Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3138/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. JORGE DIAS
Descritores: SILÊNCIO DO ARGUIDO EM AUDIÊNCIA
DEPOIMENTO DOS AGENTES DE AUTORIDADE
Data do Acordão: 12/10/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: REENVIO DO PROCESSO
Legislação Nacional: ART.º 356 N.º 7 DO CPP
Sumário:

I – O n.º 7 do art. 356.º do CPP não proíbe o depoimento dos agentes da autoridade sobre matéria de que tiverem conhecimento no exercício da sua missão policial.
II – Os agentes da autoridade chamados ao local da ocorrência do acidente, não ficam impedidos de depor sobre factos que aí tiverem conhecimento ainda que seja através de pessoa que venha a ser constituída arguido.
Decisão Texto Integral:

Pag. 6
Recurso nº 3138/03
Processo nº 163/00.5GCAVR, do 1º Juízo Criminal, da Comarca de A.
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença na qual se decidiu absolver o arguido B.
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Inconformado, o Mº Pº apresenta recurso para esta Relação.
Na motivação apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do mesmo:
1- É permitido aos agentes policiais prestar depoimento sobre averiguações que tenham realizado de que tenha resultado a notícia de crime;
2- Tal depoimento é admissível mesmo se compreender conversas mantidas "informalmente" com agentes que futuramente vieram a ser constituídos como arguidos no processo;
3- Ao considerar tal produção de prova não admissível, à luz do disposto nos artºs 356° n° 7 e/ou 129° do C.P.P., a sentença recorrida violou as referidas normas;
4 - A prova produzida - testemunhal e documental - impõe a condenação do arguido pela prática do crime por que foi acusado.
Nestes termos, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que considere a prova produzida válida e, consequentemente, condene o arguido, Vossas Excelências farão Justiça.
Responde o arguido, pedindo se julgue improcedente o recurso e se confirme a sentença recorrida, entendendo que se as declarações não reduzidas a auto estivessesm fora da previsão do nº 7 do art. 356, como defende a recorrente, estaria encontrada a forma de contornar a proibição.
Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A. em parecer fundamentado, entende que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos e realizada a audiência, cumpre decidir:
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È a seguinte a matéria de facto apurada, a motivação da mesma e a explicação dada:
Matéria de Facto Apurada.
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos :
No dia 15.05.00 o arguido B não era titular de carta de condução ou qualquer outro documento equivalente.
O arguido B não tem antecedentes criminais.
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Nada mais se provou, nomeadamente não se provou que no dia 15.05.00, pelas 15h45m, o arguido B conduziu o veículo automóvel de matrícula GR-73-86, pertencente ao arguido C, pela Viela da Fonte, Mataduços, Esgueira, A.
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A convicção do Tribunal alicerçou-se no documento/informação junto a fls. 128 e nos certificados de registo criminal do arguido B juntos a fls. 21 e 123.
Cumpre explicar o seguinte:
Foi absolutamente credível o depoimento das testemunhas D e E - ambos agentes da G.N.R. de A, que na sequência de um acidente de viação em que foi interveniente o veículo referido, investigaram quem era o respectivo dono e quem o conduzia, tendo acabado por contactar os arguidos e ambos lhes referiram que conduziram o veículo naquele dia, o B confirmou que era ele quem o conduzia no circunstancialismo descrito no requerimento acusatório, ambos admitiram que não tinham carta de condução e o arguido José Amaral admitiu também ser o proprietário do mesmo e não ter seguro, nem inspecção periódica obrigatória válida. Assim, o arguido B terá "confessado/dito" a estas testemunhas que conduzira o veículo nas referidas circunstâncias.
Todavia, após reflexão e estudo da questão, entendemos não poder valorar tais depoimentos no que concerne ao que o(s) arguido(s) lhes terá(ão) dito, por serem, nessa parte um meio de prova proibido - e não se tendo produzido em audiência de julgamento qualquer outra prova relativamente ao exercício da condução, até porque o arguido não prestou declarações...
