Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
407/09.8TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
AUDIÊNCIA
DOCUMENTAÇÃO
SENTENÇA REQUISITOS
FACTOS NÃO PROVADOS
Data do Acordão: 10/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 363º CPP, 41º, 66º E 75 Nº 1 DO RGCOC
Sumário: 1. Nos processos de contra-ordenação a não documentação dos actos da audiência em recurso de impugnação não constitui qualquer nulidade, porque não tem que ser gravada a prova oral efectuada.
2. Inexistindo factos não provados desnecessário se torna a utilização do chavão “inexistem factos não provados”.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença na qual se decidiu julgar o recurso interposto por B..., Ldª improcedente e, consequentemente, manter a decisão de condenação proferida pela Administração da Região Hidrográfica do Centro, I.P., que a condenou no pagamento de uma coima de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) pela prática da infracção p. e p. pelos arts. 17º, n.º 1, al. a) e 18º, n.º 3 do D.L. n.º 133/2005, de 16.08.
Inconformada, a arguida "B..., Ldª", recorre para esta Relação.
Na motivação do recurso apresenta as seguintes conclusões:
A)O processo padece de vícios que conduzem à sua nulidade e por se considerar que a sentença recorrida não analisou questões fundamentais para a boa decisão da causa.
B)Não se procedeu à documentação da audiência de discussão e julgamento, nem tão pouco, das declarações orais prestadas, termos em que a sentença ora em crise padece de nulidade, a qual se invoca para todos os efeitos legais.
C)Na fundamentação da decisão de facto da decisão administrativa não foi dado cabal cumprimento ao disposto no artigo 374º, n° 2 do C. Processo Penal, aplicável ex vi artigo 41°, nº 1 do Decreto-lei 433/82, de 27 que exige, uma enumeração dos factos provados e não provados.
D)O Tribunal a quo deu como assente que efectivamente tal formalidade não foi cumprida, porém, entendeu que tal omissão não é susceptível de afectar a validade da decisão proferida porque se bem atentarmos não havia factos não provados.
E)Ora, não existe qualquer norma que afaste tal dever, pelo que a falta de observância dos referidos requisitos constitui uma nulidade da decisão.
F)A sentença recorrida confirma, pura e simplesmente os factos constantes do auto de notícia, o que se traduz numa total falta de fundamentação, no que se refere à própria decisão administrativa e sentença ora recorrida, violando o disposto no artigo 268º n.º 3 da CRP onde se refere de forma clara que "os actos administrativos (...) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos."
G)O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos:(...) f)No prédio identificado em a) existia uma pequena nascente, em virtude de há cerca de dez anos atrás ter sido retirado do local saibro; g) O recorrente emitiu, em 10.05.2007 em nome de A... uma factura com o n.º 0131, no valor de Euros. 484,00, na qual fez constar "serviço de máquina giratória na limpeza de um poço e colocação de manilhas"
H)Mesmo, assim, entendeu que a empresa arguida levava a efeito uma actividade de pesquisa, captação e montagem de equipamentos de extracção de água subterrânea, quando dos autos não consta qualquer elemento fotográfico a demonstrar tal realidade.
I)Será lógico concluir que se foi dado como provada a existência de uma nascente (entenda-se nascente como um ponto onde começa um ponto de água) e depois concluir-se que se procedia à actividade de pesquisa de água.
J)A presente sentença padece dos motivos de facto e de direito que serviram e fundamentaram a decisão, tal como, de um exame crítico e fundamentado das provas que serviram para formar a convicção do Meritíssimo Juiz.
K)A sentença não analisou de forma cabal estas questões fundamentais para a boa decisão da causa e não teve em conta a prova produzida nos autos, tendo fundamentado e considerado factos como assentes, limitando-se a reconfirmar e reproduzir, os factos constantes do auto de notícia, fazendo tábua rasa do alegado pela ora recorrente.
L)A decisão e sentença recorrida violam, ainda, o disposto nos artigos 58° al. b) e 72° n.º 2 do DL n.º 433/83 de 27/10, artigos 58°, 61°, 112°, 283° n.º 3 e 303º, 340° n.º 1, 363°, 364°, 374° n.º 2 e 379° n.º 1 al. a), b) e c) do C. Processo Penal, e ainda o disposto dos artigos 32° e 268° n.º 3 da CRP.
Deve a sentença recorrida ser revogada e a recorrente absolvida, com as legais consequências.
