Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
747/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JAIME FERREIRA
Descritores: APRESENTAÇÃO DE ARTICULADO
Data do Acordão: 03/30/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 145º, NºS 5 E 6 DO CPC ; 126º, Nº 3, DO CCJ REVOGADO PELO DL 324/03; PORTARIA Nº 42/2004, DE 14/01
Sumário:

I – A apresentação de uma contestação no 3º dia útil seguinte ao limite do prazo legal para o efeito é admissível à luz do disposto no artº 145º, nº 5, do CPC, isto é, independentemente de justo impedimento, mas ficando essa apresentação dependente do pagamento de uma multa – artº 145º, nº 5, do CPC.
II – Para o pagamento dessa multa a parte deve solicitar guias para o efeito, as quais serão imediatamente passadas e entregues pela secretaria judicial, e caso a parte assim não proceda ( não as solicitando ou não as pagando de imediato ou até ao termo do 1º dia útil posterior ao da prática do acto ), a secretaria, logo que dê conta dessa irregularidade e oficiosamente, deve notificar o interessado para pagar uma multa de montante igual ao previsto no nº 6 do artº 145º , sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto - artº 126º, nº 3, do CCJ e Portaria nº 42/2004, de 14/01.
Decisão Texto Integral: 5

Tribunal da Relação de Coimbra
Apelação nº 747 / 04
Relator : Jaime Carlos Ferreira
Adjuntos : Dr. Ferreira Lopes
Dr. Jorge Arcanjo




Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Tomar – 2º Juízo Cível , AA e marido BB, residentes na CC, em Tomar, instauraram contra DD e mulher EE, residentes no FF, em Tomar, a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação dos R.R. a reconhecer que os A.A. são os únicos e legítimos proprietários do prédio urbano descrito no artigo 1º da petição ; em consequência do que devem os R.R. ser condenados a demolir o muro que envolve o prédio dos A.A. pelos lados poente e sul, de forma a que o citado imóvel fique a confrontar directamente com a via pública e com o prédio rústico com que o mesmo confronta a sul ; devendo, ainda, os R.R. ser condenados a absterem-se da prática de actos que, de algum modo, possam induzir quem quer que seja a considerá-los ou a confundi-los como proprietários do citado imóvel, devendo também ser condenados a pagar aos A.A. os danos patrimoniais e não patrimoniais causados, em montante a liquidar em execução de sentença .

Para tanto e muito em resumo, alegaram que são donos e legítimos possuidores de uma casa de habitação em ruínas, com a área de 30 m2, e com logradouro com 300 m2, sita em Santa Catarina, freguesia de Casais, concelho de Tomar, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 1862 e descrita na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 02860/100997, com inscrição a favor dos A.A., prédio que adquiriram por sucessão hereditária dos pais da A. mulher , além de que dele têm o gozo, uso e fruição há mais de 5, 10, 15 ,20 anos, por si e seus antecessores, como bem próprio.
Que os R.R. são donos do prédio misto sito em Santa Catarina, inscrito na respectiva matriz sob os artigos 772-urbano e 43, secção AF – rústico, descrito na Conservatória sob o nº 1822, o qual confronta com aquele prédio dos A.A. .
Que o prédio dos A.A. sempre teve ligação directa com caminho público, a poente, mas que os R.R. muraram-no junto a essa via pública, tendo apenas deixado uma abertura de acesso à dita rua e localizada em frente ao prédio urbano dos R.R., com o que englobaram o prédio urbano dos A.A. dentro do perímetro dos muros por eles mandados construir .
Que, dessa forma, quiseram fazer-se passar por donos do imóvel dos A.A., impedindo até estes de entrarem no seu prédio .
Que essa ocupação abusiva por parte dos R.R. está a causar prejuízos aos A.A. .
Donde a necessidade da propositura da presente acção .
II
Contestaram e deduziram reconvenção os R.R., pedindo, além do mais, que seja reconhecida a ocorrência de uma excepção peremptória, que alegam, com a sua correspondente absolvição do pedido ou, caso assim se não entenda, que seja julgada improcedente a acção e procedente a reconvenção deduzida por eles, com a consequente condenação dos A.A. a reconhecer que os R.R. são os donos e legítimos possuidores da totalidade do prédio misto sito em Santa Catarina, freguesia de Casais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 1822 e inscrito na matriz sob os nºs 3052 – urbano e 43º, secção AF – rústica .
Pediram, ainda, que seja declarada a inexistência de qualquer prédio urbano propriedade dos A.A. sito dentro do perímetro do prédio propriedade dos R.R., com o consequente cancelamento de qualquer registo em contrário .
III
Ainda foi apresentada resposta por parte dos A.A. e findos os articulados foi proferido despacho a considerar terem os R.R. apresentado a sua contestação-reconvenção fora de prazo e sem terem cumprido as formalidades legais correspondentes, em consequência do que se declarou nulo e de nenhum efeito todo o processado a partir da apresentação da contestação, inclusive .
E logo de seguida foi proferido saneador-sentença, na qual foram considerados como assentes, por confissão, todos os factos alegados pelos A.A. e, em consequência, a julgar a acção procedente, com condenação dos R.R. nos pedidos pelos A.A. deduzidos.
IV
Dessa decisão interpuseram recurso os R.R., o qual foi admitido como apelação e com efeito devolutivo .