Na verdade, há que ter em conta, desde logo, a proibição constante do art° 356° n° 7 do CPP. Proibição que bem se compreende face ao papel processual que os órgãos de policia criminal assumem, que, embora secundário porque dependente do Ministério Público, não coincide meramente com o de um participante processual corporizando, pois, um determinado interesse processual (o mesmo que o do Ministério Público). Efectivamente, ao tomar declarações ao arguido, o órgão de policia criminal assume uma veste especial de autoridade em nome do sujeito principal para que actua: Ministério Público ou, eventualmente, o juiz. Não é de todo admissível, à luz do nosso direito processual penal de estrutura acusatória, em que vigoram os princípios da imediação, da oralidade e do contraditório, pretendendo-se evitar ao máximo a prova mediata e a subjectivação, que se valorem declarações dos órgãos de policia criminal sobre declarações, mais ou menos confessórias, que lhes terão feito os arguidos. E isto independentemente da distinção, sufragada no Ac. do STJ de 29/3/95 (BMJ n° 445°, p. 279 e ss.), entre declarações formais ou informais, que não podemos acompanhar.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 20/5/92 (CJ, III, p. 31), "Permitindo que os agentes policiais depusessem sobre o conteúdo das declarações que, no exercício das suas funções, receberam do arguido, fazer-se-ia entrar pela janela aquilo que (a lei) se fez sair pela porta, ou seja, o secretismo das declarações prestadas por este último". É que é desde logo um dos direitos do arguido não responder a perguntas feitas por qualquer entidade sobre factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar (cfr. Artºs 61°, n° 1, alínea c), 141°, n° 4 e 343°, n° 1, do CPP). Por isso também estabelecem os artºs 356°, nos seus nºs 3, alínea b), e 6, e 357°, nitidamente em correlação com o n° 7 daquele primeiro artigo, que as declarações do arguido anteriormente prestadas apenas podem ser lidas ou referidas, quando existirem contradições ou discrepâncias com as que ele prestar em audiência, pelo que se o arguido exercer o seu direito de as não prestar em audiência, já elas não podem ser lidas ou referidas.
Se o que resulta daquele n° 7 em conjugação com o n° 2 do mesmo artigo é a proibição de prestação de declarações pelos órgãos de polícia criminal relativamente a declarações que sempre seriam de leitura proibida, então, no caso presente, não existindo tais declarações escritas, que sempre seriam assinadas pelo arguido, não se pode admitir testemunho sobre eventuais declarações confessórias do arguido cuja veracidade é negada pelo depoimento do próprio arguido, sendo que a lei reconhece ao arguido não só o direito ao silêncio, portanto, a nada dizer ou, então, a dizer apenas o que bem entender, quase se consagrando um direito a mentir, na medida em que se lhe não exige um dever de auto-incriminação - neste sentido José Damião da Cunha, "O Regime Processual de Leitura de Declarações", in Rev. Port. de Ciência seria fazer confundir, na mesma pessoa, vários papéis processuais, arguido e testemunha, correndo-se o risco de retirar qualquer sentido ou conteúdo útil ao princípio nemo tenetur se ipsum accusare e conduzindo "à solução, muito próxima de uma visão inquisitória, de o arguido testemunhar (indirectamente) contra si próprio" - José Damião da Cunha, ob. cit. p. 430.
O problema aqui não é só, estarmos, eventualmente, perante um depoimento indirecto ou de "ouvir dizer" - um agente que testemunha sobre o que outra pessoa disse que fez, estando essa pessoa presente em audiência e podendo ser ouvida, se quiser falar, em regra não admitido - cfr. Art. 129° do CPP. Aliás, nem sabemos como se pode configurar um depoimento de " ouvir dizer" relativamente a um sujeito processual, ao próprio arguido, que não pode ser testemunha porque não se lhe pode exigir que se auto-incrimine.
O arguido não só não está obrigado a falar, como também, se falar, não está obrigado a fazê-lo com verdade (cfr. Artº 61° n° 1, alínea c) do CPP). O testemunho indirecto só é admissível para uma testemunha indicar outra testemunha. Mas mais importante ou premente ainda que dilucidar da natureza de depoimento indirecto das referidas declarações, é a constatação de que se se admitir e valorar este tipo de depoimento "indirecto" dos órgãos de polícia criminal, está-se a onerar a defesa e a impor ao arguido que abandone o exercício do seu direito ao silêncio para se contrariar enquanto objecto da prova e não já exercendo o contraditório na sua qualidade de sujeito relativamente à prova produzida em julgamento.