Respondeu o magistrado do Mº Pº, concluindo:
I- Não se verifica a nulidade da sentença, uma vez que, no âmbito do processo de recurso de contra-ordenação, não é exigida a documentação da audiência de julgamento, nem as partes, depois de instadas, requereram a documentação da mesma;
II- Não se verifica a nulidade da decisão administrativa, por falta de fundamentação, uma vez que aquela não faz menção aos factos não provados, pelo facto de os mesmos não existirem;
III- A decisão da entidade administrativa respeitou as exigências formais para as decisões a proferir no âmbito do processo contra-ordenação, uma vez que foi respeitado o artigo 58°, n° 1, alínea b), do Dec. Lei nº 433/82, de 27-10 na redacção dada pelo Dec. Lei n° 244/95, de 14-09.
IV- Ficou provado em audiência de julgamento que a recorrente procedia à abertura de um poço, para o qual não estava licenciada. A prova assentou no depoimento dos militares da GNR que se deslocaram ao local onde se realizavam os trabalhos e levantaram o auto de contra-ordenação, bem como, do depoimento da testemunha J..., gerente da firma recorrente e manobrador da máquina que procedia aos trabalhos e, ainda, do documento por este junto aos autos a fls. 12, no qual refere que naquele dia/hora/local "procedia à abertura de um poço com a profundidade de 10,00 m, capacidade máxima de escavação da máquina em causa".
V- A decisão administrativa e a sentença proferidas, não violam nenhuma das normas invocadas pela recorrente, nem quaisquer outras, pelo que o recurso deverá considerar-se improcedente e, em consequência, manter-se a decisão que manteve a decisão proferida pela entidade administrativa.
Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A. emitiu parecer, no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
***
É do seguinte teor a matéria de facto constante da sentença e fundamentação da mesma:
III. Fundamentação de Facto
Factos Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, resultou provada a seguinte matéria de facto, que:
a) No dia 08 de Maio de 2007, pelas 13 horas, na sequência de uma chamada anónima, dois agentes da G.N.R. pertencentes à Equipa de Protecção da Natureza e do Ambiente (EPNA) da Guarda deslocaram-se ao prédio sito no Lugar da L…, Vale de Estrela, Guarda, pertencente a A… .
b) Uma vez ali constataram que a recorrente, com o auxílio de uma máquina giratória, da marca Fiat-Hitachi, modelo FH – 240.3, de sua pertença, manobrada por J..., seu sócio gerente, procedia à abertura de um poço para captação de água subterrânea.
c) A recorrente não possuía licença para o exercício da actividade de pesquisa, captação e montagem de equipamentos de extracção de água subterrânea.
d) No dia 11 de Maio de 2007, a recorrente deu entrada na CCDR do pedido de licenciamento para o exercício da actividade de pesquisa, captação e montagem de equipamentos de extracção de água subterrânea.
e) A sociedade recorrente dedica-se à extracção de saibro, areia e pedra britada, encontrando-se inscrita sob o CAE 08121.
f) No prédio identificado em a) existia uma pequena nascente, em virtude de há cerca de dez anos atrás ter sido retirado do local saibro.
g) O recorrente emitiu, em 10.05.2007, em nome de A... uma factura com o n.º 0131, no valor de €484,00, na qual fez constar “serviço de máquina giratória na limpeza de um poço e colocação de manilhas”.
*
Factos Não Provados
Da discussão da causa resultaram não provados os seguintes factos, que:
h) A recorrente, a pedido do proprietário do prédio, procedia à limpeza do poço existente no prédio identificado em a) e do local em volta do mesmo.
*
IV – Motivação da Decisão da Matéria de Facto
A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada resultou da análise criteriosa do depoimento das testemunhas e dos documentos carreados para os autos.
Com efeito, ponderou-se o teor do auto de contra-ordenação de fls. 5 a 7, em conjugação com os termos da decisão proferida pela Administração da Região Hidrográfica do Centro, I.P., a fls. 17 e ss.
Consideraram-se igualmente os documentos de fls. 8, 12, 58 a 61 e 69.
De entre os documentos mencionados foi de extrema relevante para a convicção do tribunal o documento de fls. 12, onde a recorrente, na pessoa do sócio gerente J..., numa carta dirigida ao Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro informa que “procedia à abertura de um poço com profundidade de 10,00m, capacidade máxima de escavação da máquina em causa”.
Para a convicção positiva foram primordiais os depoimentos dos agentes autuantes F... e I..., que confirmaram, de modo sério e isento, que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no factos provados constataram que a recorrente estava a proceder à abertura de um poço, o que, aliás, lhes foi confirmado logo naquela altura pelo proprietário do prédio e pelo dono da máquina.
As demais testemunhas prestaram um depoimento incapaz de convencer o tribunal atenta a demais prova e aquilo que resulta das regras da experiência comum.
