Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1342/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: ACÇÃO DO ART.º 205º DO CPEREF
FORMA DE CITAÇÃO DOS CREDORES DA FALÊNCIA
Data do Acordão: 05/24/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE PORTO DE MÓS - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 205º DO CPEREF .
Sumário: I – A acção de verificação ulterior de créditos ou destinada ao exercício do direito à separação ou restituição de bens, prevista no artº 205º do CPEREF, deve ser intentada não só contra os credores do falido mas também contra o falido, nos termos do artº 28º do CPC , sob pena de ilegitimidade passiva .

II – O artº 205º, nº 1, do CPEREF, é taxativo ao determinar que a citação dos credores se faz por éditos de 10 dias, sem distinguir espécies de credores – titulares ou não de inscrições no registo predial, pessoas colectivas ou não, e sem pressupor quaisquer diligências prévias .

Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
A A..., com sede na Rua do Infante D. Fernando, nº 2, 2440 Batalha, intentou, em 09/08/2004, ao abrigo do disposto no artº 205º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), por apenso aos autos de falência em que é requerida “B...”, acção declarativa, com processo comum e forma sumária, contra a Massa Falida e os credores da dita requerida, pedindo para se decretar que “o imóvel apreendido, descrito na Conservatória do Registo Predial da Batalha sob o n° 5304/Batalha, seja separado da massa falida, ordenando-se o cancelamento da inscrição F-2, correspondente à apresentação 12 de 18/06/04, na medida em que tal bem faz parte do descrito na mesma Conservatória sob o n° 2249/Batalha e aí está inscrito em favor da autora, como sua proprietária que é”.
O despacho liminar proferido nos autos foi o seguinte:
“Cite os credores por éditos de dez dias (artº 205º, nº 1, CPEREF).
Dê conhecimento da p. i. ao Sr. Liquidatário Judicial”.
Citados, por éditos de dez dias, os credores e não tendo sido apresentada qualquer contestação, foi proferida a sentença de fls. 88 e 89, julgando a acção procedente, reconhecendo a A. como dona e legítima proprietária do bem imóvel identificado como verba nº 1 do auto de apreensão apresentado em 13/02/2004 e que consta do apenso “C” e ordenando a restituição à Autora de tal bem imóvel, ao qual corresponde a descrição predial n°05304/150301 da freguesia da Batalha, e o cancelamento na Conservatória do Registo Predial da Batalha da inscrição “F-2” (ap. 12/180604) relativa a tal prédio.
Surgiu, então, o Instituto de Segurança Social, I.P. (Centro Distrital de Segurança Social de Leiria), com sede no Largo da República, 3, 2414 - 001 Leiria, na qualidade de credor reclamante, a interpor recurso, que foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado, e com efeito meramente devolutivo.
Na alegação de recurso que apresentou, o recorrente formulou as conclusões seguintes:
1) A sociedade B...., foi declarada falida em 8 de Outubro de 2003 por sentença pacificamente transitada em julgado, tendo a Segurança Social reclamado os seus créditos privilegiados sobre a massa falida.
2) Posteriormente, em 16 de Novembro de 2004, o ora recorrente teve conhecimento, através do Sr. Liquidatário Judicial, da existência de um apenso relativo à acção de processo sumário nos termos do art.º 205.º do CPEREF, instaurada em 9 de Agosto de 2004 pela A..., e da sentença que julgou procedente o pedido de restituição à autora do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Batalha sob o n.º 5304, da freguesia da Batalha, apreendido para a massa falida.
3) A decisão do Tribunal a quo fundamentou-se na inexistência de qualquer impugnação dos factos alegados pela autora, considerando-se os mesmos confessados pelos réus.
4) Na realidade, a não impugnação dos factos articulados na P.I. deveu-se à falta de citação para contestar a acção.
5) A Segurança Social, para além de credora reclamante nos autos de falência, é titular da inscrição hipotecária C-1, referente à Ap. 10/231003, que incide sobre o referido prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Batalha sob o n.º 5304, da freguesia da Batalha.
6) Aquela hipoteca foi constituída nos termos do art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, para garantia do pagamento de contribuições e respectivos juros de mora da responsabilidade da sociedade, ora falida, “B...”, proprietária do imóvel.
7) No relatório da sentença refere-se que “Procedeu-se à citação edital dos credores, não tendo sido apresentada contestação à reclamação, seja por parte dos credores, seja por parte do Sr. Liquidatário Judicial da massa falida”
8) Sucede que, apesar de o art.º 205.º do CPEREF apenas referir que a acção deve ser “proposta contra os credores”, o certo é que, a acção terá que ser proposta também contra o falido, na pessoa do Liquidatário Judicial (neste sentido, entre outros, Ac. STJ, de 04/06/98:BMJ, 478.º, 274; Ac. TRG, de 06/10/04, proc.º 1535/04-1) e, visando a restituição de um imóvel, contra todos os titulares inscritos no respectivo Registo Predial.
9) A citação para a acção deverá respeitar as regras previstas no Código de Processo Civil, dado que com a criação do CPEREF autonomizou-se do processo civil o regime especial destinado à recuperação da empresa e da falência, mas manteve-se e mantém-se intacto o regime geral do Código de Processo Civil.
10) A Segurança Social, titular de hipoteca legal constituída sobre o prédio objecto de litígio, anterior à propositura da acção, deveria ter sido citada pessoalmente, atendendo que no caso não existe incerteza do citando, nem do lugar onde se possa encontrar,
11) Os elementos de identificação do ora recorrente constam dos autos principais de falência e da Certidão do Registo Predial referente ao prédio supra identificado.
12) Para além de não ser admissível a citação edital de pessoas colectivas, sem antes se dar cumprimento ao previsto no art.º 231.º e 237.º do Código de Processo Civil, neste sentido o Ac. TRL de 12/04/84, CJ, II, pág. 134.
13) O que, nos presentes autos, não sucedeu.
14) Empregando-se indevidamente a citação edital quanto ao ora recorrente e quanto à sociedade falida, que deveria ter sido citada na pessoa do Sr. Liquidatário Judicial, para a morada deste.
15) Verifica-se, assim, atendendo ao disposto no art.º 195.º, al. c) do Código de Processo Civil, que houve falta de citação.
16) Resulta do exposto que foi violada a Lei e em especial as regras respeitantes à citação, nomeadamente os art.º 233.º, 231.º, 237.º do Código de Processo Civil.
Contra – alegaram a A... e o Ministério Público, ambos defendendo a manutenção da decisão sob recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas apenas as questões de saber contra quem deverão ser propostas as acções intentadas nos termos do artº 205º, nº 1 do CPEREF e qual a forma como os demandados deverão ser citados.