Existiria aqui quase uma coacção sobre o arguido para que prestasse declarações, quando, por força do que dispõe o artº 357° do CPP, se as afirmações que os órgãos de polícia criminal fazem relativamente a declarações suas estivessem reduzidas a escrito, não poderiam nunca, face ao seu silêncio, ser lidas.
Ademais, na verdade, como já se referiu, não parece fazer qualquer sentido que o sujeito da prova - o titular do direito do contraditório - coincida com o objecto da prova, isto é, seja o objecto do contraditório.
Entendemos, uma vez tudo isto ponderado e tendo em atenção uma ideia de concordância prática com os princípios fundamentais da prova, conforme já foi aliás anteriormente expresso pelo STJ (Ac. de 26/6/91, in CJ, 1991, III, p. 34), que "a realização do ideal de justiça constitui um dever dos Tribunais (..) Só que existem várias formas de atingir esse ideal. O actual, consignado na lei, visando, talvez excessivamente a protecção das garantias de defesa, veio, entre outras prescrições, determinar que fundamentalmente, as provas com valor probatório especial, nomeadamente para a formação da convicção do tribunal, serão apenas e só, salvas raríssimas e apertadas excepções, as produzidas em julgamento (artº 355° do CPP).
Daí que as partes, nomeadamente as da acusação e entre elas, como é óbvio, o Ministério Público, devem ter todo o cuidado para que no julgamento possam e sejam produzidas, sob pena de não serem admitidas ou não terem valor probatório ".
Não podem, certamente, ser razões de dificuldade de prova a justificar a derrogação de preceitos legais imperativos e que tocam com garantias processuais penas do estatuto do arguido, constitucionalmente tutelado (cfr . art° 32° nos 1 e 2, da CRP).
O fim de todo o processo é a verdade material, mas a descoberta dessa verdade tem que ser feita de uma forma processualmente admissível, o que assume especial relevo num processo de estrutura acusatória, não se devendo olvidar nunca o princípio da presunção de inocência que tem consagração constitucional (cfr. art° 32° n° 2 da CRP).
Do que ficou exposto supra, não se conclua no sentido da inadmissibilidade total dos órgãos de polícia criminal prestarem declarações. Pelo contrário, eles podem e devem fazê-lo, mas tal depoimento só é admissível e só deve ser tido em conta na medida em que versar sobre factos de que tenham conhecimento directo ( obtido por meios diferentes das declarações que receberam do arguido no decurso do processo, ainda que também possam ter ouvido declarações do arguido, cuja leitura não seja permitida em julgamento), só não podendo ser objecto do seu depoimento os conhecimentos que tiverem obtido exclusivamente através depoimentos cuja leitura seja proibida ou que deveriam ter sido reduzidos a auto e não foram, sendo a leitura desse auto também proibida (Acs. S.T.J. de 13 de Maio de 1992, Colectânea de Jurisprudência, II, pág. 13 e 19 e de 20 de Maio de 1992, Colectânea de Jurisprudência, II, pág. 31). Porquanto, as declarações que prestarem no processo fundam-se em factos que presenciaram directamente e restringir-se-ão a essa materialidade, sem necessidade de apelar para as declarações do arguido como forma de completar a prova feita, preenchendo os espaços omissos nesta para que, com recurso, eventualmente, a presunções judiciárias, o tribunal consiga imputar o facto ao agente e dar por verificados todos os elementos do tipo. Em suma, mesmo um raciocínio lógico-dedutivo do julgador, baseado em presunções judiciárias não pode ter, como facto conhecido do qual se há-de inferir o facto desconhecido, as declarações ouvidas ao arguido por aqueles órgãos de polícia criminal, mas tão só os factos por estes presenciados no decurso da sua actividade investigatória, ainda que coincidam com declarações que lhes foram prestadas pelo arguido. O que se proíbe é a declaração sobre as declarações do arguido.
Para além disso, lembre-se ainda que as declarações prestadas por uma pessoa a um órgão de polícia criminal (ou mesmo a uma autoridade judiciária) antes de ser formalmente constituída arguido, não podem ser utilizadas no processo (cfr. Arts.59 nº 3 e 58 nº do CPP), pelo que também não podem estes órgãos ser admitidos a depor sobre tais declarações.