Assim, por todas elas foi unanimemente referida a existência de uma nascente naquele local. Sendo assim estavam à partida dispensados os trabalhos de pesquisa de água, bastando que se procede-se à escavação para edificar o poço.
As testemunhas M… e N... não lograram convencer o tribunal que a recorrente apenas procedia à limpeza de um poço já existente.
Desde logo, porque referiram que para proceder à limpeza do poço era necessário retirar as manilhas que sustentam a terra e depois colocar outras. Ora, como é bom de ver, ao proceder desta forma as terras aluiriam para o interior do poço sujando-o ainda mais!
Por outro lado, é também contraditório que apesar de não se dedicar a este tipo de trabalhos a recorrente tenha requerido uma licença para o exercício da actividade de pesquisa e captação de águas subterrâneas. Note-se a este propósito que a testemunha M… acabou por admitir que em face da actual falta de obras vão fazendo este tipo de trabalhos com a escavadora.
Por fim, é de salientar o facto de a testemunha N…, filho do proprietário do prédio, embora tivesse mencionado que o objectivo era tão só limpar o poço que já existia e colocar uma tampa, não garantiu que a água dali extraída não estivesse a ser utilizada.
Foram também consideradas as declarações do sócio-gerente da recorrente, José Ferreira, que acabou por admitir que tiveram que retirar as manilhas do poço para que a máquina pudesse limpar no seu interior, sendo certo que quando o fizeram o poço “desabou”. Cumpre ainda referir que quando perguntado não soube, ou não quis, esclarecer qual a situação económica actual da recorrente, nomeadamente quais os seus rendimentos anuais.
Relativamente aos factos não provados e não directamente resultantes da valoração positiva dos aludidos meios probatórios, baseou o tribunal a sua convicção negativa na total ausência de prova em julgamento, tendente a concluir, de modo seguro, pela sua verificação.
***
Conhecendo:
A recorrente arguiu a nulidade:
- Resultante da não documentação da audiência;
- Resultante da decisão da autoridade administrativa não enumerar os factos provados e não provados;
- Resultante da falta de fundamentação da matéria de facto (análise crítica);
- Parece invocar, embora o não alegue de forma expressa, os vícios da contradição insanável e do erro notório na apreciação da prova.
Conhecendo:
Não documentação da audiência:
Tem-se em conta que nesta instância apenas se conhece da matéria de direito, art. 75 nº 1 do RGCOC.
O que desde logo afasta a necessidade de documentação dos actos da audiência.
Por outro lado, e como bem salienta o Mº Pº na sua resposta, nos processos de contra-ordenação, e como preceitua o art. 66 do RGCOC, não há “lugar a redução da prova a escrito, sendo que a redução da prova a escrito era a única forma legal, à altura, de documentar os actos da audiência.
Assim, que não tem aplicação o art. 363 do CPP, não havendo necessidade de socorrer-nos do mesmo por força do art. 41 do RGCOC.
No sentido do que acabamos de afirmar, veja-se “Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas”, dos Cons. O. Mendes e S. Cabral, pág. 183, “da expressão «não havendo lugar à redução da prova a escrito» utilizada na norma anotada resulta que não se aplicam os nº 3 e 4 do citado art. 13, nem o art. 363 do CPP, o que, aliás, está de acordo como disposto no art. 75”.
Assim, que a não documentação dos actos da audiência em recurso de impugnação não constitui qualquer nulidade, porque não foi, nem tinha que ser gravada a prova oral efectuada.
Pelo que improcede o recurso da arguida, neste segmento.
Não enumeração dos factos provados e não provados na decisão da autoridade administrativa:
A decisão da autoridade administrativa, e como preceitua o art. 58 nº 1 al. b) do RGCOC apenas manda que conste a “identificação dos factos imputados com indicação das provas obtidas”.
A decisão em causa, fls. 17, embora tenha um capítulo “III- Factos provados e não provados”, apenas indica os provados, porque são os imputados, resultantes da investigação efectuada e porque não havia factos não provados.
Nem se vislumbra como se poderiam imputar factos que se considerassem não provados.
Nem a arguida alega um único facto que devesse constar dos não provados, sendo certo que notificada nos termos do art. 50 do RGCOC, não apresentou defesa.
A arguida quando notificada limitou-se a, conforme fls. 12, dirigir requerimento ao sr. Presidente da CCD da Região Centro onde “informa que procedia à abertura de um poço com profundidade previsível até 10,00m, capacidade máxima de escavação da máquina em causa” e onde solicita o arquivamento do processo.
Inexistindo factos não provados desnecessário se torna a utilização do chavão “inexistem factos não provados”.