Há que referir, desde já, que, face à data da propositura da acção (09/08/2004), é aplicável o já revogado CPEREF, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 315/98, de 20/10, e não o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Dec. Lei nº 53/2004, de 18/03, o qual entrou em vigor em 15/09/2004 e não tem aplicação aos processos já pendentes nessa data.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
3.1.1. Nos autos de falência nº 917/03 do 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Porto de Mós, em que é requerente a Caixa Económica Montepio Geral e requerida B..., foi apreendido o prédio urbano, sito em Amieira, freguesia e concelho da Batalha, composto por pavilhão amplo, destinado a comércio, e logradouro, com a superfície coberta de 600 m2, e logradouro com 800 rn2, a confrontar do norte com Joaquim Amado Monteiro dos Santos e Mercês Amado Monteiro dos Santos, sul “ Cobermetal – Coberturas Metálicas, Lda.”, nascente Estrada Nacional n° 1 e poente José Carreira Fino, inscrito na matriz respectiva sob o artº 6795 e descrito na Conservatória do Registo Predial da Batalha sob o n° 5304/Batalha.
3.1.2. Essa apreensão foi registada na Conservatória do Registo Predial da Batalha pela inscrição F-2, correspondente à apresentação 12 de 18/06/2004.
3.1.3. Sobre o dito imóvel recaía já a inscrição C-1, correspondente à apresentação 10 de 23/10/2003, referente a uma hipoteca legal a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, para garantia do pagamento de contribuições.
3.1.4. O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social O Instituto de Segurança Social, I. P. é o legal sucessor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. reclamou o seu crédito, que foi reconhecido, nos autos de falência referidos em 3.1.1..
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3.2. De direito
3.2.1. Legitimidade passiva
Estipulava o artº 205º do CPEREF:
1. Findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda novos créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, por meio de acção proposta contra os credores, efectuando-se a citação destes por éditos de 10 dias”.
2. A reclamação de novos créditos, nos termos do número anterior, só pode ser feita no prazo de um ano subsequente ao trânsito em julgado da sentença de declaração de falência.
3. Proposta a acção, há-de o autor assinar termo de protesto no processo principal da falência; os efeitos do protesto caducam, porém, se o autor deixar de promover os termos da causa durante 30 dias.
Em comentário ao aludido preceito legal, dizem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda CPEREF Anotado, 3ª edição, pág. 493. que “embora a lei não o diga expressamente, não pode deixar de se entender que a acção tem igualmente de ser proposta contra o falido. Ele é, com efeito o primeiro lesado com o reconhecimento eventual de mais um crédito. E, por isso, tem necessariamente de ser admitido a contestar, para o que há-de figurar como réu. O mesmo se diga relativamente à separação ou restituição de bens”.
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04/06/1998 B.M.J. nº 478, pág. 274. adoptou-se o mesmo entendimento, constando do respectivo sumário que “a acção de verificação ulterior de créditos prevista pelo artigo 205.° do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência deve ser intentada, não só contra os credores, como aí expressamente se exige, mas ainda contra o falido, nos termos do artigo 28. ° do Código do Processo Civil, pois que, sem essa intervenção, a decisão aí proferida não produzirá o seu efeito útil normal” Cfr. ainda:
- no mesmo sentido, Ac. STJ de 05/03/2002, Sumários de Acórdãos do Supremo, nº 59 (Março), pág. 17; Ac. STJ de 09/07/2002 (Relator: Cons. Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt/jstj; e Ac. Rel. Porto de 11/01/1999, in BMJ, nº 483, pág. 275;
- contra: Ac. Rel. Lisboa de 04/06/1996, in BMJ, nº 458, pág. 387 e Ac. Rel. Porto de 13/03/2000, in CJ, XXV, II, 195. .
Pelas razões elencadas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/07/2002, referido na nota de rodapé anterior, para o qual, com a devida vénia, se remete, afigura-se-nos que, como o recorrente defende, a acção prevista no artº 205º do CPEREF, destine-se ao reconhecimento de novos créditos ou ao exercício do direito à separação ou restituição de bens, deve, sob pena de ilegitimidade passiva, ser proposta contra os credores e o falido.
Sendo que, nos termos do nº 2 do artº 147º, a representação deste incumbe ao liquidatário judicial.
Como a A. intentou a acção contra a “Massa Falida de B...” e contra “Credores da Massa Falida de B...”, não se coloca qualquer questão de ilegitimidade.
É certo que o Mº Juiz “a quo”, no despacho liminar, mandou citar os credores por éditos de dez dias e apenas dar conhecimento da petição inicial ao Sr. Liquidatário Judicial. E que dos autos não resulta, sequer, que tal conhecimento tenha sido dado.
Contudo, o Sr. Liquidatário foi notificado, por carta registada expedida em 11/11/2004 (cfr. duplicado de fls. 91), da sentença proferida nos autos, tendo mesmo sido ele, segundo refere o recorrente no requerimento de interposição do recurso e na alegação respectiva (cfr. fls. 95 e 117), quem dela lhe deu conhecimento, através de fax remetido em 16/11/2004.
E não arguiu a falta da sua citação, nem da sentença interpôs recurso.
Em tais circunstâncias, a nulidade resultante da falta de citação do falido, representado pelo Sr. Liquidatário Judicial, deve considerar-se sanada (artº 196º do Cód. Proc. Civil), dela não podendo o recorrente extrair quaisquer consequências processuais.