Nas alegações que oportunamente foram apresentadas os Apelantes concluíram pela seguinte forma :
1ª - Os Apelados instauraram contra os Apelantes acção declarativa de condenação na forma de processo sumário .
2ª - Regularmente citados para contestar, os R.R. / Apelantes vieram a apresentar a sua contestação/reconvenção, a qual deu entrada em juízo no dia 7/12/2001, ou seja no 3º dia útil posterior ao termo do prazo previsto no artº 783º CPC, cujo termo final se havia verificado em 4/12/2001 .
3ª - Com a entrega da contestação/reconvenção os R.R./Apelantes não requereram a liquidação da multa prevista no artº 145º, nº 5, do CPC .
4ª - Sendo certo que, apercebendo-se de tal facto em 28/01/2002, a secretaria nesta data procedeu à liquidação da multa prevista no artº 145º, nº 6, a qual foi de imediato paga pelos Réus / Apelantes nessa mesma data .
5ª a 9ª - ...
10ª - A lei não obriga a parte que se apresenta a praticar o acto num dos 3 dias úteis posteriores ao termo do prazo, a requerer o pagamento da multa .
11ª a 17ª - ...
18ª a 25ª - Ao actuar pela forma descrita violou o Tribunal “ a quo “ o disposto no artºs 145º, nºs 5 e 6, e 659º, nºs 2 e 3, ambos do CPC .
26ª - Termos em que deverá ser proferida decisão a revogar a decisão de primeira instância e ser ordenado o prosseguimento dos normais termos processuais, mantendo-se nos autos todos os articulados apresentados pelas partes .
V
Contra-alegaram os A.A. defendendo a manutenção da decisão recorrida, com o indeferimento do recurso deduzido .
VI
Neste Tribunal da Relação foi aceite o citado recurso, tal como foi admitido, e procedeu-se à recolha dos “ vistos “ inerentes ao processamento do recurso, sem qualquer reparo .
Nada obsta, assim, à apreciação do objecto do recurso, objecto esse que se resumo à apreciação da decisão recorrida na parte em que considerou não terem os R.R. deduzido contestação/reconvenção em tempo útil, com as consequências processuais que daí resultaram .

Na apreciação dessa questão importa salientar o seguinte ( o que resulta dos autos ) :
1 – Em 18/10/2001 deu entrada na secretaria judicial do Tribunal de Tomar, a petição inicial que deu origem aos presentes autos de acção sumária – fls. 2 a 18 .
2 – Em 31/10/2001 foram expedidas cartas registadas com a/r para cada um dos R.R. para que, no prazo de 20 dias, pudessem contestar, querendo ... – fls. 20 .
3 – O A/R do R. marido mostra-se assinado pelo próprio, sem data, tendo sido devolvido com carimbo de 06/11/2001 – fls. 21 .
4 – O A/R da Ré mulher mostra-se assinado por uma terceira pessoa, nele identificada, com data de 9/11/2001 – fls. 22 .
5 – Em 22/11/2001 foi expedida carta registada para a Ré, advertindo-a de que se considera citada na pessoa e na data da assinatura daquele A/R, e de que o prazo para contestar é(ra) de 20 dias, com o acréscimo de uma dilação de 5 dias ... – fls. 23 .
6 – Em 7/12/2001 deu entrada na referida secretaria judicial o articulado de contestação apresentado por ambos os Réus – fls. 24 a 93 .
7 – Junto com este articulado os R.R. apresentaram documento comprovativo de pagamento de taxa de justiça inicial – fls. 94 .
8 – Em 23/01/2002 os A.A. apresentaram articulado de resposta, no qual suscitaram a questão prévia de que os R.R. apenas apresentaram a contestação no 3º dia útil depois do fim do prazo para poderem contestar, sem que hajam logo pago a multa respectiva nem para tal hajam sido notificados pela secretaria, requerendo que se considere tal apresentação como praticada fora do prazo peremptório para o efeito - fls. 98 a 119 .
9 – Em 28/01/2002 a secretaria judicial passou guias, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 145º, nº 6, do CPC, as quais foram entregues imediatamente à funcionária do patrono dos R.R., que se encontrava nessa secretaria nesse preciso instante, guias que se mostram pagas ainda nessa mesma data – fls. 113 e 114 .
10 – A decisão recorrida foi proferida em 30/09/2003 – fls. 124 a 133 .