Assim como a utilização de tal chavão não é imposta pelo art. 374 nº 2, do CPP, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados…”. E só se pode enumerar o que existe.
Apenas existirá a nulidade, art. 379 nº 1 al. a) do CPP, no caso de existirem factos não provados (e que não sejam inócuos) e dos mesmos não ser feita enumeração.
Não exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão:
O art. 58 nº 1 al. b) do RGCOC refere que, a decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas.
In casu e relativamente à decisão da autoridade administrativa, existe a “exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” –Cfr. Cons. O. Mendes e S. Cabral, ob. cit. pág. 158. Basta atentar na defesa/confissão da arguida, para além do constante do auto de notícia, verificado pelo autuante e testemunha, o relatório fotográfico e documento anexo, suficientes para a arguida saber as razões da sua condenação.
Como salientam os Ex.mºs Cons., pág. 159 anotação ao art. 58), “Importa, porém, salientar que nos encontramos no domínio de uma fase administrativa, sujeita às características da celeridade e simplicidade processual, pelo que o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal. O que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa”.
Entendemos, como no Ac. da Rel. do Porto de 25-02-1998, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 242, “no processo de contra-ordenação, é obrigatória a indicação das provas que serviram para fundamentar a convicção de quem decide, tanto na sentença, como na decisão proferida pela autoridade administrativa”.
Mas, havendo recurso de impugnação, não faz muito sentido continuar a apelar a eventuais falhas da decisão administrativa. A remessa do processo ao juiz inicia uma nova fase, cuja decisão vai esvaziar tudo o que antes foi decidido, nomeadamente na fase administrativa.
Concordamos com o teor do Ac. da relação do Porto de 4-01-06, proc. 0512839:
“Julgamos que, tendo havido uma posterior decisão judicial que fixou correctamente a matéria de facto, justificou a existência de culpa e motivou a graduação da sanção, não tem sentido continuar a apelar aos vícios da decisão administrativa revogada.
Com efeito, o juiz (no âmbito da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa) julga o caso com amplos poderes de substituição, podendo ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação (art. 64º do Dec. Lei 433/82, de 27/10). No processo judicial é produzida a prova necessária, competindo ao juiz determinar «o âmbito da prova a produzir» (art. 72º).
A sentença recorrida apreciou expressamente a questão da nulidade da decisão administrativa (como questão prévia), tendo concluído não haver nulidade e proferiu decisão revogando (revogação por substituição) parcialmente a decisão administrativa. Esta última decisão deixou assim de subsistir na ordem jurídica e, portanto, os seus específicos vícios que não se repercutem na decisão final deixaram de ter qualquer eficácia invalidante (sublinhado nosso).
Assim, a decisão judicial que modificou a condenação assentou na prova considerada relevante pelo Tribunal e contém a sua própria fundamentação, quer quanto à culpa, quer quanto à graduação da coima. A decisão administrativa foi substituída, nesta parte, pela sentença e só os vícios desta decisão podem fazer parte do objecto do recurso para esta Relação”.
Em relação à sentença recorrida, verifica-se da motivação supra transcrita que, não se limita (como refere a recorrente) a confirmar, “pura e simplesmente os factos constantes do auto de notícia, o que se traduz numa total falta de fundamentação”.
São indicadas as provas que serviram para fundamentar a convicção do julgador.
Como refere o Ac. do STJ de 30-01-2002, proc. 3063/01- 3ª, SASTJ, nº 57, 69, “A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo –Ac. do STJ de 12-04-2000.
Só a falta ou insuficiente justificação, constitui falta de análise critica da prova, que gera nulidade da sentença, nos termos do art. 379 nº 1 al. a) do CPP.
O que não acontece no caso vertente.
Ponderou-se o auto de contra-ordenação, plenamente válido e meio de prova e corroborado pelo agente autuante e testemunha, F... e I... “que confirmaram, de modo sério e isento, que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas no factos provados constataram que a recorrente estava a proceder à abertura de um poço, o que, aliás, lhes foi confirmado logo naquela altura pelo proprietário do prédio e pelo dono da máquina”.
Por outro lado, “As demais testemunhas prestaram um depoimento incapaz de convencer o tribunal atenta a demais prova e aquilo que resulta das regras da experiência comum.
(…)
As testemunhas M… e N... não lograram convencer o tribunal que a recorrente apenas procedia à limpeza de um poço já existente”.
Assim, que se encontra feita a análise crítica da prova, “A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada resultou da análise criteriosa do depoimento das testemunhas e dos documentos carreados para os autos”, inexistindo qualquer dúvida por parte do julgador em julgar os factos tal como constam.