O recorrente sustenta também, na conclusão 8ª, que, visando a acção a restituição de um imóvel, deve ser proposta ainda contra todos os titulares inscritos no respectivo Registo Predial.
Contudo, nem o recorrente indica, nem se vislumbram, razões para tal.
Ao que acresce que o recorrente, para além de titular inscrito no Registo Predial, é credor reclamante, contra ele tendo sido, nessa qualidade, intentada a acção.
É certo que na petição inicial não foram os credores individualizados e que o mesmo sucedeu na citação edital realizada.
Como, na vigência do regime jurídico da falência previsto no Cód. Proc. Civil, escrevia Pedro Macedo Manual do Direito das Falências, II volume, págs. 358/359., “é uso fazer-se referência apenas a credores da massa falida sem proceder à sua individualização. Normalmente, essa prática não oferece inconvenientes de maior uma vez que a verificação do passivo também corre por apenso e, pela sua consulta, fácil é determinar quem são os credores”.
Não havia, pois, necessidade de individualizar, seja na petição inicial, seja nos éditos, os credores da massa falida, sejam eles credores comuns ou titulares inscritos no Registo Predial.
Também nessa parte improcede a argumentação do recorrente.
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3.2.2. Forma da citação dos credores
Apesar da letra do nº 1 do artº 205º do CPEREF, o recorrente sustenta que a citação para a acção visando a insinuação tardia Designação expressiva, usada por Pedro Macedo, Ob. Cit., pág. 356. deverá respeitar as regras previstas no Código de Processo Civil, dado que com a criação do CPEREF autonomizou-se do processo civil o regime especial destinado à recuperação da empresa e da falência, mas manteve-se e mantém-se intacto o regime geral do Código de Processo Civil.
Não custa aceitar que, na parte adjectiva, o Código de Processo Civil, como lei geral que é, funcione como direito subsidiário do CPEREF, que, relativamente àquele, é claramente lei especial.
Contudo, é óbvio que, estatuindo expressamente o CPEREF sobre determinada questão, é essa estatuição que prevalece e tem aplicação, não fazendo sentido, em tais circunstâncias, recorrer ao Código de Processo Civil ou a qualquer outro direito subsidiário.
Ora, o artº 205º, nº 1 do CPEREF é taxativo ao determinar que a citação dos credores se faz por éditos de 10 dias, sem distinguir espécies de credores – titulares ou não de inscrições no Registo Predial, pessoas colectivas ou não – e sem pressupor quaisquer diligências prévias. E “ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”.
Não assiste, pois, razão ao recorrente ao pretender que deveria ter sido pessoalmente citado e que, não o tendo sido, foi a citação edital indevidamente empregue e houve falta de citação.

Soçobram, portanto, todas as conclusões da alegação do recorrente, o que implica a improcedência da apelação e a manutenção da sentença sob recurso.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Coimbra,