003, por força do estatuído no art. 3º nº 1 da Lei 99/2003 de 27.08.) , segundo o qual “compete à entidade patronal fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho” embora claro que dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem. É aquilo que doutrinalmente se chama por “poder conformativo da prestação” (V. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho I, 8ª edição, pág. 221.) , com âmbito variável, até em função da autonomia técnica ou não do trabalhador, podendo ir desde a determinação dos actos a realizar, modo de o fazer e condutas e técnicas utilizáveis, incluindo a definição do tempo e local de trabalho, bem como as regras inerentes ao funcionamento da empresa.
Também o poder regulamentar, previsto no nº 2 do art. 39º citado, de elaborar regulamentos internos, “donde constem as normas de organização e disciplina do trabalho”.
Naqueles mesmos poderes de autoridade da entidade empregadora é ainda de incluir o poder disciplinar (v. artºs 9º a 12º do DL 372-A/75 de 16.07), até visto como um dever nas situações tipificadas no art. 40º nº 2 da LCT.
Ora, considerando a factualidade provada, nomeadamente que: era a chamada quem geria as faltas e férias do A., não picando o A o ponto, como faziam todos os funcionários da R., e a R. não só não coordenava as suas actividades, bem como não geria as suas ausências, ou seja, férias, acções de formação, baixas, etc. (v. nºs 59, 54 e 31 da fundamentação de facto); o local de trabalho do A foi definido pela chamada, no inicio do contrato, como sendo nas instalações da R. em Souselas e aí se manteve sempre, embora alguns operadores de máquinas, o que não foi o caso do A, desempenhassem tarefas rotativamente noutro local, a pedreira do Alhastro (v. nºs 1, 4, 16, 34 e 45 da fundamentação de facto); a R. não avaliava o A nem detinha poder disciplinar sobre ele, sendo este poder exercido pela chamada, que chegou a instaurar-lhe um processo disciplinar (v. nºs 32, 8 e 11 da fundamentação de facto); na pedreira a chamada possuía uma área de escritório, onde se encontrava o seu encarregado geral, o qual também passava pelo sector de fabrico onde o A trabalhava (v. nºs 40 e 52 da fundamentação de facto); era a chamada e não a R. quem pagava a retribuição do A, não pagando esta também qualquer encargo para a segurança social ou prémio de seguro de trabalho (v. nºs 59 e 33 da fundamentação de facto), cremos que o núcleo essencial dos poderes de autoridade e direcção próprios da entidade empregadora em relação ao A, acima explicitados, foram exercidos pela chamada e não pela R.
Mesmo em relação a aspectos não nucleares da relação laboral, como sejam, a utilização das instalações sociais (refeitórios e balneários) e parqueamento de viaturas próprias nas instalações da R, assistência médica e vantagens e serviços prestados pelos serviços administrativos da R., a posição do A era diversa da dos trabalhadores da R. pois, ao contrário destes, como se vê dos nºs 53 a 58 da fundamentação de facto, não podia proceder àquela utilização e parqueamento, nem beneficiava daquela assistência, vantagens e serviços.
Logo, não permitindo a factualidade provada afirmar que a R. exerceu os poderes típicos e próprios de autoridade e direcção da entidade empregadora, não é possível concluir que se verificou uma cedência de trabalhadores, proibida, nos termos do nº 1 do art. 26º citado.
Não se desconhece existir factualidade que permite concluir existir interligação entre a prestação laboral do A e a R., nomeadamente sendo esta beneficiária última de tal prestação laboral. Enquadram-se nesse âmbito a generalidade dos factos provados atinentes aos meios de trabalho usados pelo A, ao modo como os usava, à forma como procedia em relação ao seu uso e, inclusive, ao modo como registava a sua actividade laboral diária (v. entre outros, os factos constantes dos nºs 12, 13, 17 a 25, 35 a 37, 41 a 44 e 46 a 51 da fundamentação de facto). Porém, tal factuologia não pode deixar de ser vista e analisada no quadro das relações contratuais – contratos de prestação de serviços celebrados entre a R e a chamada (v. nºs 9 e 10 da fundamentação de facto)– e precisamente como forma que a chamada tinha de, através da prestação laboral do A para com ela, dar cumprimento a um daqueles contratos de prestação de serviços que se vinculara a cumprir com a R. Aliás, também daquela factualidade, nomeadamente do assinalado nos nºs 51, 41 e 44 da fundamentação de facto, resulta que aquela interligação entre a prestação laboral do A e a R. era uma interligação funcional, que não uma relação de exercício do poder de direcção e autoridade, pois visava em última análise garantir o funcionamento ininterrupto do processo de fabrico, registar o gasóleo consumido, as horas de trabalho das máquinas com vista à sua manutenção, e o material movimentado para fins estatísticos.