Da motivação da matéria de facto se verifica o porquê da opção, os motivos da credibilidade de uns depoimentos em detrimento de outros, os documentos ou exames privilegiados e que fundamentaram a convicção.
Um leitor atento e minimamente experimentado fica ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
Logo há fundamentação da decisão de facto e análise crítica da prova.
Pelo que também improcede o recurso neste segmento.
Vícios:
Vícios invocados indirectamente, pois que na alínea I) das conclusões, sem ponto de interrogação se questiona: “será lógico concluir que se foi dado como provado a existência de uma nascente… e depois concluir-se que se procedia à actividade de pesquisa de água”.
Tem-se em conta, como já referido, que nesta instância apenas se conhece da matéria de direito, art. 75 nº 1 do RGCOC.
Mas também há que ter em conta a aplicação subsidiária no processo contra-ordenacional, dos preceitos reguladores do processo criminal – art. 41 RGCOC.
Assim que também aqui se há-de averiguar da existência dos vícios enunciados no art. 410 nº 2 do CPP, e que são de conhecimento oficioso, embora de forma indirecta sejam suscitados no recurso.
Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão:
Este vício há-de manifestar-se por uma incoerência, oposição incompatibilidade manifesta entre a fundamentação ou entre esta e a decisão. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir - cfr., entre outros vários, Acs. STJ de 22/5/96 in Proc. 306/96 de 12/127)9 in Proc. 1046/98 in Sumários nº 36.
Verifica-se quando sobre o mesmo facto ou sobre a mesma questão constam, do texto da decisão recorrida, posições antagónicas e inconciliáveis, haja oposição entre factos que mutuamente se excluam por impossibilidade lógica ou de outra ordem por versarem a mesma realidade.
E tanto pode respeitar à fundamentação da matéria de facto como à contradição na própria matéria de facto.
O mesmo vício pode ter lugar quando se dá como provado um facto mas da respectiva motivação resulta que assim não pode ser considerado, o que igualmente integra o erro notório na apreciação da prova.
Erro notório na apreciação da prova, existe quando se verifica:
Erro na crítica dos factos provados. Não erro na sua apreciação em ordem a aplicar o direito (Proc. 48658 eml-2-96;
Contra o que resulta de elementos que constam dos autos e cuja força probatória não foi infirmada, ou de dados de conhecimento publico generalizado, se emite juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida (Proc. 327/96, em 8-5-96);
Se afirma algo que se não pode ter verificado (Proc. 136/96, em 1-5-96.
Como assim que, ao erro notório, vem sendo, de igual modo, entendimento das Doutrina e Jurisprudência que apenas se terá como verificado em apertadas circunstâncias. Tal vício nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida, ele só pode ter-se como verificado quando o conteúdo da respectiva decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, patenteie, de modo que não escaparia à análise do homem comum, que no caso se impunha uma decisão de facto contrária à que foi proferida - entre muitos, Acórdão do S. T.J:, de 20.03.99, Proc. 1 76/99- 3ª Sec (sublinhado nosso).
Não se verifica o vício da contradição nem o vício do erro.
Não se verifica qualquer incompatibilidade entre os factos:”procedia à abertura de um poço para a captação de água subterrânea” e, no prédio “existia uma pequena nascente, em virtude de há cerca de dez anos atrás ter sido retirado do local saibro”.
Quem tem terreno com nascente a céu aberto, quando muito faz uma poça (não poço), com vista ao armazenamento da água dessa nascente a céu aberto, e não um poço que podia ir até 10 metros de profundidade.
Quem tendo água à superfície a vai armazenar a profundidade que pode ir até 10 metros?
Fazer um poço com aquela profundidade era necessariamente com vista a captação e extracção de águas subterrâneas.
É a diferença entre um poço e uma poça.
E, a arguida procedia à abertura de um poço.
Assim que inexiste qualquer incompatibilidade entre aqueles factos, ou outros, inexistindo qualquer dos vícios elencados no art. 410 nº 2 do CPP, vícios esses que a existirem hão-de constar do próprio texto da decisão recorrida.
Inexistindo qualquer dos vícios, mantém-se a matéria de facto fixada na sentença recorrida, inexistindo modo de a alterar, atento o disposto no art. 75 nº 2 do RGCOC.
Pelo que também nesta parte improcede o recurso.
*
Nos termos expostos, se julgam improcedentes todas as conclusões e consequentemente improcedente o recurso.
*
Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em:
- Negar provimento ao recurso da arguida B..., Ldª e, em consequência, se mantém a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs
Coimbra,
____________________

____________________