São, pois, tais factos aqueles que importa ter em conta na apreciação a fazer .
Assim deles resulta que a citação dos R.R. obedeceu às regras para tanto estabelecidas no CPC, tendo-se a Ré mulher como citada na data da assinatura do A/R a ela destinado – 9/11/2001 - , como bem resulta dos artºs 236º, nºs 1 a 4; 238º-A, nº 1; e 241º, todos do CPC, na redacção do DL nº 183/2000, de 10/08 ( o que também assim foi entendido na decisão recorrida e que as partes aceitam ) .
Dispondo ambos os R.R. do prazo para contestarem iniciado em último lugar ( artº 486º, nº 2, do CPC ) e uma vez que o prazo da Ré mulher beneficia de uma dilação de 5 dias ( nos termos do artº 252º-A, nº 1, al. a), do CPC ), conclui-se que o termo do prazo para os R.R. contestarem a acção ocorreu em 4/12/2001, o que também é referido na decisão recorrida e é aceite pelas partes .
Porém, a contestação apresentada apenas em 7/12/2001 ( sexta-feira ) deu entrada na secretaria judicial, isto é, no 3º dia útil posterior ao indicado limite, o que é admissível à luz do disposto no artº 145º, nº 5, do CPC, isto é, independentemente de justo impedimento e ficando essa apresentação dependente do pagamento imediato de uma multa ... igual a metade da taxa de justiça aplicável a final, com o limite de 5 Uc.s .
Verifica-se que os R.R. não pagaram essa multa imediatamente, pois limitaram-se a juntar o comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial, pagamento esse que apenas veio a ocorrer em 28/01/2002, com o acréscimo de sanção devida , na sequência de guias nessa data emitidas e entregues para o efeito, por parte da secretaria judicial, nos termos e para os efeitos do nº 6 do artº 145º do CPC .
Isto é, não houve lugar ao pagamento imediato da multa prevista no nº 5 do artº 145º do CPC e a secretaria judicial apenas deu conta desse não pagamento em 28/01/2002, data em que emitiu as correspondentes guias, com sanção, e que se mostram pagas nessa mesma data .
Entendeu o Tribunal recorrido que tal pagamento foi extemporâneo e ilegal, uma vez que os R.R. não só não pagaram a multa no dia em que apresentaram a sua contestação, como também não requereram , no acto, a liquidação da multa devida, o que tornou inaplicável o disposto no nº 6 do CPC ( entende-se nessa decisão que o nº 6 do artº 145º do CPC só tem lugar quando a parte haja pedido ou requerido o pagamento da multa devida nos termos do nº 5 desse preceito mas não haja procedido ao pagamento das guias que para o efeito forem passadas ) .
Será este entendimento o decorrente dos preceitos em questão ?
É o que cumpre analisar :
O nº 5 do artº 145º do CPC apenas dispõe que “ pode o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa... “.
No pagamento desta multa havia, na ocasião em que foi apresentada a contestação, que observar o disposto no artº 126º, nº 3, do C.C.J. ( entretanto revogado pelo DL nº 324/2003, de 27/12 ), segundo o qual “ nos casos especiais em que a lei autorize o interessado a solicitar guias para qualquer pagamento, são estas imediatamente passadas e entregues “ .
Salvador da Costa, in “ Código das Custas Judiciais anotado e comentado “, em notas ao artigo 126 º, escreve que este nº 3 “ prevê sobre casos em que a lei autoriza o interessado a solicitar guias para qualquer pagamento, e estatui que elas são imediatamente passadas e entregues ..., situação susceptível de ocorrer, além do mais, no caso previsto no nº 5 do artº 145º do CPC ... “ .
É sabido que a prática judiciária respeitante ao cumprimento do nº 5 do artº 145º do CPC, na ocasião em causa, passava-se exactamente desse modo, isto é, a parte fazia entrega do articulado ou requerimento dentro dos referidos três dias úteis e não era ela que se dirigia a um terminal bancário para proceder à autoliquidação e pagamento do montante da multa devida, mas devia dirigir-se imediatamente à secção de processos a solicitar as guias correspondentes a essa dita multa, as quais lhe seriam imediatamente entregues .
Porém, previa a lei situações em que a parte não procedesse desse modo, isto é, que não solicitasse, de imediato, as guias correspondentes à multa devida ou que, tendo-as solicitado, as não pagasse de imediato, situações em que cumpria à secretaria ( ou secção de processos ), logo que desse conta dessa irregularidade ou falta, “ notificar o interessado para pagar uma multa de montante igual ao dobro da mais elevada prevista no nº 5 do artº 145º, sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto ... “ – nº 6 do artº 145º do CPC .
Daqui resulta, pois, que o pagamento da dita multa dependia, antes de mais, de a parte solicitar guias para o feito do pagamento da multa devida ao praticar o acto fora de prazo e de as efectivamente pagar, ou caso assim não sucedesse, sempre caberia à secretaria providenciar nesse pagamento, nos termos supra referidos .
Daí que, no presente caso, o que se verifica é que os R.R. não se apresentarem na secretaria judicial a requerer a passagem das guias correspondentes à multa devida pela apresentação desse articulado no 3º dia útil posterior ao limite do prazo para contestarem, o que apenas foi verificado pela secretaria em 28/01/2002, data em que se passaram guias nos termos do nº 6 do artº 145º do CPC, que de imediato foram entregues à parte e que nessa mesma data as liquidou .
O que revela um comportamento processual em conformidade com as citadas normas processuais e de custas judiciais, razão pela qual tem de se reputar como válida a apresentação da contestação, nas condições em que ocorreu, não sendo de aceitar a tese defendida na decisão recorrida, de que a parte deveria, no articulado apresentado fora de prazo, pedir a liquidação da multa ou de que deveria ter feito requerimento nesse sentido, sob pena de não ter aplicação o disposto no nº 6 desse artº 145º do CPC .
No sentido exposto pode ver-se a jurisprudência citada nas alegações de recurso apresentadas, designadamente o Ac. STJ de 9/12/1999, in BMJ 492, 395 ( e autores aí citados ), onde muito claramente se escreve que “ a aplicabilidade do disposto nos nºs 5 e 6 do artº 145º do CPC não depende de requerimento do interessado, cabendo à secretaria, oficiosamente, notificar o interessado para pagar « multa de montante igual ao dobro» ... Mesmo que este não formule o pedido de pagamento imediato da multa, há sempre que colocar em movimento, ex officio, os mecanismos contemplados messes dispositivos, até porque a lei não exige a apresentação de qualquer requerimento“ .
No mesmo sentido veja-se o Ac. Rel. Lx. de 10/02/2000, in BMJ 494, pg. 388 .