É nestes termos, pois, e com estes fundamentos que se dá como não provado que o arguido tenha conduzido o veículo.
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Conhecendo:
A questão a decidir no recurso respeita exclusivamente à validade do depoimento prestado em audiência de julgamento pelos agentes da autoridade.
Nesta parte, a sentença encontra-se bem fundamentada, e posição idêntica já nós perfilhamos, deixando, porém, de o fazer.
Acresce que in casu se verificam nuances que afastariam a tese perfilhada na sentença recorrida, caso a mesma fosse de sufragar.
Como resulta da motivação/explicação supra transcrita, os depoimentos prestados em audiência pelos agentes da autoridade resultaram, além do mais, do que ouviram aos intervenientes em acidente de viação, (B e C), sendo certo que arguido nos autos e cujo julgamento se efectua é apenas o B , pelo que ultrapassado se encontrava qualquer obstáculo, nomeadamente o referido na fundamentação. Os agentes da autoridade tiveram conhecimento dos factos por quem não é arguido nos autos.
Acresce que, como se verifica do processo, a única participação dos agentes da autoridade resume-se ao auto de notícia efectuado pelo autuante D. Não tiveram qualquer participação na investigação, pelo que não procederam à tomada de declarações escritas a arguido, constantes de auto e cuja leitura em audiência fosse proibida pelo art. 356 nº 7 dp CPP.
O recurso ora interposto é-o da sentença efectuada após o reenvio do processo.
E, no acórdão que ordenou o reenvio (fls. 115 a 119) já foi solucionada a questão ora em apreciação.
Aí se concluiu: “Não se trata da previsão do nº 1 do art. 129, pois as testemunhas disseram o que ouviram a pessoas determinadas e estas foram chamadas a depor (não depuseram por outras razões) nem estas estavam nas condições ali previstas”, “e como relataram apenas factos de que tiveram conhecimento directo, que funcionaram como prova indirecta e não se trata de depoimentos que tivessem sido prestados pelos arguidos, não é aplicável o disposto no art. 356, nº 7, como alegam na conclusão 8ª, nem são de colher o que dize nas conclusões 9ª, 10ª e 11ª”.
Ao decidir-se como se decidiu na sentença recorrida, foi em contrário do determinado no acórdão de fls. 115 a 119.
Mas, também entendemos que deveria ter sido valorada a prova prestada pelos agentes da autoridade.
Trata-se de um meio legal de obtenção de prova.
Refere o art. 356 nº 7 do Cód. Proc. Penal que os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, ou quaisquer pessoas que, a qualquer titulo, tenham participado na sua recolha, não podem ser inquiridas sobre o conteúdo daquelas.
Tendo o arguido declarado não desejar prestar declarações, a leitura das que prestou no inquérito ou instrução não é legalmente permitida, não se verificam os pressupostos dos arts. 356 ou 357 do Cód. Proc. Penal- Cfr. Ac. STJ de 24-02-93, in Col. Jurisp., tomo I, pág. 202.
Porém, já assim não é quando os agentes da auoridade obtêm conhecimento dos factos por modo diferente das declarações do arguido reduzidas a auto.
Mesmo se obtidas em reconstituição dos factos.
O Ac. STJ, de 11-12-96, in BMJ 462-299, veio considerar meio diferente da obtenção de prova a obtida com base em declarações do arguido reduzidas a escrito, das obtidas através do que se terá passado no reconhecimento/ reconstituição. Aí se entende que no nº 7 do art. 356 não está abrangida a situação de as testemunhas, mesmo fazendo parte de órgão de polícia criminal, obterem conhecimento dos factos em autos de reconstituição do crime.
Consta do sumário desse Acórdão "II- Os agentes da Polícia Judiciária não ficam impedidos de depor sobre factos de que tiveram conhecimento directo por meios diferentes das declarações do arguido no decurso do processo. III- Os agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessa reconstituição, por esta situação não estar abrangida pelo nº 7 do art. 356 do Código de Processo Penal."
Poderiam as testemunhas, órgãos de polícia criminal, depor sobre factos de que possuam conhecimento directo obtido por meios diferentes das declarações que receberam do arguido no decurso do processo- Cfr. Ac. do STJ, de 24-02-93, citado.
Esta a orientação que tem vindo a ser seguida, indicando-se como mais recente conhecida, o Ac. do STJ. 11-07-2001, in Col. Jurisp., Acs. do STJ, tomo III, pág.166, sendo de salientar o aí referido "cabe aos tribunais agir com total independência na interpretação da lei no caso concreto, sendo que o fim do processo, como tem sido sublinhado com insistência, não é apenas o da descoberta da verdade a todo o transe, mas a descoberta usando regras processualmente admissíveis e legítimas. A elaboração de tais regras compete, na organização dos Poderes do Estado, a outros Órgãos que não os judiciais, vocacionados para a ponderação, dos interesses relevantes, à luz dos princípios vertidos na Constituição da República e em documentos internacionalmente consagrados".
E, considera regra processualmente legítima de obtenção de prova toda a que tiver sido colhida por meios diferentes das declarações do arguido.
Os agentes da autoridade tiveram conhecimento directo de factos através de um meio de obtenção da prova, diferente da confissão do arguido em declarações reproduzidas em auto.
Assim, essa prova deveria ter sido valorada para a fundamentação da matéria de facto, devendo o Tribunal considerá-la como prova válida para determinar da autoria dos factos. É prova válida e atendível, apesar de o arguido ter dito não querer prestar declarações, quando informado nos termos do disposto no art. 343 nº 1 do Cód. Proc. Penal.
O conhecimento dos agentes da autoridade não foi obtido em cumprimento de determinações judiciais ou judiciárias, mas antes na missão policial que lhes competia efectuar.
Os agentes da autoridade constataram a ocorrência de um acidente de viação (despiste) em que foi interveniente um véiculo automóvel, que tinha necessariamente de ser conduzido por alguem, tendo cosntatado que era pelo ora arguido.
Constataram-no pelas declarações dos ocupantes desse veículo, o ora arguido e o C, antes de ser iniciado o processo e em cuja investigação não participaram.
Este C, dono do veículo acidentado (não arguido nos autos) foi quem identificou o condutor da viatura quando o veículo se despistou.
Só posteriormente os agentes da autoridade vieram a ter conhecimento da prática do crime (condução de veículo automóvel sem habilitação legal), quando contactaram com o aqui arguido e este não tinha carta de condução para lhes exibir.
A prova pelos mesmos agentes produzida deve ser valorada.
Devendo essa prova ser valorada e não o sendo, verifica-se Contradição insanável da fundamentação, ou entre a fundamentação e a decisão, vício elencado no art. 410 nº 2 al. b), do CPP.
Não se atendendo à prova produzida (somente por se considerar prova não válida) e tendo-se o depoimento das testemunhas como “absolutamente credível”, existe essa contradição.
Seguindo o Ac. do STJ de 12-10-1999, in BMJ 476-91 e nomesmo sentido o Ac. do STJ de 13-10-1999, in Col. Jurisp. tomo III, pág. 186, “existe este vício, conforme entendimento generalizado, quando de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados, entre os faxctos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal”.
Ou seja, para se verificar contradição insanável a que se reporta a referida al.b), têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como se verifica nos autos, dar um facto como não provado e fundamentar (pelos motivos referidos supra) alegando que se fez prova positiva.
Considerando aquela prova válida, como consideramos, ficamos perante um raciocínio incoerente a traduzir um critério afastado da experiência comum.
Pelo que a prova produzida impunha que se tivesse dado como provado que o arguido era o condutor do veículo automóvel na altura em que se deu o despiste.
Podendo eventualmente este tribunal dar como provado este facto (possibilidade de decisão da causa –art. 426 nº 1 do CPP), não continha a sentença elementos que permitissem escolher e determinar a medida da pena –arts. 70 e 71 do Cód. Penal.
Daí a necessidade do reenvio.
Decisão:
Tendo em conta o exposto acordam em determinar o reenvio do processo para apuramento dos factos que resultarem da validação da prova produzida pelos agentes da autoridade e, sendo caso disso, os necessários à escolha e determinação da medida concreta da pena.
Sem tributação.
Coimbra,