Poderia pensar-se que os ditos contratos de prestação de serviços (v. nºs 9 e 10 da fundamentação de facto) mais não eram do que documentos formais que não tinham correspondência com a realidade social e laboral.
E não é de descartar a hipótese de que em algumas situações dessa realidade social e laboral se procure evitar a assunção da qualidade de entidade patronal, pelas vantagens daí resultantes, de poder ter mão de obra disponível, quando conveniente e necessário, sem vinculação a um contrato de trabalho. Aliás exemplo disso mesmo é a situação objecto do Ac. do STJ de 21.02.2001 (Publicado na C.J.-Ac. STJ, Ano I, tomo I, pág. 294 e segs.) .
Porém, analisados os contratos de prestação de serviços em causa e toda a realidade subjacente à dinâmica dos mesmos e à dinâmica do contrato de trabalho do A em relação à chamada, não se vislumbra que os mesmos não tenham qualquer correspondência com a realidade social e laboral do A e que não sejam efectivos e reais contratos de prestação de serviços entre a R. e a chamada. Na verdade, tudo aponta para que a chamada tenha actuado no sentido de lograr cumprir tais contratos, nomeadamente o que respeita ao local onde o A prestava o seu trabalho, e que consistia em “fornecer à “B...” serviços de movimentação de matérias primas e combustíveis sólidos nas instalações da B... em Souselas-Coimbra, 24 horas por dia do calendário” (v. nº 10 da fundamentação de facto), aí se enquadrando a prestação laboral do A.
Afigura-se-nos antes que o facto de o A estar ligado contratualmente à chamada desde 16.07.2001 e só vir a exercitar a faculdade conferida pelo art. 30º do DL 358/89 no dia 27.02.2003, ou seja, precisamente seis dias depois de lhe ter sido comunicado pela chamada a instauração de um processo disciplinar, com vista ao seu despedimento por justa causa e com suspensão preventiva das suas funções (v. nºs 5, 6 e 8 da fundamentação de facto) aponta para uma perspectiva diversa e que vai de encontro à posição da R. nas suas alegações.
Ou seja, o A percepcionando a possibilidade, ou pelo menos o risco, de o processo disciplinar que a chamada lhe moveu poder dar lugar ao seu despedimento com justa causa, decidiu obviar a uma tomada de posição definitiva no processo disciplinar e, assim, antes que a sua relação laboral com a chamada fosse dada por finda, por eventual despedimento com justa causa, decidiu integrar-se no quadro de pessoal da R. naquilo que, passe a expressão, poder-se-ia qualificar de “fuga para a frente”.
Conclui-se, desta forma, que a tese exposta nas restantes conclusões das alegações do recorrente – 4ª e 7ª a 14º - não merecem acolhimento.
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3. Tudo visto e ponderado, ressalvando o devido respeito por entendimento diverso, concluímos que improcedem todas as conclusões do recurso, não tendo sido violadas as normas legais aí identificadas ou quaisquer outras.
E assim sendo a acção tem necessariamente de improceder, como foi julgada e bem na 1ª instância.
Para concluir diremos que bem avisada era já a lição do filósofo espanhol Juan Luís Vives quando afirmava que “Não há nenhuma lei tão recta que o homem não a tente torcer para satisfazer os seus interesses” (Direito, As melhores citações, Colecção Citações Jurídicas, pág. 90.) .
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III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, delibera-se confirmar inteiramente a decisão impugnada, negando provimento ao recurso.
Custas a cargo do A. apelante.
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Coimbra,
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(António F. Martins)
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(Bordalo Lema)
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(Fernandes da Silva)