Actualmente, o comportamento exigível para este tipo de situações de natureza processual é o mesmo, com a diferença de que o pagamento da multa devida deverá ocorrer até ao termo do 1º dia útil posterior ao da prática do acto, com os valores previstos para essa multa, de acordo com as alterações efectuadas nos nºs 5 e 6 do artº 145º do CPC pelo D.L. nº 324/2003, de 27/12 .
Vejam-se, também, os nºs 6 e 8 do anexo à Portaria nº 42/2004, de 14/01, onde se prevê que “ o pagamento de custas, preparos para despesas e multas é efectuado após a emissão, em duplicado, de guias pelo tribunal, ..., sendo que nos casos especiais em que a lei autorize o interessado a solicitar guias para qualquer pagamento, estas são imediatamente emitidas e entregues “ .
Donde se ter de concluir pela necessária revogação do despacho recorrido e do saneador-sentença que dele resultou, constantes de fls. 124 a 133, sendo este último nos termos do artº~201º, nºs1 e 2, do CPC, os quais carecem de ser substituídos por outro despacho que tendo em conta o agora decidido quanto à validade da apresentação da contestação pelos R.R. na data em que tal se verificou, ordene o regular prosseguimento dos autos, nos termos dos artºs 508º e segs. do CPC .
VII
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação deduzida pelos R.R., revogando-se toda a decisão constante de fls. 124 a 133, a qual carece de ser substituída por outra que tendo em conta o agora decidido quanto à validade da apresentação da contestação pelos R.R., na data em que tal se verificou, ordene o regular prosseguimento dos autos, nos termos dos artºs 508º e segs. do CPC .

Custas pelos Recorridos .
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /